RE - 32950 - Sessão: 02/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por EVERALDO DA SILVA MORAES e ALTAMIRO TRENHAGO contra a sentença (fls. 548-554) do Juízo da 4ª Zona Eleitoral, sediada em Espumoso, a qual julgou procedente o pedido realizado pelo Ministério Público Eleitoral e cassou os diplomas conferidos aos recorrentes, de prefeito e vice-prefeito do Município de Campos Borges, relativamente ao pleito de 2016, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97. A sentença condenou-os também ao pagamento de multa no valor convertido de R$ 21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais), individualmente e, ainda, declarou os recorrentes inelegíveis por 8 (oito) anos a contar da data da eleição, nos termos do art. 1º, inc. I, al. "j" da Lei Complementar n. 64/90; bem como requisitou a abertura de inquérito contra Rodrigo dos Santos Vieira, Antônio Moreira, Jocimara Ignácio da Silva e os  ora recorrentes, pela suposta prática do crime do art. 299 do Código Eleitoral; e, ainda, em face de Jocimara Ignácio da Silva, no relativo ao crime previsto pelo art. 342 do Código Penal.

Nas razões recursais (fls. 581-633-A), sustentam, fundamentalmente, a ilicitude das gravações juntadas, pois derivariam de flagrante preparado. Invocam a aplicação do art. 368-A do Código Eleitoral (CE), o qual não admite prova testemunhal singular naquelas ações cuja consequência seja a perda do mandato. Argumentam que o conjunto probatório seria inapto para amparar a cassação. Aduzem não haver prova da prática de captação ilícita de sufrágio. Requerem a reforma da decisão, para que seja julgada improcedente a ação.

Com contrarrazões (fls. 642-646), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual opinou pelo desacolhimento das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 657-670v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada em 29.3.2017 (quarta-feira), no DEJERS, conforme certidão constante à fl. 579, e o recurso foi interposto em 03.4.2017 (segunda-feira), obedecendo-se ao tríduo legal previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

Preliminares

Gravações ambientais

O recurso traz, em sede preliminar, irresignação quanto à consideração, pelo juízo de origem, de gravações realizadas clandestinamente. Os recorrentes argumentam a inexistência de autorização judicial para a gravação.

São três as gravações: (1) “movi0002.avi”, (2) “movi0003.avi”, e (3) “áudio importante”, as quais, aparentemente, estão em ordem cronológica. 

As circunstâncias de registro são diversas e merecem tratamento em separado. À análise.

A primeira gravação – “movi0002.avi” – foi realizada por Jocimara em sua casa. Necessário, aqui, realizar o cotejo com diálogo posterior, igualmente registrado – “áudio importante”–, o terceiro registro.

Este terceiro e último, o “áudio importante”, foi captado por Valdir Ribeiro, adversário político dos recorrentes, em companhia de Dioni Ribeiro. Nele, Jocimara deixa absolutamente clara uma intenção: "armar um esquema” (nos seus próprios dizeres).

Note-se que Jocimara reconhece ter acompanhando os recorrentes durante a campanha eleitoral, conduzindo-os em visitas a casas de eleitores. É nesse momento que descreve aos interlocutores ter “armado o esquema”, colocando cidadãos dentro da própria casa, e aguardando na parte de fora (gravação que envolve o eleitor Antônio Moreira).

Daí, reconhecem-se duas circunstâncias fundamentais: (a) Jocimara era pessoa estranha aos interlocutores daquele diálogo (EVERALDO, ALTAMIRO e Antônio Moreira, eleitor e pretenso apoiador da campanha dos recorrentes), e (b) Jocimara não participou do evento: aguardou fora da residência e – ainda assim, ausente – foi a pessoa que gravou o diálogo. Antônio Moreira, aliás, em seu testemunho, relata que foi insistentemente convidado por Jocimara para que fosse à casa dela.

Com base em tais elementos, o registro de imagens e de áudio denominado “movi0002.avi” enquadra-se como interceptação, meio de prova pelo qual um terceiro capta o conteúdo de diálogos. Tal modo de produção probatória é sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.

Assim, forçoso o reconhecimento da ilicitude da prova consubstanciada no arquivo “movi0002.avi”, o qual reproduz a visita dos candidatos EVERALDO E ALTAMIRO à casa de Jocimara em conversa com Antônio Moreira.

Diverso é o caso do arquivo de vídeo “movi0003.avi”, cuja gravação foi realizada por Jocimara, em situação na qual ela interage com os recorrentes.

Aqui, houve gravação clandestina, sem o conhecimento dos interlocutores EVERALDO e ALTAMIRO. Ocorre que a clandestinidade não implica, necessariamente, ilicitude, consoante se verá.

Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, não há que se falar em necessidade de autorização judicial, pois não houve interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo.

Nessa toada, saliento que o STF, em regime de repercussão geral, já assentou a validade da gravação ambiental como espécie de prova:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. "É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.” (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009.)

É certo, a título de argumentação, que, em alguns casos, o conteúdo da gravação ambiental deve estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade – nos termos do art. 5º, inc. X, da CF –, mormente naquelas situações em que a conversa, em si, tratar de temas que mereçam a defesa desses direitos fundamentais, e que, do seu cotejo, conclua-se pelo privilégio à proteção da esfera privada dos envolvidos, afastando-se, topicamente, a primazia do interesse público (aqui, de fato, o TSE possui alguns precedentes restritivos).

Contudo, tais restrições tratam de hipóteses extremas, de especial tutela da intimidade, aquelas em que nem mesmo o interlocutor poderia vir a testemunhar sobre o conteúdo versado.

E é aqui que se torna exequível a devida separação daqueles assuntos em que se permite a gravação ambiental, relativamente àqueles em que ela não é possível: o direito fundamental à intimidade visa preservar o assunto conversado, e não o método de prova; ou seja, tudo aquilo que não invade a esfera privada do interlocutor pode ser, sim, objeto de gravação ambiental.

Como já dito, não se olvida que há decisões do TSE que restringem a utilização de tal espécie probatória, ainda que tenha sido realizada por um dos interlocutores. Mas o assunto merece lupa, pois o órgão de cúpula vinha sendo mais restritivo na admissão da gravação como meio de prova judicial, especialmente no período entre o ano de 2013 até o início de 2015. Antes, sobretudo entre 2008 e 2012, o e. Superior já construía precedentes pela licitude da gravação ambiental.

Uma jurisprudência um tanto pendular, portanto.

Recentemente, houve um novo movimento daquela Corte Superior, no sentido de admitir como prova a gravação ambiental realizada, por exemplo, em lugares públicos, o que teve início no REspe 637-61/MG, Rel. Ministro Henrique Neves, DJE de 21.5.2015, quando se decidiu:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

Recurso especial da Coligação Cuidando de Nossa Cidade para Você

1. Na linha do entendimento majoritário, a eventual rejeição de um fundamento suscitado no recurso eleitoral não torna o recorrente parte vencida. O interesse recursal, que pressupõe o binômio necessidade/utilidade, deve ser verificado a partir do dispositivo do julgado. Precedentes: REspe n. 185-26, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 14.8.2013; REspe n. 35.395, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 2.6.2009.

2. Se a Corte de origem concluiu que as provas documentais e testemunhais seriam inservíveis e pouco esclarecedoras em relação à segunda conduta imputada na AIJE, a revisão de tal entendimento demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada em sede de recurso especial, a teor das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Recurso especial não conhecido.

Recurso especial e ação cautelar de Francisco Lourenço de Carvalho

1. "A contradição que autoriza a oposição dos declaratórios é a existência no acórdão embargado de proposições inconciliáveis entre si, jamais com a lei nem com o entendimento da parte" (ED-RHC n. 127-181, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 2.8.2013).

2. Nos termos da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de um deles e sem prévia autorização judicial, é prova ilícita e não se presta à comprovação do ilícito eleitoral, porquanto é violadora da intimidade. Precedentes: REspe n. 344-26, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 28.11.2012; AgRRO n. 2614-70, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 7.4.2014; REspe n. 577-90, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.5.2014; AgRRespe n. 924-40, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 21.10.2014.

3. As circunstâncias registradas pela Corte de origem indicam que o discurso objeto da gravação se deu em espaço aberto dependências comuns de hotel, sem o resguardo do sigilo por parte do próprio candidato, organizador da reunião. Ausência de ofensa ao direito de privacidade na espécie, sendo lícita, portanto, a prova colhida.

4. O quadro fático delineado no acórdão regional não revela a mera tentativa de obtenção de apoio político, pois, em diversas passagens, o que se vê são os pedidos expressos de voto e o oferecimento de vantagem aos estudantes. Incidência, na espécie, das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ação cautelar proposta com o objetivo de conferir efeito suspensivo ao recurso especial julgada improcedente.

Recuso especial conhecido e desprovido. Ação cautelar julgada improcedente.

O Tribunal, por maioria, desproveu o recurso de Francisco Lourenço de Carvalho, nos termos do voto do Relator. Vencida a Ministra Luciana Lóssio.

Nessa linha, julgados deste Tribunal Regional Eleitoral, representados pelas ementas abaixo colacionadas:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Artigo 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria. Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4.)

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Condenação. Vereador. Cassação do diploma. Eleições 2016.

Afastadas as prefaciais de nulidade de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e de prova testemunhal. Teor de conversa não protegido pela privacidade. Provas não sujeitas à cláusula de sigilo. Sendo lícita a gravação, não se caracteriza como ilícita por derivação a prova consistente em depoimento de testemunha.

Entrega de dinheiro, a duas eleitoras identificadas, condicionada a promessas de voto. Comprovado o especial fim de agir para obter-lhes o voto, circunstância apta a configurar a captação ilícita de sufrágio. Cassação do diploma decorrente da simples prática do ilícito, independentemente do grau de gravidade da conduta. Incidência obrigatória. Fixação da multa de maneira adequada, bem dimensionada para o caso em tela.

Provimento negado.

Por unanimidade, negaram provimento ao recurso e determinaram providências nos termos do voto do relator.

(RE n, 573-28, acórdão de 17.02.2017, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura. DEJERS de 21.02.2017.)..

Ao caso dos autos: a gravação do vídeo “movi0003.avi” foi realizada pela própria eleitora, em formato audiovisual, em local que somente poderia atingir a sua respectiva privacidade, e não a dos interlocutores gravados: a sua casa; portanto, não há dimensão da privacidade dos interlocutores a ser protegida. A ela, eleitora, seria permitida a reprodução do ocorrido sem ofensa à Constituição Federal; aliás, com o apoio da Carta Magna, pois os interlocutores gravados foram ao encontro dela, Jocimara, conforme é possível aferir do conteúdo da gravação.

Assim, reconheço a ilicitude da prova em relação ao conteúdo do arquivo “movi0002.avi” e afasto preliminar de nulidade, como prova, da gravação constante nos arquivos  “movi0003.avi” e "áudio importante".

 

Mérito

O Ministério Público Eleitoral ofereceu representação por captação ilícita de sufrágio em face de EVERALDO DA SILVA MORAES e ALTAMIRO TRENHAGO.

A inicial imputou, aos candidatos à eleição majoritária, a prática de captação ilícita de sufrágio, infração eleitoral descrita no art. 41–A da Lei n. 9.504/97, nos seguintes termos:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64 de 18 de maio de 1990.

Já na doutrina, a obra especializada de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos: análise à luz dos princípios democráticos. Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274) traz a lição de que o referido artigo busca proteger, de forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, de modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente, e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais.

Ainda, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio há de ser antecedida por, ao menos, três elementos, segundo pacífica posição do TSE: (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a existência de uma pessoa física (eleitor); e (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

A análise do conjunto probatório, embora demonstre a acirrada disputa pela conquista do mandato eletivo e, possivelmente, os desvios cometidos – por ambos os lados – nesse percurso, não oferece segurança quanto à configuração dos elementos caracterizadores da infração legal.

Passo a analisar as gravações “movi0003.avi” (audiovisual) e “áudio importante”.

No vídeo ("movi0003.avi"), o candidato EVERALDO adentra a residência de Jocimara indicando que a visita presta-se a “pedir voto e apoio”, ao que a interlocutora (supostamente “Dona Maria”, mãe de Jocimara) demonstra descontentamento por não ter sido visitada anteriormente.

Há, ainda, outra contrariedade de parte desta interlocutora. A partir dos quarenta segundos do vídeo, esta senhora, de nítido vínculo com Jocimara, mostra indignação com alguém que teria recebido créditos pelo trabalho de Jocimara, classificando-o como “mentiroso” e “sem-vergonha”, e afirmando que “quem trabalha honestamente fica sempre para trás”.

A interlocutora segue em sua fala, praticamente um monólogo, pois recebe apenas comentários rápidos, de concordância, de parte de EVERALDO. Ela indica que Jocimara “ganhava as pessoas pra ti” e que vinha trabalhando pela candidatura, conseguindo votos para os candidatos; ao passo que essa outra pessoa (Sérgio) estaria colhendo “os frutos” desse trabalho. Ainda acrescenta (01:15) que “no fim, vai ficar sem direito a nada, e o mentiroso ali que fica numa boa?!”.

Nessa linha, ela relata (03:12) que eleitores solicitaram dinheiro: “Vou querer uns troquinhos aí pra mim poder  [sic] votar, senão não vou votar”. Depois, referindo-se ao segundo candidato a adentrar – Altamiro – (03:50), afirma que “esse aqui ó, tudo nós vão [sic passim] votar pra ele, tudo nós” [...] “desde o começo, desde o primeiro dia que ele veio aqui, nós se combinemo [sic]… tudo nosso voto é dele; ele merece”. Comentam que Jocimara vai ser “levada” quando os candidatos “estiverem lá”, pois ela é muito esforçada, e “ela correu” em favor da candidatura.

Na sequência, ao que tudo indica, EVERALDO pode ter entregado dinheiro para esta senhora (08:55) e também para Jocimara (10:06), muito embora as imagens não permitam essa afirmação de maneira definitiva.

Daí, ainda que se considere a entrega de dinheiro (pouco clara nas imagens, frise-se, e negada por Jocimara em seu testemunho) por parte do recorrente EVERALDO, a situação – é inevitável admitir – tem muitos contornos de remuneração pelo trabalho realizado na obtenção de apoio político, por pessoas que declaradamente trabalharam como cabos eleitorais em prol da candidatura dos recorrentes.

E, com a devida vênia à sentença recorrida, entendo, portanto, que ela merece reforma no ponto em que entendeu caracterizada a “promessa ou oferta a eleitor, com o fim de obter-lhe o voto”, para usar, em termos gerais, a redação do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, pois não é o que o diálogo espelha.

A situação é diversa: a conversa reflete a busca de reconhecimento do trabalho de um cabo eleitoral, Jocimara, que estaria sendo injustamente atribuído a Sérgio, de forma a não restar estampada, como a legislação exige, a negociação sobre o voto das eleitoras, as quais, sublinho, desde o primeiro momento afirmaram a preferência pela candidatura dos recorrentes e, sobretudo, prestaram contas de um trabalho que vinham exercendo em prol da chapa competidora aos cargos majoritários de Campos Borges.

Mas há ainda mais elementos, como a motivação das gravações realizadas por Jocimara, que se sentia injustiçada ao não ter o trabalho como cabo eleitoral reconhecido. Explico.

A análise do conteúdo do “áudio importante” deixa clara a intenção de Jocimara (a pessoa que realizou as gravações do vídeo “movi0003.avi”) em “armar” uma situação para os recorrentes. Já nos primeiros minutos (03:15), Jocimara afirma, para Valdir e Dioni, que “[...] não adianta, vocês são bobo jogá [sic] limpo”, e acrescenta que tanto EVERALDO quanto Sandra (a adversária) estariam a comprar votos.

Tal viés intencional, de parte de Jocimara, é confirmado pelo testemunho de Sérgio Antônio Ferraz, cunhado de Jocimara, em oitiva em juízo, conforme mídia constante nos autos.

Além, a própria Jocimara relata aos interlocutores que “armou o esquema”, colocando eleitores em sua casa e aguardando na parte de fora, em relação à gravação que envolve o eleitor Antônio Moreira. Afirma aos adversários políticos dos recorrentes (05:45): “Vocês podiam [sic] ter ganhado a eleição. Se tivesse [sic] vindo falar comigo, vocês tinham ganhado a eleição”.

Ou seja, trata-se de um relato unilateral, sem a presença dos recorrentes, nos quais Jocimara busca nos adversários de EVERALDO e ALTAMIRO o reconhecimento que, imagina, não recebeu anteriormente, ao angariar votos para os recorrentes. É um relato nitidamente autorreferencial, como se ela, Jocimara, fosse a pessoa capaz de decidir a eleição de 2016 em Campos Borges.

Reconhece, ademais, ter procurado a candidata adversária, Sandra. Menciona (07:40), referindo-se aos recorrentes, então já eleitos, que, “se eu fizer uma chantagem com eles, eu tô [sic passim] empregada. Infelizmente eu tô empregada. Bem ou mal, eu tô empregada”. Na sequência, demonstra mágoa em relação a EVERALDO e relata pedidos de benesses realizados por eleitores.

Ouvida em juízo, JOCIMARA IGNÁCIO DA SILVA negou a compra de voto e o recebimento do dinheiro, embora tenha admitido que tinha as cédulas na mão, na ocasião da filmagem. Em depoimento bastante tenso, confirma ter recebido ameaças de morte – sem apontar os autores –, tendo sido juntado documento indicando os adversários dos recorrentes (ocorrência das fls. 397-399).

Aliás, os partidários de oposição a Everaldo e Altamiro, Valdir Ribeiro e Dioni Junior Ribeiro (pai e filho), que fizeram a gravação de áudio e foram os responsáveis pelo encaminhamento dos arquivos ao Ministério Público, também relataram sofrer ameaças.

O panorama exposto é, infelizmente, comum a algumas eleições municipais. A extrema polarização, sobremodo em pequenos municípios, muitas vezes produz um ambiente permeado por ações nada éticas, despidas de conteúdo moral - “chantagem” é, por exemplo, um termo usado por Jocimara com naturalidade.

E não escapa à percepção deste Juízo que o município de Campos Borges possui, infelizmente, precedentes similares ao caso dos autos: eleições ferrenhas, repletas de manobras escusas, defesas estritas de interesses individuais, em situações nada condizentes com um desejado e saudável ambiente democrático.

Contudo, na espécie, a prova não é forte o suficiente para que se afirme, com a firmeza necessária, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio. Há, é certo, uma zona bastante cinzenta no acervo probatório deste feito, e exatamente tal circunstância está a exigir o provimento do recurso, pois os diálogos licitamente gravados não dão conta, a rigor, da ocorrência de compra de votos.

Note-se que um dos precedentes citados na própria sentença condenatória do juízo de origem, o RE n. 399-41.2016.6.21.0045, teve, neste TRE-RS, a minha relatoria, e a sentença condenatória foi mantida, por unanimidade, pela Corte. Naquele caso, houve a gravação ambiental de diálogo, como aqui. A colheita da prova foi considerada lícita, novamente, como aqui. Contudo, o diálogo, naquele caso, teve conteúdo bem mais contundente, muito mais claro que o verificado nestes autos, de forma que o Tribunal entendeu, lá, caracterizada a ilicitude.

Voltando ao caso posto, a audiência de inquirição de testemunhas, realizada em 03.02.2017, conforme mídia audiovisual acostada à fl. 396, igualmente não socorre a manutenção da sentença. Para além do clima tenso das oitivas e do extremo aguerrimento do agente ministerial, restam as negativas de todos os ouvidos – tanto os representados EVERALDO DA SILVA MORAES, prefeito, quanto ALTAMIRO TRENHAGO, vice-prefeito – negam as acusações -,  destacando que a questão girou em torno de uma circunstância não esclarecida: um suposto repasse de dinheiro, de parte de EVERALDO, a Jocimara.

O testemunho de Jocimara, aliás, é pouquíssimo elucidativo. A verve assertiva que possuía no “áudio importante” foi substituída por respostas curtas e lacônicas – “conversas sobre política” –, tendo negado a ocorrência de propostas de compra de votos, mesmo quando advertida, pelo magistrado, de que poderia incorrer em falso testemunho, pois compromissada. Afirma que já estava com o dinheiro na mão, por ocasião do vídeo “movi0003.avi”; ou seja, o valor não teria sido repassado por EVERALDO. Relata ameaças que estava sofrendo sem, contudo, indicar especificamente os autores.

Por seu turno, Valdir Ribeiro – contraditado por pertencer ao partido político adversário – relata a ligação de Rosa em nome de Jocimara, no intuito de “fazer justiça”, e por “consideração à sua pessoa”, apenas indicando as circunstâncias da obtenção da "caneta espiã", da realização das gravações e das cópias dos vídeos constantes nos autos. De resto, emite opiniões sobre a moralidade da conduta dos recorrentes e sobre a democracia;  bem como, ao final, registra ter sido ameaçado.

Dione Ribeiro (filho de Valdir), também contraditado, afirma nada lembrar, em resumo.

De resto, Rosa Cláudia Gair Franciosi pouco contribui para o deslinde do ponto controvertido. Antônio Moreira da Silva nega veementemente a ocorrência de compra de votos; admite apenas uma conversa sobre apoio político. Gilnei Guerreiro, Rodrigo dos Santos Pereira, Celso Menezes (perito contratado), Sérgio Antônio Ferraz, Iracema da Cruz Vieira, Alisson Bruno Piovesan, João Carlos Nunes e Jackson Gabriel Moraes Rodrigues, a rigor, nada acrescentam ao quadro probatório, no que importa à ocorrência ou inocorrência da prática de captação ilícita de sufrágio.

Daí, em resumo, são parcos os elementos colhidos durante a instrução, e o exame evidencia a necessidade de reforma da sentença recorrida.

Note-se que, nos episódios gravados, não há sequer uma situação que estampe, sem dúvidas, a iniciativa de realizar uma negociação de voto, por parte dos recorrentes. Por suposto, eventuais comportamentos contrários à lei são realizados em termos discretos, sob linguagem hermética e dúbia. Todavia, ocorrendo gravação clandestina, há que se exigir deste grave meio de prova uma pujança, uma assertividade não encontrada nos presentes autos.

Repito: em momento algum, evidencia-se tenham, os candidatos, tomado atitude na busca de entrega de favores, vantagens ou dinheiro, em troca do convencimento ou da aderência dos eleitores à candidatura que constituíam.

Verifica-se, em verdade, propostas dos cidadãos (Jocimara e Antônio, especificamente), feitas a fim de remunerar seus esforços em favor da chapa, nunca partindo tal iniciativa dos candidatos.

Para a configuração da captação ilícita de sufrágio, é indispensável que o benefício ou vantagem seja específico, concreto, e que se destine a eleitor individualizado. É necessário que a doação, o oferecimento ou a promessa de bens ou outros benefícios particularizados sejam feitos pelo candidato ou por terceiros em seu nome, e que o oferecimento ou a promessa de vantagem ao eleitor sejam praticados com o fim de obter-lhe o voto.

As circunstâncias indicam ser prudente prestigiar o resultado obtido nas urnas. Indícios e evidências, sobretudo quando esparsos, não são suficientes para a caracterização da compra de votos. No caso dos autos, há dúvida insanável, a qual beneficia os acusados. As provas coligidas não são suficientemente contundentes para este juízo de certeza sobre o acerto da condenação, uma vez que o art. 41-A exige prova robusta e incontroversa para sua caracterização.

Nessa linha, a jurisprudência do TSE: 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTAÇÃO. CARGO. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97). CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS FINANCEIROS DE CAMPANHA ELEITORAL (ART. 30-A DA LEI DAS ELEIÇÕES). QUESTÃO DE ORDEM RELATIVA AO ART. 105-A DA LEI N. 9.504/97. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. ARCABOUÇO FÁTICO-PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A CARACTERIZAÇÃO DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRESCINDIBILIDADE DA ANÁLISE QUANTO À CONFIGURAÇÃO DO ART. 30-A. INDEPENDÊNCIA DA PENA DE CASSAÇÃO DO MANDATO ANTE A CONSTATAÇÃO DA PRÁTICA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DESPROVIMENTO.

1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral.

(GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520).

2. A jurisprudência deste Tribunal pressupõe, ainda, a existência de provas robustas e incontestes para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, não podendo, bem por isso, encontrar-se a pretensão ancorada em frágeis ilações ou mesmo em presunções, nomeadamente em virtude da gravidade das sanções nele cominadas.

Precedentes.

3. In casu, as premissas fáticas delineadas no aresto regional evidenciam a caracterização da captação ilícita de sufrágio, em especial pela distribuição indiscriminada de combustível em troca de apoio político.

4. O exame das ponderações acerca da configuração do ilícito disposto no art. 30-A da Lei das Eleições e da aplicação da cassação do diploma com fundamento no aludido dispositivo, à luz do princípio da proporcionalidade, revela-se prescindível, na medida em que a cassação do diploma subsistirá em virtude da caracterização da captação ilícita de sufrágio.

5. A análise da matéria relativa ao art. 105-A da Lei das Eleições, suscitada em questão de ordem, é inviável no caso vertente ante a sua preclusão consumativa, uma vez que o ora Agravante não se insurgiu contra a conclusão da Corte Regional sobre o tema na ocasião da interposição de seu recurso especial.

6. Agravo regimental desprovido.

O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

(0000672-93.2012.6.13..0041. AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 67293/MG. Ac de 25.8.2016. Rel. Min. Luiz Fux. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 27.9.2016.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, reconheço a ilicitude da prova em relação ao conteúdo do arquivo “movi0002.avi”, afasto a preliminar de nulidade das gravações constantes nos arquivos “movi0003.avi” e "áudio importante", e VOTO pelo total provimento do recurso interposto por EVERALDO DA SILVA MORAES e ALTAMIRO TRENHAGO, reformando-se a sentença de 1º Grau, para entender não comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio e julgar improcedente a representação.