RE - 468 - Sessão: 04/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por AIRTON LEANDRO HEBERLE (fls. 17-27) contra decisão (fl. 15) do Juízo da 50ª Zona Eleitoral – São Jerônimo, que, nos autos subjacentes, indeferiu pedido de afastamento de inelegibilidade decorrente de condenação criminal do Sistema ELO.

Aduziu que a punibilidade correspondente foi extinta em decorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. Requereu o restabelecimento da sua elegibilidade. Anexou documentos (fls. 28-109).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 117-119v.).

Em ato contínuo, o recorrente protocolizou petição requerendo que fosse concedido o pleito recursal de imediato, em caráter de tutela de urgência (fls. 121-123), sobrevindo decisão monocrática do relator de então, indeferindo o pedido (fls. 125-126).

Transitada em julgado a decisão que indeferiu o efeito suspensivo ativo (fl. 132), vieram os autos a mim conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 16-17) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de recurso interposto contra decisão que indeferiu pedido de exclusão do registro de inelegibilidade do Cadastro Eleitoral, decorrente de condenação criminal, sob o fundamento de ter havido a respectiva extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.

De fato, compulsando os autos, bem como o conexo APENSO (PET n. 12-74), infere-se que o recorrente se encontra com seus direitos políticos suspensos em decorrência de decisão proferida pelo juízo a quo, nos seguintes termos (fl. 6):

Vistos.

Determino o lançamento do Ase 370 – motivo 1 (Cessação do Impedimento) no cadastro do eleitor Airton Leandro Heberle, inscrição 040250960426, e, conforme previsto no art. 1º, I, E, da Lei Complementar 64/90, alterado pela Lei Complementar 135/10, proceda-se também ao lançamento do Ase 540 (Inelegibilidade).

Após processados os lançamentos, seja o feito arquivado sem baixa.

Quando transcorrido o decurso do prazo de inelegibilidade do eleitor, equivalente a 8 (oito) anos, seja o feito desarquivado, a fim de proceder-se ao lançamento do Ase 558 (Restabelecimento da Elegibilidade).

A decisão recorrida, como visto, fundamenta-se na causa de inelegibilidade prevista do art. 1º, inc. I, al. 'e', n. 1, da Lei Complementar n. 64/90, assim disposta:

Art. 1º. São inelegíveis:

I) para qualquer cargo:

[…]

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

Ocorre que, nos autos da Ação Penal n. 2006.71.00.000070-5, com tramitação perante a Justiça Federal deste Estado, o recorrente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 2º, da Lei n. 8.176/91, a dez dias-multa e à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de detenção, substituída por pena restritiva de direitos, na modalidade de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, decisão essa transitada em julgado a partir do improvimento das apelações interpostas no âmbito do TRF da 4ª Região (fls. 43-57 do APENSO).

Certificado o trânsito em julgado para defesa e acusação (fl. 59 do APENSO), sobreveio sentença em que, declarada extinta a punibilidade do réu em face da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, pela pena em concreto, nos autos da Execução Penal de n. 5040599-30.2013.404.7100 (fls. 66-67 do APENSO), assim dispôs:

A pena imposta ao executado é de 01 ano de detenção. Tal pena remete ao prazo prescricional de 4 anos, conforme artigo 109, V, do Código Penal.

Nos termos do artigo 111, I, do Código Penal, a prescrição começa a correr a partir da consumação do fato, possuindo como marcos interruptivos, entre outros, a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença condenatória (art. 117, I e IV, do Código Penal).

Ora, entre a data do recebimento da denúncia (26.10.2006) e a data da publicação da sentença condenatória (11.01.2011), transcorreram mais de 4 anos, superando o prazo prescricional aplicado aos marcos interruptivos mencionados acima, o que enseja a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena in concreto, na modalidade retroativa.

Em relação à pena de multa e custas processuais, por aplicação do art. 118 do Código Penal, ambas se encontram igualmente prescritas em sua pretensão punitiva.

Nesse passo, ofício dirigido pela Justiça Federal à Justiça Eleitoral dá conta de que, nos autos da execução penal correspondente, “foi extinta a punibilidade do executado abaixo qualificado para a pena privativa de liberdade e multa penal, em face da prescrição da pretensão punitiva, aplicadas nos autos da Ação Penal n. 2006.71.00.000070-5”, com trânsito em julgado da decisão extintiva em 01.10.2014 (fl. 4).

Denota-se, pois, que o caso dos autos versa sobre a extinção da prescrição punitiva retroativa, e não de prescrição da pretensão executória.

É notória a distinção entre os efeitos de ambas as modalidades de prescrição. Na executiva, embora o condenado veja-se livre de cumprir a pena, subsistem os demais efeitos da sentença condenatória e, por consequência, permanece hígida a causa de inelegibilidade. Já na hipótese da prescrição da pretensão punitiva retroativa, o Estado perde todo e qualquer direito de utilizar aquela condenação contra o autor do crime, inclusive como hipótese a acarretar a inelegibilidade.

A doutrina de Rodrigo López Zilio (em Direito Eleitoral - 3ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico. p. 184-185) vai no mesmo sentido: "Em relação à prescrição convém distinguir: se se trata de prescrição da pretensão executória – que afasta, apenas, a execução da pena – subsiste a inelegibilidade; se se trata de prescrição da pretensão punitiva – ausente provimento condenatório e, pois, cumprimento de pena -, inelegibilidade também não há". 

A propósito, no julgamento do RO n. 160446 (DJE 10.6.2011), a Ministra do STF Carmen Lúcia bem resumiu a questão, ao assim firmar: “Ademais, conforme assentei na decisão agravada, o Tribunal Superior Eleitoral manteve o entendimento de que o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, de forma retroativa, elide a própria condenação do agravado, afastando, assim, a incidência daquela hipótese de inelegibilidade, mesmo após a entrada em vigor da Lei Complementar n. 135/2010.”

Logo, como salientado pelo eminente Procurador Regional Eleitoral (fl. 118v.), resulta que, ao ser reconhecida a perda do direito de impor o Estado sanção ao recorrido, pela prática de fato típico, é inexorável a conclusão de que os efeitos da condenação não podem subsistir, pois o reconhecimento da pretensão punitiva, ainda que retroativa, se não elide a condenação, elide ao menos os efeitos que dela normalmente decorrem.

Não desconheço, e não se trata de discordar do entendimento segundo o qual a anotação a título de “ocorrência de inelegibilidade” não configura causa restritiva à quitação eleitoral, sob a ótica de que tal registro serve apenas como subsídio para o exame de eventual pedido de candidatura (oportunidade em que apreciadas as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade), como fazem ver o RE 69-82 e o RE 1-56, da relatoria, respectivamente, da Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja e do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Ademais, tais relatores lastrearam, justamente sob a premissa de ausência de impedimento à obtenção de certidão de quitação eleitoral, o indeferimento do pleito de tutela de urgência formulado no presente recurso.

É que, como visto, ao se adentrar na apreciação do mérito da causa, depara-se com circunstâncias distintivas, a demonstrar cenário diverso e a exigir solução igualmente diversa.

Para além da legítima expectativa do eleitor de manter hígido seu histórico cadastral perante a Justiça Eleitoral, reforço que, do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, não pode subsistir qualquer efeito da condenação pela qual incidiu a causa de inelegibilidade da al. 'e' do inc. I do art. 1º da Lei Complementar n. 64/90.

Objetivamente, o código restritivo correspondente (ASE 540) sequer poderia ter sido comandado no histórico cadastral do recorrente, na medida em que a zona eleitoral de origem fora adredemente comunicada da extinção da punibilidade em virtude da prescrição da pretensão punitiva (documentos de fls. 02-5).

A não ser assim, seria o mesmo que admitir, sem qualquer valoração e em desprestígio à fidedignidade do Cadastro Eleitoral, a anotação de código cadastral de inelegibilidade para os casos em que expressamente vedada, como sucede nos crimes culposos e naqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo (art. 1º, § 4º, da Lei Complementar n. 64/90).

Dentro desse contexto, trago aresto do TSE sobre a matéria, que bem espelha os fundamentos e a conclusão que ora estou a propor:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. ALÍNEA E, I, ART. 1º, DA LC Nº 64/90. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. RECONHECIMENTO. STF. INELEGIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. O reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado importa na extinção da punibilidade do agente, obsta o prosseguimento do processo penal, retira o jus puniendi estatal, não forma título judicial condenatório, bem como elimina os efeitos principais, secundários e extrapenais da sentença penal condenatória.

2. A prescrição da pretensão punitiva, hipótese dos autos, não se confunde com a prescrição da pretensão executória que não prejudica os efeitos extrapenais da condenação criminal, a exemplo dos político-eleitorais, já que não afasta a inelegibilidade da alínea 'e'.

3. Por ser a inelegibilidade prevista na alínea 'e' do inciso I do art. 1º da LC n° 64/90 uma consequência da condenação criminal, não há como incidir a causa de inelegibilidade ante o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pelo STF.

4. Recurso especial desprovido.

(TSE – RESPE n. 11137 – Rel. Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio – PSESS 13.10.2016.)

 

Na mesma toada, os arestos trazidos pelo Parquet eleitoral em seu parecer:

CONSULTA. LEI DA FICHA LIMPA. INELEGIBILIDADE. RECONHECIMENTO. REGISTRO DE CANDIDATURA. COISA JULGADA. ELEIÇÃO SEGUINTE. INOCORRÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PENA. PRAZO. TÉRMINO. TÍTULO CONDENATÓRIO. COMINAÇÕES IMPOSTAS. CUMPRIMENTO. CRIME. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INELEGIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA.

1. O reconhecimento ou não de determinada hipótese de inelegibilidade para uma eleição não configura coisa julgada para as próximas eleições.(...)

3. Por ser a inelegibilidade prevista na alínea 'e' do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 uma consequência da condenação criminal, não há como incidir a causa de inelegibilidade ante o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela Justiça Comum.

4. Resposta negativa ao primeiro e terceiro questionamentos; e afirmativa ao segundo.

(TSE – Consulta n. 33673 – Rel. Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO – DJE de 15.12.2015 - grifado.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO PELO TRE. INELEGIBILIDADE POR CONDENAÇÃO CRIMINAL E POR REJEIÇÃO DE CONTAS.

1. Inelegibilidade referida no art. 1º, inciso 1, alínea 'e', da LC n° 64/1990. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, afasta-se a incidência da causa de inelegibilidade. Precedentes. (...)

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 69179 – Rel. Min. GILMAR FERREIRA MENDES – DJE de 01.7.2015 - grifado.)

 

Recurso. Registro de candidatura. Eleições 2012. Decisão originária que rejeitou impugnação ministerial, deferindo pedido de registro de candidatura ao cargo de prefeito. Inelegibilidade decorrente de condenação criminal definitiva, com base no art. 1º, inc. VII e § 1º, do Decreto-Lei n. 201/67, ilícito que se amolda ao disposto no art. 1º, inc. I, letra 'e', n. 1, da Lei Complementar n. 64/90.

Ainda que declarada em momento posterior ao pedido de registro, a extinção da punibilidade por prescrição da pretensão punitiva do Estado afasta a causa de inelegibilidade. Relevância do direito fundamental em debate – capacidade eleitoral passiva -, autorizando a aplicação do princípio da proporcionalidade para entender sanada a irregularidade.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE n. 9170 – Rel. DESa. ELAINE HARZHEIM MACEDO – PSESS de 29.8.2012 - grifado.)

 

Recurso. Registro de candidatura. Eleições 2012. Cargo de vereador. Improcedência das impugnações propostas pelos recorrentes e deferimento do pedido. Irresignação aduzindo que a condenação transitada em julgado, pela prática do crime previsto no art. 172, caput, do Código Penal, acarreta a inelegibilidade do recorrido com base na Lei Complementar n. 64/90. A declaração da extinção da punibilidade, por ocasião do exame da apelação pelo Tribunal de Justiça, em virtude da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, elide a própria condenação e afasta a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, letra 'e', da Lei Complementar n. 64/90. Não conhecimento do apelo interposto pelo partido. Pacífico o entendimento de que a agremiação que se coliga a outra não pode atuar isoladamente na Justiça Eleitoral.

Provimento negado ao recurso remanescente.

(TRE-RS – RE n. 28680 – Rel. Dr. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES – PSESS de 17.8.2012 - grifado.)

Portanto, o provimento do recurso, com a imediata inativação do código de inelegibilidade, é medida que se impõe.

Ainda nesse contexto, na condição de Corregedor Regional Eleitoral e sob a mesma premissa de que, do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, não pode subsistir qualquer efeito da condenação, também determino que sejam excluídos os correspondentes registros – códigos de “suspensão de direitos políticos” (ASE 337) e de “cessação do impedimento” (ASE 370) – atinentes à sentença criminal condenatória transitada em julgado.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto, para ordenar ao Juízo da 50ª ZE a imediata inativação do código de ASE 540 do histórico cadastral de AIRTON LEANDRO HEBERLE, por meio do comando do código de ASE 558 – “restabelecimento da elegibilidade”.

De ofício, determino que o Juízo da 50ª ZE proceda à instauração do devido procedimento administrativo para exclusão das respectivas anotações de suspensão de direitos políticos (Código de ASE 337, com data de ocorrência 13.8.2013) e de inelegibilidade (Código de ASE 540, com data de ocorrência 05.9.2014), bem como dos demais comandos que os inativaram.