RE - 19075 - Sessão: 19/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

 Trata-se de recurso interposto pela coligação TRABALHANDO POR GARRUCHOS (PDT - PMDB), tendo por objeto a sentença das fls. 85-87v., a qual julgou improcedente, por insuficiência de provas, a AIJE n. 19075, ajuizada pela parte recorrente em face de coligação UNIDOS POR UM GARRUCHOS MELHOR, JOÃO CARLOS SCOTTO, MILTON LOTTERMANN, LUCIANO SCARTON, ORLANDO PICININ, JORGE ADÃO ALMEIDA DE MORAIS – respectivamente, prefeito, vice-prefeito e vereadores de Garruchos, eleitos em 2016 – pela suposta prática de abuso do poder econômico e de captação ilícita de sufrágio.

Nas razões de irresignação (fls. 93-96), a coligação recorrente afirma que somente obteve a prova testemunhal na data em que requereu a reabertura/dilação instrutória. Entende que as diligências requeridas na inicial foram frustradas pelo conhecimento antecipado dos representados, a partir da disponibilização das informações no sistema de consulta pública. Suscita violação ao princípio do devido processo legal em vista de que não houve a designação de audiência para a oitiva dos demandados. Apresenta rol de testemunhas acompanhando as razões de apelo. Ao final, pugna pela anulação da sentença, com retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.

 Intimados para contrarrazões (fls. 98v.), JOÃO CARLOS SCOTTO, MILTON LOTTERMANN e LUCIANO SCARTON sustentam não haver um mínimo de provas dos fatos alegados na inicial (fls. 99-101). Por sua vez, ORLANDO PICININ e JORGE ADÃO ALMEIDA DE MORAIS, por seus advogados constituídos, nada manifestaram (fls. 102-103).

Nesta instância, foram os autos para a Procuradoria Regional Eleitoral, a qual exarou parecer pela manutenção da sentença mediante o desprovimento do recurso (fls. 105-110v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

No mérito, a demanda busca a responsabilização dos recorridos por diversos fatos que, em tese, caracterizariam abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio.

As imputações narradas na inicial foram bem sintetizadas no bojo da sentença recorrida (fls. 85-86):

Afirmam, inicialmente, que alguns eleitores que não realizaram a biometria e que, por isso, a seu ver, não poderiam votar, no dia da eleição, foram procurados por pessoas ligadas à coligação demandada e acabaram votando normalmente após liberação da urna pelos respectivos mesários, havendo, assim, indícios de fraude.

Citam, ainda, diversos fatos considerados captação ilícita de sufrágio, quais sejam:

a) que no dia da eleição Zilmar Kunszler, Marcieli Capelleti, Santo Tonial, Marcos Fernando Taborda, Isabel Cristina dos Santos e Giliane Machado Portela fizeram abordagens nas pessoas nas proximidades da Escola Evaristo Afonso de Castro, oferecendo quantias em espécie para que votassem no candidato João Carlos Scotto ou mesmo para que não votassem em Carlos Cardinal Oliveira, ressaltando que muitas pessoas eram levadas até a propriedade de Emídio Burtet, local onde recebiam o pagamento pelo voto.

b) Na Escola XXI de Abril, em São João Tujá, a esposa de um dos mesários, chamada Cristiane da Rosa, repassou quantias em dinheiro a diversos eleitores para que estes votassem no candidato João Carlos Scotto.

c) Na manhã do dia das eleições, o Sr. Vanderlei Santoni foi até a residência da conhecida "família Paiva", na localidade de São José Velho, aonde ofertou a quantia de 10 mil reais pelos votos de toda a família.

d) Na semana anterior à eleição, o candidato a Prefeito João Carlos Scotto esteve na residência do Sr. Jorge da Silva Rios, ao qual ofereceu cargo de Secretário da Agricultura para o mesmo ou para algum filho dele, na troca dos votos.

e) Na data de 26 de setembro de 2016 o candidato Luciano Scarton realizou a reforma da motocicleta do Sr. Julio e Tereza Espindola, que residem no Passo da Telha, interior de Garruchos, em troca de votos.

f) No dia das eleições, o vereador Francisco Marques Solano realizou captação ilícita de votos, conduzindo eleitores até as urnas, utilizando para tanto um uno cinza.

g) Na semana anterior à eleição, o vereador João Adão de Moraes entregou à família do sr. Antônio Nunes dos Santos a quantia de R$6.000,00 (seis mil reais) em troca de 9 (votos).

h) Na semana que antecedeu a eleição, o pescador conhecido como “Pateta” teria procurado alguns pescadores na localidade do Barreiro ofertando-lhes a quantia de R$300,00 (trezentos reais) em troca de cada voto.

i) No dia 14 de setembro de 2016, Jorge Adão Almeida de Moraes teria comprado uma moto de Adelar Moraes Pessoa, entregando ao casal Daniel e Juliana em troca de apoio ao candidato João Carlos Scotto.

j) As instalações da Câmara de Vereadores, em especial, o telefone foi utilizada para fins de campanha eleitoral.

l)Na semana que antecedeu as eleições Luciano Scarton entregou um triturador de milho de aproximadamente R$2.000,00 (dois mil reais) a Jairton Liscano Garcia em troca do apoio da família.

m) Na tarde do dia 29 de setembro, o candidato Luciano Scarton teria realizado a entrega de quantia em espécie à eleitora Jaqueline de Oliveira Vepo, além de ter feito promessa de que providenciaria o restabelecimento da energia elétrica que estava "cortada".

n) Na data de 29 de setembro, Selvino Elcheberg e Ilga Elcheberg receberam a quantia de R$2.000,00 (dois mil reais) em troca de votos, valor que seria destinado à aquisição da cobertura da casa.

o) No dia da eleição, Orlando Picinin, eleito como vereador mais votado, abordou eleitores na fila durante a espera para a votação. Teria ele abordado pessoas na rua, nas proximidades dos locais de votação.

p) O mesmo candidato Orlando Picinin teria financiado um conjunto de camisetas para o tima de futebol da localidade de Caçapava, visando captar os votos dos integrantes do time.

q) Na semana que antecedeu o dia da eleição, Renato Leiria dos Santos (conhecido por Carpa), candidato a Vereador, teria feito a entrega de três pneus para charrete do eleitor chamado José Antônio Dias, sendo que em troca pediu votos para o candidato João Carlos Scotto e para si.

O magistrado sentenciante entendeu que a parte autora não logrou carrear aos autos elementos probatórios capazes de corroborar as alegações da peça inicial, julgando, então, improcedente a ação.

A irresignação ora veiculada limita-se a suscitar vícios da instrução processual, os quais eivariam de nulidade da sentença. Assim, a recorrente pretende a reabertura da fase instrutória, inclusive apresentando rol de testemunhas juntamente com o apelo.

O intento recursal, porém, não prospera, eis que não há nenhuma nulidade no processamento do feito.

É entendimento consolidado na jurisprudência do TSE que, em sede de AIJE, as provas que se pretende produzir devem ser indicadas pelo autor na peça inicial, e pelo réu na contestação, trazendo, inclusive, o rol de testemunhas, sob pena de preclusão, a teor do rito do art. 22 da LC n. 64/90.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO, POLÍTICO E DE AUTORIDADE. USO INDEVIDO DE MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ILÍCITOS. PROVAS. INEXISTÊNCIA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Na ação de investigação judicial eleitoral, o autor deve indicar na inicial as provas que pretende produzir, trazendo rol de testemunhas, ou, ainda, apontando outros tipos de provas a serem requisitadas ou produzidas no feito, em observância ao rito do art. 22 da LC n. 64/90.

2. Para afastar a conclusão do Tribunal a quo, no sentido de que não ficou configurado o abuso de poder político e econômico, tampouco o uso indevido dos meios de comunicação social, em relação ao representado Clodoaldo Leite da Silva, prefeito do Município de Embu-Guaçú e candidato à reeleição, em razão da inexistência de provas incontroversas acerca de tais ilícitos, seria necessário o reexame dos fatos e provas, o que é inviável nesta instância, por óbice dos Enunciados

Sumulares nos 7/STJ e 279/STF.

3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 46262, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 02.4.2014, Página 74-75.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. INEXISTÊNCIA. ROL DE TESTEMUNHAS. APRESENTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. ART. 22 DA LC Nº 64/90. NULIDADE RELATIVA. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS NA AIJE. POSSIBILIDADE. ENQUADRAMENTO TÍPICO DAS CONDUTAS NA PETIÇÃO INICIAL. DESNECESSIDADE. INOVAÇÃO DE TESE RECURSAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. POTENCIALIDADE. DIMINUTA DIFERENÇA DE VOTOS. REEXAME. SÚMULAS Nos 7/STJ E 279/STF. DESPROVIMENTO.

1. Conforme assinalou a Corte de origem, às coligações e seus representantes, quando registrados em cartório eleitoral, dispensa-se a juntada de documento comprobatório específico em todos os processos e atos judiciais dos quais participem, sempre que tal representante for o mesmo indicado e registrado no ofício eleitoral perante o qual atua.

2. Segundo já decidiu esta Corte e a teor do que dispõe o art. 22 da LC n° 64/90, a apresentação do rol de testemunhas deve ocorrer por ocasião do ajuizamento da inicial pelo representante. O desrespeito à norma, contudo, gera apenas nulidade relativa, devendo ser alegada pela parte na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos, sob pena de restar convalidada pelo instituto da preclusão.

3. Não há óbice a que haja cumulação de pedidos na AIJE, apurando-se concomitantemente a prática de abuso de poder e a infração ao art. 73 da Lei n. 9.504/97, seguindo-se o rito do art. 22 da LC nº 64/90.

4. Constatado pelo Tribunal de origem o efetivo uso da máquina pública em benefício de campanha eleitoral com potencialidade para influir no resultado do pleito, não há como se modificar a conclusão adotada sem incorrer em vedado reexame de fatos e provas dos autos (Súmulas n. 7/STJ e 279/STF).

5. Desde que ajuizada a ação no prazo legal, a pena de cassação do diploma a que se refere o art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97 pode ser aplicada durante todo o curso do mandato, mesmo que adotado o rito previsto na LC nº 64/90.

6. Não obstante o exame do requisito da potencialidade não se prender ao resultado das eleições, nada impede que a diminuta diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados no pleito reforcem a sua ocorrência. Precedentes.

7. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 11359, Acórdão, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 113, Data 15.6.2011, Página 66.) (Grifei.)

Dessarte, havendo, na peça inaugural, mero requerimento genérico de “oitiva dos envolvidos”, desacompanhada do elenco e de qualificação mínima das pessoas das quais se pretendia colher o depoimento em audiência, inviável a produção da prova.

Ademais, em sede de alegações finais, a demandante sequer renova o protesto pelas oitivas visadas. Ao contrário, consigna expressamente que deixa de postular a produção da prova oral porque “as únicas pessoas que se disponibilizam a vir em juízo são pessoas reconhecidamente partidárias e que, por isso, e também por temer represálias políticas no município, não foram arroladas”.

Cabe enfatizar que o rito sumaríssimo da AIJE não comporta fase saneadora, havendo apenas uma manifestação escrita de cada parte antes da audiência de instrução.

Portanto, sem a devida postulação pela produção de prova oral na exordial, ou na primeira oportunidade que caberia à parte falar nos autos, acompanhada do imprescindível rol de testemunhas, deve ser reconhecida a preclusão temporal do intento.

Nesse mesmo trilhar, a ausência de depoimento pessoal dos demandados não representa violação do devido processo legal.

A uma, se crucial a referida prova, o autor deveria tê-la individualizado nos requerimentos da petição inicial, ou, minimamente, deveria reiterar justificadamente sua imprescindibilidade nas alegações finais. Não procedendo dessa forma, inviável o acolhimento do pedido em face da preclusão.

A duas, a legislação não prevê expressamente a colheita do depoimento pessoal dos representados no rito da AIJE. O procedimento legal insculpido no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 prevê tão somente a oportunidade de oferecimento de defesa escrita para a apresentação da versão dos réus sobre os fatos narrados.

Dessa forma, não há nulidade no processamento do feito pelo fato de não haver sido colhido o depoimento pessoal dos réus, seja por omissa a parte quanto ao pedido de produção, seja pela consideração do julgador acerca da dispensabilidade da prova, conforme já pronunciado pelo TSE:

Recurso em habeas corpus. Depoimento pessoal. Investigação judicial.

1. O procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64/90 não contempla a possibilidade de colheita de depoimento pessoal.

2. Conforme entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 85.029, o silêncio da lei eleitoral, quanto à questão, não é casual, já que o depoimento pessoal não tem relevo no processo eleitoral, dada a indisponibilidade dos interesses de que nele se cuidam.

Recurso provido. Concessão da ordem.

(Recurso em Habeas Corpus n. 131, Acórdão, Relator Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume, Tomo 148/2009, Página 75.) (Grifei.)

Não existindo manifestação oportuna da parte recorrente no sentido da necessidade de produção da referida prova, não há vicissitude pela sua não realização.

Finalmente, diversamente do alegado pelo recorrente, tratando-se de AIJE, o juiz não tem o dever de buscar a prova de ofício. Incumbe à parte autora o ônus probatório quanto ao fato constitutivo do direito que postula, consoante a distribuição estabelecida no art. 373, inc. I, do CPC.

Ainda que se permita ao magistrado a iniciativa do aperfeiçoamento da instrução, com o fito de complementar ou melhor esclarecer os elementos fáticos aduzidos pelas partes, é inadmissível que a parte lhe transfira o encargo pela busca de provas, sob pena de, malferindo a imparcialidade judicial e o devido processo legal, configurar-se um odioso juiz inquisidor.

Ademais, ao magistrado cabe analisar a conveniência das provas solicitadas, privilegiando as essenciais para a elucidação dos fatos e repudiando aquelas de produção inútil ou meramente protelatória ao deslinde da demanda.

In casu, a fragilidade do caderno probatório acusativo e a negativa sobre as condutas imputadas despendidas em defesa escrita evidenciam a prescindibilidade da oitiva pessoal dos demandados para quaisquer esclarecimentos complementares.

O entendimento está alinhado à jurisprudência assente nesta Corte, segundo a qual não ocorre cerceamento de defesa no julgamento antecipado da lide, quando o órgão julgador entende que a verdade dos fatos está demonstrada nos autos, sendo desnecessário outro meio de prova.

No concernente ao arcabouço probatório posto nos autos, irreparável a sentença de improcedência da ação.

Com efeito, finalizada a instrução processual, os autores lograram produzir os seguintes elementos de prova:

a) extrato noticiando que Jaqueline de Oliveira Vepo é beneficiária do Programa Bolsa Família (fl. 15);

b) mensagem de correio eletrônico da Loja Mania Sport, de São Luiz Gonzaga, indicando que, no período de 01.9.2016 a 01.10.2016, houve apenas a venda de um fardamento desportivo, cujo comprador não foi identificado como Orlando Picinin (fl. 24);

c) ofício das Lojas Becker Ltda. informando que, no período de 19.9.2016 a 30.9.2016, não há registro de venda de equipamento para a trituração de milho de seu estoque (fls. 55-57);

d) certidão de diligência por oficial de justiça informando que o indicado endereço do Sr. Jairton Liscano Garcia, no Rincão da Caçapava, não foi encontrado, e que essa pessoa é desconhecida dos moradores entrevistados da localidade e dos arredores (fl. 62).

Dessarte, a produção probatória não confere qualquer suporte às narrativas acusatórias. Ao contrário, os documentos indicados nos itens “b”,“c” e “d”, inclusive, infirmam detalhes das condutas a eles relacionadas, na forma como descritos na exordial.

Ainda sobre os referidos documentos, resultantes de medidas apuratórias deferidas pelo juízo da origem, não prospera a alegação de que as diligências foram frustradas por eventual conhecimento prévio obtido pelos requeridos. Não há referências acerca da forma como foi realizada a alegada interferência. Outrossim, a própria natureza das informações apuradas não tornam plausível a aventada suscetibilidade a alguma remoção, ocultação, substituição ou outro modo de fraude processual.

Nesse passo, não merece reparo a sentença de piso, que julgou improcedente a ação tendo em vista a insuficiência de probatória da prática de abuso de poder econômico ou de captação ilícita de sufrágio.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau.