RE - 192 - Sessão: 12/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo da 99ª Zona Eleitoral, que julgou a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, proposta pelo recorrente, julgando extinto o feito, sem exame de mérito, em relação aos demandados ADÍLIO LUIZ FERRON e JOSÉ GERALDO GOLIN, e improcedente em face do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT DE RIO DOS INDIOS, JAQUES ANTÔNIO DE COL, TANIA MARA TIZZIANI, VALDOMIRO LEMES, CLODOALDO LIMA DE OLIVEIRA, IVETE FÁTIMA GIOLO, DIVA ZULMIRA NARDINO AGOSTINI e CLÉBER ANTÔNIO VELOSO DE LINHARES, por entender não caracterizadas as imputações da peça exordial, pela qual se sustentou que houve fraude no preenchimento das candidaturas de cada sexo em relação à nominata para as eleições proporcionais municipais de 2016, apresentada pelo PDT de Rio dos Índios, em violação ao art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões (fls. 156-169), o recorrente alega que na instrução da presente AIME restou amplamente configurada a fraude eleitoral, mediante o lançamento da candidatura fictícia de Diva Zulmira Nardino Agostini apenas para preencher o mínimo legal exigido pelo art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, eis que a candidata não buscou votos, apresentou movimentação financeira de campanha ínfima e obteve apenas um voto. Requer o provimento do recurso, julgando-se procedente a ação.

Nas contrarrazões (fls. 176-182), os recorridos sustentam que o insucesso da candidatura não significa que tenha sido fictícia. Asseveram que a sentença acolhe a prova produzida nos autos, devendo ser mantida.

Após, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 186-193v.).

É o relatório.

À douta revisão.

 

Dr. Luciano André Losekann,

Relator.

 

VOTOS

Dr. Luciano André Losekann (relator)

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Inicialmente, anoto que o magistrado a quo reconheceu a ilegitimidade passiva de Adílio Luiz Ferron (despacho às fls. 111-112) e de José Geraldo Golin (sentença às fls. 145-149v.), tendo em conta que o primeiro teve o seu registro indeferido, não disputando o pleito, e o segundo, por sua vez, atuou somente como representante partidário, não se lançando candidato.

A matéria não foi objetada no recurso, razão pela qual se encontra coberta pela preclusão.

Assim, ADÍLIO LUIZ FERRON e JOSÉ GERALDO GOLIN devem ser excluídos do polo passivo do presente processo.

No mérito, o Ministério Público Eleitoral sustenta que houve fraude praticada pelo PDT de Rio dos Índios, em relação à sua nominata de candidaturas à Câmara de Vereadores local, no tocante ao cumprimento da quota mínima de 30% por gênero.

Consoante aduz o Parquet em sua insurgência, a referida agremiação apresentou à Justiça Eleitoral, em agosto de 2016, a lista de candidatos à eleição proporcional, formada por cinco homens e três mulheres, atendendo o percentual mínimo de 30% de cada gênero, conforme impõe o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, obtendo, assim, o deferimento do respectivo Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP).

Entretanto, na ótica do recorrente, o registro de Diva Zulmira Nardino Agostini representou uma candidatura fictícia, visando apenas induzir o juízo eleitoral a erro e, mediante fraude, preencher a proporção mínima do gênero feminino.

Portanto, na espécie, a questão nodal para o deslinde da demanda é verificar se a apresentação da candidatura de Diva consistiu em fraude à finalidade da lei, por simulação de candidatura, visando burlar a imposição de preenchimento da quota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

É relevante destacar que o conteúdo teleológico da referida norma é estabelecer um equilíbrio mínimo entre o número de candidaturas masculinas e femininas. Trata-se da implementação de ação afirmativa com o fim claro de fomentar a participação política das mulheres.

O TSE é firme no posicionamento de que a norma é cogente e obrigatória. Nesse sentido, transcrevo a seguinte ementa:

REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. INSERÇÕES NACIONAIS. PRIMEIRO SEMESTRE DE 2016. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). TEMPO DESTINADO À PROMOÇÃO E À DIVULGAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA FEMININA. INOBSERVÂNCIA. PROCEDÊNCIA.

CASSAÇÃO. PROPAGANDA SEGUINTE. REVERSÃO DO TEMPO CASSADO À JUSTIÇA ELEITORAL. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. ATENDIMENTO À FINALIDADE LEGAL.

[…].

PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA

3. O incentivo à presença feminina constitui necessária, legítima e urgente ação afirmativa que visa promover e integrar as mulheres na vida político-partidária brasileira, de modo a garantir-se observância, sincera e plena, não apenas retórica ou formal, ao princípio da igualdade de gênero (art. 5º, caput e I, da CF/88).

4. Apesar de, já em 1953, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, da Organização das Nações Unidas (ONU), assegurar isonomia para exercício da capacidade eleitoral passiva, o que se vê na prática ainda é presença ínfima das mulheres na política, o que se confirma pelo 155º lugar do Brasil no ranking de representação feminina no parlamento, segundo a Inter-Parliamentary Union (IPU).

5. Referida estatística, deveras alarmante, retrata o conservadorismo da política brasileira, em total descompasso com população e eleitorado majoritariamente femininos, o que demanda rigorosa sanção às condutas que burlem a tutela mínima assegurada pelo Estado.

6. Cabe à Justiça Eleitoral, no papel de instituição essencial ao regime democrático, atuar como protagonista na mudança desse quadro, em que as mulheres são sub-representadas como eleitoras e líderes, de modo a eliminar quaisquer obstáculos que as impeçam de participar ativa e efetivamente da vida política.

7. As agremiações devem garantir todos os meios necessários para real e efetivo ingresso das mulheres na política, conferindo plena e genuína eficácia às normas que reservam número mínimo de vagas para candidaturas (art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97) e asseguram espaço ao sexo feminino em propaganda (art. 45, IV, da Lei nº 9.096/95). A criação de "estado de aparências" e a burla ao conjunto de dispositivos e regras que objetivam assegurar isonomia plena devem ser punidas, pronta e rigorosamente, pela Justiça Eleitoral.

8. Em síntese, a participação feminina nas eleições e vida partidária representa não apenas pressuposto de cunho formal, mas em verdade, garantia material oriunda, notadamente, dos arts. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, 45, IV, da Lei nº 9.096/95 e 5º, caput e I, da CF/88.

[…].

(Representação n. 29135, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 54, Data 20.3.2017, Página 90-91.)

Agrego, ainda, que os partidos políticos recebem recursos do Fundo Partidário, cumprindo-lhes, como instrumento para a observância da reserva de gênero, aplicar parte desses valores na criação e manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres, conforme dispõe o art. 44, inc. V, da Lei n. 9.096/95.

Assim, a fraude ao desiderato legal estaria configurada diante da indiferença da agremiação e da própria concorrente quanto ao destino de sua candidatura, cujos efeitos, no contexto do pleito, estariam restritos à burla à lei, exaurindo-se a partir do deferimento do DRAP pelo julgador do registro de candidaturas.

Entretanto, não é essa a hipótese visualizada nos autos.

Depreende-se do acervo probatório que, efetivamente, a candidata Diva verdadeiramente buscou votos, ainda que de forma incipiente e não exitosa, não servindo seu registro exclusivamente como simulacro de candidatura.

Nesse ponto, colho a judiciosa análise da prova oral procedida pelo magistrado sentenciante:

Em seu depoimento pessoal  Diva Zulmira Nardino Agostini (CD - fl. 120) relatou que pediu o registro da candidatura, foi pedir votos nas casas, sendo que muitas pessoas prometeram que iam lhe votar. Disse que era seu sonho ser candidata e mandou fazer os “santinhos” na gráfica.  Nunca tinha concorrido às eleições, mas sempre foi filiada ao PDT (mais de 30 anos). Recebeu apenas um voto. Gastou cerca de R$ 300,00 na campanha. Não recebeu doação de ninguém. Os valores que gastou foram próprios. Disse que visitou as casas de Odacir, Gilmar Mendes, Vilmar. Não tinha redes sociais. Só tem os “Agostini” de parentes, tendo visitado eles, mas foi informada de que já tinham compromisso com outras pessoas. No Bairro onde mora, visitou algumas famílias, mas que já tinham seus próprios candidatos (cunhado, genro, filho). Disse que não se preocupou com o número do votos que faria, mas sim em realizar o sonho de ser candidata. Participou das reuniões do partido. Tinha três sonhos: ver o grêmio jogar, ser candidata e viajar de avião. Agora só falta “andar de avião”.

A testemunha Odacir Pedro Fabricio (CD - fl. 120) disse que conhece Diva e ela foi candidata nas eleições de 2016. Referida candidata esteve em sua casa pedindo o voto da família. No dia em que ela foi a sua casa, Diva teria lhe dito que estava fazendo visitas às famílias residentes naquela Rua, na Rua Ângelo Santineli. Diva mora sozinha e tem alguns poucos parentes no Município. São os parentes da parte do falecido marido de Diva. Parentes dela mesmo, não tem. Não deixou santinho quando foi na sua casa. Via ela na rua conversando com pessoas, razão pela qual deduzia que ela estivesse fazendo campanha.

No mesmo sentido, o relato da testemunha Gilmar Mendes (CD - fl. 120) que contou que conhece Diva há cerca de nove anos. Ela é militante do PDT. Sabe que ela fez campanha, inclusive Diva foi na sua casa para pedir voto. Também foi nas casas de seus vizinhos. Viu que ela ficou uma manhã inteira nas proximidades de sua casa, fazendo campanha. Diva lhe entregou “santinho”, mas não recorda o número de campanha. Viu ela entregando “santinhos” para outras pessoas.

Por seu turno, a testemunha Vilmar da Luz Batistel (CD - fl. 120) relatou conhecer Diva há muito tempo. Diva foi na sua casa pedir seu voto e o de sua família. Viu Diva fazendo campanha no Bairro. Sabe que, além de Diva, o candidato Clodoaldo também fez só um voto. Diva fez entrega dos “santinhos”, mas não lembra o número dela. Já frequentou reuniões do PDT e Diva sempre estava presente.

Outrossim, conforme se verifica nas informações contantes no seu registro de candidatura (fls. 50-66), Diva conta 64 anos de idade, é viúva, sem filhos e sem parentes consanguíneos naquele município. Além disso, é aposentada, possui instrução escolar até o 4º ano do ensino fundamental e não ostenta patrimônio acumulado.

Portanto, a realidade pessoal da candidata autoriza a conclusão de que ela realizou a sua campanha sem o auxílio de doadores financeiros, sem o apoio de correligionários eleitorais e sem a utilização de redes sociais na internet, não se extraindo dessas circunstâncias, desguarnecidas de elementos probatórios complementares, a presunção de burla à lei eleitoral.

De mesma forma, a ausência de movimentação na conta bancária (fls. 39-41) e a concentração dos gastos eleitorais na despesa com “santinhos”, no valor de R$ 200,00 (fl. 37), são circunstâncias compatíveis com as contas eleitorais de candidatos de posses modestas e sem maior potencial na conquista de votos, em pequenos municípios do interior, tal como Rio dos Índios, que possui apenas 2.799 eleitores.

Finalmente, mesmo o fato de a candidata haver obtido apenas um voto não denota a artificialidade da candidatura diante das peculiaridades do caso concreto.

Os eleitores ouvidos em juízo afirmaram que presenciaram Diva em campanha, passando pelas casas do bairro, e não comprometeram seus votos quando abordados porque já possuíam preferência por outros concorrentes.

A própria Diva asseverou em seu depoimento que os seus únicos familiares na localidade, em realidade, parentes por afinidade havidos de seu falecido marido, já estavam alinhados com outra opção de voto, restando inócua a sua visita em campanha.

Cabe referir, ainda, que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, não existe contradição ou hesitação capaz de comprometer o depoimento pessoal da recorrida.

Com efeito, não há substancial confusão no tocante à declaração de que não fez campanha para parentes seguida da afirmação de que visitou os “Agostini”, que são seus únicos parentes no município. Ora, Diva realmente não possui parentes consanguíneos em Rio dos Índios, tendo com os “Agostini” ligação de afinidade por serem familiares do seu falecido marido.

Igualmente, as afirmações testemunhais de que presenciaram a candidata em campanha não tem sua credibilidade esmaecida pelo fato de os declarantes não lembrarem do número da candidata à vereadora. Nem mesmo este relator lembra do número do candidato a vereador no qual votou no último pleito...

Sobre o tema, novamente colho excerto da bem-lançada sentença, que adoto como razões de decidir:

A questão relativa ao número da candidata (nº 12700), que as testemunhas disseram não recordar, não deve ser considerada como relevante. Decorridos mais de cinco meses desde a realização das eleições, não há como exigir que as testemunhas ouvidas lembrassem do número de candidata que sequer votaram.

Nesse panorama, a ineficiência eleitoral relatada não é destoante da candidatura iniciante e desprovida de aparelhamento pessoal e material. Tanto assim é que – e esse um dado relevante – o candidato Clodoaldo Lima de Oliveira, vinculado ao mesmo partido, disputando idêntico cargo, na mesma circunscrição, de igual forma obteve somente o1 (um) voto.

A jurisprudência desta Casa é consolidada no sentido de que as candidatas que alcançaram pequena quantidade de votos, ou não realizaram propaganda eleitoral, ou, ainda, ofereceram renúncia no curso das campanhas, por si só, não são condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção.

Nesses termos, cito os seguintes precedentes:

Recurso. Ação de impugnação de mandato eletivo. Reserva de gênero. Fraude eleitoral. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada.

Suposta fraude no registro de três candidatas apenas para cumprir a obrigação que estabelece as quotas de gênero, contida no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

A circunstância de não terem obtido nenhum voto na eleição não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral. Tampouco a constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato na casa de uma delas.

Provimento negado.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 76677, ACÓRDÃO de 03.6.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 99, Data 05.6.2014, Página 6-7.)

 

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 41743, ACÓRDÃO de 07.11.2013, Relator DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 211, Data 14.11.2013, Página 5.)

Destarte, não havendo prova robusta, concreta e coerente de que a candidata tenha sido registrada com vício de consentimento, ou tenha promovido a campanha de terceiros, ou, ainda, não tenha atuado efetivamente em sua própria propaganda, dentre outras situações passíveis da configuração de fraude na observância do percentual de gênero, há de se preservar a acertada sentença que julgou improcedente a ação.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a decisão de primeiro grau.

Retifique-se a autuação para excluir ADÍLIO LUIZ FERRON e JOSÉ GERALDO GOLIN do polo passivo do presente processo.

É como voto, Senhor Presidente.