RE - 29486 - Sessão: 26/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos eleitorais interpostos contra a sentença que julgou improcedente a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada em face de SILVÂNIO ANTÔNIO DIAS, CLAUMIR CÉSAR DE OLIVEIRA, CLAUDIO ROBERTO OLIVAES LINHARES e da COLIGAÇÃO A RENOVAÇÃO NÃO PODE PARAR (PSB - PMDB - PP - PSDB), por entender não configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, pois não comprovada a qualidade de servidor público de Claudio Olivaes Linhares, muito menos o caráter de exclusividade do contrato de prestação de serviços formulado com a empresa Claudio Linhares – Advogados Associados.

CLAUDIO ROBERTO OLIVAES LINHARES interpôs recurso eleitoral postulando a condenação dos representantes por litigância de má-fé ante a infundada propositura da presente demanda.

A COLIGAÇÃO FRENTE TRABALHISTA (PDT - PTB - PT), o PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), o PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) e o PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) interpuseram apelo, sustentando a flagrante violação ao art. 73 da Lei das Eleições, mediante a utilização de serviços do procurador do Município de Três Palmeiras/RS, ora representado – Sr. CLAUDIO ROBERTO OLIVAES LINHARES –, em benefício da campanha eleitoral. Registram, ainda, a inexistência, no contrato de prestação de serviço, de qualquer limitação de carga horária, o que demonstra a sua dedicação exclusiva.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

 

VOTO

Tempestividade

Os recursos são tempestivos.

A ação pretendeu ver caracterizada a ofensa ao art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, por meio da utilização dos serviços do advogado Claudio Roberto Olivaes Linhares, procurador do Município de Três Palmeiras, em favor da campanha de Silvanio Antônio Dias e Claumir Cesar de Oliveira, respectivamente, atuais prefeito e vice-prefeito eleitos daquele município, no pleito de 2016.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, pág. 585-586) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC n. 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (inc. III e V do art. 73 da LE), financeiros (inc. VI, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[…]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

O dispositivo legal em questão está assim descrito:

art. 73.

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Conforme entendimento sedimentado pelo TSE, a norma deve ser interpretada restritivamente:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, III, DA LEI N. 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A jurisprudência deste Tribunal opera no sentido de que normas restritivas de direitos devem ser interpretadas estritamente. 2. A mera circunstância de os servidores portarem adesivos contendo propaganda eleitoral dentro da repartição, durante o horário de expediente, conquanto eticamente reprovável, não se enquadra na descrição típica contida no art. 73, III, da Lei n. 9.504/97, cuja proibição consiste na "cessão de servidor" ou na "utilização de seus serviços", "para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação", circunstâncias que não se verificaram no caso. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - AgR-REspe: 151188 CE, Relatora: Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de Julgamento: 03.6.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 152, Data 18.8.2014, Página 151.) (Grifei.)

O texto legal veda o emprego, na campanha, de servidor público não licenciado durante o “horário de expediente normal”. A lei não impede que servidores possam prestar auxílio a determinado candidato. Ao contrário, o dispositivo preocupa-se com a moralidade pública, buscando evitar que ocupantes de cargos públicos sejam desviados de suas funções para auxiliar a campanha de candidatos.

Requisito necessário à caracterização da conduta vedada é a prova de que o auxílio à campanha, pelo servidor público, ocorreu quando este deveria estar exercendo sua atividade, vale dizer, é necessária a demonstração de sua atuação na campanha durante o horário de expediente.

Tal demonstração, no entanto, quando envolve advogados e assessores jurídicos, nem sempre é prova fácil, pois, em regra, não estão sujeitos ao cumprimento de expediente fixo, permanecendo à disposição da Administração em horários bastante flexíveis.

Na espécie, sobreleva registrar que também há se demonstrar o vínculo do agente com a administração, ou seja, se ele se insere no conceito legal trazido pelo § 1º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, verbis:

§ 1º Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional.

Compulsando os autos, entretanto, verifico que o conjunto probatório não ampara juízo condenatório, ao contrário, impõe a improcedência da demanda, nos exatos termos em que proferida a sentença:

A presente ação foi proposta com base no art. 73, III, da Lei n. 9.504/97:

São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

[...] Em contestação, os representados não negam o fato de que Claudio Roberto Olivaes Linhares atuou em defesa dos demais representados durante o período eleitoral. Dessa maneira, a controvérsia se limita à subsunção dos fatos narrados à norma que dispõe acerca das condutas vedadas aos agentes públicos, tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais.

Conforme prova documental trazida aos autos, o representado Claudio Linhares não é servidor público ou empregado da administração direta ou indireta do Município de Três Palmeiras. Conforme documento juntado pela Prefeitura de Três Palmeiras, há contrato de prestação de serviços entre o Município e a empresa Claudio Linhares Advogados Associados, a qual é administrada por aquele. Contudo, o contrato não implica exclusividade na prestação de serviços, nem impõe carga horária ao representado, de modo que não há impedimento para que este atue em prol de outros particulares.

Além disso, não há comprovação de que a atuação de advogado em favor dos candidatos reeleitos possa afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito eleitoral.

Dessa maneira, tendo em vista que o representado Claudio Linhares não é servidor público ou empregado da administração, suas condutas não se subsumem à descrição contida no art. 73 da Lei nº 9.504/97, razão pela qual improcedentes as alegações dos representantes.

Na peça defensiva, não é contestado o fato de que Claudio Linhares teria exercido advocacia em favor dos candidatos ou da coligação. Objeta-se, entretanto, que não havia impedimento para tal proceder.

Com razão.

Foi juntado aos autos contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica firmado entre o Município de Três Palmeiras e a empresa Claudio Linhares – Advogados Associados (fls. 276-282). Nesse documento, não há cláusula que estabeleça exclusividade ou pessoalidade no exercício da assessoria jurídica, nem horário para ser executada, tampouco qualquer impedimento no sentido de que o demandado Claudio Linhares não pudesse exercer a advocacia para fins particulares.

Ainda, forçoso reconhecer que nem mesmo restou demonstrado o vínculo da pessoa física, Claudio Linhares, com a Administração Municipal, circunstância que, per si, seria suficiente para a não caracterização da conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei das Eleições, diante da necessária interpretação restrita e adequação típica da conduta.

Soma-se o fato de inexistir prova de que o representado Claudio tivesse atuado em favor dos candidatos e da coligação em horário incompatível com o contratado pela pessoa jurídica com a Administração Municipal, o que acarreta a inevitável improcedência da demanda:

Recursos. Decisão que julgou representação parcialmente procedente. Prestação de serviço por assessor jurídico, detentor de cargo em comissão, em campanha eleitoral de prefeito candidato à reeleição. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Os princípios da congruência e da demanda correlacionam-se com os fatos apresentados na petição inicial, e não com a tese jurídica nela exposta. A aplicação das penalidades previstas no art. 73, parágrafos 4º e 5º, da Lei das Eleicões, decorre da incidência da lei sobre os fatos, e não de opção do representante. Conduta que isoladamente não configura ofensa ao disposto no art. 73, III, da Lei n. 9.504/97. Necessária a prova de incompatibilidade de horários. Provimento do recurso do representado e improvimento do apelo do Ministério Público.

(TRE-RS - REP: 654 RS, Relator: DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Data de Julgamento: 30.4.2009, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 069, Data 06.5.2009, Página 2.) (Grifei.)

 

Da Litigância de Má-Fé

Claudio Roberto Olivaes Linhares recorre postulando o reconhecimento da litigância de má-fé.

No termos do art. 80 do Código de Processo Civil, considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

A jurisprudência sedimentou o entendimento de que, à configuração da lide temerária, deve haver a demonstração cabal de dolo processual.

Nesse sentido, o seguinte precedente:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DOAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA ACIMA DO LIMITE LEGAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. REDISCUSSÃO DA CAUSA. MULTA NO PATAMAR MÍNIMO. RAZOABILIDADE. SUPOSTA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA.

1. Os embargos de declaração são um recurso de fundamentação vinculada, que não admite rediscutir o mérito, e deve ser manejado ante a ocorrência de omissão, contradição, obscuridade ou visando corrigir erro material porventura verificado e que diga respeito à questão posta e não resolvida no acórdão.

2. Diversos precedentes do TSE indicam que "não há falar em aplicação do princípio da insignificância no âmbito da representação por doação de campanha acima do limite legal, incidindo a penalidade simplesmente em razão do desrespeito, pelo doador, aos limites objetivamente expressos na lei, sendo irrelevante o fato de ser ínfimo o valor excedido na doação, bem como a verificação de boa-fé".

(AgR-REspe n° 71345-Bahia, Rel Ministro DIAS TOFFOLI, DJE 28.5.2014.)

3. A regra desde o CPC de 1973 é que não se caracteriza como litigância de má-fé a utilização dos recursos previstos em lei, de forma comedida, merecendo ser comprovado, nestas hipóteses, o dolo da parte em obstar o normal trâmite do processo e o prejuízo que a parte contrária suportou, em decorrência do ato doloso.

4. Embargos rejeitados.

(TRE-GO, EMBARGOS DE DECLARACAO EM PROCESSO n. 2310, ACÓRDÃO n. 1579/2016 de 17.11.2016, Relator LUCIANO MTANIOS HANNA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Tomo 249, Data 25.11.2016, Página 23-24.) (Grifei.)

Dessarte, a mera improcedência da demanda não é capaz de conduzir à litigância de má-fé, devendo ser mantida a sentença também nesse tópico:

Apenas a hipótese de improcedência da ação proposta não implica litigância de má-fé. A parte autora trouxe aos autos prova do alegado e pretendeu a subsunção de tais fatos às condutas vedadas do art. 73, III, da Lei nº 9.504/97. Ainda que o entendimento deste juízo seja diverso, não se percebem alegações temerárias ou inverídicas, mas apenas divergência no entendimento acerca do enquadramento legal da conduta, razão pela qual não há que se falar em condenação dos representantes nas penas da litigância de má-fé.

Assim, não foi perpetrada, pelos representantes, qualquer das condutas elencadas no art. 80 do Código de Processo Civil.

Dessa forma, como não restou comprovado o uso de servidor público em benefício da coligação e dos candidatos, e não evidenciada conduta que possa caracterizar litigância de má-fé, a sentença deve ser integralmente mantida.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento dos recursos.