RE - 238 - Sessão: 23/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso (fls. 166-175) interposto por CLARI ROHRIG E DEJALMO BONIFÁCIO STEFFLER contra a sentença proferida pelo MM. Juízo da 15ª ZE (fls. 160-162v.), em ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) ajuizada em face de ALCINO RUI KOHRAUSCH, LEDI SEIBEL BARUFFI e ELOY ARTY AULER, eleitos em 2016 para integrarem a Câmara de Vereadores de Chapada. A decisão foi de improcedência no tocante à prática de abuso de poder econômico, bem como pela inexistência de óbice, aos recorridos, em relação aos exercícios dos respectivos mandatos, devido à não apresentação ou desaprovação de prestação de contas de campanha eleitoral.

Nas razões, sustentam que a decisão merece reforma, pois a plenitude da fruição dos direitos políticos depende da apresentação das prestações de contas eleitorais. Aduzem que, no momento em que as agremiações não apresentaram sua contabilidade, e os candidatos impugnados tiveram suas contas desaprovadas, resta prejudicada a quitação eleitoral, e os eleitos passam a carecer de condições de elegibilidade. Entendem havido o recebimento de recursos de origem não identificada. Sustentam que a cassação dos diplomas é medida que se impõe. Apresentam jurisprudência. Requerem o provimento do recurso para reformar a sentença.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 179-190), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 200-202v.).

É o relatório.

À douta revisão.

 

VOTO

Tempestividade.

O recurso é tempestivo. A decisão guerreada foi publicada no DEJERS em 20.3.2017, uma segunda-feira (fl. 163), e a interposição ocorreu na quinta-feira subsequente, dia 23.3.2017 (fl. 166).

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, a irresignação está a merecer conhecimento.

No mérito, os recorrentes postulam seja reconhecida a prática de abuso de poder econômico, mediante suposta incidência de irregularidades – recebimento de recursos de origem não identificada de parte dos recorridos.

A tese recursal é a seguinte: os recorridos, diante da fragilidade das informações constantes nas respectivas prestações de contas, pois desaprovadas, bem como nas dos partidos aos quais são filiados – casos de não apresentação das contas –, teriam incorrido na prática prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 – captação ou gasto ilícito de recursos para fins eleitorais.

A sentença não merece reforma. Senão, vejamos.

De acordo com a decisão do magistrado a quo, as alegações não foram devidamente comprovadas na inicial, sendo a prova frágil para caracterizar prática que redunde em cassação de mandato.

Transcrevo o seguinte excerto da decisão (fl. 162):

[...]

Da mesma sorte, o afastamento do pedido de cassação dos diplomas, fulcrado na suposta inelegibilidade dos demandados é medida imperativa, uma vez que, per si, a desaprovação das contas não tem o condão de tornar o candidato inelegível, consoante se extrai da leitura do art. 11, §1º, inc. VI, e §7º – invocado pela própria demandante –, que preconiza a “apresentação de contas de campanha eleitoral” como requisito para obtenção da respectiva certidão de quitação.

Irretocável. Explico.

Os recorrentes vincularam, única e exclusivamente, a ocorrência de desaprovação das contas dos candidatos – ou ainda as não apresentações de contas de parte das agremiações – à prática do ilícito previsto no art. 30-A da Lei das Eleições.

É bem marcada, há muito, a fronteira entre a decisão que julga as contas de candidato e aquela que se manifesta acerca da ocorrência – ou inocorrência – da prática de captação ou de gastos ilícitos com finalidade eleitoral – o art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Nesta grave representação, deve restar comprovada a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil, bem como possuam relevância jurídica apta a comprometer a moralidade da competição eleitoral.

Ou seja, a prática de abuso de poder, ainda que, em tese, ocorrida mediante desobediência ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97, deveria ter sido amparada, no contexto probatório, por circunstâncias de maior vulto do que as meras irregularidades verificadas na prestação de contas dos candidatos.

Ônus do qual os recorrentes não se desincumbiram, pois, repito, vincularam-nas, unicamente, às desaprovações de contas (dos candidatos) e às não apresentações (dos partidos políticos).

Tal dinâmica (a necessidade de gradação da gravidade das condutas) é, aliás, consectária do princípio da proporcionalidade, uma vez que as sanções diferem sobremaneira entre os processos de prestação de contas e as representações com suporte no art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N. 9.504/97. ART. 30-A. DEPUTADO FEDERAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DOAÇÃO. EMPRESA CRIADA NO ANO DA ELEIÇÃO. CASSAÇÃO. DIPLOMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO. 

1. A Lei n. 9.504/97, no capítulo atinente à arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais, não prevê o recebimento de doação originada de empresa constituída no ano da eleição como ilícito eleitoral. Precedente.

2. Na representação instituída pelo art. 30-A da Lei n. 9.504/97, deve-se comprovar a existência de ilícitos que extrapolem o universo contábil e possuam relevância jurídica para comprometer a moralidade da eleição, o que ocorreu na espécie.

3. A vedação estabelecida no art. 16, § 20, da Resolução-TSE n. 23.217/10, em que pese possibilitar a desaprovação das contas de campanha, não revela gravidade suficiente para ensejar a cassação do diploma do recorrente. 4. Recurso ordinário provido.

(RO n. 1947-10.2010.6.01.0000 – AC. Relator Min. DIAS TOFFOLI. Julgado em 12.9.2013).

Na doutrina, o magistério de José Jairo Gomes vem no mesmo sentido (Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 716):

Entretanto, a configuração de uma hipótese legal sob o aspecto formal ou abstrato não significa que sua caracterização também se dê material ou substancialmente, pois, para que isso ocorra, há mister haja efetiva lesão ao bem tutelado. Assim, se não se exige que o evento seja hábil para desequilibrar as eleições (embora isso possa ocorrer), também não se afasta a incidência do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, que informam todo o sistema jurídico. Por eles, a sanção deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido. É intuitivo que irregularidade de pequena monta, sem maior repercussão no contexto da campanha do candidato, nem na dos demais concorrentes, que não agrida seriamente o bem jurídico tutelado, embora reprovável, não seria suficientemente robusta para caracterizar o ilícito em apreço, de sorte a acarretar as sanções de não expedição do diploma e mesmo sua cassação. Mas isso só é aceitável em caráter excepcional, relativamente a irregularidades irrelevantes ou que não sejam graves.

Em resumo, da sentença de desaprovação das contas de campanha até a constatação de abuso de poder econômico em AIME, há um largo intervalo, o qual exige preenchimento por provas cabais relativas à gravidade da conduta e à aptidão de malferir o pleito, ônus não cumprido pelos recorrentes.

No que concerne às desaprovações das contas – ou não prestação das contas (aqui consideradas as condutas dos partidos políticos) – como impeditivas de exercício dos mandatos, ressalvo inexistir previsão legal ou regulamentar nesse sentido. A uma, os candidatos se desincumbiram das respectivas obrigações de prestar contas – art. 41, inc. I, e, mesmo que assim não fosse, a ausência de prestação poderia vir a influenciar a situação de quitação eleitoral vindoura, não refletindo nos atuais mandatos, pela ausência de previsão legal.

Novamente, transcrevo trecho da sentença (fl.162):

Outrossim, não obstante, em açoda do entendimento, se acatasse a tese de responsabilização dos candidatos pela inércia de suas agremiações, a pretensão traduzida na peça incoativa desmereceria acolhida, considerando que a não apresentação das contas de campanha resulta na impossibilidade de obtenção de quitação eleitoral tão somente para o pleito seguinte.

Ademais, como bem salientado nas contrarrazões, essa pretensão sequer é passível de ser veiculada em sede de AIME, ação cujos objetos são expressamente delineados pela redação do art. 14, § 10, da Constituição Federal, e circunscrevem-se à prática de abuso de poder, corrupção ou fraude, verbis:

[...]

§ 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Em resumo, os recorrentes não trouxeram elementos suficientes para infirmar a conclusão sentencial, deixando de demonstrar prática de abuso de poder econômico, bem como a gravidade das circunstâncias a macular a lisura do pleito.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos.