RE - 54667 - Sessão: 02/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por EVANDRO CARLOS NOLASCO (fls. 41-44) contra sentença do Juízo da 45ª Zona Eleitoral (fls. 37-39), que desaprovou suas contas relativas à campanha eleitoral de 2016 como candidato a vereador do Município de Santo Ângelo, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, condenando-o, ainda, ao recolhimento do valor de R$ 5.030,00 ao Tesouro Nacional.

Em sua irresignação, o recorrente sustentou que os documentos colacionados demonstram a sua boa-fé e o caráter exclusivamente formal das irregularidades detectadas. Requereu a reforma da sentença, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, bem como, sucessivamente, a redução do valor a ser recolhido para R$ 1.500,00.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso e pela manutenção da determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (fls. 50-55).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 40-41) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Cuida-se de prestação de contas apresentada por EVANDRO CARLOS NOLASCO, candidato ao cargo de vereador no pleito de 2016, no Município de Santo Ângelo.

O parecer técnico conclusivo (fls. 28 e v.), quanto às irregularidades apontadas na sentença, consignou que:

(a) foram detectadas receitas sem a identificação do CPF/CNPJ nos extratos eletrônicos, impossibilitando a aferição da identidade dos doadores declarados nas contas e o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional, obstando a aferição da exata origem do recurso recebido: R$ 1.000,00 no dia 26.8.2016, e R$ 500,00 no dia 01.9.2016 (fl. 07); e

(b) os recursos próprios aplicados em campanha (R$ 5.030,00) superam o valor do patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura, revelando indícios de utilização de recursos de origem não identificada.

Quanto ao primeiro apontamento, nas razões recursais, o recorrente reconheceu o erro cometido, atribuindo-o à instituição bancária na qual foram realizadas as operações financeiras (fl. 43).

Já quanto à segunda inconsistência, alegou que é autônomo, apregoando que os valores tidos como irregulares efetivamente provieram de recursos próprios, fruto do seu labor na função de vendedor. Agregou que “de 14.01.2010 a 13.5.2014, trabalhou como vigilante na Vigilância Asgarras S/S Ltda., sacando, quando da rescisão, quase R$ 6.000,00 (seis mil reais), cópia de extrato da conta vinculada em anexo, recurso que manteve para custear a campanha”.

Prossigo.

Acerca da irregularidade referente à falta de identificação nos depósitos de R$ 1.000,00 e R$ 500,00 (insertos às fls. 07-08) – reconhecida, como visto, pelo recorrente –, inexistem nos autos elementos que modifiquem a conclusão da sentença, não tendo sido anexado pelo recorrente nada a esse respeito; nenhuma contraprova.

Via de consequência, inevitável reconhecer que o recebimento das aludidas doações está em desacordo com o disposto no art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, verbis:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[…]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Anoto que a ausência de identificação destas operações bancárias, num total de R$ 1.500,00, totalizam 22,4% do total de receitas acumuladas na campanha eleitoral (R$ 6.696,33, consoante extrato consolidado da prestação de contas de fl. 5), demonstrando, por si só, a grave irregularidade constatada, e sua significância no âmbito do juízo de proporcionalidade consolidado por esta Corte.

Ademais, não se sustenta a justificativa de que é da instituição bancária a falha na identificação das doações em tela, a qual não teria conhecimento da legislação aplicável.

A uma, porque não há prova convincente nesse sentido, que ampare a tese recursal. E a duas, porque, ainda que assim fosse, a escorreita apresentação das contas de campanha é da responsabilidade do seu prestador, o qual deve zelar pela obediência aos ditames legais e regulamentares aplicáveis à espécie.

Nessa toada, não se pode admitir, a pretexto de eventual culpa de terceiros, que sejam atropelados os procedimentos formais, os quais, no caso, visam coibir a possibilidade de atos fraudulentos.

Melhor sorte não socorre o recorrente no que pertine à segunda irregularidade deflagrada, consistente no apontamento de que os recursos próprios aplicados em campanha superam o valor do patrimônio declarado por ocasião do seu registro de candidatura, revelando a utilização de recursos de origem não identificada ex vi do art. 3º, inc. I, e art. 14, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 3º A arrecadação de recursos para campanha eleitoral de qualquer natureza por partidos políticos e candidatos deverá observar os seguintes pré-requisitos:

I - requerimento do registro de candidatura;
[...]

Art. 14 Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

I - recursos próprios dos candidatos;
[...]

Ao efeito de demonstrar observância ao comando legal, deveria o candidato atender o disposto no art. 56 daquela mesma resolução:

Art. 56 No caso de utilização de recursos financeiros próprios, a Justiça Eleitoral pode exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da respectiva origem e disponibilidade.

Parágrafo único. A comprovação de origem e disponibilidade de que trata este artigo deve ser instruída com documentos e elementos que demonstrem a procedência lícita dos recursos e a sua não caracterização como fonte vedada.

À míngua de comprovação documental mínima, não basta a mera alegação de que o recorrente é autônomo e de que os montantes em apreço provieram do seu labor na condição de vendedor.

Idêntico raciocínio vale para o extrato bancário colacionado às fls. 22-23, referente a período entre os anos de 2010 e 2014, que demonstra fluxo financeiro em tempo consideravelmente distante do lapso temporal em exame (2016). Como bem arrematou o juiz sentenciante nesse aspecto, não foram juntados comprovantes de que valores percebidos naquele período estivessem depositados em conta bancária ao tempo dos fatos sob apreciação.

Da mesma forma o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 50-55), segundo o qual “não há nos autos provas mínimas das alegações do prestador, existindo, apenas, declaração unilateral, insuficiente para afastar a falha apontada”, asseverando que “alegações desacompanhadas de provas idôneas não podem ser aceitas como justificativas aptas a sanar tão grave irregularidade, visto que a arrecadação de recursos de origem não identificada afronta os princípios norteadores do processo de prestação de contas, ensejando sua desaprovação [...]”.

Ainda no tocante a esta tese recursal, igualmente não calha o argumento de que, do total de recursos próprios contabilizados (R$ 5.030,00), apenas R$ 1.500,00 não teriam sido identificados por meio da indicação do CPF do doador ao tempo das transações bancárias sucedidas.

Ora, em análise de norma outra prevista na Resolução (art. 56), de inequívoca cogência, a Justiça Eleitoral exige demonstração cabal de que o interessado efetivamente detinha capacidade econômica condizente com a movimentação financeira ao tempo da campanha, sendo impossível inverter o ônus probatório em sede de prestação de contas, em que, a toda evidência, ao candidato é quem cabe a fiel e perfeita subsunção ao ordenamento.

Este tem sido o sentido da orientação jurisprudencial em casos análogos:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. DOADOR ORIGINÁRIO NÃO IDENTIFICADO. ART. 26, § 3º, DA RESOLUÇÃO-TSE N. 23.406/14. APLICABILIDADE DO ART. 29 DA MENCIONADA RESOLUÇÃO. PRECEDENTES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL DO VALOR CORRESPONDENTE AOS RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 282 E N. 356 DO STF. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE FÁTICA EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INSUFICIÊNCIA DOS ARGUMENTOS PARA AFASTAR O PRONUNCIAMENTO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. A ratio essendi dos processos de prestação de contas é a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, da lisura e regularidade das receitas movimentadas e despesas realizadas por candidatos, comitês e partidos políticos, não prescindindo, bem por isso, da identificação originária dos doadores de recursos de campanha, nos termos do art. 26, § 3º, da Resolução-TSE n. 23.406/14.

2. O art. 29 da Resolução-TSE n. 23.406/14 estabelece o recolhimento ao Tesouro Nacional, pelos candidatos, partidos políticos e comitês financeiros, dos recursos de origem não identificada apurados na prestação de contas de campanha.

3. O art. 29 da Resolução-TSE n. 23.406/14 não exorbita os limites da função normativa e regulamentadora conferida ao Tribunal Superior Eleitoral.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE – RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 169751 – Rel. Min. Luiz Fux –

DJE de 27.9.2016.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES GERAIS 2014. NÃO ESCLARECIMENTO DA ORIGEM DOS RECURSOS PRÓPRIOS DEPOSITADOS EM ESPÉCIE NA CONTA DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. REPASSE AO TESOURO NACIONAL DO RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA.

1. A Justiça Eleitoral é autorizada a exigir do candidato a apresentação de documentos comprobatórios da origem dos recursos financeiros próprios aplicados na campanha eleitoral, art. 47 da Resolução TSE n. 23.406/14 e art. 12, III da Resolução TRE-PA n. 5.246/14.

2. A apresentação de documentos unilaterais, inidôneos ou que demonstrem apenas a capacidade financeira do interessado não é suficiente à comprovação da origem.

3. Não sendo aceito o esclarecimento, o recurso configura-se como de origem não identificada e deve ser repassado ao Tesouro Nacional (art. 29 da Resolução TSE n. 23.406/14)

4. Contas Desaprovadas.

(TRE-PA – PC 176352 – Rel. RUY DIAS DE SOUZA FILHO – DJE 19.3.2015.) (Grifado.)

Desse modo, evidenciada a ausência de identificação do doador (primeira irregularidade, no total de R$ 1.500,00), e bem como da origem dos recursos lançados na prestação contábil como próprios (segunda irregularidade, no total remanescente de R$ 3.530,00), é de rigor a incidência do art. 26, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.363/15 ao efeito de determinar-se o respectivo recolhimento ao Tesouro Nacional.

Nesse contexto, colho os seguintes arestos:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Receitas de origem não identificada. Recolhimento ao erário. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

1. Preliminar afastada. Não vislumbrado cerceamento de defesa. Notificado, o candidato prestou esclarecimentos e juntou documentos acerca das irregularidades apontadas na análise técnica.

2. Recebimento de doação de origem não identificada, em desacordo com a previsão contida no art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15, devendo o respectivo valor ser recolhido ao Tesouro Nacional. Por se tratar de quantia de pequena monta, que representa 8,2% do montante global movimentado na campanha, aplicável os princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas.

Provimento parcial.

(TRE-RS – RE 281-94 – Rel. DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN – J. Sessão de 16.5.2017.)

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 11.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO (PTC). PRAZO. DILAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA INEXISTENTE. CONTAS DESAPROVADAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL.

1. No processo de prestação de contas, não se admitem documentos apresentados na fase recursal, quando o candidato, intimado para o saneamento das falhas detectadas, deixa de se manifestar tempestivamente. Incidência da regra da preclusão. Precedentes.

2. A não identificação da origem de doações recebidas pelo candidato constitui irregularidade grave a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

3. Inaplicáveis os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando as irregularidades são graves a ponto de inviabilizar o efetivo controle das contas pela Justiça Eleitoral, assim como quando não constarem do acórdão regional elementos que permitam aferir o quanto representam em relação ao total de recursos movimentados na campanha. Precedentes.

4. Nos termos do art. 29 da Resolução - TSE n. 23.406/14, os recursos de origem não identificada devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional. Precedentes.

Agravo regimental conhecido e não provido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 237869, Acórdão de 13.9.2016, Relatora Min. ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 30.9.2016.) (Grifado.)

Por fim, ao contrário do Procurador Regional Eleitoral e sob pena de ofensa, no aspecto, ao princípio do non reformatio in pejus, deixo de enfrentar a irregularidade reconhecida no exame técnico condizente com a omissão de gastos eleitorais atrelada a gastos com combustíveis, porquanto expressamente afastada na sentença como causa à reprovação das contas (fls. 38 e v.).

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por EVANDRO CARLOS NOLASCO, para manter o juízo da desaprovação das suas contas, relativas às eleições de 2016, bem como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 5.030,00 (cinco mil e trinta reais).