RE - 53376 - Sessão: 23/10/2017 às 18:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JAQUES DANIEL AULER contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em face da ausência de apresentação dos gastos com serviços de advocacia e contabilidade, da existência de despesas com combustível sem a correspondente escrituração da locação ou cessão do veículo correspondente, da falta de entrega dos relatórios financeiros de campanha, e da realização de despesas no importe de R$ 200,00 (duzentos reais) sem a emissão de cheque nominal ou transferência bancária, fatos que caracterizam descumprimento dos arts. 29, § 1º, 48, inc. I, al. “d”, 43, § 2º e 32 da Resolução TSE n. 23.463/15 (fls. 33-34v.).

Em razões recursais (fls. 37-41), o candidato alega que a despesa realizada com a contratação dos serviços advocatícios foi sanada com a apresentação do respectivo contrato de prestação de serviços. Aduz que as despesas de contabilidade foram suportadas pelo órgão partidário. Sustenta ter juntado cópia de contrato de locação de veículo para justificar as despesas com combustível. Esclarece que a omissão no envio dos relatórios financeiros não representa ato de má-fé, mas apenas um lapso. Afirma que outros dois candidatos tiveram as contas aprovadas com ressalvas, nas quais foram identificadas semelhantes inconsistências. Justifica que, apesar da ausência de cheque nominal ou transferência bancária, as despesas tramitaram na conta-corrente e foram devidamente escrituradas, devendo ser aplicável o regramento alusivo ao Fundo de Caixa, que dispensa a formalidade. Ao final, pugna pela aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade em decorrência do valor diminuto dos gastos realizados. Requer a reforma da sentença para aprovar as contas, com ou sem ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 47-50).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, passo a analisar as razões de reforma.

Relativamente às despesas com advogado e contador, assiste razão ao recorrente.

O egrégio TSE pacificou sua jurisprudência no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processos jurisdicionais não são considerados gastos eleitorais de campanha, consoante ilustram os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. Desaprovação. Candidato. Deputado estadual.

1. Não houve impugnação do fundamento da decisão agravada de ausência de indicação de julgado para comprovar o dissídio jurisprudencial em relação à falha atinente à arrecadação de recursos de origem não identificada. Incidência da Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça.

2. Tendo o candidato sido intimado para sanar as falhas apontadas no relatório preliminar, os documentos apresentados intempestivamente não podem ser conhecidos, por incidência da regra da preclusão. Precedente: AgR-REspe nº 222-86, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.10.2015.

3. Os serviços advocatícios de consultoria prestada aos candidatos no curso das campanhas eleitorais constituem atividade-meio e, como acessórios da campanha eleitoral, devem ser contabilizados como gastos eleitorais. Precedentes.

4. Os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade relacionados com processo jurisdicional-contencioso não podem ser considerados como gastos eleitorais de campanha nem estão sujeitos à contabilização ou à limitação que possa impor dificuldade ao exercício da ampla defesa.

5. Agravo regimental que deve ser negado, pois o afastamento da irregularidade relativa à ausência de contabilização dos honorários do advogado e do contador que assinaram a prestação de contas não é suficiente para reformar a decisão que rejeitou as contas do candidato, em virtude da manutenção da irregularidade relacionada à existência de recursos de origem não identificada relativa às transferências de recursos pelo órgão partidário sem a identificação do doador originário. Agravo regimental não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 77355, Acórdão de 1°.3.2016. Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE- Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.4.2016, Páginas 53-54.) (Grifei.)

Destarte, é necessário distinguir a consultoria jurídica, que constitui atividade-meio em campanhas eleitorais, da representação processual em feitos judiciais.

Nesse sentido, o TSE, em 1º de março de 2016, editou a Resolução TSE n. 23.470/16, alterando a redação do § 1º e acrescentando o § 1º-A ao art. 29, de modo a consagrar a referida diferenciação, verbis:

Art. 29. […]

§ 1º As contratações de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade prestados em favor das campanhas eleitorais deverão ser pagas com recursos provenientes da conta de campanha e constituem gastos eleitorais que devem ser declarados de acordo com os valores efetivamente pagos.

§ 1º-A Os honorários referentes à contratação de serviços de advocacia e de contabilidade relacionados à defesa de interesses de candidato ou de partido político em processo judicial não poderão ser pagos com recursos da campanha e não caracterizam gastos eleitorais, cabendo o seu registro nas declarações fiscais das pessoas envolvidas e, no caso dos partidos políticos, na respectiva prestação de contas anual.

Colaciono ainda ementa de recente julgado deste Regional:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Contabilização de serviços advocatícios. Art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Parecer conclusivo e manifestação ministerial de piso pela rejeição das contas. Proferida sentença de desaprovação sem que tenha sido oportunizada prévia manifestação à candidata acerca das irregularidades apontadas, conforme previsão do art. 64, § 4º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Decisão consubstanciada na ausência de registro de gastos e dos respectivos recibos, referentes à contratação de serviços advocatícios durante a prestação de contas. Ainda que, nesta instância, tenha sido verificado o vício procedimental, deixa-se de reconhecer de ofício a nulidade, em virtude da possibilidade de decisão favorável quanto ao mérito, sem representar qualquer prejuízo à interessada.

Diferenciação conceitual entre o serviço advocatício prestado em processo judicial contencioso e o serviço de consultoria jurídica realizado em favor das campanhas eleitorais. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os honorários relativos aos serviços advocatícios e de contabilidade referentes a processo jurisdicional contencioso não são considerados gastos eleitorais de campanha. Situação distinta do serviço de consultoria, atividade-meio prestada durante a campanha eleitoral, paga com recursos provenientes da conta de campanha, constituindo gasto eleitoral que deve ser declarado de acordo com os valores efetivamente pagos. Inteligência do disposto no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Demonstrada a outorga da procuração no mês de outubro de 2016, excluindo a obrigação contraída do rol de despesas de campanha. Não identificada impropriedade ou irregularidade na prestação, devem ser aprovadas as contas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 24846, Acórdão de 07.3.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09.3.2017, Página 5.) (Grifei.)

No caso dos autos, a procuração geral de foro, outorgada em 1º.11.2016, após o pleito, por meio do instrumento particular de fl. 12, tem por objeto representar o candidato junto à Justiça Eleitoral, razão pela qual se subsume à norma prevista no § 1º-A do art. 29 da Resolução TSE n. 23.463/15. Semelhante silogismo é aplicável em relação aos serviços de contabilidade.

Nesse passo, a mens legis contida no art. 29, §§ 1º e 1º-A, da Resolução TSE n. 23.463/15 tem em consideração a imprevisibilidade quanto ao momento e à sorte das ações judiciais eleitorais, às quais está sujeito o candidato tanto durante quanto após encerrada sua campanha, sendo consequência a indefinição também sobre seus dispêndios com a representação processual respectiva.

Desse modo, ainda que anteriores ao dia da eleição e envolvendo processos judiciais diversos da prestação de contas, “não são considerados gastos eleitorais as despesas relativas à atuação contenciosa, na qual a atividade advocatícia se destina à defesa dos interesses do candidato ou do partido político em juízo, e não à promoção de sua campanha eleitoral” (TSE – AgR-AgI n. 87662, Acórdão de 13.9.2016, Relatora Min. ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA, Publicação: DJE, 23.9.2016, Páginas 53-54).

No que se refere à existência de gastos com combustível sem a escrituração da locação ou cessão do veículo correspondente, há que se ressaltar que, no prazo assinalado para manifestação, o recorrente juntou termo de cessão sobre uso de veículo para justificar as despesas com combustível. Apresentou também documento de circulação do bem (fls. 26-28).

Apesar da omissão inicial, a partir dos documentos acostados, é possível inferir que Valéria Seckler Auler, cônjuge do candidato, é proprietária de um automóvel I/Hyundai, ano 2008, o qual foi disponibilizado para utilização em sua campanha eleitoral, nos termos do art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

No tópico, em que pese não ter sido retificada a escrituração, analisando a moderação das cifras envolvidas, entendo que essa irregularidade representa aspecto meramente formal. Ademais, saliento que restou demonstrada a propriedade do bem antes do período de campanha eleitoral.

Quanto à falta de entrega dos relatórios financeiros de campanha na forma e no prazo estabelecidos no art. 43 da multicitada resolução, há que se ressaltar que a referida ausência, malgrado comprometa a publicização das contas durante o período eleitoral, não impede a fiscalização pela Justiça Eleitoral quanto à arrecadação e à aplicação dos recursos (art. 80 da Resolução TSE n. 23.463/15), tampouco inviabiliza a sua análise na ocasião da apresentação final das contas, razão pela qual se trata de inconsistência ensejadora apenas de ressalva na escrituração.

Por fim, no tocante à realização de despesas no importe de R$ 200,00 (duzentos reais) sem a observância da forma de cheque nominal ou transferência bancária, em descumprimento ao art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15, impende consignar que a formalidade preconizada pela norma visa coibir a possibilidade de manipulações e de transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a realização de gastos não permitidos e a desobediência aos limites de despesas. Ainda, permite que a origem e a aplicação dos recursos em campanha eleitoral possam ser averiguadas em todas as suas etapas.

Ocorre que, na situação fática em exame, as despesas realizadas foram devidamente comprovadas na escrituração, não havendo indicativo de prejuízo à transparência das contas. Além disso, como bem ressaltado no parecer ministerial (fls. 30-31), há que ser sopesado o valor módico da importância que, considerando reportar os únicos gastos de recursos financeiros identificados na campanha, não atende sequer aos requisitos da constituição de Fundo de Caixa a que se refere o art. 34 da Resolução.

Nessa esteira de entendimento, deve ser enfatizado que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, em se tratando de irregularidades que representem percentual ínfimo em relação aos recursos movimentados na campanha, tem admitido a aplicação do princípio da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas (Prestação de Contas n. 94884, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, publicado em 28.5.2015).

Logo, dentro desse contexto, não tendo sido identificadas outras impropriedades na prestação de contas do candidato, a aprovação das contas com ressalvas é medida que se impõe.

Nesses termos, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas, com fundamento no art. 68, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.