RE - 24061 - Sessão: 29/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ALEXANDRE GALDINO DORNELES LOPES contra a sentença (fl. 24 e verso) do Juízo da 122ª Zona Eleitoral – Mostardas, a qual deixou de receber a representação por suposta prática de delitos eleitorais, formulada em desfavor de EDINEI SOUZA MACHADO, candidato a vereador eleito no ano de 2016, pelo Município de Mostardas, ao entendimento de não ter sido constatada captação ilícita de sufrágio, prática que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 visa a reprimir.

Resumidamente, em suas razões recursais (fls. 27-31), sustenta haver prova da prática de captação ilícita de sufrágio pelo representado. Aduz que a prática de advocacia com Assistência Judiciária Gratuita (AJG), de forma habitual, configuraria o ilícito, pois haveria renúncia de honorários e concessão de vantagens pessoais a eleitores/clientes. Requer a reforma da decisão, para seja entendida procedente a ação.

Com contrarrazões que suscitam matéria preliminar (fls. 37-46), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual opinou pelo desacolhimento da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 53-55).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada em 01.12.2016 no DEJERS, conforme certidão constante à fl. 26, e o recurso foi interposto em 02.12.2016, obedecendo-se o tríduo legal previsto no art. 258 do Código Eleitoral.

 

Preliminares

Nas contrarrazões, o recorrido Edinei suscita preliminar de ilegitimidade passiva, pois o representante foi candidato a Prefeito de Mostardas, pleito majoritário portanto, ao passo que o representado foi candidato a vereador, pleito de natureza proporcional.

Tal circunstância retiraria legitimidade do representado, no raciocínio exposto.

Sem razão.

A jurisprudência é pacífica no sentido de que “qualquer candidato” tem legitimidade para o ajuizamento da demanda sob exame, bem como para ser representado. O e. Tribunal Superior Eleitoral tem o entendimento firme de que apenas o “terceiro não candidato” é que pode ser entendido como ilegitimado passivo, e na medida em que as circunstâncias não o envolvam nos ilícitos, ainda que hipoteticamente ocorridos.

Esse é, também, o posicionamento doutrinário de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 732):

No polo passivo da relação processual pode figurar qualquer pessoa, física ou jurídica, ainda que não seja candidata. É que o artigo 41-A prevê a multa como sanção autônoma, cuja aplicação independe de o requerido ser candidato. Quanto à pessoa jurídica, não é difícil imaginar situação em que partido político, por seu diretório, participe da ação ilícita levada a efeito pelo candidato. Nesse caso, haverá solidariedade na responsabilização.

Ou seja, nítida a legitimidade passiva do recorrido.

Afasto a preliminar.

 

Mérito

É atribuída ao recorrido Edinei Souza Machado, vereador eleito em 2016 para a Câmara Legislativa de Mostardas, a prática do art. 41-A, mediante a prestação de Assistência Judiciária Gratuita a cidadãos daquela municipalidade. A tese do recorrente é simples: no momento em que aceita como cliente um cidadão sem condições de arcar com o pagamento pelo patrocínio de uma causa, o recorrido Edinei, que é advogado, abre mão de ganhos profissionais e “causa benefício” ao cidadão (e eleitor).

Não procede.

Dessa forma, a sentença é irretocável, não merecendo reforma.

É que não se pode atribuir à Assistência Judiciária Gratuita, hipoteticamente, a pecha de ilegalidade. E como não há na petição inicial qualquer evento, qualquer fato da vida, apto a ser caracterizado como prática de captação ilícita de sufrágio, não há caminho outro que não o desprovimento do recurso. O recorrente apenas pretendeu caracterizar como ilícita a atuação de Edinei como advogado que presta serviços via sistema da AJG, o que é inviável.

Senão, vejamos.

A caracterização legal das condutas apontadas como irregulares versaria acerca da infração eleitoral prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

Já na doutrina, a obra especializada de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274) traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, de forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, de modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais.

Além, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio há de ser antecedida por, ao menos, três elementos, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral: (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a existência de uma pessoa física (eleitor); (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação dos elementos subjetivos e objetivos que envolvam uma situação concreta.

E, como bem assentado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, “no caso dos autos, a inicial não elenca fato específico que pudesse caracterizar captação ilícita de sufrágio, ou seja, o recorrente não identifica situação na qual determinado eleitor teria recebido promessa ou algo em troca de seu voto”.

Nessa linha, a jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTAÇÃO. CARGO. VEREADOR. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI N° 9.504/97). CAPTAÇÃO OU GASTO ILÍCITO DE RECURSOS FINANCEIROS DE CAMPANHA ELEITORAL (ART. 30-A DA LEI DAS ELEIÇÕES). QUESTÃO DE ORDEM RELATIVA AO ART. 105-A DA LEI N° 9.504/97. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. ARCABOUÇO FÁTICO-PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A CARACTERIZAÇÃO DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRESCINDIBILIDADE DA ANÁLISE QUANTO À CONFIGURAÇÃO DO ART. 30-A. INDEPENDÊNCIA DA PENA DE CASSAÇÃO DO MANDATO ANTE A CONSTATAÇÃO DA PRÁTICA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DESPROVIMENTO.

1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520).

2. A jurisprudência deste Tribunal pressupõe, ainda, a existência de provas robustas e incontestes para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, não podendo, bem por isso, encontrar-se a pretensão ancorada em frágeis ilações ou mesmo em presunções, nomeadamente em virtude da gravidade das sanções nele cominadas. Precedentes.

3. In casu, as premissas fáticas delineadas no aresto regional evidenciam a caracterização da captação ilícita de sufrágio, em especial pela distribuição indiscriminada de combustível em troca de apoio político.

4. O exame das ponderações acerca da configuração do ilícito disposto no art. 30-A da Lei das Eleições e da aplicação da cassação do diploma com fundamento no aludido dispositivo, à luz do princípio da proporcionalidade, revela-se prescindível, na medida em que a cassação do diploma subsistirá em virtude da caracterização da captação ilícita de sufrágio.

5. A análise da matéria relativa ao art. 105-A da Lei das Eleições, suscitada em questão de ordem, é inviável no caso vertente ante a sua preclusão consumativa, uma vez que o ora Agravante não se insurgiu contra a conclusão da Corte Regional sobre o tema na ocasião da interposição de seu recurso especial.

6. Agravo regimental desprovido.

O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator.

(0000672-93.2012.6.13..0041. AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 67293/MG. Ac de 25.08.2016. Rel. Min. Luiz Fux. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 27.9.2016.) (Grifei.)

Daí, a atividade regulamentada de prestação de serviços advocatícios através da Assistência Judiciária Gratuita não pode ser considerada, de antemão e sem a descrição de um fato específico, uma atividade ilícita. Ao contrário, trata-se de função essencial ao funcionamento do Poder Judiciário e, também, à sociedade como um todo. Não havendo prova ou indicação específica de ilícito (por exemplo, circunstâncias de oferecimento de AJG em troca de voto, indicação de eleitor supostamente beneficiado ou destinatário de oferta), o recurso deve ser desprovido.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença de 1º grau, pelos próprios fundamentos.