RE - 50819 - Sessão: 26/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por ELTON VINÍCIUS NICOLAS DA ROCHA, candidato ao cargo de vereador no Município de Uruguaiana, contra sentença do Juízo da 57ª Zona Eleitoral (fls. 77-78v.), que desaprovou as suas contas referentes às eleições de 2016, nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, em face do desatendimento ao disposto na Resolução TSE n. 23.463/15, especialmente o art. 53, e da possível existência de recursos de origem não identificada.

Em sua irresignação (fls. 81-87), quanto à doação estimável em dinheiro recebida de Antônio Valdir Marques da Rocha, alega que o doador é o legítimo possuidor de uma bicicleta e de um conjunto de rádio e caixa de som a ela afixados (“bikesom”), e que, por se tratar de bem que dispensa o registro formal da propriedade perante órgãos ou autoridades competentes, não há como o doador comprová-la documentalmente. Quanto ao documento comprobatório da propriedade do imóvel utilizado para instalação do comitê, refere que, por descuido, deixou de efetuar a sua juntada, protestando pelo seu recebimento com o recurso (fl. 88). Quanto à ausência do contrato de prestação de serviços gratuitos para a produção de jingle de campanha, não se trataria de documento obrigatório, não tendo sido intimado para juntá-lo, razão pela qual junta o contrato ao recurso (fls. 89-90). Quanto à suposta ausência de capacidade econômica do doador Tiago Vaz Alberto, na quantia de R$ 2.000,00, aduz que o valor não ultrapassou 10% sobre a faixa de isenção do Imposto de Renda do ano-calendário 2015. Relativamente à nota fiscal eletrônica no valor de R$ 100,00, sem o respectivo registro da despesa na prestação de contas, informa que tal fato decorreu do endosso de um dos cheques de campanha e que, por equívoco, a empresa emitiu a nota fiscal em nome da campanha do candidato. Juntou documentos (fls. 91-92). Requer a reforma da sentença para que a prestação de contas seja aprovada com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento, mantendo-se, contudo, a desaprovação das contas prestadas (fls. 98-104).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

A sentença foi publicada em 14.12.2016, quarta-feira (fl. 79), e a peça recursal, protocolizada em cartório no dia 19.12.2016, segunda-feira (fl. 81), sendo, portanto, tempestivo o recurso.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, dele conheço.

 

Mérito

Cuida-se de prestação de contas apresentada por ELTON VINÍCIUS NICOLAS DA ROCHA, candidato ao cargo de vereador, no pleito de 2016, pelo Partido Progressista (PP), no Município de Uruguaiana.

O recorrente fez acompanhar do recurso os seguintes documentos (fls. 88-92):

a) ficha de cadastramento imobiliário de imóvel em nome do proprietário Conrado Gomes Filho;

b) contrato de doação estimada de prestação de serviços da produção de jingle; e

c) nota fiscal eletrônica em nome da campanha do candidato, em situação cancelada, e nova nota fiscal emitida em nome de terceiro.

A Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer (fls. 98-104), opinou pela intempestividade dos documentos juntados ao recurso, exceto com relação ao contrato de doação estimada de prestação de serviços referente à produção de jingle para a campanha, porquanto tempestivo, uma vez que o candidato não foi intimado, após a análise técnica, para apresentar o referido documento faltante.

Considerando que o candidato não foi intimado do parecer conclusivo de fl. 71-73, em que a nova irregularidade foi apontada, tenho que não merecem prosperar os argumentos do douto representante ministerial nesta instância, ao pretender sejam desconsiderados em parte os documentos ora apresentados.

Adianto, nessa linha, que não é o caso de se reconhecer, de ofício, eventual nulidade, haja vista que, no mérito, a conclusão é favorável ao recorrente.

Com efeito, a Resolução TSE n. 23.463/15, em seus arts. 59, § 3º, e 64, §§ 1º e 6º, estabelece que:

Art. 59. A prestação de contas simplificada será composta exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE e pelos documentos descritos nas alíneas a, b, d e f do inciso II do caput do art. 48. […]

§3º Concluída a análise técnica, caso tenha sido oferecida impugnação ou detectada qualquer irregularidade pelo órgão técnico, o prestador de contas será intimado para se manifestar no prazo de três dias, podendo juntar documentos.

 

Art. 64. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados (Lei n. 9.504/97, art. 30, § 4º).

§1º As diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de setenta e duas horas contadas da intimação, sob pena de preclusão.

§6º Nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade de o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas, identificando de forma específica e individualizada as providências a serem adotadas e seu escopo. […]

Entretanto, em reiterada jurisprudência, este Tribunal tem decidido no sentido da admissibilidade de documentos apresentados em grau recursal, a teor do art. 266 do Código Eleitoral, como faz ver o seguinte julgado:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(Grifei.)

(TRE-RS - RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.)

Por essas razões, conheço dos documentos apresentados pela parte.

Prossigo.

A sentença (fls. 77-78v.) julgou pela desaprovação das contas do candidato, com base nos seguintes fundamentos:

[…]

O parecer técnico conclusivo apontou a ausência de documentos que comprovem a posse do bem pelos doadores Antonio Valdir Marques da Rocha e Conrado Gomes Filho, bem como a ausência de contrato de prestação de serviços gratuitos para produção de jingle de campanha realizado por Renata dos Santos Saucedo (item 2.1 do parecer de fls. 71-73). A Resolução 23.463/15 determina que:

Art. 53. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro ou cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

I – documento fiscal ou, quando dispensado, comprovante emitido em nome do doador ou instrumento de doação, quando se tratar de doação de bens de propriedade do doador pessoa física em favor de candidato ou partido político;

II – instrumento de cessão e comprovante de propriedade do bem cedido pelo doador, quando se tratar de bens cedidos temporariamente ao candidato ou ao partido político;

III – instrumento de prestação de serviços, quando se tratar de produto de serviço próprio ou atividades econômicas prestadas por pessoa física em favor de candidato ou partido político.

Destacou a Unidade Técnica que a ausência de tais documentos configuram inconsistência grave, que denota um possível pagamento de despesas eleitorais com recursos que não transitaram pela conta bancária de campanha, com posterior lançamento nas contas irregularmente como doação estimável em dinheiro, face a ausência dos documentos comprobatórios. Tal situação impede o efetivo controle de origem dos recursos pela Justiça Eleitoral, com todos os instrumentos de que dispõe, notadamente aqueles disponibilizados pelo Sistema Financeiro Nacional, geradora de potencial desaprovação.

Já no item 2.2, o parecer evidenciou a existência de doador com indícios de ausência de capacidade econômica (Tiago Vaz Alberto), uma vez que no CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) seu último desligamento de emprego é de 01.6.2015. O candidato juntou documentação que comprovou as informações do SPCE, com sua exoneração da Prefeitura Municipal de Uruguaiana em Junho de 2015. Assim, não apresentou documento hábil a comprovar a capacidade econômica da realização de doação num valor total de R$ 2.000,00 para a campanha. Trata-se de um indício de possível recebimento de recursos de origem não identificada, diante da impossibilidade financeira e disponibilidade de recursos do doador. Recomendou a unidade técnica o encaminhamento destas informações ao Ministério Público Eleitoral.

O parecer técnico conclusivo, no item 3, apontou para a existência de uma Nota Fiscal Eletrônica emitida pelo fornecedor e alegadamente desconhecida pelo candidato, cujo pagamento não está registrado na Prestação de Contas, indicando um possível caso de omissão de despesas na campanha eleitoral. Às folhas 49 o candidato manifesta “estranheza […] ao ter conhecimento acerca da emissão da respectiva Nota Fiscal […] uma vez que a mesma não foi fornecedora para a campanha eleitoral”. Informou, ainda, que a empresa recebeu como pagamento de serviço prestado a terceiro um “cheque endossado da titularidade da conta eleitoral, e que por equívoco, emitiu a nota fiscal em nome do emitente do cheque, e não em nome do endossante”. Por fim, solicitou prazo para que se realize o cancelamento da Nota Fiscal.

Diante do caso em tela, há que se levar em conta que a gestão dos recursos destinados às campanhas e a respectiva prestação de contas estão intimamente ligadas à transparência e à própria legitimidade das eleições. Dessa forma, caracterizadas falhas que comprometem a regularidade das presentes contas eleitorais, faz-se necessária a sua desaprovação, nos termos do art. 68, inciso III, da Resolução TSE n. 23.463/15. […]

Foram identificadas e reconhecidas pelo juízo a quo três irregularidades por descumprimento ao art. 53 da Resolução TSE n. 23.463/15, a saber:

a) falta a comprovação da propriedade do bem (uma bicicleta e um conjunto de rádio e caixa de som a ela afixados) objeto do contrato de cessão de bem móvel (fls. 52-53);

b) falta de comprovação da propriedade do imóvel objeto do contrato de cessão (fls. 55-56); e

c) ausência do instrumento de prestação de serviços (produção de jingle).

Primeiramente, com relação ao contrato de cedência de bem móvel (fls. 52-53), quanto à necessidade de comprovação da propriedade de uma bicicleta e um conjunto de rádio e caixa de som a ela afixados (“bikesom”), o recorrente alega que Antônio Valdir Marques da Rocha é o legítimo possuidor e que, por se tratar de bem que dispensa o registro formal da propriedade perante órgãos ou autoridades competentes, não há como o doador comprová-la documentalmente, senão pela declaração já constante no processo de análise das contas.

Verifica-se do contrato em questão a seguinte cláusula:

Parágrafo 1º. O CEDENTE declara ainda que o referido bem integra seu patrimônio há mais de 5 (cinco) anos, sendo que o mesmo tem como atividade profissional autônoma a divulgação de publicidade móvel. (Grifei.)

Assim, em que pese não ter sido juntada a respectiva nota fiscal da bicicleta, é de se presumir como verdadeiras as alegações formuladas, diante da natureza do bem em questão e da declaração assinada por duas testemunhas (fls. 52-53).

Nesse sentido, é o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 103):

Assiste razão ao recorrente, nesse ponto, uma vez que, de fato, não há outro documento capaz de comprovar a propriedade da bicicleta doada ao candidato senão àquele já juntado aos autos (fls. 51-53), razão pela qual deve ser afastada a presente irregularidade.

Com relação à cessão do bem imóvel – situado à rua Júlio de Castilhos, n. 1915, sala 1, bairro Bela Vista, na cidade de Uruguaiana/RS –, para fins de instalação do Comitê de Campanha do candidato, a falta de comprovação da propriedade foi suprida mediante a juntada da respectiva “Ficha de Cadastramento Imobiliário” da Prefeitura Municipal de Uruguaiana (fl. 88), na qual se confirma o nome do proprietário, Conrado Gomes Filho.

E, da mesma forma, restou atendida a exigência de comprovação da doação de prestação de serviço de produção de jingle, por meio da juntada do respectivo contrato (fls. 89-90).

Desse modo, sanadas as irregularidades por desatendimento ao artigo 53 da Resolução TSE n. 23.463/15.

A sentença reconheceu, ainda, conforme parecer conclusivo, inconsistência grave decorrente da existência de doador (Tiago Vaz Alberto) com indícios de ausência de capacidade econômica, o que revelaria possível recebimento de recursos de origem não identificada. Tal indício decorre de registro do doador no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), dando conta que seu último desligamento de emprego ocorreu em 01.6.2015.

In casu, o juízo singular entendeu que o candidato “não apresentou documento hábil a comprovar a capacidade econômica da realização de doação num valor total de R$ 2.000,00 para a campanha” (fl. 78).

Na esteira do bem lançado parecer do Procurador Regional Eleitoral, “não se pode opor ao candidato o dever de comprovar a capacidade econômica do doador” (fl. 103v.).

Ainda assim, foram juntados aos autos, pelo candidato, os seguintes documentos em nome de Tiago Vaz Alberto:

(i) cópia do “Termo de Exoneração” (fl. 65), emitido pela Prefeitura Municipal de Uruguaiana, onde demonstra um crédito, a título de verbas rescisórias, no valor de R$ 4.620.21, e

(ii) extrato bancário da conta n. 38.672-5 (fl. 66), da Caixa Econômica Federal, no período maio de 2016 (destacando o depósito do valor supramencionado de R$ 4.620,21 em 23.5.2016).

A existência do crédito a título de verbas rescisórias e a realização do depósito no valor de R$ 4.620,21 não são provas suficientes à comprovação da capacidade econômica do doador. Porém, outros elementos constantes do extrato bancário são reveladores. Apura-se, do extrato bancário, a realização de depósitos/créditos no valor de: a) R$ 3.596,00, no dia 16.5.2016; b) R$ 12.552,00, no dia 20.5.16; e c) R$ 4.620,21, no dia 23.5.2016.

Desse modo, ainda que não se possa relegar ao candidato a prova da capacidade econômica do doador, restou afastado o referido indício, diante da movimentação bancária em nome de Tiago Vaz Alberto, em especial os créditos/depósitos no total de R$ 20.768,21 em um único mês (maio/2016).

Todavia, melhor sorte não assiste ao recorrente com relação à emissão da nota fiscal eletrônica no valor de R$ 100,00 (cem reais), sem o respectivo registro da despesa na prestação de contas.

Na manifestação sobre o parecer técnico (fl. 48-49) e em suas razões recursais (fls. 81-87), o recorrente esclarece que jamais efetuou o referido gasto (serviço de lavagem em geral) perante a empresa “Machado & Portes LTDA.”. Aduz que o fato decorreu de um equívoco da referida empresa, ao emitir nota fiscal em nome da campanha do candidato (titular do cheque), enquanto deveria ter consignado o nome do “endossante”.

Não foi acostada cópia do referido cheque aos autos.

O cancelamento da nota fiscal eletrônica em questão e a emissão de uma nova nota fiscal em nome de terceiro (fls. 91-92) não permitem sanar a irregularidade apontada ou os esclarecimentos dos fatos.

No entanto, o valor de R$ 100,00 (cem reais), única irregularidade subsistente, não é relevante se comparado às receitas no total de R$ 27.738,65, representando o percentual de 0,36%, razão pela qual se amolda dentro de 10% do total da movimentação da campanha, consoante jurisprudência sedimentada desta Corte e do TSE.

Nesse sentido:

A jurisprudência do TSE tem admitido a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas quando a irregularidade representa percentual ínfimo e a falha não inviabilizou o controle das contas pela Justiça Eleitoral.

(AgR-AI 507-05, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 3.6.2015.)

Na mesma linha:

A incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade somente é possível quando presentes os seguintes requisitos: (i) falhas que não comprometam a lisura do balanço contábil, (ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total arrecadado e, por fim, (iii) ausência de comprovada má-fé do candidato.”

(AgR-AI 949-56, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 10.6.2015.)

Portanto, não tendo sido identificada irregularidade capaz de macular as contas, e verificadas as reais fontes de financiamento da campanha, bem como presentes os demais requisitos para a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o juízo de aprovação com ressalvas é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar APROVADAS COM RESSALVAS as contas do candidato ELTON VINÍCIUS NICOLAS DA ROCHA relativas às eleições de 2016.