RE - 43725 - Sessão: 24/10/2017 às 14:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARIA AMELIA ARROQUE GHELLER, eleita ao cargo de prefeita do Município de Serafina Corrêa, contra sentença do Juízo da 22ª Zona Eleitoral - Guaporé, que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, tendo em vista doações realizadas com inobservância ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15; realização de despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locação/cessão de veículos e omissão no registro de despesas no valor de R$ 30,00. A decisão ainda determinou o recolhimento de R$ 27.130,00 ao Tesouro Nacional (fls. 224-226).

Os embargos de declaração opostos (fls. 230-233) foram desacolhidos (fls. 247 e v.).

Em suas razões recursais (fls. 234-245), afirma que, embora não se tenha observado a exigência de utilização de transferência bancária para realização das operações, a lisura do feito não foi prejudicada, uma vez que os depósitos bancários identificados, com CPF e nome completo dos doadores, permitem a identificação do depositante e da sua capacidade financeira. Argumenta que o que divergiu da legislação foi a forma e não a honestidade das doações, e que “não se pode punir um candidato por apenas ter recebido seis doações de pessoas físicas que desconheciam a exigência da transferência eletrônica”. Acrescenta que a desaprovação das contas em razão de tal formalidade é desproporcional, considerando que as doações foram corretamente registradas. Postula, acaso não acolhidos seus argumentos, que os valores sejam restituídos aos doadores. Quanto às despesas com combustíveis, a recorrente confirma ter utilizado veículo próprio, declarado no registro de candidatura, e defende não ser necessária a formalização da cessão. Em relação à nota fiscal eletrônica de registro de domínio e manutenção de site, a recorrente afirma que não realizou tal despesa e não contratou serviço da espécie, de forma que não pode ser penalizada. Acrescenta que não faria sentido omitir uma despesa em tese permitida e que consubstancia valor irrisório (R$ 30,00). Requer o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a sentença, sendo que, em não se considerando regulares as doações acima de R$ 1.064,10, postula a devolução dos valores aos doadores, descontando-se o montante regular.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 251-255v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada em 14.12.2016 (fl. 227), e o apelo foi interposto no dia 16 do mesmo mês (fl. 230).

No mérito, a contabilidade foi desaprovada em razão (a) da omissão no registro de despesas no valor de R$ 30,00; (b) da realização de despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locação/cessão de veículos; e (c) da constatação da existência de seis depósitos – que totalizam R$ 27.100,00 (fl. 142v.) - diretamente na conta de campanha eleitoral, em desconformidade com o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Examino inicialmente a omissão no registro da despesa, e adianto que tal falha pode ser superada.

Como mencionado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 255v.), na nota fiscal emitida que deixou de integrar a prestação de contas está presente o endereço da empresa Ruler Propaganda e Marketing Ltda – ME, esta última contratada pela candidata para fins de propaganda eleitoral (fl. 90).

Assim sendo, é possível admitir que a emissão do comprovante fiscal, indicando o CNPJ da campanha, trata-se de mero erro administrativo da empresa supramencionada, uma vez que não há qualquer indício de que a candidatura tenha sido divulgada por meio de site de internet.

Assim sendo, afasto o registro da omissão de despesa no valor de R$ 30,00.

Na sequência, acerca da realização de despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locação/cessão de veículos, observo que a formalização da cessão, mesmo se tratando de veículo próprio, é providência necessária na prestação de contas.

O termo de cessão de bem móvel é documento necessário para o uso de veículo em prol da campanha eleitoral, mesmo que o veículo seja do próprio candidato, como se extrai da exigência sem ressalvas do art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 53. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

[...]

II - instrumento de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar de bens cedidos temporariamente ao candidato ou ao partido político;

[…]

Embora, num primeiro momento, tal exigência possa parecer mera formalidade, o termo de cedência é mecanismo importante para o controle de outras obrigações impostas ao candidato, como a observância ao limite de gastos estabelecidos para cada município (art. 5º da Resolução TSE n. 23.463/15) e à restrição de doações estimáveis de bens do próprio doador, fixada em até R$ 80.000,00 (art. 21, § 2º, Resolução TSE n. 23.463/15), ambas infrações que sujeitam o candidato a sanções pecuniárias.

Assim, mesmo o uso de veículo próprio impõe ao candidato o termo de cessão, com montante devidamente avaliado de acordo com valores de mercado, nos termos do art. 53, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, como garantia de uma razoável igualdade entre os candidatos que têm o emprego de recursos financeiros limitados em suas campanhas.

Em que pese a importância do termo de cessão, verifica-se que neste caso a sua ausência não trouxe prejuízo à análise das contas.

Consultando o sistema de divulgação de candidaturas, é possível apurar que a recorrente declarou a propriedade de veículo automotor em seu registro, sendo plausível crer em seu uso no decorrer da campanha.

Quanto ao limite de gastos, restou estabelecido um teto de R$ 108.039,06 para o Município de Serafina Corrêa, e o total de recursos arrecadados foi de R$ 39.510,00, ou seja, não se vislumbra risco de que o uso do veículo tenha levado a candidata a ultrapassar o teto estabelecido.

Considerando tais peculiaridades, conclui-se que a falha apontada pode ser considerada mera irregularidade que não prejudica o controle contábil.

Finalmente, examino a questão da não observância da exigência de utilização de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação para valores iguais ou maiores que R$ 1.064,10.

A recorrente afirma que, embora não se tenha observado a exigência de utilização de transferência bancária para realização das operações, a lisura do feito não foi prejudicada, uma vez que os depósitos bancários identificados, com CPF e nome completo dos doadores, permitem a identificação do depositante e da sua capacidade financeira. Argumenta que o que divergiu da legislação foi a forma e não a honestidade das doações, e que “não se pode punir um candidato por apenas ter recebido seis doações de pessoas físicas que desconheciam a exigência da transferência eletrônica”. Acrescenta que a desaprovação das contas em razão de tal formalidade é desproporcional, considerando que as doações foram corretamente registradas. Postula, acaso não acolhidos seus argumentos, que os valores sejam restituídos aos doadores.

Entretanto, não assiste razão à recorrente.

É incontroverso nos autos que foram realizados seis depósitos em dinheiro na conta bancária de campanha nos valores de R$ 1.500,00 (1); R$ 5.000,00 (2); R$ 3.000,00 (3); R$ 5.000,00 (4); R$ 5.000,00 (5) e R$ 7.600,00 (6 - fl. 142v.), o que totaliza R$ 27.100,00 e viola o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual exige que as doações financeiras desses importes sejam efetuadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do benefíciário da doação, verbis:

Art. 18. (...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

A exigência normativa de que as doações acima de R$ 1.064,10 sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa, justamente, coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, sendo imprescindível para a perfeita identificação do doador.

Os argumentos apresentados pela recorrente apenas esclarecem quem efetivamente efetuou os depósitos bancários, mas sequer dá indícios da titularidade dos valores, de forma que a segurança acerca da origem fica prejudicada.

Outrossim, o defeito em tela envolve cifra que representa 68,59% do total de recursos arrecadados (R$ 39.510,00), não podendo ser considerada de baixa repercussão no controle da movimentação financeira do prestador.

Desse modo, sobressai que a mácula nas contas é grave, bem como ostenta aptidão para prejudicar a confiabilidade das informações e para impedir a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, da adequação contábil aos ditames legais insculpidos na Resolução TSE n. 23.463/15 e na Lei n. 9.504/97.

Correta, também, a determinação de recolhimento do valor indevidamente arrecadado ao Tesouro Nacional, pois é medida imposta pelo art. 18, § 3º, da Resolução 23.463/15:

Art. 18. (…).

§ 3º. As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

O valor arrecadado em desconformidade com a forma de captação descrita no art. 18 da Resolução n. 23.463/15 não apresenta elementos seguros acerca da efetiva identificação do doador, motivo pelo qual deve ser integralmente recolhido ao Tesouro Nacional, como se extrai do § 3º, acima transcrito.

Nesse sentido posicionou-se o Tribunal:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO. CONTAS DESAPROVADAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. ELEIÇÃO 2016.

1. Alegação de omissão e de contradição no acórdão que, por maioria, aprovou as contas de candidato. 

2. Omissão quanto à efetiva análise da origem da quantia depositada em espécie, R$ 6.050,00, sem a necessária transferência eletrônica, exigida para valor igual ou superior a R$ 1.064,10. Acolhimento. Identificada, na decisão colegiada, a origem dos recursos pela simples análise dos comprovantes de depósito, os quais apenas descrevem a forma do valor depositado – dinheiro –, e o depositante do valor – o próprio candidato. Interpretação que nega eficácia ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, ao permitir que doadores facilmente ocultem suas contribuições, bastando entregar valores em espécie ao candidato para que este, então,  encarregue-se de depositar na sua conta de campanha, como se seus fossem. Ademais, depreende-se, pela declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, que o candidato não possuía dinheiro em espécie, tampouco em conta corrente, pois apenas declarou a propriedade de dois automóveis.

3. Contradição existente quanto ao julgamento que considerou regular o depósito em espécie, de R$ 6.050,00, realizado diretamente na conta do candidato. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 não faz distinção entre eleitores e candidatos. Por se tratar de modalidade de doação de pessoa física, valores doados em espécie pelo próprio candidato à sua campanha também devem observar a exigência normativa de transferência eletrônica. A finalidade é justamente coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Irregularidade que representa 78% do total de recursos arrecadados, e transcende em mais de 5 (cinco) vezes o valor de referência a partir do qual a disciplina legal afirma a compulsoriedade de transferência eletrônica. Falha grave, que repercute na confiabilidade das informações e impede a efetiva fiscalização da contas ofertadas.

4. Embargos acolhidos. Atribuição de efeitos infringentes. Contas desaprovadas. Recolhimento de R$ 6.050,00 ao Tesouro Nacional. (TRE/RS, ED 203-27, Rel. Des. Jorge Luís Dall'Agnoll, julg em 26.7.2017.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO E VICE. CHAPA MAJORITÁRIA. DOAÇÕES. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE REGULAMENTAR. ORIGEM DOS RECURSOS. NÃO DEMONSTRADA. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. ELEIÇÕES 2016.

Doações de pessoas físicas em valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente são permitidas na modalidade de transferência eletrônica direta, nos termos do disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Efetuados depósitos em dinheiro, na conta de campanha, cuja soma extrapola o limite estabelecido na norma. Não demonstrada a origem dos recursos. Falha que representa 83% da totalidade das receitas percebidas e enseja a desaprovação das contas. Montante efetivamente empregado na campanha, devendo ser recolhido, na sua integralidade, ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto no art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Provimento.

(TRE/RS, RE 284-50, Rel. Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, publ. DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 152, Data 25.08.2017, Página 7.)

Acerca da penalização do prestador por ato de terceiro, cabe destacar que os arts. 20 e 24 da Lei das Eleições veiculam dispositivos que impõem aos candidatos o dever de fiscalizar o ingresso de recursos na conta de campanha, bem como de abster-se da utilização de valores de cuja fonte não possa ser verificada. Vejamos:

Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas, na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 24. [...]

§ 4º O partido ou candidato que receber recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada deverá proceder à devolução dos valores recebidos ou, não sendo possível a identificação da fonte, transferi-los para a conta única do Tesouro Nacional. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Por fim, não merece ser acolhido o pleito de devolução do valor irregular aos doadores, pois a devolução do montante irregular é viável somente se o candidato não empregou o numerário na campanha ou corrigiu a falha antes de apresentar as contas. Apurado no julgamento da prestação de contas a contrariedade com o art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, a consequência é o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Assim, deve ser mantida a decisão recorrida em relação à desaprovação da contabilidade e ao recolhimento de R$ 27.100,00 ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, apenas para afastar as irregularidades relativas à omissão de despesas e à ausência de formalização de cessão de veículo, mantendo a desaprovação da prestação de contas e a determinação de recolhimento de R$ 27.100,00 ao Tesouro Nacional.