RE - 36768 - Sessão: 11/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se dos Recursos Eleitorais ns. 367-68 e 368-53, os quais abordam fatos em parte idênticos envolvendo os réus EDILSON POMPEU DA SILVA e PAULO RODRIGUES (eleitos, respectivamente, aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Nonoai nas eleições de 2016) e a COLIGAÇÃO JUNTOS PELO POVO DE NONOAI, de modo que, evidenciada a conexidade entre as demandas, torna-se cabível a sua reunião para julgamento conjunto por este Tribunal, evitando-se decisões conflitantes, que possam comprometer a efetividade da prestação jurisdicional.

Feita essa observação, passo ao relato individualizado dos processos.

Nos autos do Recurso Eleitoral n. 367-68, a COLIGAÇÃO VALORIZANDO NOSSA GENTE (PDT – PT – PC do B) insurgiu-se contra a sentença do Juízo da 99ª Zona Eleitoral de Nonoai (fls. 461-489), que julgou improcedente ação de investigação judicial eleitoral, ajuizada em 14.12.2016, em face de EDILSON POMPEU DA SILVA, PAULO RODRIGUES e a COLIGAÇÃO JUNTOS PELO POVO DE NONOAI (PP – PTB – PR – PSB – PSDB – PSC – PPS – PMDB), em virtude de abuso de poder econômico (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90) e captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) cometidos durante as eleições municipais de 2016 (fls. 500-513).

Em suas razões, a coligação recorrente defendeu a licitude da gravação ambiental trazida aos autos, sustentando, com base no conteúdo do áudio e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, que restou comprovado o oferecimento de vantagem econômica, pelos representados, às eleitoras Luciana e Lucimara Monteiro, em troca de votos para as suas candidaturas aos cargos majoritários nas eleições de 2016. A captação ilícita de sufrágio estaria corroborada pela distribuição de vales-combustível, vinculada ao pedido de voto para a campanha por intermédio do Posto Milagre, durante o período pré-eleitoral. Requereram a reforma da sentença, impondo-se aos recorridos as penalidades de cassação dos seus diplomas, multa e declaração de inelegibilidade, nos moldes do art. 41-A da Lei das Eleições e art. 1º, al. “j”, da LC n. 64/90.

Nas contrarrazões, os representados suscitaram preliminares de ilicitude da gravação ambiental e nulidade parcial da sentença, por ser “extra petita”, devido ao conhecimento do pedido de condenação por abuso de poder econômico (art. 22, “caput”, da LC n. 64/90), não formulado na exordial da ação. No mérito, postularam a manutenção da decisão de primeiro grau, sob o argumento de insuficiência probatória (fls. 520-529).

Em seu parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo julgamento conjunto dos Recursos Eleitorais ns. 367-68 e 368-53, bem como pelo afastamento das preliminares de ilicitude da gravação ambiental e de nulidade parcial da sentença arguidas em contrarrazões. No mérito, manifestou-se pelo provimento parcial do recurso, aplicando-se sanção pecuniária aos representados e cassando-se os diplomas dos recorridos Edilson e Paulo, por violação ao art. 41-A da Lei das Eleições (fls. 534-546v.).

Nos autos do Recurso Eleitoral n. 368-53, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL busca a reforma da sentença (fls. 120-139), que julgou improcedente representação também ajuizada contra EDILSON POMPEU DA SILVA, PAULO RODRIGUES e a COLIGAÇÃO JUNTOS PELO POVO DE NONOAI (PP–PTB–PR–PSB–PSDB–PSC–PPS–PMDB), devido à prática da captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), a qual também constitui objeto da AIJE n. 367-68, conforme relatado acima.

Em suas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral argumentou que o conjunto probatório dos autos comprova a prática da captação ilícita de sufrágio pelos recorridos durante as eleições de 2016, motivo pelo qual requer o provimento do recurso para que sejam todos condenados ao pagamento de multa, assim como cassados o registro ou o diploma dos candidatos Edilson e Paulo, com fundamento no art. 41-A da Lei das Eleições (fls. 148-157v.).

Os representados contra-arrazoaram o recurso, suscitando, preliminarmente, a nulidade do processo devido à ilicitude da gravação ambiental realizada pela eleitora Luciana Monteiro. No mérito, sustentaram a fragilidade da prova produzida durante a instrução processual, requerendo a manutenção integral da sentença (fls. 164-169).

Nesta instância, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pelo julgamento conjunto dos REs ns. 367-68 e 368-53 e pelo afastamento da preliminar de ilicitude da gravação ambiental e, com relação ao mérito, pelo provimento do recurso, aplicando-se sanção pecuniária aos recorridos e de cassação dos diplomas dos representados Edilson e Paulo, conforme prevê o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (fls. 174-184v.).

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade Recursal

Em ambos os processos, a sentença foi publicada no dia 21.03.2017 (fls. 491-497 e 141-146), sendo que, no primeiro, o recurso foi interposto em 24.03.2017 (fl. 500) e, no segundo, em 23.03.2017 (fl. 148).

Os recursos são, portanto, tempestivos, pois protocolados dentro do prazo de 03 (três) dias, a contar da publicação da sentença no DEJERS (art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/97 c/c art. 258 do CE), assim como satisfazem aos demais pressupostos de admissibilidade, motivos pelos quais deles conheço.

1. Preliminar de Ilicitude da Prova

Ao oferecerem contrarrazões nos autos da AIJE (fls. 521-524) e da RP (fls. 165-167), os recorridos arguíram, com amparo na jurisprudência do TSE, preliminar de ilicitude da gravação ambiental da conversa mantida entre o representado Edilson e as eleitoras Luciana e Lucimara Monteiro, utilizada como meio de prova da captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97).

Com efeito, o TSE, visando à tutela do direito fundamental à privacidade (art. 5º, inc. X, da CF), tem reconhecido a licitude de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais, somente quando precedida de autorização judicial e destinada a investigações criminais ou processos de natureza penal, concluindo, ainda, pela ilicitude de provas derivadas dessa espécie de gravação, a exemplo das decisões proferidas no RE n. 166034, de relatoria do Min. Henrique Neves, publicada no DJE de 14.5.2015, e no AgR-RO n. 261470, relatado pela Min. Luciana Lóssio e publicada no DJE de 07.4.2014, esta última colacionada nas contrarrazões.

Na linha argumentativa do TSE, o entendimento adotado pelo STF no julgamento da Questão de Ordem no RE n. 583.937, discutida em regime de repercussão geral (de relatoria do Min. Cezar Peluso, publicada no DJE de 18.12.2009), admitindo, como meio de prova, gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem a ciência dos demais, ficaria adstrito às hipóteses em que é produzida com o intuito de defesa em feitos de natureza penal, uma vez que o fato discutido na questão de ordem se relacionava ao cometimento de crime de desacato (RESPE n. 57790/SP, relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 27.3.2014).

Na jurisprudência do TSE, as gravações ambientais em processos cíveis-eleitorais têm sido admitidas apenas pontualmente, nas hipóteses em que, objetivando a captação de imagens e/ou sons tendentes a comprovar o cometimento de ilícitos eleitorais, são realizadas em ambientes públicos, sem violação à intimidade ou prejuízo à expectativa de privacidade (AgR-AI n. 65576/MG, de relatoria da Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, DJE de 9.6.2015).

Contudo, o STF, ao reconhecer, na Questão de Ordem no RE n. 583.937, julgada em regime de repercussão geral, a licitude de gravação ambiental como elemento probatório, por não se amoldar à cláusula constitucional de reserva de jurisdição (art. 5º, inc. XII, da CF) e desde que inexistente o dever de sigilo ou a reserva de conversação – casos em que o direito à privacidade prepondera sobre o interesse público na apuração de práticas delituosas –, parece não ter restringido a sua orientação aos expedientes investigativos e ações de caráter penal.

Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência deste Tribunal, que vem reconhecendo a validade da gravação ambiental em processos cíveis-eleitorais, conforme ilustram as ementas dos seguintes arestos:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência. Prefeito e vice. Cassação de diploma. Eleições 2016.

Matéria preliminar. 1. É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e sem o conhecimento do outro, conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal em regime de repercussão geral. 2. Ilicitude da prova obtida por subterfúgio, em afronta às garantias e direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal. Utilização não autorizada de utensílio pessoal com realização de cópias às escondidas. Imprestabilidade da prova.

Para a configuração da captação ilícita de sufrágio exige-se a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que envolvam uma situação concreta: a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer), a existência de uma pessoa física (eleitor) e o resultado a que se propõe o agente (a obtenção do voto).

Promessa de facilitação de acesso a cargo público mediante a desistência de candidata melhor colocada em certame. Conjunto probatório robusto a demonstrar a oferta de vantagem com a finalidade específica de obtenção do voto.

Cassação dos diplomas do prefeito e vice. Aplicação de sanção pecuniária dimensionada à gravidade das circunstâncias.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE n. 399-41, Relator DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, julgado em 06.6.2017.) Grifei.

 

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

1. Sentença de improcedência sob o fundamento de inexistência de provas aptas a embasar uma condenação.

2. Controvérsia já analisada em sede de Mandado de Segurança, no qual concedida a ordem, reconhecendo-se a licitude de gravação ambiental e determinando a manutenção nos autos do respectivo DVD e a oitiva de testemunha arrolada pela parte representante.

3. Desconstituição da sentença e retorno dos autos à origem para nova instrução do feito. Provimento.

(TRE-RS, RE n. 54320, Rel. DRA. MARIA DE LOURDES GALVÃO BRACCINI DE GONZALEZ, DEJERS de 10.2.2017, p. 10.) Grifei.

 

Na hipótese dos autos, a conversa gravada por Luciana Monteiro, sem o conhecimento da sua irmã, Lucimara Monteiro, e do recorrido Edilson (mídias acostadas às fls. 09 e 13), limita-se a temas relacionados à campanha eleitoral, destituída, por completo, de conteúdo cuja utilização em processo judicial possa implicar violação à intimidade ou à privacidade de qualquer um dos interlocutores.

A escuta das mídias, ambas idênticas em duração e teor, em conjunto com a prova testemunhal colhida em juízo, revela que o diálogo captado teve início quando os interlocutores se encontravam na garagem da casa de Lucimara – dentro da qual a proteção constitucional da intimidade e privacidade não alcançava a esfera jurídica do representado Edilson –, prosseguindo enquanto Luciana e Edilson se deslocavam em direção à rua, espaço público, no qual a tutela desses direitos sofre significativa mitigação.

Por consequência, a alegada dificuldade de se identificar com precisão, o local da captação da conversa, bem como o fato de Luciana Monteiro manter relacionamento afetivo com pessoa ligada ao PDT, partido adversário dos representados nas eleições de 2016, tornam-se questões secundárias e sem relevo para embasar a recusa das mídias como elementos probatórios nas ações sob análise, ao fundamento de violação ao art. 5º, inc. LVI, da CF, que prevê a inadmissibilidade de provas obtidas ilicitamente no processo.

Ademais, ao longo da instrução processual, não foi sequer requerida perícia voltada a comprovar a aduzida manipulação ou adulteração do conteúdo das mídias por supostos interessados na procedência das demandas, não podendo a confiabilidade do áudio ser infirmada com base em impressões pessoais constituídas a partir da simples escuta.

Afasto, assim, a preliminar de ilicitude da gravação ambiental.

 

2. Preliminar de Nulidade Parcial da Sentença

Nas contrarrazões apresentadas nos autos do RE n. 367-68, os representados caracterizam a sentença como “extra petita” porque o Juiz Eleitoral de primeira instância teria reconhecido o pedido de condenação por abuso de poder econômico (art. 22, “caput”, da LC n. 64/90), não formulado na exordial pela representante requerendo a decretação da nulidade parcial do julgamento.

Ao analisar a inicial da AIJE (fls. 02-11), verifico que, já no item 1, a representante deixou expresso o seu objetivo de “(…) demonstrar e comprovar o abuso de poder econômico e a captação ilícita de sufrágio, de parte dos réus, ocorridos no último pleito eleitoral, no município de Nonoai, RS” (fl. 02).

Mais adiante, foram descritos os fatos relativos à distribuição de vales-combustível no município, os quais, nos dizeres da representante, seriam “fatos subjacentes que corroboram a compra de voto” (fls. 06-07), bem como deduzido pedido expresso de juntada de cópia do procedimento em que realizada a busca e apreensão dos referidos vales (fl. 10). O requerimento foi deferido pelo Juiz Eleitoral (fl. 46-47) e juntadas as respectivas cópias da Ação Cautelar n. 223-94.2016.6.21.0099 nas fls. 51-385.

Delineados os fatos na inicial e amplamente submetidos ao contraditório, observando-se o rito legalmente definido para o processamento e julgamento da ação, inexiste impedimento a que o Juiz Eleitoral lhes confira qualificação jurídica diversa daquela atribuída pelas partes em suas manifestações, extraindo as consequências normativas previstas na legislação pertinente.

Esse, aliás, o sentido da Súmula n. 62 do TSE, segundo a qual “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

Embora a representante tenha formulado pedido expresso de condenação tão somente por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições), submeteu à apreciação do Juízo competente fatos motivadores de uma eventual condenação por abuso de poder econômico (art. 22, “caput”, da LC n. 64/90), tendo sido, inclusive, produzida prova testemunhal a respeito deles durante a instrução do processo.

Desse modo, irretocável o tratamento dado pelo Juiz Eleitoral ao conjunto fático trazido à sua apreciação nos autos da AIJE, ao considerar, em tese, a cumulação das figuras do abuso de poder econômico e da captação ilícita de sufrágio, procedendo à análise minudente dos fatos e expondo, com relação a eles, as razões do seu convencimento.

Rejeito, por esses motivos, a preliminar de nulidade parcial da sentença.

3. Mérito

3.1. Captação Ilícita de Sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97)

Os recursos interpostos pela Coligação Valorizando Nossa Gente (RE n. 367-68, fls. 500-513) e pelo Ministério Público Eleitoral (RE n. 368-53, fls. 148-157v.) possuem, como objeto comum, o pedido de reforma da sentença para que os recorridos sejam condenados pelo cometimento de captação ilícita de sufrágio durante o pleito de 2016, aplicando-se-lhes as penalidades de multa, e de cassação do registro ou do diploma aos representados Edilson e Paulo, conforme dispõe o art. 41-A da Lei n. 9.504/97. A coligação recorrente postulou, também, a declaração de inelegibilidade de Edilson e Paulo, embasada no art. 1º, inc. I, al. “j”, da LC n. 64/90.

Com o intuito de evitar repetições demasiadas ao longo do texto deste tópico do voto, sem prejudicar a localização das referências e documentos constantes nos autos de cada uma das ações, primeiramente serão citadas as folhas da AIJE e, na sequência, as da RP.

A argumentação central dos recorrentes é no sentido de que a prova produzida em juízo e na fase pré-processual confirma a prática de captação ilícita de sufrágio, pois o representado Edilson, à época candidato à reeleição ao cargo de prefeito no Município de Nonoai, ofereceu R$ 50,00 (cinquenta reais) e prometeu emprego para a eleitora Luciana Monteiro, assim como materiais de construção à sua irmã, Lucimara Monteiro, com o intuito de obter-lhes o voto.

De acordo com a jurisprudência do TSE, a caracterização da captação ilícita de sufrágio exige, de forma concomitante, a prática de alguma das condutas descritas no art. 41-A da Lei 9.504 /97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza), a finalidade específica de obtenção do voto do eleitor e a participação direta ou indireta do candidato beneficiado.

Além disso, a ocorrência do ilícito eleitoral em comento não pode se lastrear em presunções, exigindo-se um conjunto probatório consistente e seguro a demonstrá-la, conforme assentado nas seguintes ementas:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Grifei.)

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE.

1. A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio.

3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 47845, Acórdão de 28.4.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 67.)

 

No entanto, o conjunto fático-probatório, no caso dos autos, não se mostra suficientemente sólido à conclusão do efetivo cometimento da captação ilícita de sufrágio.

As mídias acostadas às fls. 13 e 09 contêm a gravação feita pela eleitora Luciana Monteiro, em seu aparelho de telefone celular, da conversa mantida entre ela, sua irmã, Lucimara Monteiro, e os recorridos Edilson e Paulo, quando estes faziam campanha no Bairro Caneles, no Município de Nonoai, em meados do mês de setembro de 2016.

O diálogo tem início com a indagação de Edilson a Luciana a respeito de quem seria o veículo que se encontrava estacionado no local, manifestando, em seguida, a sua pretensão de utilizá-lo como carro de som. Luciana diz que o automóvel é seu e que precisaria de um pen drive e pede a Edilson que lhe entregue um CD no dia seguinte.

Na sequência, há menção a um material que seria entregue na segunda-feira; à colocação de um “adesivão” (ao que se presume, no veículo de Luciana) e à marcação de um encontro entre os interlocutores na noite seguinte, oportunidade em que Edilson levaria adesivos. Edilson menciona que continuaria trabalhando no local e que deixaria dinheiro para Luciana “colocar um gás”, perguntando-lhe onde deveria deixar o valor, ao que assente Luciana, dizendo: “Pode”.

O recorrido Paulo intervém na conversa, indagando se Luciana estaria na “Brasil” naquele dia, obtendo resposta afirmativa e se comprometendo a entregar-lhe um CD melhor na noite seguinte.

Luciana prossegue o diálogo, dizendo a Edilson que sempre votara contra o seu partido, mas lhe daria “uma mão”, pedindo que o representado não se esquecesse dela, pois não aguentava mais trabalhar no frigorífico, sendo que todos os seus conhecidos já não trabalhavam mais lá.

Edilson menciona uma pesquisa que o aponta como vencedor nas eleições; solicita a ajuda de Luciana e diz que seria bom ela ficar com uns adesivos, uma vez que o pessoal “poderia pedir”.

Luciana fala “não é qualquer um que dá cinquenta real” e “tamo junto”. Segue afirmando que vai começar a trabalhar, diante do que Edilson a encoraja para que inicie naquele mesmo dia, finalizando com “pode confiar”. Edilson pede santinhos para Paulo, pois Luciana e Lucimara fariam um trabalho para eles, e arremata: “Brigadão, não vou esquecer o apoio”.

Logo, o conteúdo da conversa mais remete à organização de atos de campanha e tratativas de um futuro encontro para a entrega de material de propaganda às eleitoras Luciana e Lucimara do que, propriamente, a uma situação de oferecimento de benesse ou vantagem por Edilson e Paulo, em troca dos votos dessas eleitoras para suas candidaturas.

Do mesmo modo, a prova testemunhal produzida em juízo (registrada nos CDs juntados nas fls. 428 e 90) não permite conclusão diversa daquela extraída a partir da escuta do áudio gravado por Luciana.

Os testemunhos de Luis Antônio Inhada e Luciano Vedoi mostraram-se totalmente irrelevantes à comprovação do ilícito eleitoral, destinando-se, exclusivamente, à contradita de Luciana ao indicar o seu envolvimento na campanha dos candidatos do PDT, partido integrante da coligação adversária dos recorridos no pleito de 2016. Em razão desses dois depoimentos, Luciana foi ouvida na condição de informante.

Luciana Monteiro confirmou ter gravado o áudio durante conversa com a sua irmã Lucimara e os representados Edilson e Paulo, no Bairro Canales, quando estava com carro estacionado na porta da casa do seu irmão Edison, referindo que:

a) não era filiada a partido político e que, embora seu marido fosse ligado ao PDT, trabalhou por cerca de 20 dias na campanha do PP, partido dos recorridos;

b) combinou o encontro com Edilson e Paulo no dia seguinte, na casa da sua irmã, Lucimara, para receberem material de propaganda do PP e acertarem o valor da remuneração do trabalho para a campanha do partido;

c) recebeu somente R$ 50,00 de Edilson para colocar gasolina no seu carro e fazer campanha para o PP, e que sempre havia votado para os candidatos do PP;

d) estava desempregada desde junho/julho e pediu emprego a Edilson, porque estava cansada de trabalhar nos frigoríficos de Chapecó; gravou espontaneamente a conversa com o intuito de comprovar que fez campanha para o PP e, com isso, exigir o emprego de Edilson, caso este ganhasse as eleições no município;

e) esperava um emprego, mas acreditava não ter vendido seu voto, assim como não sabia se Edilson teve a intenção de comprá-lo;

f) durante o período em que fez campanha para o PP, entrou em conflito com Eduardo Santini (cabo eleitoral do PP), em razão de adesivo do PDT que teria ficado afixado no seu carro, por vontade do seu marido e, em virtude desse episódio, decidiu mostrar a gravação a Carlos Bugio, ligado ao PDT, com o qual se dirigiu à Promotoria. Como não foram atendidos, procuraram a Dra. Silvana, advogada da coligação recorrente, responsável pela extração do áudio do seu celular;

g) a conversa com Edilson não foi integralmente gravada, pois havia se iniciado antes que começasse a fazer a gravação;

h) soube que sua irmã Lucimara comprou material de construção com dinheiro próprio, não o recebendo do PP, como havia pensado anteriormente.

Lucimara Monteiro, também ouvida de forma descompromissada, pelo fato de ter feito campanha para o PP, disse, em seu depoimento, que:

a) no dia da gravação, os candidatos estavam fazendo visita nas casas de eleitores e que se prontificou a trabalhar para a campanha do PP como cabo eleitoral;

b) naquele dia, o candidato Edilson deixou adesivos para serem entregues nas casas de eleitores;

c) Luciana não pediu para trabalhar na campanha do PP, pois sempre foi simpatizante do PDT e usava o seu carro para fazer anúncio de rua em favor deste partido;

d) Edilson ofereceu R$ 50,00 para Luciana fazer campanha com o seu carro, mas, como Luciana se recusou a assinar “um papel", porque seu marido era do PDT, Edilson guardou consigo o dinheiro que havia colocado em uma mureta próximo a eles. Luciana revoltou-se e nem sequer ficou na janta que estava sendo organizada naquele dia;

e) não sabia, com certeza, se Luciana tinha feito a gravação, apenas ouviu comentários a respeito, e que, a partir desse dia, embora não tenha ficado chateada com sua irmã, o seu relacionamento com ela mudou um pouco;

f) não recebeu material de construção do PP, o qual foi comprado com o 13º salário do seu marido no final de novembro ou início de dezembro, e que a referência feita por Edilson no áudio dizia respeito à material de campanha.

Márcia Maia e Kirene Maia, ouvidas nos autos da AIJE n. 367-68 como informantes, apenas referiram que encontraram Luciana Monteiro na Promotoria de Justiça enquanto aguardava atendimento para relatar a compra de voto.

Assim, o conteúdo do áudio e dos depoimentos prestados em juízo não são convincentes acerca do especial fim de agir de Edilson e Paulo em condicionar os benefícios (emprego, dinheiro e material de construção) à obtenção do voto de Luciana e Lucimara, conforme exige o art. 41-A, “caput” e § 1º, da Lei das Eleições para a configuração da captação ilícita de sufrágio.

Ao revés, Luciana é que pediu emprego e, motivada pela expectativa de consegui-lo após as eleições, caso Edilson e Paulo se reelegessem aos cargos majoritários em Nonoai, gravou a conversa como forma de comprovar o seu trabalho na campanha do PP e exigir uma futura colocação no mercado de trabalho. O seu depoimento foi bastante firme e coeso nesse sentido, deixando claro não ter negociado o seu voto com Edilson.

Ressalto que, segundo Lucimara, Luciana nem sequer recebeu os R$ 50,00 para abastecer o seu automóvel, porque se recusou a assinar “um papel”, receosa de contrariar seu marido, que sempre foi simpatizante do PDT.

Ainda que se pudesse, como sustenta a douta Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 174-184v.), extrair, de alguns trechos do diálogo entre Luciana e Edilson, interpretação pela ocorrência de compra de voto, tomando em conta, também, as declarações por ela prestadas perante a Promotoria de Justiça de Nonoai (fl. 14 e v. do RE n. 368-53), seria indispensável que fossem minimamente confirmadas em juízo por meio da prova testemunhal, o que, entretanto, não ocorreu durante a fase de instrução dos processos.

Nesse ponto, é importante consignar, como o fez o Juiz Eleitoral de primeiro grau, que, segundo Luciana, a conversa não foi gravada em sua íntegra, sendo perfeitamente possível que tenha havido a supressão de fragmentos importantes para a exata compreensão do seu contexto e significado, sem distorções ou interpretações ambíguas.

Quanto a Lucimara, a prova é ainda menos robusta, sendo inviável estabelecer um elo consistente entre o referido no áudio e o material de construção alegadamente recebido por ela, dos recorridos, em troca de voto. Lucimara fez, igualmente, colocações seguras ao identificar tal material como destinado à campanha, refutando, de forma categórica, seu oferecimento em troca do seu voto, e assegurando que teria sido comprado com o 13º salário do seu marido, informação corroborada por Luciana.

É de conhecimento comum que a hipossuficiência socioeconômica da população costuma ser manipulada com finalidade eleitoreira.

Todavia, embora condutas desse gênero sejam absolutamente condenáveis do ponto de vista da consolidação da democracia no país, por tolherem a liberdade de escolha do eleitor, sujeitando o seu voto às influências do poder econômico, político ou religioso, a imposição das severas penalidades de cassação do registro e do diploma àqueles legitimamente eleitos a cargos públicos deve ser lastreada em convicção inequívoca do cometimento do ilícito eleitoral, a fim de que não sejam gerados efeitos igualmente danosos sobre o sistema de representatividade popular.

Por esses motivos, a sentença deve ser integralmente mantida quanto ao afastamento da imputação de captação ilícita de sufrágio aos recorridos.

3.2. Abuso de Poder Econômico

No que concerne à figura do abuso de poder econômico, tipificação dada pelo Juiz Eleitoral de primeiro grau aos “fatos subjacentes da captação ilícita de sufrágio”, descritos pelos recorrentes nos autos do RE n. 367-68, a sentença também não está a merecer reparos.

Os recorrentes aduzem que os recorridos distribuíram vales-combustível durante o período eleitoral, por intermédio do Posto Milagre, vinculando-os ao pedido de voto dos eleitores do município.

Analisando a prova carreada aos autos, verifico que, no vídeo gravado pela eleitora Márcia Maia (mídia acostada na fl. 396), podem ser vistas, num primeiro momento, imagens de Eduardo Santini (cabo eleitoral do PP) distribuindo bandeiras e adesivos a eleitores e, logo após, adesivando o carro de um rapaz (não identificado nos autos), dizendo-lhe que eles sairiam da concentração (na praça central, em frente à Prefeitura) no dia seguinte às 14 horas, e que lhe “ajeitaria” gasolina para aquele dia e para o próximo, devendo falar com ele (ou com pessoa cujo nome, na gravação, apresentava-se inaudível).

Em momento algum da filmagem, Eduardo Santini apareceu entregando vale-combustível ao rapaz ou a qualquer outro eleitor, ou fazendo menção a esse benefício, de sorte que a ligação desse elemento de prova com a suposta distribuição de vales-combustível por intermédio do Posto Milagre é meramente conjectural.

As cenas filmadas, em verdade, mais indicam que Eduardo Santini estaria distribuindo combustível a um cabo eleitoral ou correligionário para que participasse das carreatas que seriam realizadas em dois dias consecutivos. A escolha do eleitor já teria sido feita, inexistindo indício de induzimento ao voto mediante oferecimento de vantagem econômica.

Nessa situação, a conduta não se reveste de ilicitude, consistindo ato de campanha admitido no contexto da legislação eleitoral, conforme decidido pelo TSE:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2012. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL. CENTENAS DE ELEITORES. CARREATA. ATO ISOLADO. EXCESSO NÃO CONFIGURADO. GRAVIDADE. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Quando as premissas fáticas estão fixadas no acórdão regional é possível realizar o exame quanto às suas consequências jurídicas e aferir se ocorreram as violações legais apontadas no recurso especial.

2. O ato isolado de distribuição de combustível, destinado à participação de carreata, realizada mais de um mês antes das eleições, não possui gravidade suficiente para caracterizar o alegado abuso de poder econômico e ensejar a aplicação das penalidades previstas no art. 22, XIV, da LC nº 64/90.

3. Recursos especiais providos.

(REspe n. 177-77/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22.5.2014.)

A prova testemunhal colhida em juízo também é pouco esclarecedora (CD de fl. 416).

Márcia Maia (ouvida como informante devido à sua filiação ao PTB, partido integrante da coligação recorrida) disse que gravou o vídeo acima analisado, no qual Eduardo Santini pode ser visto adesivando carros e neles colocando bandeiras para que comparecessem nos comícios e carreatas organizadas pelos recorridos, as quais partiriam do Bairro Operária e da Área Indígena. Informou que se dirigiu até a praça e viu Eduardo Santini portando os vales-combustível, mas não pegou nenhum para si.

Kirene Maia (ouvida como informante por ser filiada e candidata do PDT, agremiação integrante da coligação recorrente) narrou que, dias após as eleições, acompanhou sua irmã, Márcia Maia, até a Promotoria de Justiça de Nonoai para entregarem o vídeo gravado e comunicar agressão feita por Eduardo Santini, oportunidade em que encontrou Luciana Monteiro aguardando atendimento.

Rosângela de Lima Fortes referiu que, alguns dias depois das eleições, o candidato Cláudio Machado procurou seu irmão, Lisandro Fortes, e ofereceu-lhe quantia em dinheiro para que depusesse em juízo contra Edilson por compra de votos.

Nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo presenciou situação em que os vales-combustível tivessem sido distribuídos como contrapartida do voto de eleitores, possuindo, via de consequência, diminuta importância para evidenciar a efetiva participação ou o benefício direto em favor da candidatura dos recorridos.

Na esteira do parecer ministerial (fls. 534-546v), os vales-combustível apreendidos nos autos da Ação Cautelar n. 223-94.2016.6.21.0099 (fls. 51-385 do RE n. 367-68) possuem somente a identificação do Posto Milagre, sem qualquer elemento que os vincule à campanha dos recorridos, tendo sido emitidos sem a padronização monetária típica das situações em que há compra de votos, ou seja, em valores diversificados, como é corriqueiro no comércio varejista.

Saliento, seguindo a fundamentação da sentença (fl. 486), que, na diligência de busca e apreensão, também foi encontrado material de campanha de outros candidatos, inclusive do Município de Planalto (fl. 102) e dos próprios recorrentes (fls. 111-123), circunstância indicativa de que os vales-combustível podem ter sido utilizados como instrumento de operacionalização dos gastos eleitorais com transporte ou deslocamento de candidatos e de pessoal que estivessem a serviço das candidaturas, autorizados pelo art. 26, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

Em seu conjunto, portanto, a prova constante dos autos é insuficiente para comprovar a distribuição de vales-combustível pelos recorridos em troca de voto de eleitores do município, assim como o comprometimento da isonomia entre os candidatos e a normalidade e a lisura do pleito, por conta de movimentação abusiva de recursos financeiros durante o período eleitoral.

Importante referir, ao final, que, não tendo restado claramente demonstrada a conduta espúria, não há que se falar em abuso de poder econômico, nos moldes descritos no art. 22, “caput”, da LC n. 64/90, tendo em vista que a sua caracterização, na presente hipótese, pressupõe a ocorrência de uma das ações necessárias à configuração da captação ilícita de voto, quais sejam, doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza.

Dispositivo

Diante do exposto, afastadas as matérias preliminares, VOTO pelo desprovimento dos Recursos Eleitorais n. 367-68 e n. 368-53, interpostos, respectivamente, pela COLIGAÇÃO VALORIZANDO NOSSA GENTE (PDT–PT–PC do B) e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, mantendo íntegras as sentenças por seus próprios fundamentos.