RE - 57208 - Sessão: 19/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pela COLIGAÇÃO ALIANÇA TRABALHISTA E PROGRESSISTA: PARA CRISTAL DO SUL VOLTAR A CRESCER! (PT - PP), OTELMO DOS REIS e ELOIR BINSFELD (fls. 123-131) em face da sentença de fls. 116-119, que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra CEZAR DE PELEGRIN e LEOCRÉCIO TRÊS para apuração da prática de abuso de poder econômico e de autoridade.

Na referida AIJE, os representantes imputam aos representados a prática de atos de abuso de poder econômico e de autoridade durante a campanha eleitoral ocorrida no ano de 2016. Sustentam que foram praticados os seguintes atos pelos representados:

a) abuso de autoridade:

a.1) no dia 9 de setembro de 2016, o representado Cezar de Pelegrin ameaçou Carminda Pinheiro dizendo que, se ela não votasse em prol de sua candidatura, impediria que lhe fosse entregue casa popular por meio de programa do Governo Federal ligado ao Município de Cristal do Sul/RS (fls. 3-4);

a.2) no dia 12 de setembro de 2016, por ordem do representado Cezar, Airton Borba e Valdecir Portes dirigiram-se até a residência de Fermino Xavier de Almeida no intuito de convencê-lo a votar em Cezar, sob a ameaça de que, se assim não fizesse, retirariam de sua propriedade uma plantadeira pertencente ao Município de Cristal do Sul/RS que havia sido cedida em benefício da comunidade de Santo Antônio Beltramin (fls. 4-6);

a.3) no dia 12 de setembro de 2016, o representado Cezar de Pelegrin ameaçou Tiago Danielli de Almeida dizendo: “se você não votar para mim, eu vou te denunciar, porque sei que você faz coisas para vender” (fl. 6);

b) abuso de poder econômico:

b.1) alegam os representantes que o Município de Cristal do Sul/RS aumentou consideravelmente os gastos com combustível durante o período eleitoral (agosto e setembro), em comparação com o mesmo período de 2015 (fl. 7);

b.2) por fim, sustentam que o Município de Cristal do Sul/RS acresceu substancialmente os gastos com o Consórcio Intermunicipal de Saúde (CONISA), durante os meses de agosto e setembro de 2016, em relação ao mesmo período do ano anterior (fls. 8-9).

Ao julgar o feito, a magistrada da 64ª Zona Eleitoral, Dra. Ramiéli Magalhães Siqueira, entendeu pela ocorrência de litispendência entre os fatos descritos nos itens a.1 e a.3 e os narrados na AIJE n. 551-32.2016.6.21.0064, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, julgada improcedente no primeiro grau, e mantida a improcedência por acórdão deste Tribunal na sessão de 06.6.2017.

Quanto ao fato constante no subitem a.2, a magistrada concluiu pela sua não comprovação.

Em relação aos fatos b.1 e b.2, a julgadora de primeiro grau reconheceu a ocorrência do aumento de gastos com combustíveis e com o Consórcio Intermunicipal de Saúde pelo Município de Cristal do Sul, mas concluiu pela ausência de elementos nos autos que comprovassem que tal aumento teve como fim a promoção da candidatura eleitoral dos representados.

Irresignados com a sentença, em suas razões, os recorrentes alegam haver provas da ocorrência das condutas descritas no item a, mas não contestam a decisão da magistrada no que diz respeito ao reconhecimento da litispendência. Quanto aos fatos b.1 e b.2, sustentam a desnecessidade de comprovação da sua potencialidade para alterar o resultado do pleito. Aduzem que basta ser reconhecida a gravidade das circunstâncias para que se considere o ato abusivo. Dessa forma, requerem o conhecimento e o provimento do recurso para julgar procedente a AIJE.

Sem contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso em relação aos fatos a.1 e a.3, e, no mérito, pelo desprovimento do apelo (fls. 138-142).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

Preliminarmente, cabe registrar que a sentença reconheceu a litispendência entre os fatos a.1 e a.3 com os julgados na AIJE n. 551-32.2016.6.21.0064, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral.

Contudo, os recorrentes não se insurgiram em relação a este ponto da sentença, motivo pelo qual o recurso não pode ser conhecido em relação a tais fatos.

Ademais, é importante consignar que o recurso relativo à aludida AIJE foi apreciado por este Tribunal na sessão de 06.6.2017, tendo sido desprovido, restando a decisão de primeiro grau mantida por unanimidade. Saliento, por fim, que tal acórdão, segundo informações colhidas do sistema de acompanhamento processual, transitou em julgado na data de 23.6.2017.

Por consequência, preliminarmente, deixo de conhecer do recurso em relação aos fatos a.1 e a.3.

 

Tangente ao mérito, entendo que a sentença não merece reforma.

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, que a seguir transcrevo:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

Tal abuso é de conceituação indeterminada, não sendo definido por condutas taxativas, mas por sua finalidade de impedir práticas que extrapolem o exercício regular e legítimo das posições públicas dos candidatos e a errônea utilização de sua capacidade econômica, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

E sobre o tema, trago os ensinamentos de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade.

(Elementos de Direito Eleitoral, 2ªed., 2010, p. 377.)

Considerando que o abuso atinge de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta e sua capacidade de alterar o natural curso das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente. É o que dispõe o artigo 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos.

(Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

Tecidas essas considerações, cabe reafirmar a adequação da decisão de primeiro grau.

Em relação ao fato referido no item a.2 do relatório, bem compreendeu a magistrada ao concluir por sua improcedência.

Os recorrentes alegam que, no dia 12 de setembro de 2016, por ordem do representado Cezar, Airton Borba e Valdecir Portes dirigiram-se até a residência de Fermino Xavier de Almeida no intuito de convencê-lo a votar em Cezar, sob a ameaça de que, se assim não procedesse, retirariam de sua propriedade uma plantadeira, pertencente ao Município de Cristal do Sul/RS, que havia sido cedida em benefício da comunidade de Santo Antônio Beltramin.

Contudo, tal como salientado pela magistrada, tal fato não restou comprovado.

Efetivamente, o único elemento de prova trazido pelos representantes para embasar suas alegações é o boletim de ocorrência das fls. 22-23, o qual foi produzido unilateralmente pela suposta vítima, não servindo para comprovar a veracidade das afirmações.

Ademais, as testemunhas trazidas pelos representados foram categóricas ao negar a ocorrência do fato.

Como se colhe da análise da prova realizada pela juíza eleitoral, “a testemunha Airton Borba de Souza declarou que conhece Fermino Xavier, tendo ajudado a construir uma casa dele, há 10 anos; que não trabalhou para qualquer partido político durante as eleições, nem manteve contato com Fermino durante tal período, negando ter o ameaçado” (fl. 117v.).

Na mesma linha, segue o testemunho de Valdecir Portes, o qual “alegou conhecer o Sr. Fermino, 'só de rua', não tendo mantido contato com ele e nem o ameaçado durante o período eleitoral; que não trabalhou para qualquer partido político nas eleições” (fl. 117v.).

E, quanto a este ponto, cabe ressaltar a visão sobre os fatos do Ministério Público Eleitoral de piso, que, de igual modo, reconheceu a insubsistência da pretensão dos representantes (fl. 112v.):

Quanto ao segundo fato imputado pelos representantes como abuso de poder político - suposta ação de funcionários públicos municipais ordenados pelo representado Cezar de Pelegrin para pressionarem o administrado Fermino Xavier de Almeida com a finalidade de obterem votos -, da mesma sorte, não restou consubstancialmente provado, encontrando-se no feito. apenas, a palavra dos representantes contra a dos representados. Igualmente, a alegação esgrimida no sentido de que caso o administrado não votasse nos representados seria prejudicado com a retirada de uma plantadeira de propriedade do Município de Cristal do Sul, que estava cedida para a Comunidade de Santo Antonio Beltramin, com a qual realizava serviços em prol dos agricultores locais, não possui embasamento de provas dentro dos autos.

Observa-se que os representantes afirmam que Fermino Xavier de Almeida, idoso com 65 anos de idade, ficou muito nervoso em razão do ocorrido e que, em virtude disso, chamou seu vizinho Trago Danielli de Almeida, para ajudá-lo a colocar a plantadeira em um local seguro, no entanto, tal conjuntura não restou positivada nos elementos de prova coligidos, mormente porque o administrado deixou de comparecer à audiência de instrução.

Ademais, embora façam alusão a um registro policial feito por Tiago Danielli, em cujo teor este teria declarado que presenciou Valdecir Portes e Airton Barba ameaçarem Fermino Xavier de Almeida de que iriam retirar a plantadeira, tal circunstância não restou confirmada na prova judicializada, cabendo, no particular, a mesma ressalva quanto à ausência da testemunha em juízo.

Portanto, o conjunto probatório mostra-se insuficiente para corroborar a tese dos recorrentes, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida quanto a este ponto.

No que diz respeito aos fatos narrados nos itens b.1 e b.2, a julgadora de primeiro grau reconheceu a ocorrência do aumento de gastos do Município de Cristal do Sul com combustíveis e com o Consórcio Intermunicipal de Saúde, mas concluiu pela ausência de elementos nos autos que comprovassem que tal aumento tivesse como fim a promoção da candidatura eleitoral dos representados, ou que lhes tenha trazido qualquer benefício.

A juíza eleitoral registrou, ainda, “que o aumento de despesas pelo Município não serve para, por si só, configurar o alegado abuso de poder, seja político ou econômico” (fl. 118).

Em suas razões, os recorrentes sustentam a desnecessidade da comprovação da potencialidade do fato para alterar o resultado do pleito. Assim, aduzem que basta ser reconhecida a gravidade das circunstâncias para que se considere o ato abusivo.

Melhor sorte não assiste aos recorrentes quanto a esta irresignação.

Conforme acima narrado, o suposto abuso de poder econômico praticado pelos recorridos consistiria na utilização da estrutura pública municipal para obter vantagens durante a campanha majoritária para o Município de Cristal do Sul. Segundo os representantes, os representados teriam aumentado, no período imediatamente anterior ao pleito, os gastos com combustíveis e despesas com o Consórcio Intermunicipal de Saúde (CONISA), o que teria como finalidade a captação ilícita de sufrágio.

Entretanto, a tese dos representados foi afastada pela douta magistrada sentenciante, a qual reconheceu ter havido aumento de gastos pela Prefeitura de Cristal do Sul, sem, contudo, significar que tal incremento estivesse eivado de qualquer ilicitude.

Com razão a ilustre julgadora.

Dos documentos trazidos aos autos pela defesa (fls. 66-67, 69-70 e 80-82), é possível concluir que, nos meses de agosto a setembro de 2016, houve um aumento de gastos da Prefeitura de Cristal do Sul com as empresas Abastecedora Setti Ltda. - EPP e Cleide Cecília Dalla Cort & Cia Ltda, comparando-se com o mesmo período de 2015.

E, da mesma forma, ao analisar os documentos das fls. 74-75 e 77-78, é possível verificar um acréscimo de valores despendidos com o Consórcio Intermunicipal de Saúde (CONISA), também se comparado aos gastos do ano anterior.

Todavia, não há provas que levem ao entendimento de que tais incrementos tenham como fim a obtenção de vantagens eleitorais pelos representados.

Para que fosse possível concluir, sem sombra de dúvidas, pela ocorrência da prática de abuso do poder econômico, apta a causar prejuízos à regularidade ou legitimidade do pleito, necessário seria que examinássemos os motivos que levaram ao aumento de gastos, bem como se estão ou não dentro da normalidade, visto que, ao que tudo indica, tais acréscimos não se deram em percentuais significativos, podendo ser atribuídos a ajustes decorrentes da inflação, sobretudo em relação à compra de combustíveis.

Todavia, não há nos autos elementos que possibilitem tal análise, enfraquecendo de forma irremediável a tese dos autores.

Consequentemente, diante da ausência de prova inequívoca da ocorrência de abuso de poder, não se pode, por meio de presunções, prover a pretensão dos representantes, de consequências sabidamente graves – inelegibilidade e cassação dos diplomas dos representados.

E, nesse sentido, trago a doutrina do Ministro do Supremo Tribunal Luiz Fux, na qual o eminente catedrático afirma que “a retirada de determinado candidato investido em mandato, de forma legítima, pelo batismo popular, somente deve ocorrer em bases excepcionalíssimas, notadamente em casos gravosos de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio manifestamente comprovados nos autos”. (Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 115-116.)

Portanto, não vislumbro que dos fatos narrados se possa concluir pela ocorrência do alegado abuso de poder por parte dos representados, motivo pelo qual adiro à posição externada pela magistrada sentenciante ao concluir pela improcedência da ação.

Ante o exposto, VOTO, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso em relação aos fatos a.1 e a.3 e, no mérito, pelo desprovimento do apelo, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a ação.

É como voto, Senhor Presidente.