RE - 15035 - Sessão: 29/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto em face da sentença de fls. 821-823v, que julgou improcedentes as representações eleitorais de números 150-35, 156-42 e 149-50, interpostas contra JORGE AGAZZI e ALEXANDRE TERRES DA ROSA, prefeito e vice-prefeito de Mato Castelhano/RS, reeleitos nas eleições de 2016, por entender não configuradas as condutas vedadas previstas no art. 73, incisos IV e VIII, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões, a recorrente elenca, de forma individualizada, suas irresignações em relação a cada uma das três representações. Quanto à RP n. 150-35, alega que a Prefeitura de Mato Castelhano praticou, durante o período de eleição, aumento injustificado na distribuição gratuita de materiais decorrentes da política habitacional do município, tendo sido despendido valor superior à média dos três exercícios anteriores, mais precisamente o montante de R$ 83.542,07, o que demonstraria a finalidade eleitoreira da prática administrativa. Nesse sentido, aponta que os documentos apresentados pela defesa trazem informações diversas das que constam no Portal do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS). Em relação à RP n. 149-50, sustenta que as despesas destinadas à distribuição de medicamentos, no mês de agosto do ano eleitoral (2016), teriam ultrapassado em muito aquelas realizadas nos exercícios de 2014 e 2015. Tal conduta, no entender da recorrente, teria o intuito de promover o prefeito, o que teria ficado ainda mais evidente com a designação da primeira-dama – Secretária de Assistência Social – para coordenar a distribuição de medicamentos; porquanto, em anos anteriores, tal função estaria sob responsabilidade de funcionários concursados da Secretaria da Saúde. No que diz respeito à RP n. 156-42, a recorrente argumenta que o índice da revisão geral da remuneração dos servidores públicos municipais de Mato Castelhano, no percentual de 10,54%, excedeu a recomposição da perda de seu poder aquisitivo, incidindo na vedação disposta no art. 73, inc. VIII, da Lei n. 9.504/97. Assim, a recorrente requer a reforma da sentença, a fim de que sejam julgadas procedentes as referidas representações (fls. 826-840).

Apresentadas contrarrazões (fls. 844-851), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 856-859).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

Contudo, adianto que, na minha compreensão, a sentença de primeiro grau examinou com extrema acuidade os fatos, motivo pelo qual não vejo razão para a sua reforma.

O recurso versa sobre três representações ajuizadas pela COLIGAÇÃO UNIDOS PARA MUDAR (PTB - PP - PSD), RPs 150-35, 156-42 e 149-50, visando à apuração de suposta prática de condutas vedadas previstas no art. 73, incisos IV e VIII, da Lei n. 9.504/97.

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(…)

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

 

Narra a recorrente que, no período eleitoral, os representados teriam realizado excessiva distribuição de materiais decorrentes da política habitacional, bem como de medicamentos. Ademais, teriam concedido revisão geral da remuneração dos servidores públicos municipais, excedendo a recomposição da perda do poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.

A sentença reuniu as representações em virtude da identidade de partes e da matéria – condutas vedadas – e, ao final, entendeu pela improcedência de todos os pedidos.

Desse modo, esclareço que utilizarei a mesma sistemática empregada pelo magistrado de primeiro grau, Dr. Átila Barreto Refosco, julgando todas as irresignações no mesmo instrumento, ainda que as examinando de forma individualizada.

Passo à análise.

 

Representação n. 150-35:

A representante alega que JORGE AGAZZI, na condição de prefeito do Município de Mato Castelhano e candidato à reeleição, efetuou gastos exorbitantes com reforma de habitações, assim agindo em proveito pessoal e em desequilíbrio com o princípio da isonomia, que deve reger a disputa entre os concorrentes; razão pela qual a representante requereu a procedência do pedido, para cassar o registro ou o diploma do representado.

A sentença entendeu pela improcedência do pedido nos seguintes termos (fl. 822-v.):

A controvérsia objeto do processo 150-35 diz com despesas destinadas a reformas de habitações dos munícipes. Os gastos, segundo a representante, teriam aumentado vertiginosamente em ano eleitoral, de modo a desvirtuar sua finalidade em claro favorecimento à candidatura dos representados e, com isso, ferindo o princípio da isonomia que deve pautar a eleição.

 

Sem razão, contudo. Trata-se, por primeiro, de despesa que decorre de programa social regularmente criado, decorrente de lei municipal que dispõe sobre a prestação de assistência a população carente, Lei 49/94. A representante, aliás, não ignora a existência de tal dispositivo, inclusive dele se utilizou quando em gestão passada esteve à frente do executivo municipal de Mato Castelhano.

 

O art. 73, inc. IV, da LE não proíbe - como reconhecido por ambos os litigantes - a prestação do auxílio mesmo em ano de eleições. O que a lei veda é o uso promocional do programa no citado período, para que se evite o desequilíbrio no certame. Assim, na espécie desimporta a continuidade de execução da assistência - que tem respaldo legal, como já frisado -, mas sim avaliar se o desembolso foi compatível com a necessidade.

 

Analisando-se os documentos expedidos pelo município ou mesmo os dados disponíveis no portal da transparência, pode-se afirmar que o incremento das despesas está plenamente justificado. Os representados juntaram farta prova documental contendo o registro dos expedientes prévios elaborados para a avaliação de cada caso, inclusive instruídos com laudos sociais, a demonstrar a necessidade de suas concessões, decorrência da constatada precariedade financeira dos contemplados.

 

Natural que as quantias empenhadas oscilem ao longo do tempo, pois são inúmeras as variáveis para para isso contribuem, v.g., condições atmosféricas e condições econômicas da população. E a representante bem sabe que assim o é, tanto que em sua gestão desembolsou muito mais do que os representados com o mesmo programa social, inclusive em ano eleitoral.

 

A prova testemunhal em nada contribuiu para o esclarecimento dos fatos. Os depoentes, ouvidos como informantes já que simpatizantes da candidatura da representante, limitaram-se a vagas referência acerca de reformas, o que já se tinha o suficiente pelos documentos acostados.

 

Em suma, não se pode extrair da prova a presença de uso promocional do programa em proveito dos representados. O que se tem é a sequência de um programa social instituído há décadas, que também foi usado pela representante, inclusive com maiores despesas.

 

Em suas razões, a recorrente alega que a Prefeitura de Mato Castelhano teria aumentado, de forma injustificada, a distribuição gratuita de materiais decorrentes da política habitacional daquele município durante o período de eleição, tendo sido despendido valor superior à média dos três exercícios anteriores, mais precisamente o montante de R$ 83.542,07, o que demonstraria a finalidade eleitoreira da prática administrativa. Nesse sentido, aponta que os documentos apresentados pela defesa trazem informações diversas das que constam no Portal do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS).

Contudo, não vejo razão para alterar a decisão do ilustre magistrado de piso.

Das informações contidas no Portal do TCE-RS, é possível verificar que o valor de R$ 83.542,07 corresponde à integralidade dos gastos com habitação no ano de 2016 (valores empenhados).

Segundo indicado no mesmo portal, o valor empenhado, no ano de 2013, foi R$ 53.400,00; em 2014, R$ 68.340,75; e, no exercício de 2015, totalizou R$ 54.092,00.

Consequentemente, realizando-se um cotejo entre as despesas de 2016 e as empenhadas nos três anos anteriores, facilmente se conclui pela proporcionalidade do aumento.

Somado a isso, cabe registrar a elevação dos custos da construção civil, os quais se encontram refletidos no Custo Unitário Básico do Rio Grande do Sul (CUB-RS), que, de janeiro de 2013 a dezembro de 2016, obteve aumento superior a 30%.

Portanto, não vislumbro, nos fatos narrados pela recorrente, hipótese de conduta vedada a ser reconhecida.

 

Representação 149-50:

Em situação semelhante à anteriormente tratada, a representante sustenta que JORGE AGAZZI, na condição de prefeito do Município de Mato Castelhano e candidato à reeleição, utilizou programa assistencial para distribuir medicamentos, em valores expressivos, à população, com a finalidade de autopromover-se.

O norte da decisão de primeiro grau seguiu pelo não acolhimento da pretensão da autora (fls. 822v.-823), in verbis:

O quadro probatório não é diferente no que se refere ao processo 149-50, fundamentos acima lançados e que se espraiam a essa demanda. Muda, apenas, o programa social, aqui vinculado à área da saúde e consistente no fornecimento de exames e medicação aos necessitados. Há, igualmente, previsão legal - L. 305/2005, com registro dos beneficiados, conforme documentos juntados. Os valores comprometidos, ademais, são compatíveis com a demanda e seguem a média do que se tem gastado ao longo dos anos, a exemplo do período em que a representante foi a ordenadora de idêntica despesa.

 

A gravação ambiental não contém ou revela qualquer ilicitude, como bem destacado pelo agente do Ministério Público Eleitoral. Havia, a despeito do método, controle de distribuição dos produtos.

 

No magistério de Rodrigo López Zilio, "...não é proibida a mera distribuição gratuita de bens e serviços social pelo Poder Público; logo, não se exige a cessação da atividade assistencial porventura desenvolvida. Veda-se o uso promocional da atividade ..." (IN Direito Eleitoral, 4ª ed., Verbo Jurídico, p. 566).

 

Igualmente irresignada quanto à decisão de improcedência desta representação, a recorrente sustenta que as despesas destinadas à distribuição de medicamentos no mês de agosto do ano eleitoral (2016) teriam ultrapassado em muito aquelas realizadas nos exercícios de 2014 e 2015, o que, em sua compreensão, demonstraria a finalidade de promoção pessoal do prefeito. Tal intento teria ficado ainda mais evidente com a designação da primeira-dama – Secretária de Assistência Social – para coordenar a distribuição de medicamentos, porquanto, em anos anteriores, tal função estaria sob responsabilidade de funcionários concursados da Secretaria da Saúde.

Aqui, de igual modo, não vejo razões para modificar a decisão de primeiro grau.

Nota-se que a sentença esclareceu que o aludido programa assistencial encontra previsão em lei municipal, e que seus custos não destoam da média dos anos anteriores, sendo compatíveis, inclusive, com os gastos efetivados no período em que a representante foi ordenadora de idêntica despesa.

Quanto ao fato de a primeira-dama, na condição de Secretária de Assistência Social, coordenar a distribuição dos medicamentos, não se vislumbra irregularidade, uma vez que se trata de atividade atinente ao cargo por ela ocupado.

Somado a isso, cabe trazer o acréscimo sugerido pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, ao concluir também pela “ausência de comprovação quanto à finalidade eleitoreira com o fornecimento de exames e medicação aos necessitados” (fl. 858-v.).

Assim, também em relação a este ponto, o recurso não comporta provimento.

 

Representação 156-42:

Por fim, cabe examinar a pretensão da representante de ver reconhecida hipótese de conduta vedada prevista no inc. VIII do art. 73 da Lei n. 9.504/97, por supostamente conceder reajuste aos servidores municipais excedendo a recomposição da perda do poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.

Na mesma linha dos entendimentos anteriores, o magistrado da 128ª Zona Eleitoral rejeitou os argumentos da autora, julgando improcedente a representação pelos seguintes fundamentos (fl. 823-v.):

Por fim, no processo 156-42, a conduta vedada corresponde à previsão do art. 73, inc. VIII, da LE. De acordo com a representante em interpretação à Lei Municipal 691/2016 houve concessão de reajuste dos vencimentos dos servidores em prazo e percentual legalmente vedados.

 

Todavia, a citada lei municipal não contempla aumento real da remuneração, limitando-se a mera reposição das perdas inflacionárias do ano transato que correspondem exatamente ao percentual concedido, i.é, 10,54%. Mais, para a simples recomposição não há prazo estipulado. Os 180 dias que a lei menciona servem de marco para revisões que impliquem em aumento real, situação diversa do presente, portanto.

 

E mesmo que se aplicasse tal prazo, ainda assim o envio ao legislativo local teria ocorrido em tempo hábil. Porém, como antes destacado, aqui se tem apenas a recomposição e para esta não há que se falar em limite temporal. Nesse sentido o parecer do MPE e, também, a lição doutrinária:

 

"Veda-se, em síntese, qualquer recomposição que exceda o repique inflacionário, seja qual for a denominação dada àquele acréscimo financeiro. Em outras palavras, resta proscrito qualquer AUMENTO REAL na remuneração do servidor público, como já assentado pelo TSE quando definiu a possibilidade de revisão geral da remuneração do servidor público, 'desde que não exceda a recomposição da perda do poder aquisitivo." (IN ob. cit., p. 587)

 

Em seu apelo, a representante argumenta que o índice da revisão geral da remuneração dos servidores públicos municipais de Mato Castelhano, no percentual de 10,54%, excedeu a recomposição da perda de seu poder aquisitivo, incidindo na vedação disposta no art. 73, inc. VIII, da Lei n. 9.504/97.

Melhor sorte não assiste à recorrente quanto a esta irresignação.

Como bem divisado na decisão monocrática, a Lei Municipal n. 691/16 não concedeu aumento real à remuneração dos servidores municipais, limitando-se à reposição das perdas inflacionárias do ano anterior (2015), que correspondem exatamente ao percentual de 10,54%.

Além disso, como bem consignou o magistrado, não há limitador temporal para a concessão de simples reposição salarial, sendo o prazo de 180 dias, previsto no art. 7º, § 1º, da Lei n. 9.504/97, aplicado apenas em caso de aumento real da remuneração.

Por consequência, conclui-se não configurada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. VIII, da Lei das Eleições, devendo o recurso ser julgado improcedente também em relação a este ponto.

Na mesma linha, segue a manifestação do douto Procurador Regional Eleitoral, à fl. 859, ao considerar que “a revisão salarial dos servidores públicos municipais de Mato Castelhano/RS promovida pela Lei Municipal nº 691/2016 ajustou-se ao período anual estabelecido no art. 37, inc. X, da Constituição, tendo se limitado a recompor a perda do poder aquisitivo do salário no período de 2015”.

 

Ante o exposto, VOTO por desprover o recurso, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau, que julgou improcedentes as representações de números 150-35, 156-42 e 149-50.

É como voto, Senhor Presidente.