RE - 39395 - Sessão: 11/10/2017 às 17:00

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por JOSÉ CLEMENTE DA SILVA CORREA, candidato eleito ao cargo de vereador em Uruguaiana, contra a sentença do Juízo da 57ª Zona Eleitoral que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, reconhecendo as seguintes irregularidades: a) utilização de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 2.200,00, contabilizados como recursos próprios; b) recebimento de cinco doações estimáveis em dinheiro sem a comprovação de que constituíam produto do próprio serviço ou das atividades econômicas do doador; e c) omissão de receita, representada pela doação estimável de R$ 150,00, advinda do órgão estadual partidário, não registrada nas contas do candidato (fls. 85-86v.).

Contra a sentença foram opostos embargos de declaração, acompanhados de novos documentos e de prestação de contas retificadora (fls. 89-157), os quais foram rejeitados, em síntese, com o entendimento de não estar presente qualquer contradição ou omissão na decisão judicial (art. 159 e v.).

Em razões recursais (fls. 162-173), o candidato pleiteia, preliminarmente, o recebimento do recurso em seu duplo efeito. Alega ainda que não tomou conhecimento da intimação realizada pelo mural eletrônico para sanear os apontamentos realizados pelo órgão técnico, razão pela qual o prazo escoou sem sua manifestação. Sobrevinda a decisão de desaprovação, afirma que apresentou todos os documentos aptos a superar as irregularidades com os aclaratórios, os quais, no entanto, não foram conhecidos pelo juízo a quo. Pugna pelo recebimento dos referidos documentos em grau recursal. No mérito, alega que comprova a origem da receita de R$ 2.200,00 a partir de recursos próprios e que detinha possibilidade econômica para tanto. Quanto às doações estimáveis em dinheiro, sustenta que está demonstrado consistirem em três contribuições de mão de obra pessoal dos doadores em atividades de militância e mobilização de rua, bem como na cedência de dois veículos de propriedade da mesma cessionária. Aduz ainda que, por equívoco, deixou de realizar o lançamento de doação de impressos de campanha, estimável em R$ 150,00, realizada pelo PSDB, o que resta corrigido com o recibo eleitoral e as contas retificadoras acostadas aos autos. Ao final, requer o provimento do recurso com o fito de que as contas sejam julgadas aprovadas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e pelo retorno dos autos à origem, para que seja determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor recebido sem esclarecimento quanto à origem, e também pelo não conhecimento dos novos documentos juntados com o recurso. No mérito, manifestou-se pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, do repasse dos recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional (fls. 181-190v.).

Foi oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial, prazo que transcorreu in albis.

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Passo à análise das questões preliminares, adiantando que, por força do disposto no § 2º do art. 26, da Resolução TSE n. 23.463/15, as sanções determinadas em sede de processo de prestação de contas somente são executáveis após o trânsito em julgado da sentença, circunstância que milita em favor do pedido de recebimento do recurso no duplo efeito.

 

Preliminar: da nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que não foram observados os arts. 19, § 1º, e 26, da Resolução TSE n. 23.463/15, que determinam o recolhimento de recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

No entanto, em atenção ao art. 282, § 2º do CPC, segundo o qual “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”, a prefacial merece ser afastada, pois, conforme adiante se verá, a conclusão é pela aprovação integral das contas do candidato.

Assim, afasto a prefacial.

 

Preliminar de não conhecimento dos novos documentos juntados com os aclaratórios

O pedido da Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que não devem ser conhecidos os documentos acostados com a peça recursal, não comporta acolhida.

O recorrente sustenta que deixou de oferecer esclarecimentos acerca das irregularidades apontadas no parecer técnico devido a lapso do causídico constituído quanto à forma de intimação para tanto, porque, embora tivesse a expectativa de ser comunicado via DEJERS, o despacho de abertura de prazo para manifestação foi publicado no mural eletrônico.

Nesse cenário, o candidato opôs aclaratórios em face da sentença, rogando pela análise da farta documentação juntada com o recurso, para que nova decisão pela aprovação das contas fosse proferida. No entanto, o juízo recorrido, entendendo inadequada a via e superada a oportunidade para saneamento das falhas, não recebeu as informações prestadas e manteve a sentença pela desaprovação das contas.

Principiando a análise do tópico, consigno que o art. 84, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/2015 estipula que, tratando-se de candidato eleito, a intimação relativa aos processos de prestação de contas deve ser realizada, preferencialmente, por “edital eletrônico”.

No âmbito do TRE-RS, a Portaria P n. 259/16, regulamentando a previsão normativa, instituiu o mural eletrônico como plataforma preferencial de intimações processuais, nas hipóteses contempladas no art. 84, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, dentre outras, no período compreendido entre 15 de agosto a 16 de dezembro de 2016.

Portanto, a intimação certificada às folhas 76, realizada por publicação no mural eletrônico deste Tribunal em 21.11.2016, é válida e regular, não ocorrendo violação à ampla defesa ou ao contraditório nesse ponto.

Entretanto, no caso concreto, tenho que, excepcionalmente, os documentos ofertados com a peça dos embargos aclaratórios podem ser conhecidos.

O egrégio Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016).

Todavia, a apresentação de novos documentos com o recurso não apresenta prejuízo à tramitação do processo, especialmente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer de plano as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares.

O interesse público na transparência das contas de campanha, aliado à ausência de prejuízo à sua célere tramitação, caracteriza a vedação de novos documentos em segundo grau como formalismo excessivo, que deve ser evitado por não servir aos propósitos do rito legal.

Ademais, é preciso considerar que a juntada intempestiva de provas tem sido considerada, nos processos de prestação de contas de campanha, em razão de esses expedientes terem natureza preponderantemente declaratória e de possuírem, como parte, no polo ativo, apenas o prestador.

Por guardar essas peculiaridades e, sempre em juízo de exceção, este Tribunal tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar a conclusão pela retidão na aplicação de recursos e realização de despesas.

Dessa forma, por se tratar de documentos simples, capazes de, por si só, esclarecerem as irregularidades apontadas, independentemente da reabertura instrutória, entendo adequado o conhecimento dos elementos juntados com os aclaratórios.

Mérito

Passo à análise individualizada dos apontamentos que embasaram a desaprovação das contas pelo juízo recorrido.

Da utilização de recursos próprios incompatíveis com o patrimônio declarado no registro de candidatura.

A presente irregularidade restou assim descrita na sentença:

O parecer técnico conclusivo apontou o uso de recursos próprios na Prestação de Contas no valor total de R$ 2.200,00. À época do registro de candidatura o candidato declarou não ser possuidor de bens, conforme cópia do espelho de registro de candidatura às fls. 03. Assim, tal situação indica utilização de recursos de origem não identificada, uma vez que o próprio prestador de contas não declarou possuir patrimônio quando se candidatou à vereança.

O recorrente esclarece que, apesar de não contar com bens e valores acumulados anteriormente ao registro de candidatura, é profissional da polícia militar, percebendo vencimentos na ordem de R$ 6.314,44 (fl. 99).

Além disso, narra que, no período de abril de 2015 até abril de 2016, exerceu o cargo de Secretário de Segurança e Trânsito de Uruguaiana, no qual elevou a sua retribuição pecuniária para R$ 7.105,29 (fl. 100).

Finalmente, comprova, por meio do extrato bancário de sua conta pessoal, que, no dia 21.9.2016, foi agraciado com a restituição do Imposto de Renda, da qual, na mesma data, transferiu R$ 1.200,00 para sua conta de campanha (fls. 101-102 e 135).

Diante de tais circunstâncias, embora sem ostentar patrimônio prévio, o candidato efetivamente possuía capacidade econômica para dispor da cifra em tela, não se mostrando implausível ou desarrazoada a utilização de recursos próprios em espécie no valor de R$ 2.200,00, tendo em conta os rendimentos que logrou demonstrar.

Outrossim, os elementos comprovatórios da origem da doação estão em sintonia com as exigências normativas e não são infirmados por quaisquer outros dados concretos aportados aos autos que indiquem o recebimento de recursos de origem não identificada.

Nesse panorama, deve ser afastada a irregularidade verificada, na linha de precedentes de nossos Regionais:

Recurso. Prestação de contas. Candidata à vereadora. Eleições 2012.

Desaprovação no juízo originário.

Demonstrada a origem dos recursos próprios, através da juntada, em grau recursal, de documentação comprovando a percepção de valores provenientes de remuneração aptos a suportar o aporte de recursos próprios aplicados na campanha eleitoral.

Aprovação com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 64962, ACÓRDÃO de 28.11.2013, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 222, Data 02.12.2013, Página 4.)

 

ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA - CANDIDATO - VEREADOR - UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS - AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO PRÉVIA DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA - COMPROVAÇÃO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LUCRATIVA RURAL - CANDIDATO QUE JÁ ERA VEREADOR - RECEBIMENTO DE SUBSÍDIO MENSAL - VALORES COMPATÍVEIS - TRÂNSITO DOS VALORES NA CONTA BANCÁRIA DE CAMPANHA - REGULARIDADE DAS CONTAS - APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVA - PROVIMENTO.

(TRE-SC, RECURSO CONTRA DECISÕES DE JUÍZES ELEITORAIS n. 27739, ACÓRDÃO n. 32286 de 07.02.2017, Relator DAVIDSON JAHN MELLO, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 16, Data 16.02.2017, Página 7.)

Desse modo, não prospera a irregularidade em tela.

 

Das doações estimáveis em dinheiro sem comprovação de constituir produto do próprio serviço ou atividade do doador

O parecer técnico identificou cinco doações estimáveis em dinheiro sem a apresentação de documentação hábil a comprovar o atendimento do art. 19 da Resolução TSE n. 23.463/15, das quais três foram declaradas como “atividades de militância e mobilização de rua”, e duas como “cessão ou locação de veículos”.

Assim, concluindo pela ausência de demonstração, por parte do candidato, de que as doações estimáveis em dinheiro constituíram, de fato, produto ou serviço da atividade direta dos doadores, ou tenha sido ainda mensuração de uma prestação direta de serviço, a título de doação, o magistrado a quo proferiu decisão pela desaprovação das contas.

Contudo, em sede de embargos de declaração, o prestador de contas acostou aos autos declarações subscritas por Robson dos Santos Otanha, Adriana Flores Lemes e Gladis Andreia Pereira Lemes, acompanhadas dos respectivos recibos eleitorais, ratificando a prestação gratuita e espontânea de serviços de distribuição de material gráfico de campanha em favor do candidato (fls. 103-110).

Da mesma forma, o candidato ofereceu os “termos de cessão de uso de bens móveis”, os certificados de propriedade e os recibos eleitorais relativos à doação estimável de um automóvel e de uma motocicleta, ambos os veículos pertencentes a Raquel Antunes Salermo (fls. 111-118).

Depreende-se que as doações foram realizadas em consonância com as disposições do art. 19, caput, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Assim, suficientemente detalhados e comprovados o conteúdo e a origem das doações, com demonstração de constituírem produto de bens e serviços próprios dos doadores, não persiste a falha sob análise.

Da omissão de doação estimável em dinheiro repassada pelo órgão partidário

O julgador recorrido considerou a seguinte mácula a prejudicar a confiabilidade das contas:

Nova irregularidade foi detectada na omissão de receitas e gastos eleitorais pelo candidato, uma vez que registrado pela Direção Estadual/Distrital uma doação estimada de R$ 150,00 para a campanha, mas não identificada pelo candidato. Esta omissão de receitas implica na impossibilidade de atestar a fidedignidade da Prestação de Contas e a real origem dos recursos declarados.

Quanto ao ponto, o recorrente afirma que houve um mero equívoco do contabilista contratado, que deixou de registrar a doação de material gráfico de campanha, equivalente à R$ 150,00, entregue pelo diretório do PSDB na prestação de contas.

No entanto, a falha foi devidamente saneada com a elaboração de contas retificadora (fls. 131-157) e com a apresentação do correspondente recibo eleitoral (fl. 130).

Além disso, o candidato demonstra, pela nota fiscal de folhas 119-120, que a agremiação doadora contratou a empresa Versátil Artes Gráficas Ltda. para o fornecimento de “santinhos” alusivos a diversos candidatos, inclusive do ora prestador de contas.

Percebe-se, então, que a doação encontra-se adequadamente registrada e comprovada, atendendo, à saciedade, as prescrições do art. 55, § 3º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Diante disso, não estando as contas eivadas de outras irregularidades, ainda que meramente formais, impõe-se o julgamento pela sua aprovação.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e pelo provimento do recurso interposto, para aprovar as contas de JOSÉ CLEMENTE DA SILVA CORREA relativas às eleições municipais de 2016.