RE - 55132 - Sessão: 06/06/2017 às 17:00

Senhora Presidente, eminentes colegas:

Na sessão de 26 de abril p.p., após o voto do eminente relator, pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria posta em liça. E adianto que estou a votar na mesma linha de entendimento do Dr. Jamil, pois não restei suficientemente convencido da autoria dos fatos que embasaram a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).

Sinteticamente, o Ministério Público Eleitoral – ora recorrente – imputou aos recorridos o fato de terem eles contratado os serviços de Emílio Tigres de Oliveira para ameaçar e intimidar apoiadores de adversários políticos. Emílio teria feito uma gravação ambiental, na qual essas tratativas foram acertadas, sendo que alguns dos recorridos, nesses diálogos gravados, mencionaram, inclusive, a possibilidade de uso de armas de fogo e formas de evitar a livre locomoção de apoiadores dos adversários políticos.

Essa gravação ambiental veio a público, posteriormente, porque Emílio não teria recebido todo o numerário a ele prometido pelos recorridos, além de não se ter efetivado a garantia de emprego junto à Prefeitura de Cristal do Sul, caso  se sagrassem vencedores no pleito de outubro de 2016.

A juíza eleitoral, na origem, após afastar, corretamente, a preliminar de nulidade da gravação ambiental – o que ora reforço, pois a gravação ambiental, consoante precedentes do STF, não se configura como prova ilícita [nesse sentido, consulte-se a discussão ocorrida na Questão de Ordem no Recurso Extraordinário n. 583.937, de relatoria do Ministro Cezar Peluso – DJe de 18.12.2009] –,  examinando a prova, como fez questão de frisar em sentença (fl. 214, parte final), com base no que foi judicializado, julgou improcedente a AIJE, salientando, em resumo, que não restou caracterizado o chamado abuso do poder econômico, visto que foi disso que os recorridos, efetivamente, se defenderam.

Ouvi atentamente o áudio da gravação ambiental que deu origem ao pedido ministerial e, bem assim, toda a prova oral coligida em audiência de instrução realizada na Zona Eleitoral de Rodeio Bonito, além da prova documental existente nos autos.

De início, o áudio de fl. 35 e as reproduções de diálogos transcritas na exordial, assim como as declarações de fls. 51 (testemunha Carmina), 57 (testemunha Tiago) e 88 (Emílio Tigres de Oliveira), somadas aos prints de telas de aplicativo usado pela testemunha Emílio e pelas pessoas que com ele dialogaram (fls. 30, 31, 79), causam uma certa impressão. O ambiente político em Cristal do Sul, estava, sim, às vésperas da eleição, bastante conturbado, e disso fazem prova não apenas os vários termos circunstanciados, registros de ocorrências e termos de declaração realizados perante as polícias militar e civil locais, de parte a parte (fls. 11-19, 27-29, 34, 54-56, 130-135, 139-140, 148-152), como o ofício enviado pelo Comandante do 3º Pelotão da Brigada Militar, com sede em Seberi (fls. 08-10), e muito especialmente a ata da reunião levada a efeito pela Juíza da 64ª Zona Eleitoral, em 19 de setembro de 2016 (fls. 20-21), procurando conter os ânimos.

Não menos verdade é que a testemunha-chave deste processo (Emílio Tigres de Oliveira), quando ouvida em juízo (DVD de fl. 177), ratificou a maior parte das suas declarações – exceção feita à parte final do teor da declaração escrita de fl. 88, no sentido de que teria tido contato com o candidato a Prefeito Mano e com ele combinado pagamentos.

Porém, onde reside o entrave ao reconhecimento do abuso do poder econômico proclamado pela inicial e, ainda que isso fosse possível a essa altura dos acontecimentos, ao reconhecimento de um eventual abuso do poder político por parte dos recorridos?

Fundamentalmente, não há prova segura – nenhuma, em nenhum momento do que foi trazido aos autos – que a suposta contratação de Emílio tenha se transmudado em ameaças concretas, como se cogitou no áudio de fl. 35, no sentido de intimidar os eleitores que apoiavam a coligação adversária.

Em palavras simples e diretas, não há prova segura de que aquilo que foi cogitado no áudio de fl. 35 tenha, efetivamente, sido posto em prática pelos recorridos, mormente quando se percebe que todo o ambiente eleitoral estava, de certa forma, conflagrado, com denúncias recíprocas entre os adversários políticos, como visto nos documentos antes referidos. Quem teria "se armado" e feito disparos de armas de fogo contra as moradias dos habitantes de Cristal do Sul? Quem teria colocado os chamados "miguelitos" em vias públicas, com o fito de impedir o livre trânsito de eleitores? Quem teria derrubado árvores e queimado pneus nas esquinas das vias secundárias do Município de Cristal do Sul? Simplesmente não se sabe, mormente porque, como dito, o ambiente estava conturbado e havia sucessivos registros de ocorrência e imputação de condutas ilícitas de parte a parte.

Nesse sentido, quando Emílio Tigres de Oliveira (DVD, fl. 177) relatou em juízo que teria sido contratado como segurança dos recorridos e da Coligação Política que estes encimavam, foi claro ao dizer que atuou muito mais como motorista, pelo período de 3 dias, sem mencionar a qualquer tempo ter intimidado eleitores ou impedido seu livre trânsito, como havia se cogitado. Não há, pois, prova cabal, segura e estreme de dúvida de que a ideação reproduzida no áudio de fl. 35, com toda a reprovabilidade que a conduta em si encerra, tenha-se transformado em atos concretos por parte dos demandados, o que reforça, tal como feito pela magistrada de piso e pelo ilustre Relator, a necessidade de se proclamar, no caso, um "non liquet". Ou, como preferem os italianos, "pensiero non paga gabella" (o pensamento/a ideação não paga imposto)!

Mais: ao ser ouvida a gravação da audiência que consta à fl. 177, nomeadamente por ocasião do depoimento de Emílio Tigres de Oliveira, percebe-se que a testemunha deixa sérias dúvidas sobre seu agir quando confrontada com o teor de duas conversas que foram copiadas e realizadas em seu aplicativo WhatsApp (fls. 141/147) e, ao depois (fls. 180/181), com terceiros (incrivelmente, na segunda delas, com uma das advogadas que representa alguns dos requeridos no presente processo, em duvidoso atuar ético-profissional), pois reconhece que os números de telefones inscritos naqueles documentos são seus, mas busca negar o conteúdo dos diálogos que partiram de seu telefone quando ali se fala que estaria a receber a importância de R$ 500,00 (quinhentos reais) para efetuar a "denúncia" contra os recorridos e que tudo aquilo era "uma armação" para "ferrar" com os recorridos e a Coligação que representavam. Vale dizer, como se ter um juízo minimamente seguro para acolher o pedido inaugural quando a testemunha-chave do processo apresenta esse comportamento errático? A meu ver, impossível, mormente quando a procedência de uma AIJE tem consequências muito graves e sérias.

Por outro lado, os testemunhos de Carminda Pinheiro (fl. 177 e, bem assim, a declaração de fl. 51) e Tiago Danielli de Almeida (fl. 177 e declaração de fl. 57) restaram isolados nos autos. É a palavra das supostas vítimas contra a dos supostos autores de ameaças, ainda mais, gize-se, que Carminda, apesar de demonstrar ser uma pessoa humilde e de pouca instrução, é filiada ao Partido Progressista ou ao Partido dos Trabalhadores, como ela mesmo afirmou - e não sabia dizer ao certo - em audiência.

Por tais razões, como dito ao início, voto no sentido de confirmar a sentença de 1º grau que julgou, por ausência de melhores provas, improcedente a AIJE, sem prejuízo de que os fatos nela narrados devam, sim, ser melhor investigados pela autoridade policial, em procedimento próprio, pelo que entendo deva o Ministério Público Eleitoral ser autorizado, desde já, a fotocopiar as peças que entender pertinentes para este fim.

É como voto, Senhora Presidente.