RE - 50744 - Sessão: 08/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) de BOM PROGRESSO, AGOSTINHO MORO e JOÃO CARLOS DE SOUZA em face da decisão do Juízo da 86ª Zona Eleitoral – Três Passos que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo movida contra ARMINDO DAVID HEINLE e DOUGLAS HENRIQUE LENZ DIESEL – candidatos eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice do Município de Bom Progresso nas eleições municipais de 2016 – ao entendimento de que inexiste prova robusta da prática de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude (fls. 158-161).

Em suas razões (fls. 166-176), os recorrentes sustentam que restou comprovado nos autos o cometimento de três fatos em que a liberdade de escolha do eleitor foi maculada, quais sejam: o pagamento das contas de água e luz de um casal de eleitores; o pagamento de R$ 1.500,00 a uma família composta de cinco eleitores para gravarem vídeo com depoimento em favor dos recorridos, e de R$ 500,00 para votarem nestes; assim como o pagamento de R$ 1.300,00 a dois eleitores, em troca de seus votos. Aduzem que os requisitos da compra de votos restaram demonstrados pela prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, com o fim específico de obter o voto do eleitor, bem como pela participação ou anuência do candidato beneficiário no ato. Requerem, ao final, o provimento do recurso, para que seja decretada a cassação dos diplomas e dos respectivos mandatos eletivos dos recorridos, com fulcro nos arts. 22-A, § 3º, e 41-A, ambos da Lei n. 9.504/97, e art. 14, § 10, da Constituição Federal.

Em contrarrazões (fls. 181-193), os recorridos, preliminarmente, pugnam pelo reconhecimento da ilicitude da prova apresentada pelos recorrentes – gravações de áudio e vídeo de declarações de eleitores –, por se tratar de gravação ambiental sem autorização judicial. Ainda em sede preliminar, invocam o disposto no art. 368-A, do Código Eleitoral, relativo à impossibilidade de condenação com base em prova testemunhal única e exclusiva. No mérito, sustentam que o pagamento das contas de luz e água – relativo ao primeiro fato – deu-se em momento anterior ao registro de candidatura, descaracterizando o tipo do art. 41-A da Lei Eleitoral, e que os eleitores beneficiados pelo ato possuem interesses políticos obscuros. Sustenta, ainda, quanto aos dois demais fatos, que as declarações gravadas em áudio e vídeo devem ser refutadas, porquanto, em juízo, os respectivos eleitores negaram o recebimento de promessa ou vantagem em troca de voto nos recorridos.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 198-202v).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, adequado e tempestivo.

1. Preliminares

Nas contrarrazões ao recurso, o recorrido suscitou a preliminar de ilicitude da prova que acompanha a inicial, pertinente a gravações ambientais realizadas sem prévia autorização judicial, e postula a aplicação do art. 368-A do Código Eleitoral, que veda a condenação à perda do mandato eletivo quando a decisão é fundamentada em prova testemunhal singular e exclusiva.

Inicialmente, anoto que a incidência do referido dispositivo legal ao caso em apreço é matéria de mérito que com ele será analisada, porquanto sua aplicação demanda análise das provas produzidas ao longo da instrução.

Quanto à alegada ilicitude de prova, adianto não ser o caso de declaração de qualquer nulidade aventada pela parte recorrida por força da expressa previsão contida no caput do art. 219 do Código Eleitoral, bem como no § 2° do art. 282 do CPC, normas que determinam não seja pronunciada nulidade diante da ausência de prejuízo, ou na hipótese de ser decidido o mérito a favor da parte a quem aproveite a sua decretação. A propósito, o seguinte julgado do TSE:


RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AMBIENTE EXTERNO. LICITUDE. TEMA DE FUNDO.
CUSTEIO. EVENTO. ENTRADA FRANCA. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BEBIDA. PROXIMIDADE DO PLEITO. PÚBLICO ELEVADO. ILICITUDE. GRAVIDADE. DESPROVIMENTO.
(...)
NULIDADE DE PERÍCIA
12. Incidem os efeitos da preclusão no ponto. Os recorrentes manifestaram-se duas vezes depois da juntada dos laudos e em nenhuma delas suscitaram nulidade, vindo a fazê-lo apenas a posteriori.
13. Além disso, decretação de nulidade de ato processual pressupõe efetivo prejuízo à parte, a teor do art. 219 do Código Eleitoral e de precedentes desta Corte, o que não se constata na espécie.

(...)

(TSE, RESPE 8547, Rel. Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE 19.12.2016.)

Isto porque, na hipótese dos autos, conforme adiante se verá, a conclusão é pela manutenção da sentença de improcedência da ação ajuizada contra a parte recorrida.

Além disso, aponto que a arguição de nulidade da prova é matéria nova que, em momento algum, foi apreciada quando do julgamento da ação pelo primeiro grau de jurisdição.

Merece ser considerado o fato de serem as contrarrazões recursais a peça processual mediante a qual o recorrido impugna o recurso interposto, e não a decisão recorrida. Assim, é incabível que, em sede de contrarrazões, a parte recorrida abra a discussão sobre ponto não enfrentado pela sentença ou pelo recurso, em vista dos princípios da boa-fé processual e da não surpresa.

Ainda que a tese tenha constado em sede de alegações finais (fls. 139-150), não houve manifestação judicial a respeito, e a omissão não foi corrigida pelo instrumento adequado para provocação do juízo, que se daria por meio da oposição dos embargos de declaração a fim de ser integrado o pronunciamento judicial.

A esse propósito, merece ser citada a decisão proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, segundo a qual as “contrarrazões servem para a parte recorrida manifestar acerca do recurso apresentado pelo recorrente, nas quais deve se ater somente ao que foi objeto do recurso, ou seja, não pode a parte recorrida discutir nas suas contrarrazões a parte da sentença que lhe foi desfavorável, pois, para isso, deve interpor recurso”. (Recurso Eleitoral n. 48532, acórdão de 22.10.2014.)

Essa conclusão em nada contraria a redação do § 1º do art. 1.009 do CPC, dispositivo que possibilita sejam impugnadas, no âmbito das contrarrazões recursais, as decisões interlocutórias prolatadas no feito, para as quais inexiste previsão de impugnação por meio de agravo de instrumento, entendimento explicitado pela mais abalizada doutrina:

O novo Código alterou esses dois dados ligados à conformação do agravo: o agravo retido desaparece do sistema (as questões resolvidas por decisões interlocutórias não suscetíveis de agravo de instrumento só poderão ser atacadas nas razões de apelação, art. 1.009, § 1º) e agravo de instrumento passa a ter cabimento apenas contra as decisões interlocutórias expressamente arroladas pelo legislador (art. 1.015).

Com a postergação da impugnação das questões decididas no curso do processo para as razões de apelação ou para as suas contrarrazões e com a previsão de rol taxativo das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, o legislador procurou a um só tempo prestigiar a estruturação do procedimento comum a partir da oralidade (que exige, na maior medida possível, irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias), preservar os poderes de condução do processo do juiz de primeiro grau e simplificar o desenvolvimento do procedimento comum.

(Marinoni, Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, vol. 2. 2015, pp. 533-534.)

Portanto, na hipótese vertente, as prefaciais arguidas pela parte recorrida não foram enfrentadas pela primeira instância, razão pela qual não comportam conhecimento e, ainda que a matéria fosse conhecida, não seria caso de pronunciamento de qualquer nulidade, porquanto aplicável à hipótese em apreço o disposto no § 2º do art. 282, uma vez que o mérito será decidido a favor da parte suscitante.

Nesses termos, afasto a matéria preliminar suscitada.

 

2. Mérito

Entendendo ausente a prova robusta necessária ao reconhecimento de abuso de poder econômico, fraude e corrupção eleitoral, o Juízo Eleitoral da 86ª Zona julgou improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo proposta pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) DE BOM PROGRESSO, AGOSTINHO MORO e JOÃO CARLOS DE SOUZA.

Os autores, ora recorrentes, afirmam a ocorrência de compra de apoio político e do voto dos eleitores JOSEANE SILVEIRA e JOÃO PEDRO WOGT pelos recorridos, por meio do pagamento de contas de luz e água; o pagamento de valores a CLAUCIDES CORREIA BRIZOLA e família para gravação de depoimento em troca de votos; e o pagamento à eleitora ÉRICA DICKEL e a seu filho, em troca de votos.

No entanto, o conjunto probatório constante dos autos não ampara as pretensões do recorrente. A prova testemunhal produzida não conduz à conclusão da ocorrência dos fatos narrados na inicial; ao contrário, demonstra inconformismo com o resultado das urnas, e tentativa, mediante via judicial, de subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos.

 

a) Primeiro fato: pagamento de faturas de energia elétrica e de água em troca dos votos de Joseane Silveira e João Pedro Vogt

Para comprovar a prática de abuso de poder e captação ilícita de sufrágio quanto ao primeiro fato – relativo ao pagamento de faturas de água e luz em benefício do casal de eleitores Joseane Silveira e João Pedro Vogt –, os impugnantes juntaram aos autos os documentos das fls. 24-25, segundo os quais as contas – nos valores de R$ 91,35 (energia elétrica) e R$122,93 (água) – foram pagas em 7 de junho de 2016. 

Conforme concluiu o juízo a quo, a mera existência de pagamentos das aludidas contas não comprova a prática ilícita alegada, mormente considerando que as contas foram quitadas no começo de junho, muito antes do início da campanha política.

Os depoimentos dos eleitores supostamente beneficiados, que serviriam de prova da infração eleitoral, não oferecem a mínima credibilidade para o juízo condenatório, principalmente porque eles têm relação de amizade com o impugnante João Carlos e, inclusive, trabalharam em favor de sua campanha eleitoral.

Conforme apontado na sentença, Joseane “pediu o cargo de merendeira, e ele deu, sem nada pedir em troca”. João Pedro foi “cabo eleitoral” dos impugnantes, pois trabalhava no carro de som na última campanha política.

Ouvido em juízo (mídia da fl. 131), João Pedro disse que sua companheira trabalhou por aproximadamente 6 (seis) meses junto à prefeitura, durante o mandato dos impugnantes, e que, na última campanha política, trabalhou em favor da campanha de João Carlos e Agostinho, com o carro de som. Todavia, afirmou ter recebido uma visita de Douglas Diesel, enquanto Joseane recuperava-se de uma cirurgia, o qual se prontificou a pagar as faturas vencidas em troca do voto. Referiu, também, que Douglas não mencionou se o cargo era de prefeito ou vice.

Joseane Silveira, por sua vez, apenas acrescentou saber que o pedido de votos era para o cargo de prefeito, disputado por Armindo David Heinle, e confirmou que o impugnante João Carlos conseguiu, para sua irmã e para ela, o cargo de merendeiras na Prefeitura de Bom Progresso, no período de 01.7.2016 a 19.11.2016 (mídia da fl. 131). 

Todavia, importante considerar a observação feita pelo juízo, no sentido de que, em 1º.8.2016, ou seja, após o suposto pagamento das faturas e na vigência da campanha eleitoral, Joseane confessa, por mensagem, que votaria “em branco”, conforme cópias das conversas realizadas por meio do aplicativo Messenger, colacionadas à fl. 53.

Além disso, a teor das postagens da fl. 63, divulgadas na rede social Facebook, Joseane e João Pedro abrem seus votos publicando o apoio ao Partido Socialista Brasileiro (PSB – 40), pelo qual concorreu o impugnante João Carlos.

Assim, não há reparo algum a ser realizado na bem-lançada sentença, a qual concluiu pela ausência de provas, extreme de dúvidas, do alegado pagamento de faturas em troca de votos.

 

b) Segundo fato: entrega de valores a Claucides Correia Brizola em troca do voto e para gravação de vídeo

De acordo com o magistrado a quo, a captação ilícita de sufrágio, quanto a esse fato, não ultrapassou o juízo de presunção, uma vez que não houve juntada de elemento algum de prova no sentido de que o candidato beneficiário participou ou anuiu com a entrega ou promessa de dádiva em troca de votos.

Para comprovar a alegação, os impugnantes juntaram aos autos a mídia da fl. 29, na qual consta uma gravação, filmada por Maikel Rodrigo Zachow, em que Claucides Correia Brizola afirma ter recebido R$1.500,00 e R$500,00 em troca de votos.

Em juízo (mídia da fl. 131), Claucides negou ter recebido dinheiro para gravar o vídeo ou para votar em qualquer candidato. Disse que a gravação foi espontânea, realizada para contar o que o então prefeito, João Carlos, ora impugnante/recorrente tinha prometido e deixado de cumprir. Afirmou que o dinheiro apresentado no vídeo era seu, e que a alegada oferta de valores em troca de votos era uma brincadeira realizada em família.

O autor da filmagem da fl. 29, Maikel Rodrigo Zachow, também foi ouvido em juízo (mídia da fl. 131) e disse ter escutado boatos de que Claucides teria vendido o voto e recebido dinheiro para gravar um vídeo divulgando o fato. Claucides teria afirmado o recebimento de R$1.500,00 para votar, e R$500,00 para gravar o vídeo denunciando a infração.

Consoante ponderado na sentença, no referido vídeo, Claucides conta que recebeu valores. Entretanto, não menciona de quem recebeu nem por qual motivo, e, em momento algum, faz referência aos impugnados, de modo que não há como afirmar, minimamente, que Armindo ou Douglas tenham participado do “acordo” narrado no vídeo.

Assim, correta a conclusão no sentido da inexistência de prova segura a alicerçar a indigitada exigência de seu voto em troca dos valores supostamente recebidos.

 

c) Terceiro fato: pagamento de valores a Érica Dickel e Laércio Dickel, mãe e filho, em troca de votos

O alegado pagamento de valores em troca dos votos de Érica Dickel e Laércio Dickel estaria comprovado pelo vídeo acostado à fl. 30, gravado por Jair Quinot, servidor que detinha função de confiança na administração dos impugnantes. Nas imagens, Jair e Érica Dickel (esta, mãe de Laércio) conversam a respeito do recebimento de valores por Laércio, destinados à construção de um túmulo.

Na audiência de instrução (mídia da fl. 131), Jair Quinot disse que Laércio teria confessado à sua mãe, Érica, o fato de ter recebido R$1.300,00 para votar a favor dos impugnados. Afirmou que Érica ter-lhe-ia confirmado o recebimento de auxílio do Município de Bom Progresso para a construção de um túmulo em troca de votos aos impugnados.

Em seu depoimento judicial, Érica Dickel (mídia da fl. 131) negou ter recebido dinheiro ou qualquer promessa em troca de votos, e declarou que o túmulo em questão foi pago mediante empréstimos feitos por ela e pelo filho Laércio. Contou que Jair foi até sua casa procurar por Laércio e que ficou com medo, tendo então concordado com as afirmações feitas por Jair, para que fosse logo embora.

Laércio Dickel, em juízo (mídia da fl. 131), igualmente negou o recebimento de qualquer vantagem em troca de voto, e afirmou que o túmulo de sua esposa foi pago com um empréstimo.

Nos termos da conclusão do julgador sentenciante, o testemunho de Jair Quinot não merece credibilidade, pois, além de integrar a administração municipal chefiada por João Carlos – então prefeito de Bom Progresso, candidato opositor dos impugnados –, sua versão dos fatos está isolada nos autos, carente de qualquer outro elemento de convicção.

De acordo com o juízo a quo, além de ter interesse em prejudicar os impugnados – visto que politicamente opostos –, Jair tem maior interesse em favorecer os impugnantes, porquanto detinha cargo de confiança. Ademais, o vídeo da fl. 30 mostra ser manifesta a condução da conversa exercida por Jair, pois Érica limitava-se a concordar com o que ele dizia, circunstância que condiz com o medo que a testemunha alegou ter sentido.

Por fim, foi juntada aos autos uma cédula de crédito bancário (fls. 72-78), datada de 11.11.2016, documento que confirma a contratação de empréstimo para o custeio do túmulo mencionado pelos eleitores.

Destarte, como referido, para o acolhimento da impugnação, com suporte na captação ilícita de sufrágio, faz-se necessário que haja prova robusta da prática imputada, o que não é o caso dos autos, uma vez que as provas produzidas durante a instrução não são suficientes a justificar a impugnação do mandato eletivo.

Consoante se percebe, ou as testemunhas negam os fatos afirmados pelo recorrente, ou têm interesse na causa, de forma que suas declarações devem ser avaliadas com cautela.

Em especial, chama a atenção o fato de a testemunha JAIR QUINOT – também responsável pela gravação do vídeo relativo ao terceiro fato – ter se envolvido, em eleição anterior, em episódio de supressão de urna eletrônica, que mobilizou o aparato policial e culminou com a localização do equipamento, com o disquete contendo o resultado da votação, no porta-malas do veículo do citado cidadão (fl. 85).

A manifestação do Ministério Público Eleitoral (fls. 151-156v.) bem reflete o cuidado com o qual devem ser interpretados os supostos fatos ilícitos:

Nesse contexto, recorrentemente os conflitos desbordam das urnas e atracam às autoridades públicas e ao Poder Judiciário, na tentativa de prejudicar o oponente, especialmente depois de conhecido o resultado das urnas.

Destaca-se que a defesa dos impugnados juntou aos autos decisão referente às eleições do ano de 2008, onde já se vislumbra a participação de personagens presentes na presente ação. Naquela ocasião, ao discorrer a respeito do histórico litigioso de Jair Quinot (testemunha da presente ação) e Vera Bones, o Juiz Eleitoral Fernando Vieira dos Santos fez a seguinte afirmação, que muito bem se aplica à presente ação (fl. 85):

“Logo se vê que não há puros anjos ou demônios nas disputas eleitorais. Os paladinos da moralidade de hoje podem ter sido os seus algozes de outrora; e vice-versa. Portanto, nada da visão romântica de 'soldados da legalidade' ou de 'guardiões da democracia'. O que há são interesses. E só”.

Sob tal ótica é que devem ser analisados os fatos narrados na inicial e os depoimentos colhidos. Tanto os impugnantes quanto as testemunhas ouvidas nos presentes autos possuem interesses velados na impugnação do mandato eletivo dos candidatos eleitos. Assim, embora sejam notórias as tentativas de prática de ilícitos durante a campanha eleitoral no Município de Bom Progresso, ao analisar os fatos relatados, é necessário se ater às provas constantes dos autos e manter consciência dos possíveis interesses obscuros de todos os envolvidos.

Além do comprometimento das testemunhas, também é de se ressaltar a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que conclama a atuação minimalista da Justiça Eleitoral em vista da possibilidade de judicialização extremada do processo político eleitoral. O processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos não pode ser subvertido em desrespeito à soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo. Na análise de condutas à margem da legislação eleitoral, sobretudo para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, deve estar configurada a existência de grave abuso, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade. Nesse sentido, RESPE 16270-21, acórdão de 30.11.2016, e RESPE 1-72, acórdão de 17.11.2016, ambos de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

Considerando estes parâmetros, não verificada prova robusta de fatos que comprometam o equilíbrio entre os candidatos ao pleito, deve ser mantida integralmente a sentença de improcedência da ação de impugnação de mandato eletivo.

 

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.