RE - 24440 - Sessão: 19/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por LISETE TONELLI BAUMGRATZ, em face da sentença que desaprovou as contas relativas à sua candidatura ao cargo de vereador no Município de Selbach, nas eleições municipais do ano de 2016, nos termos do art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15, tendo em vista o recebimento de doação de bens ou serviços estimáveis em dinheiro sem a respectiva demonstração de que o produto doado fosse decorrente do serviço próprio do doador ou, ainda, das atividades econômicas respectivamente exercidas.

No apelo (fls. 41-45), a candidata aduz que a decisão merece reforma ao argumento central de que as falhas são destituídas de má-fé e representam a cifra irrisória de R$ 624,00, o que não compromete a transparência e confiabilidade das contas. Requer o provimento do apelo para aprovar as contas, com ou sem ressalvas.

Sem contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 51-53v.).

É o relatório.

 

VOTO

Sr. Presidente: o recurso é tempestivo. Houve a afixação da decisão em Mural Eletrônico, datada de 28.11.2016, uma segunda-feira, e a interposição ocorreu em 1º.12.2016, quinta-feira imediatamente posterior, de forma que foi obedecido o prazo de três dias, indicado no art. 77 da Resolução TSE n. 23.463/15.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No relativo ao mérito, penso haver espaço para a aprovação com ressalvas.

É sabido: recentemente foi criada nova modalidade de prestação de contas de candidato a cargo eletivo: a prestação de contas dita “simplificada”, a teor do constante no Capítulo V da Resolução TSE n. 23.463/15, normativo que, a partir do art. 57, esmiúça o rito de prestação de contas menos complexo.

E esse é o caso dos autos, pois a recorrente Lisete teve despesas totais em montante inferior a R$ 20.000,00, conforme estatui o art. 57, caput:

Art. 57. A Justiça Eleitoral adotará sistema simplificado de prestação de contas para candidatos que apresentem movimentação financeira correspondente a, no máximo, R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 28, § 9º).

§ 1º Nas eleições para prefeito e vereador em municípios com menos de cinquenta mil eleitores, a prestação de contas será feita sempre pelo sistema simplificado (Lei 9.504/1997, art. 28, § 11).

§ 2º Para os fins deste artigo, considera-se movimentação financeira o total das despesas contratadas e registradas na prestação de contas.

Na origem, a desaprovação ocorreu, em resumo, devido ao fato de que houve doação estimável em dinheiro, pela própria candidata, de adesivos (R$ 324,00) e de combustíveis e lubrificantes (R$ 300,00), sem que tais bens constituíssem produto ou serviço da atividade econômica da doadora, em descompasso com o art. 19, caput, da Resolução TSE n. 23.463/15.

No entendimento do magistrado sentenciante, cumpriria à prestadora realizar o depósito dos aludidos valores na conta bancária de campanha e honrado aquelas obrigações na forma estabelecida pelo art. 32 do referido diploma normativo. Não ocorrendo assim, caracteriza-se o pagamento de despesas eleitorais com recursos que não transitaram na conta bancária específica.

Contudo, cabe ressaltar que o quantum da irregularidade representa a diminuta importância de R$ 624,00.

Mesmo tomando a movimentação financeira integral de campanha, tem-se um valor irrisório de R$ 1.066,50. O montante é substancialmente próximo daquele de R$ 1.064,10, utilizado na Resolução TSE n. 23.463/15 como parâmetro até o qual é afastada a compulsoriedade da utilização da transferência eletrônica para doações de campanha (art. 18, § 1º) e permitido o gasto pessoal de apoiamento pelo eleitor, independentemente de contabilização (art. 39, caput).

Trata-se, portanto, de cifra referencial para o estabelecimento da modicidade em matéria de gastos eleitorais, apta a excepcionar, inclusive, preceitos gerais cogentes afetos à movimentação de recursos em campanha e passível de ser utilizada analogicamente como paradigma de insignificância de valores que não comprometem a regularidade da contabilidade.

Nessa linha, cito julgado do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina:

ELEIÇÕES 2014 - PRESTAÇÃO DE CONTAS - CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL - OMISSÃO NA ENTREGA DA SEGUNDA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL - AUSÊNCIA DE REGISTRO DE GASTOS ESTIMÁVEIS COM PROPAGANDA E ADVOGADO - AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS NA FORMA DEFINITIVA - IRREGULARIDADES FORMAIS QUE PODEM SER RELEVADAS.

AUSÊNCIA DE NOTAS FISCAIS OU DOCUMENTOS SUPLETIVOS PARA COMPROVAR DESPESAS - GASTO COM ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS NÃO REGISTRADOS - IRREGULARIDADES QUE EXPRESSAM IMPORTÂNCIA DE MENOR SIGNIFICAÇÃO ECONÔMICA EM FACE DA REALIDADE DAS CAMPANHAS ELEITORAIS - APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

Ao fixar o valor para os gastos de apoiamento não sujeitos à contabilização na prestação de contas (Lei n. 9504/1997, art. 27), o legislador considerou sua importância econômica no curso regular do pleito, reputando-o de menor expressão na realidade das campanhas eleitorais.

Se é dado ao candidato receber de qualquer eleitor aporte financeiro, sem a necessidade de providenciar nenhuma contabilização, é inadequado graduar como grave qualquer irregularidade que não exceda essa quantia.

(TRE-SC, PRESTAÇÃO DE CONTAS n. 142162, Acórdão n. 31019 de 29.7.2015, Relator ANTONIO DO RÊGO MONTEIRO ROCHA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 136, Data 13.8.2015, Página 6.)

Ademais, a própria evolução normativa, em direção à prestação de contas simplificada, espelha o fato de que muitas candidaturas são conduzidas de maneira extremamente simples, comunitária, com a ajuda das pessoas próximas, como o caso dos autos: trata-se de candidata que colocou seu nome à disposição do eleitorado com poucos recursos, cujo manejo, ainda que destituído da estrita observância dos procedimentos formais, é, a priori, incapaz de prejudicar a fiscalização da Justiça Eleitoral ou comprometer a normalidade do pleito.

Por fim, anota-se que a recorrente fez a oferta oportuna de todos os documentos e esclarecimentos solicitados ao conhecimento completo de suas transações financeiras em campanha, não havendo o mínimo indício de má-fé na elaboração de suas contas.

Na mesma senda, o Tribunal Superior Eleitoral sufraga o entendimento de que, na análise das prestações de contas, admissível a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade diante da exiguidade dos valores envolvidos em termos absolutos e da ausência de comprovada má-fé. Destaco as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2012. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. IRREGULARIDADES. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. POSSIBILIDADE.

1. Voto da minoria no sentido de aplicar ao caso as súmulas 211 e 7 do STJ e 282 do STF.

2. Maioria formada no sentido de que os valores absolutos das irregularidades registradas no acórdão regional, - R$ 50,00, R$ 51,10 e R$ 225,00 - permitem a análise do recurso especial e justificam, no caso, a aprovação das contas, com ressalvas, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que têm sido admitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral nos processos de prestação de contas.

Agravo regimental, agravo e recurso especial providos para reformar o acórdão regional e julgar as contas aprovadas, com ressalva.

(Agravo de Instrumento n. 102663, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Volume , Tomo 216, Data 16.11.2015, Página 126-127.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. CAMPANHA ELEITORAL DE 2012. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez constatadas falhas formais e materiais que, em seu conjunto, não prejudicam a análise das contas, não revelam a má-fé do partido e alcançam valores absolutos e relativos ínfimos, é possível a aprovação com ressalvas, nos termos do art. 30, § 2º, da Lei nº 9.504/97.

2. As falhas constatadas alcançaram o montante de 1,58% dos recursos arrecadados na campanha, o que permite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes: PC nº 3880-45, de minha relatoria, DJe de 27.8.2014; AgR-AI nº 7327-56, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 11.10.2013.

Prestação de contas aprovada com ressalvas.

(Prestação de Contas n. 130241, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 115, Data 19.6.2015, Página 11.)

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE EMISSÃO DE RECIBO ELEITORAL. CONTROLE DAS CONTAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS.

1. Na espécie, a recorrida recebeu doação estimável em dinheiro - consistente na prestação de serviços advocatícios - e não emitiu o recibo eleitoral correspondente.

2. "Muito embora os serviços advocatícios não tenham relação direta com a divulgação da campanha política, constituem ato acessório a esse fim e, por isso, configuram gasto eleitoral que exige a emissão do respectivo recibo e sua contabilização na prestação de contas" (REspe 38875/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado na sessão de 11.11.2014).

3. O Tribunal Superior Eleitoral já assentou o entendimento de que a ausência de emissão de recibo eleitoral na prestação de contas caracteriza-se como irregularidade insanável, pois impossibilita o efetivo controle das contas por parte da Justiça Eleitoral. Precedentes.

4. Apesar de representar a totalidade dos recursos arrecadados na campanha, o valor diminuto em termos absolutos - qual seja R$ 800,00 (oitocentos reais) - justifica a aplicação na espécie dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

5. Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 956112741, Acórdão, Relator Min. João Otávio de Noronha, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 42, Data 04.3.2015, Página 215.)

Lembro, ainda, que na sessão de 23.3.2017, este Plenário julgou o Recurso Eleitoral n. 80-91, cuja relatoria foi do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Muito embora naquele caso a campanha tenha alcançado valor maior (R$ 51.360,83), e a irregularidade sob exame também tenha sido de superior monta (R$ 1.650,00), houve passagem do voto condutor que se ajusta ao caso dos autos, no sentido de que a Corte deve se ater ao valor nominal envolvido, e considerar “os vetores da razoabilidade e da proporcionalidade e a ausência de má-fé”. O referido precedente restou assim ementado:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Bens ou serviços estimáveis em dinheiro. Art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Os bens ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço ou de sua atividade econômica, segundo art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15. Doação em desconformidade com o citado regramento. Considerando o valor doado de pequena monta, e a identificação do doador por meio do recibo apresentado, plausível fazer uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Provimento.

(Prestação de Contas n. 8091, Acórdão de 23.3.2017, Relator Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, unânime.)

Daí, e muito embora o impacto percentual das irregularidades nas contas, aqui, seja da ordem de 58% (cinquenta e oito por cento), tenho que as contas merecem aprovação com ressalvas, sobremodo em se tratando de prestação de contas simplificada e com reles movimentação total, incapaz de comprometer a confiabilidade da contabilidade.

Nesses termos, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas, com fulcro no art. 68, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.