RE - 22878 - Sessão: 08/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por SÉRGIO PEDRO FANIN JÚNIOR em face de sentença que julgou procedente a representação eleitoral por captação ilícita de sufrágio (fls. 142-146v.) proposta em seu desfavor pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, cassando seu registro de candidatura e condenando-o ao pagamento de multa no valor de R$ 15.000,00, pela prática da conduta prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões (fls. 150-156), afirma que não restou comprovado o cometimento de ilícito pelo representado, bem como que não há provas de participação ou anuência com os fatos relatados. Alega que as declarações prestadas por Rosimar, eleitor alegadamente corrompido, são contraditórias e apresentam versões diversas sobre os mesmos fatos. Assevera que a circunstância de o candidato SÉRGIO ser companheiro de Márcio, pessoa que foi filmada entregando um “rancho” para Rosimar, não autoriza a conclusão de que o recorrente sabia da conduta ou concordava com ela. Sustenta inexistirem provas da participação do recorrente nos eventos narrados. Requer que a representação seja julgada improcedente.

Vieram aos autos as contrarrazões (fls. 158-162) e, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo desprovimento do recurso (fls. 167-171v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto no tríduo legal, previsto no art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97. A decisão foi publicada no dia 15.2.2017, quarta-feira (fl. 149), e o recurso foi interposto no dia 20 do mesmo mês, segunda-feira (fl. 150).

A exordial narra que SÉRGIO PEDRO FANIN JÚNIOR – candidato não eleito ao cargo de vereador nas eleições de 2016 –, por intermédio de seu companheiro, Márcio Eliel Martins, teria captado, de forma ilegal, o voto de Rosimar Kosvoski, mediante a entrega de mercadorias em troca do voto.

Cinge-se a controvérsia, portanto, à caracterização de captação ilícita de sufrágio, cuja previsão legal consta no art. 41-A da Lei das Eleições:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64 de 18 de maio de 1990.

Em tais termos, a captação ilícita carece, para que reste estampada, ao menos de três elementos, segundo interpretação do c. TSE: “a) prática de uma das condutas típicas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) o fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato”. (RESE n. 956791655, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE, Tomo 178, Data 16.9.2011, Página 43.)

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que envolvem uma situação concreta.

In casu, o acervo probatório consistente em vídeos (fl. 60) e na prova oral (fl. 127) deixa indene de dúvidas que Márcio Eliel Martins efetuou compras no Mercado Oliveira e, por meio de carona oferecida por Tânia Marcia Gosch, em serviço de entregas do estabelecimento comercial, compareceu à residência de Rosimar Kosvoski, eleitora, entregando-lhe as mercadorias adquiridas em troca de votos.

Nesse aspecto, as declarações testemunhais foram consolidadas pela sentença combatida, em trecho que transcrevo (fls. 142v.-143v.):

Sergio Pedro Fanin Junior informa que é companheiro há 10 anos de Márcio. O fato é mentiroso, não compactuou com qualquer ilegalidade e o companheiro também informou que não aconteceu, que jamais efetuou ou autorizou alguém que efetuasse compra de votos. Acredita que a ida das mercadorias não foi com a intenção de comprar votos. O companheiro informou que foi em várias casas, mas não sabe se foi na casa da testemunha Rosimar, mas que não entregou mercadorias. Participou de campanha no local dos fatos, mas não se recorda de estar com o companheiro na casa da testemunha Rosimar. Informa que não possui nada contra a testemunha e nem o seu companheiro, não a conhecendo direito. Reconhece a mídia de fl. 60 e acredita ser o seu companheiro. O companheiro do réu estaria no local apenas pedindo voto mas sem entregar mercadorias. O companheiro Márcio efetuava entrega de santinhos sozinho muitas vezes para abranger uma maior área. O companheiro Márcio andava com uma pastinha e não com sacolas de plástico. Acredita que o fato prejudicou a sua campanha.

 

Sandra Mara Oliveira informa que o senhor Marcio Eliel efetuou compras em seu supermercado, mas não recorda a data exata, mas foi próximo ao dia descrito no fato. Pagou as compras no ato, não recorda quanto ele pagou. Márcio sempre efetua compras em seu mercado, e no dia dos fatos não comprou nada acima do normal, mas o que sempre gasta, cerca de R$ 80,00 (oitenta reais). O Marcio levou as mercadorias através de uma carona com a irmã da depoente, Tania. Viu a mídia constante do processo e reconhece como sendo Marcio e sua irmã Tania. A casa da Rosimar fica longe do comércio da depoente e ela não é sua cliente. Geralmente o senhor Marcio comprava por semana e acertava no final do mês dando sua conta cerca de R$ 500,00 a R$ 600,00, mas naquele dia excepcionalmente pagou na hora. O senhor Sergio ia pouco ao mercado, era mais o Marcio que comprava para os dois. Possui clientes distantes do mercado, inclusive alguns moram em Alpestre. Não sabe dizer o porquê de Márcio e Tânia terem ido na casa da Rosimar. Informa que conhece o Marcio há cerca de 10 anos e há 10 anos ele é cliente da depoente. A única vez que ele pagou a mercadoria em dinheiro no ato da compra foi no dia dos fatos, dentro de todos os anos que a depoente conhece o Márcio. A residência da depoente e do Marcio ficam distantes da casa da Rosimar. A casa do réu, da depoente e da Rosimar ficam em lados opostos.  A irmã da depoente a ajuda no trabalho. Foi a primeira vez que a irmã da depoente deu carona ao Marcio.

 

Lidia Mesnorovicz informa que não viu os fatos. Ficou sabendo de eventual ilicitude quando viu o vídeo que circulou pela cidade. No vídeo reconhece como sendo a casa de Rosimar e reconhece o homem como sendo o senhor Marcio Eliel, o qual sabe que é funcionário da Prefeitura. Aduz que a senhora Rosimar morava próximo à casa da depoente, sendo a casa de ambas distantes do mercado Oliveira. A depoente possui um mercado ao lado da casa da testemunha Rosimar, razão pela qual acha improvável que a testemunha Rosimar efetuasse compras no mercado Oliveira. Informa que Rosimar residiu no local por curto período, residindo sozinha. Informa que Rosimar continua comprando da depoente. Aduz que não é filiada a Partido Político. Não sabe dizer se Rosimar passava necessidades. A câmera não esta virada para o vizinho, encontra-se reta, mas pega uma parte da frente do vizinho. Instalou as câmeras de segurança pois mora sozinha e já tentaram invadir o seu terreno. A imagem fora solicitada somente pela Autoridade Policial.

Tania Marcia Gosch é informante por ser amiga íntima do representado. Informa que foi fazer uma entrega de compras a pedido da irmã. As compras eram do Marcio e a irmã mandou entregar. Informa que possui um carro focus de cor prata. Informa, posteriormente, que o Marcio quem pediu para ela levar as compras para a casa da moça (Rosimar). Informa que nunca viu a Rosimar. No vídeo constante dos autos, o senhor Márcio quem está com a depoente e foi a primeira vez que foi fazer entrega de compras na companhia de Marcio. Sabe onde fica a casa da Rosimar e do Marcio e sabe que são distantes. Não perguntou e não sabe informar o porque do Marcio ter ido deixar as sacolas para Rosimar.

 

Rosimar Kosvoski é informante por ter relação direta com o fato na representação. Informa que passou na sua casa o chiquinho, seu marido e uma guria e perguntaram à depoente se possuía algum candidato, oportunidade em que lhe ofereceram um ranchinho para dar um voto ao chiquinho e pegou pois estava necessitada. Informa inicialmente que o chiquinho estaria presente com o marido e uma mulher. Aduz que dentro do veículo possuía diversas caixas. Não se recorda se a assinatura de fls. 71 é a sua. Informa que reside sozinha e faz uso de medicamento, pois possui depressão e algo a mais que não sabe definir. Após ser questionada, recordou que foi na Delegacia e assinou a fl. 71, reconhecendo a sua assinatura. Quando indagada sobre o fato de informar na Delegacia que o chiquinho não estava presente, afirmou que se confundiu e que quem chegou fora o Marido do Chiquinho e uma mulher, oportunidade em que lhe ofereceram um rancho em troca do voto, lhe entregando inclusive um santinho. Informa que nunca teve amizade com o representado ou com seu marido e que nunca havia recebido qualquer benefício por parte do representado. Após, informou que o Chiquinho não estava presente. Informa que nunca fez compras no mercado em que adquiridas as mercadorias. A primeira vez que teve contato direto com o Marcio e a Tania fora no dia dos fatos. Alega que confundiu a presença do Sergio devido ao tempo em que acontecera os fatos e de que houve muita coisa em sua vida após a sua ocorrência. O seu antigo companheiro também não é conhecido de qualquer um dos elencados no processo. Ao ser indagada pela Defesa, novamente informou que o Chiquinho estava presente e não tem dúvidas. Informa que pegou duas caixas de papelão e três sacolas plásticas, todas com o mesmo conteúdo.  Informa que no processo criminal, em que lhe fora aplicada multa, pagou com um dinheiro emprestado pela irmã. Pegou a mercadoria por estar passando fome. Ao ser mostrada a foto de fl. 25, informou que quem estaria presente seria o representado e não o seu marido.

Constata-se que, ao testemunhar em juízo, Sandra, proprietária do Mercado Oliveira, afirmou que Márcio realizara compras no estabelecimento no dia dos fatos, em valor próximo a R$ 80,00, e recebeu carona de Tânia, irmã da comerciante, com intuito de transportar as mercadorias para destino apontado pelo cliente.

Por sua vez, Tânia confirmou a realização de compras por Márcio e a solicitação de oferta de transporte para o cliente. Informou, ainda, que Márcio pediu que as compras fossem entregues na residência de Rosimar, como efetivamente ocorrido.

Na mesma senda, o momento da entrega das mercadorias na casa de Rosimar está registrado por duas gravações de vídeo: uma realizada de forma velada pelo grupo político adversário, e outra captada a partir de uma câmera de segurança instalada na casa vizinha.

Desse contexto probatório, está claro que Márcio realizou compras no mercado Oliveira e, posteriormente, entregou as mercadorias na casa de Rosimar.

No entanto, para a perfectibilização da figura ilícita, cumpre perquirir se, efetivamente, a conduta foi realizada com a intenção específica exigida pelo comando – a obtenção de votos – e se o ora recorrente tinha conhecimento dos fatos.

Na hipótese, entendo que o preenchimento de ambos os requisitos encontra-se demonstrado nos autos.

Com efeito, a eleitora Rosimar – em todos os depoimentos prestados, tanto em sede policial quanto perante o juízo eleitoral – asseverou que as mercadorias foram entregues por Márcio após a solicitação expressa de voto em prol de Sérgio, conhecido como “Chiquinho”. Ademais, enfatizou que somente aceitou a retribuição devido a seu estado de miséria: “porque estava passando fome”.

Diversamente do sustentado pela defesa, o depoimento judicial prestado por Rosimar não detém contradição que lhe prejudique a confiabilidade.

Vê-se que a testemunha, inicialmente, apontou que compareceram três pessoas à sua casa: “o Chiquinho, seu marido e uma guria”. Adiante, o Juiz Eleitoral confrontou tal declaração com o depoimento prestado à autoridade policial, oportunidade na qual a testemunha corrigiu-se, afirmando que os presentes eram “o marido do Chiquinho e uma mulher”. Ao final da oitiva, contudo, Rosimar novamente retifica suas declarações, dizendo que o Chiquinho estava presente, e não o seu companheiro.

No entanto, a confusão restringe-se sobre a presença ou não do representado.

Houve, portanto, a compra do voto, a prática do art. 41-A.

Esclarecido tal patamar de análise probatória, nota-se que as insuficiências na reconstrução fática oferecida pelo depoimento de Rosimar são supridas pelos demais elementos de prova, especialmente os vídeos, os quais demonstram cabalmente a visita de Tânia e Márcio à residência de Rosimar e, mais, a própria entrega dos produtos.

Assim, não existem fragilidades no tocante ao ponto fulcral das declarações da testemunha principal, qual seja, de que houve o recebimento das benesses em troca de voto de Rosimar a favor de “Chiquinho”.

Por seu turno, em seu depoimento pessoal, o representado restringiu-se a asseverar que o companheiro compareceu no local apenas para pedir votos e entregar santinhos, sem oferecer mercadorias em troca, aproveitando-se da carona oportunizada por Tânia.

E Márcio, embora não arrolado pelas partes para a oitiva judicial, em sede policial (fls. 67-68), asseverou que recebeu carona de Tânia, a qual estava entregando compras de outra cliente, cujo nome não sabe, e que primeiro deixaram as mercadorias na casa desta cliente, quando ajudou a descarregarem.

Contudo, as teses defensivas sobre os fatos são ilididas pelas próprias declarações de Sandra e Tânia, pois, conforme tais relatos, as compras foram realizadas por Márcio e, também a pedido de Márcio, entregues no domicílio de Rosimar.

Pertinente enfatizar que o art. 41-A da Lei das Eleições tem por objetivo proteger a liberdade de escolha do eleitor, vedando que seu voto seja definido ou influenciado pelo oferecimento de bens e vantagens.

Tendo presente o bem jurídico protegido pela norma, vedam-se a entrega ou a oferta de vantagens especificamente em troca do voto do eleitor. Assim, basta que a entrega de benefícios ocorra com a finalidade específica de obter-lhe o voto, ainda que não haja o pedido expresso, conforme prevê o § 1º do art. 41-A:

Art. 41-A. […]

§ 1º. Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

Colho, neste ponto, a judiciosa análise da prova despendida pelo douto magistrado sentenciante (fl. 144-v.):

A testemunha Sandra Mara fora clara em informar que conhece o companheiro do Representado há cerca de dez anos e que, em todo este tempo, ele adquiria mercadorias constantemente em seu mercado mas somente através da forma de pagamento de fichas, em que pegava as mercadorias semanalmente e quitava somente ao final do mês. Informou que foi a única vez, nestes 10 anos, que Márcio adquiriu mercadorias e quitou no ato da compra, custando algo em torno de R$ 80,00 (oitenta reais). Pode-se depreender desta situação que a aquisição da mercadoria dera-se com o intuito de distribuir a terceiros, visto que o pagamento no ato da compra impede qualquer registro em nome de Márcio ou do Representado nas fichas constantes do mercado da depoente.

Em que pese as divergências apresentadas no depoimento de Rosimar Kosvoski, estas restringem-se à presença ou não do representado no momento do fato. Sendo assim, é inegável que estariam presentes o companheiro do Representado ou o próprio, e  Tania Márcia, e que houve a entrega de mercadorias em troca do voto de apoio ao representado Sergio Pedro Fanin Junior.

Explica-se.

A informante Rosimar Kosvoski apresentara diversas versões, sendo que, em todas elas, houve a entrega das mercadorias em troca de apoio do voto ao Representado, a presença de Tânia Márcia Gosch e a presença de mais uma pessoa do sexo masculino, a qual entra em contradição se é o Representado ou o seu Companheiro.

Contudo, esta divergência apresentada pela informante não ilide a tese de presença do Márcio no ato de entrega das mercadorias. Com efeito, todas as demais pessoas ouvidas em juízo corroboram a tese de que estariam presentes na casa de Rosimar Kosvoski o companheiro do Representado, Márcio.

A testemunha Lidia Mesnerovicz informa que possui um mercado e que Rosimar possuía conta adquirindo mercadorias. Bem como, alega que é vizinha de Rosimar e que sua residência é distante do mercado onde foram adquiridas as mercadorias mencionadas no processo. Esta informação é de suma relevância e apta a apontar que Rosimar não adquirira qualquer mercadoria no comércio mencionado, seja pela distância, seja pela ausência de qualquer relação prévia com as pessoas mencionadas. Desta feita, a ida de Márcio à residência de Rosimar possuía o intuito de entrega das mercadorias em troca de votos.

A Informante Tânia Marcia refuta cabalmente qualquer divergência acerca da presença de Márcio e da entrega de mercadorias. A mesma alegara que fora o próprio Márcio quem pedira para parar na casa da informante Rosimar e lá entregou mercadorias.

Em que pesem as divergências apresentadas ao longo da instrução processual e dos relatos prestados no inquérito policial, as provas não deixam margem de dúvidas de que houve a entrega de mercadorias por parte de Márcio Eliel Martins como pedido de apoio à candidatura do Representado tendo este pleno conhecimento.

A mídia constante à fl. 60 dá conta da presença de Márcio e de que este efetivamente possuía sacolas em suas mãos. O mapa acostado à fl. 129 demonstra uma distância considerável entre a residência de Márcio, a residência de Rosimar e o mercado em que adquiridas as mercadorias. Não havendo razão justificável e aceitável para Márcio ter parado na residência da informante e lá ter-lhe entregue as mercadorias. Estes elementos, aliados ao fato de estar-se em plena campanha eleitoral e de que o Companheiro de Márcio era candidato à vereador corroboram a tese de captação ilícita de sufrágio.

Ademais, pesa o fato de que todos foram unânimes em informar que não possui qualquer inimizade/amizade em face da informante Rosimar, assim como esta fora categórica ao falar que não possui nada contra o Representado, seu Companheiro ou qualquer outra parte. Desta feita, depreende-se inquestionavelmente que Márcio Eliel Martins fora à residência de Rosimar para lá entregar-lhe mercadorias em troca de voto a favor do seu companheiro.

Conforme se verifica, os elementos referidos corroboram as afirmações de captação ilícita de voto feitas pela testemunha Rosimar.

Ademais, não há evidências de relação anterior entre Márcio e Rosimar que pudesse esclarecer a entrega das mercadorias. Outrossim, Sandra ressaltou que Márcio costumava “anotar” as suas compras e realizar a quitação ao final do mês; mas, na situação versada nos autos, pagou em dinheiro a compra, no ato. Tânia, que se declarou amiga íntima de Márcio – o que foi confirmado pelo próprio na oitiva policial –, não soube explicar o motivo das compras por ele feitas serem entregues na casa de Rosimar.

Finalmente, sob o prisma da eleitora cujo voto foi negociado, há Lídia, vizinha de Rosimar e proprietária de um (outro) mercado, ao lado da residência de ambas. Lídia afirmou que Rosimar costumava realizar suas compras em seu comércio, oferecendo, inclusive, a respectiva “ficha” de créditos e débitos. O Mercado Oliveira não era, portanto, o local tradicional de compras de Rosimar, pois distante de sua casa.

Sobre a averiguação do elemento doloso do ilícito, alerta a doutrina de Rodrigo López Zilio:

O fato praticado deve ser avaliado a partir das circunstâncias inerentes ao caso concreto, revelando-se necessário perscrutar qual o real interesse do candidato em praticar aquela conduta determinada, a origem e situação pessoal do eleitor que é o beneficiário do ato (v.g., capacidade econômica, cultural, etc.) e a preexistência eventual de relação pessoal entre ambos.

(Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 577.)

No mesmo diapasão, José Jairo Gomes leciona:

Admite-se que o “fim de obter” (e não o pedido expresso de) votos – dolo específico ou fim especial de agir, na linguagem do Direito Penal – resulte das circunstâncias do evento, sendo deduzido do contexto em que ocorreu, mormente do comportamento e das relações dos envolvidos.

(Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 725.)

Com base em critérios como: (1) as anormais circunstâncias dos fatos; (2) o contexto eleitoral; (3) a assumida militância eleitoral de Márcio, em franca campanha em favor de seu convivente; e também (4) analisando a rotina e as relações entre os envolvidos, quais sejam, a amizade reconhecida entre Márcio, Sandra e Tânia; bem como (5) a ausência de vínculo, salvo o interesse eleitoral, com Rosimar, há a oferta de um forte e harmônico conjunto informativo que aponta a prática de captação ilícita de sufrágio como a única possibilidade coerente e factível dos acontecimentos.

Sequencialmente, a prova do envolvimento – quer direto, quer indireto – do ora recorrente na conduta perpetrada pelo seu companheiro é induvidosa.

Isso porque o envolvimento de Márcio na campanha de SÉRGIO é vislumbrado de modo inequívoco diante das reproduções de postagens na sua página pessoal do Facebook (fls. 21-30), com ostensivas publicações e reiterados compartilhamentos de material publicitário.

Ademais, como bem apontou o magistrado da origem (fl. 145):

Nesse ponto, ganha destaque a alegação do Ministério Público de que: "a participação de Márcio foi de tal ordem de envolvimento e proximidade com o Representado que aquele gozou férias no período antecedente ao pleito, afastando-se, nesses termos, das funções de Secretário Municipal da Fazenda, pelo que se vê total comprometimento com as necessidades da campanha do candidato" (fl. 134).

Aqui, cabe ressaltar que não basta a conduta de terceiro em benefício do candidato para a caracterização do ilícito, sob pena de incorrer-se em inaceitável responsabilização objetiva. Portanto, o candidato somente será responsabilizado quando houver prova suficiente da sua participação ou anuência no ilícito cometido por terceiro.

Sobre o ponto, a Corte Superior Eleitoral já entendeu pela caracterização da responsabilidade do candidato quando a infração insculpida no art. 41-A da Lei 9.504/97 é praticada por pessoa com a qual guarde uma relação íntima conjugal ou familiar, com o ingrediente do forte comprometimento eleitoral, em circunstâncias nas quais o desconhecimento do beneficiário transpareça incogitável:

ELEIÇÕES 2008. REPRESENTAÇÕES ELEITORAIS. JULGAMENTO CONJUNTO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E CONDUTA VEDADA (ART. 73, IV, DA LEI N. 9.504/97). DISTRIBUIÇÃO DE CHEQUES-REFORMA. DECISÃO REGIONAL. PROCEDÊNCIA.

1. Ainda que fosse possível afastar os outros elementos considerados pelo acórdão regional, a existência de propaganda eleitoral realizada pelo irmão do candidato no momento da distribuição de bens custeados pelo Poder Público é motivo suficiente para o enquadramento dos fatos na hipótese do art. 73, IV, da Lei das Eleições.

2. A realização de atos de propaganda eleitoral de forma concomitante à distribuição de bens e vantagens custeados pelos cofres públicos, com a presença de familiares e integrantes da campanha eleitoral, configura a hipótese de uso promocional proibido pela legislação.

3. A infração do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 não se configura apenas quando há intervenção pessoal e direta do candidato, pois é possível a sua caracterização quando o fato é praticado por interposta pessoa que possui ligação intima (esposa) com o candidato.

4. Tendo sido considerado como provado pelo acórdão regional que a esposa do candidato estabelecia o compromisso de voto em seu marido como condicionante para a entrega do cheque derivado do programa social, tal fato não pode ser revisto em sede especial (Súmulas 7 do STJ e 279 do STF).

Recurso especial a que se nega provimento.

RECURSO ESPECIAL. DECISÃO REGIONAL. QUESTÃO DE ORDEM. DETERMINAÇÃO. ELEIÇÃO INDIRETA. PREJUDICIALIDADE.

- Com o encerramento do mandato referente ao período de 2008 a 2012, o recurso especial que visava discutir a realização de eleição indireta no município encontra-se prejudicado, por perda superveniente de interesse, além do que os candidatos, cujos mandatos foram cassados, não deteriam legitimidade para discutir as consequências relativas à realização de novas eleições, conforme entendimento consolidado nesta Corte Superior.

Recurso especial que se julga prejudicado.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4223285, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário Justiça Eletrônico, Tomo 200, Data 21.10.2015, Página 29-30.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO PRÉVIO. DEMONSTRAÇÃO. MULTA PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. A decretação de nulidade de ato processual sob a alegação de cerceamento de defesa - inobservância do art. 22, I, a, da LC 64/90 - pressupõe a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do art. 219 do CE, o que não ocorreu no caso concreto. Precedentes.

2. A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.

3. Na espécie, o TRE-MG reconheceu a captação ilícita com esteio na inequívoca distribuição de material de construção em troca de votos - promovida por cabos eleitorais que trabalharam na campanha - em favor das candidaturas do agravante e de seu respectivo vice.

4. O forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores da conduta e os candidatos beneficiários. Na hipótese dos autos, os responsáveis diretos pela compra de votos são primos do agravante e atuaram como cabos eleitorais - em conjunto com os demais representados - na campanha eleitoral.

5. A adoção de entendimento diverso demandaria o reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 7/STJ.

6. O valor da multa pecuniária foi fixado com fundamento na complexidade do esquema de aquisição, armazenamento e distribuição de materiais de construção e na reiterada prática dessa conduta visando à prática da captação ilícita de sufrágio.

7. Agravo regimental não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 815659, Acórdão, Relatora Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário Justiça Eletrônico, Tomo 026, Data 06.2.2012, Página 28.) (Grifei.)

In casu, Sérgio, em seu depoimento pessoal, informou que é companheiro de Márcio há 10 anos. Confirmou, ainda, que seu consorte estava engajado na busca de votos, tanto que afirmou que Márcio costumava fazer a entrega de santinhos sozinho visando “abranger uma área maior”.

Destarte, diante do reconhecido esforço comum de campanha, e da intimidade e confiança de natureza conjugal entre Márcio e Sérgio, extraída da reconhecida união estável de uma década, é de se concluir pelo liame subjetivo do recorrente com os fatos, pois imponderável, na contextualização concreta, a ignorância em relação às condutas perpetradas pelo convivente em favor da campanha.

Reconhecida a infração, a cassação do registro ou diploma é penalidade de incidência obrigatória, com a qual é sancionado o candidato pela simples participação na captação ilícita de sufrágio, sem a necessidade de se indagar sobre a maior ou menor gravidade de sua conduta, conforme pacífica jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2004. CONDUTA VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REALIZAÇÃO DE NOVO PLEITO. ELEIÇÕES INDIRETAS. PROVIMENTO.

[...]

4. Uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope legis. Precedentes: AgRg no RO n. 791/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005; REspe n. 21.022/CE, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg no REspe n. 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006.

[...]

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 27737, Acórdão de 04.12.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 01.2.2008, Página 37.)

A sanção pecuniária, entretanto, fixada em 15.000 UFIRs na sentença, merece ser reduzida, considerando que o candidato não teve participação direta na conduta e que a ilicitude voltou-se a uma única eleitora, mediante benesse razoavelmente módica. Dessa forma, a pena de multa deve ser reduzida para R$ 2.128,00, equivalente a 2.000 UFIRs, valor próximo ao mínimo legal.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a multa pecuniária para R$ 2.128,20, mantendo-se a cassação do registro de candidatura.

Mantenha-se, ainda, a votação recebida por SÉRGIO PEDRO FANIN JÚNIOR no quantitativo total da coligação pela qual concorreu, a FRENTE DEMOCRÁTICA TRABALHISTA, por força do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.

Comunique-se, para o devido cumprimento, o inteiro teor desta decisão ao Juízo da 144ª Zona Eleitoral – Planalto, após o julgamento de embargos de declaração eventualmente interpostos.