RE - 58986 - Sessão: 23/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por JOÃO CARLOS DA SILVA RAMOS, referente à campanha eleitoral de 2016, na qual o recorrente concorreu ao cargo de vereador de São Jerônimo/RS, pelo Partido Progressista (PP), consoante Lei n. 9.504/97 e Resolução TSE n. 23.463/15.

As contas foram desaprovadas (fls. 78-79) em face da ausência de emissão de recibo de doação estimável recebida no valor de R$ 300,00, bem como do registro do veículo utilizado, depósito realizado no valor de R$ 2.940,00, em desacordo com o previsto no art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 e cheque n. 900002, informado na prestação de contas, utilizado para pagamento de fornecedores distintos, em desacordo com o art. 32 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões (fls. 83-87), sustenta que o depósito realizado no dia 22.8.2016, no valor de R$ 2.940,00, ocorreu em face de procedimento do funcionário Paulo de Borba Dias Filhos, que realizou transferência da importância de sua conta-poupança (saque) e imediatamente depositou na conta eleitoral. Diz que as demais falhas não afetaram a lisura e transparência da prestação de contas, junta documentos e pede a aprovação com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, pois não houve determinação de recolhimento do montante recebido e utilizado de origem não identificada. No mérito, pelo desprovimento do recurso e, de ofício, seja determinada a transferência de R$ 2.940,00 ao Tesouro Nacional (fls. 98-107).

Foi oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial, prazo que transcorreu in albis (fl. 114).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Eleitoral suscitou preliminar de anulação da sentença porque não houve determinação de recolhimento do montante recebido e utilizado de origem não identificada.

Com efeito, a magistrada, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, era de rigor a determinação do recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força da dicção do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei).

Peço vênia para transcrever as razões ministeriais (fls. 99-100v.):

O parecer conclusivo à fl. 67-v destacou a existência de realização de depósito em valor superior a R$ 1.064,10 por forma distinta da opção de transferência eletrônica, contrariando o disposto no art. 18, §1º, da Resolução do TSE n. 23.463/15.

O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 visa a coibir que doadores ocultem suas contribuições entregando valores em espécie ao candidato para que este, então, os deposite como se seus fossem.

Dessa forma, os recursos creditados em espécie na conta de campanha constituem verba de origem não identificada. Especialmente quando o prestador é chamado aos autos para comprovar a origem do dinheiro, nos termos do art. 56 da Resolução TSE n. 23.463/15, e não demonstra, por meio de extratos bancários de sua conta pessoal, por exemplo, que o valor de fato é proveniente de recursos próprios.

Contudo, apesar de acolher na íntegra o parecer conclusivo e desaprovar as contas, a magistrada a quo deixou de determinar o recolhimento dos recursos percebidos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Ocorre que tal entendimento negou vigência à legislação eleitoral, mais precisamente ao disposto no art. 18, inc. I, e 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15, que assim dispõem, in litteris:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações,

inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[…]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do

doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifado.)

Tem-se que, a fim de evitar as doações ocultas - ante a declaração de inconstitucionalidade do recebimento de doações de pessoas jurídicas a partidos e a candidatos – permitindo uma efetiva fiscalização da Justiça Eleitoral, exige-se a transferência eletrônica da doação financeira superior a R$ 1.064,10, configurando a doação, em caso de inobservância, recurso de origem não identificada, nos termos do art. 18, inc. I, e art. 26, ambos da Resolução do TSE n. 23.463/15.

Dessa forma, percebe-se que a necessidade de identificação do doador é consectário legal de norma cogente e de ordem pública, mais precisamente o disposto no art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, ensejando a sua inobservância o recolhimento do valor recebido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 26 do mesmo diploma legal.

No presente caso, a decisão de primeiro grau acolheu na íntegra o parecer técnico que apontou a existência de recursos de origem não identificada. Contudo, a sentença não analisou a necessidade de transferência dos valores ao Tesouro Nacional e, dessa forma, negou vigência aos dispositivos acima mencionados.

Os arts. 11 e 489, § 1º, ambos do CPC/15 assim disciplinam:

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. [...]

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[…]

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Grifei.)

Logo, ante a ausência de análise quanto à incidência do direito objetivo e de ordem pública, devidamente suscitada pelo parecer conclusivo (fl. 67-.v), bem como da própria jurisprudência do TSE e do TRE-RS, impõe-se o reconhecimento de nulidade da decisão em questão.

Ressalta-se que, em se tratando de matéria de ordem pública – inobservância do ordenamento jurídico e ausência de fundamentação – não há se falar em incidência do instituto da preclusão.

Ademais, destaca-se tratar-se de irregularidade que compromete substancialmente a prestação de contas em questão, tendo em vista que inviabiliza a aferição da origem da doação efetuada.

Dessa forma, requer-se o reconhecimento da nulidade da sentença, devendo os autos retornarem à origem, a fim de que nova decisão seja proferida em seu lugar, com a análise do disposto nos arts. 18, inc. I, e 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15.

Nesse sentido, o recente precedente desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. SENTENÇA NULA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. VÍCIO INSANÁVEL. ELEIÇÕES 2016.

Preliminar de nulidade da sentença acolhida. Silêncio da sentença com relação à penalidade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Não operada preclusão, pois matéria de ordem pública. Vício insanável que conduz nulidade absoluta. Retorno à origem.

Nulidade.

(Recurso Eleitoral n. 31530, Acórdão de 27.6.2017, Redator para o acórdão: DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 114, Data 03.7.2017, Página 3.) (Grifei.)

Dessarte, a magistrada da 50ª Zona Eleitoral, ao considerar a importância de R$ 2.940,00 como de origem não identificada, negou vigência ao disposto no art. 26 da Resolução do TSE n. 23.463/15, ao deixar de determinar o recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, acolho a matéria preliminar, ao efeito de anular a sentença para que seja prolatada nova decisão, com a incidência do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.