RE - 5340 - Sessão: 06/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ÂNGELA BEATRIZ LIMA DE SÁ ESTAMPARIA - ME contra a decisão (fls. 58-61) que julgou procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no art. 23, § 1º, da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, condenando-a ao pagamento de multa de cinco vezes a doação em excesso, no valor de R$ 6.600,00.

Em suas razões (fls. 64-68), a recorrente suscita preliminar de nulidade da ação, pois não foi citada para apresentar defesa. No mérito, argumenta ter realizado doação em espécie, consistente em bandeiras, estimadas no valor de venda normal do produto de R$ 33,00 cada uma. Aduz que, se for considerado o custo de produção, as doações não ultrapassam o valor de R$ 1.320,00. Requer a improcedência da representação.

Nesta instância, os autos foram encaminhados ao Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pelo parcial provimento do recurso (fls. 99-105).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A recorrente foi intimada da decisão no dia 01.12.2017 (fl. 86) e o recurso interposto no dia 02.12.2016 (fl. 64), logo, dentro do prazo de 3 dias previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

Em preliminar, a recorrente suscita a nulidade do processo por vício na citação, pois teria sido intimada unicamente acerca do arquivamento do expediente.

A preliminar não prospera.

De fato, houve uma intimação dirigida à representada sobre o arquivamento do feito (fl. 24).

Entretanto, posteriormente, foi expedido o devido mandado de notificação para apresentação de defesa no prazo legal (fl. 32). O mandado foi recebido pessoalmente pela representada, como se verifica por sua firma e identificação na fl. 33 dos autos.

Ainda que possa ter havido uma prévia comunicação informando equivocadamente o encerramento do processo, em momento posterior a representada foi pessoalmente notificada para apresentar defesa, não havendo que se falar em nulidade da citação.

No mérito, cuida-se de doação estimável em dinheiro realizada por Ângela Beatriz Lima de Sá Estamparia – ME, nas eleições de 2014, estimada no valor total de R$ 6.600,00 (fl. 70), consistente na confecção de bandeiras, produto de sua atividade comercial (fl. 76).

Inicialmente, importa registrar que a representada é empresária individual, caracterização que apenas define a atividade da pessoa física, que acaba por se confundir com a personalidade jurídica.

Transcrevo voto de lavra do Dr. Hamilton Langaro Dipp proferido no julgamento do RE n. 54-82, julgado por esta Corte em 28.6.2012, no qual bem se distinguem as figuras do empresário individual e da pessoa jurídica:

Tratando-se de empresária, é pessoa que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”, nos termos do art. 966 do Código Civil. Como se vê, a sua qualificação como empresária define apenas a natureza de sua ocupação, não havendo que se falar em aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física tão somente pelo exercício de tal atividade, tanto que a figura do “empresário” não está elencada como pessoa jurídica no rol do art. 44 do Código Civil:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;

V - os partidos políticos.

Diante disso, impõe-se a consideração inicial de que, na verdade, a representada é uma só, eis que, como assinala RUBENS REQUIÃO,

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda (Curso de Direito Comercial, 1º vol., 14ª ed., pág. 64).

Tais conclusões não são novas. Já CARVALHO DE MENDONÇA, no festejado Tratado de Direito Comercial Brasileiro, sustentava, em tempos, que:

As obrigações contraídas sob a firma comercial ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa. Se ele incide em falência, não se formam duas massas: uma comercial, compreensiva dos atos praticados sob a firma mercantil, e outra civil, relativa aos atos praticados sob o nome civil, mas uma só massa, à qual concorrem todos os credores.

A firma do comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa separação abstrata embora os dois nomes se apliquem à mesma individualidade. Se, em sentido particular, uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial (Op. cit. vol. II, 3ª ed., pág. 166).

Elucidativa, nesse sentido, também é a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

É possível, porém, a exploração de atividade econômica por uma pessoa física. Normalmente, a atividade será de modesta dimensão, com pouquíssimos ou nenhum empregado, faturamento diminuto, pequena importância para a economia local. Se não for informal – traço, aliás, comum na hipótese –, o empresário pessoa física terá registro na Junta Comercial e nos cadastros de contribuintes como firma individual. Note-se que esta é apenas uma espécie de nome empresarial (Cap. 6, item 9.1) e não representa nenhum mecanismo de personalização ou separação patrimonial. O empresário individual, ao providenciar os registros obrigatórios por lei, não está constituindo um novo sujeito de direito, com autonomia jurídica, mas simplesmente regularizando a exploração de atividade econômica. Há uma grande confusão conceitual nesse campo, principalmente porque, sob a perspectiva do direito tributário, muitas vezes encontram-se sob o mesmo regime de obrigações instrumentais o empresário individual e algumas sociedades. É necessário, contudo, ressaltar que a firma individual não é sujeito de direito, mas categoria de nome empresarial. O sujeito – isto e, o credor, devedor, contratante, demandante, demandado, falido, concordatário etc. – será sempre a pessoa física do empresário individual, identificado pela firma que levou a registro. É erro técnico grosseiro dizer, por exemplo, que foi decretada a falência da firma individual ou propor ação individual contra a firma individual e pretender distinguir bens da firma. Como não se trata de sujeito de direito, mas simples categoria registrária, a firma não contrata, não pode falir, demandar ou ser demandada, titularizar domínio ou posse sobre coisas, nem exercer qualquer atributo próprio das pessoas ou dos entes despersonalizados. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Saraiva: São Paulo, 2002, p. 385-386.)

Nesse sentido posicionaram-se as Cortes eleitorais, reconhecendo que o empresário individual é pessoa física, como se extrai da seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO PARA CAMPANHA. LIMITE LEGAL. ART. 23, INCISO I, DA LEI Nº 9.504/97. PESSOA FÍSICA. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. RENDIMENTOS. SOMATÓRIO. POSSIBILIDADE. PATRIMÔNIO COMUM. PROVIMENTO. REDUÇÃO DA MULTA.

1. O empresário individual é pessoa física que - a despeito de se equiparar à pessoa jurídica para efeito tributário - exerce pessoalmente atividade de empresário, assumindo responsabilidade ilimitada e respondendo com seus bens

pessoais, em caso de falência, conforme ressaltado no julgamento do REspe nº 333-79/PR, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, em sessão de 1º de abril de 2014.

2. Tais circunstâncias permitem considerar o somatório dos rendimentos percebidos como pessoa natural e empresário individual, para fins de aferição do limite de doação de recursos para campanha eleitoral, sujeitando-se, nesses

casos, aos parâmetros estabelecidos no art.23, § 1º, I, da Lei nº 9.504/97 às pessoas físicas.

3. Recurso especial provido para reduzir o valor da multa imposta.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 48781, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 173, Data 16.08.2014, Página 128.)

 

Tratando-se de pessoa física, aplica-se ao empresário individual a integralidade das disposições legais pertinentes às doações de campanha realizadas por pessoa física, o que inclui também o limite preestabelecido, vigente no período, de R$ 50.000,00 para doações estimáveis em dinheiro, independente dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, nos termos do art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, com a redação vigente ao tempo da doação:

Art. 23. [...]

[...]

§ 7o O limite previsto no inciso I do § 1o não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)

Assim, deve-se admitir que o empresário individual efetue doações estimáveis em espécie até o limite legal específico de R$ 50.000,00, conforme pacífico entendimento jurisprudencial:

Representação. Pessoa jurídica. Eleições 2006. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal, com base no artigo 81, § 1º, da Lei n. 9.504/1997. Aplicação de multa e proibição de participar de licitações ou contratar com o setor público por cinco anos.

A atividade como empresária individual exercida pela doadora não é, por si só, causa de aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física.

Repercussão da liberalidade sobre a totalidade do patrimônio da recorrente, devendo a restrição à livre disposição de seus bens para fins eleitorais sujeitar-se à disposição legal dirigida especificamente às pessoas físicas. Valor impugnado consistente de doação estimável em dinheiro. Incidência do permissivo legal disposto no artigo 23, § 7º, da Lei das Eleições. Consequente improcedência da representação.

Provimento.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral n. 5482, Acórdão de 26.06.2012, Relator DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 28.06.2012, Página 2.)

 

RECURSO - REPRESENTAÇÃO - ELEIÇÕES 2012 - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONTÁBEIS REALIZADO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL -PEDIDO DE CONDENAÇÃO POR SUPOSTA DOAÇÃO DE CAMPANHA ESTIMÁVEL EM DINHEIRO ACIMA DO LIMITE LEGAL FIXADO PARA AS PESSOAS JURÍDICA (LEI N. 9.504/1997, ART. 81, § 1º, I) - ATIVIDADE EMPRESARIAL INCAPAZ DE CRIAR PERSONALIDADE JURÍDICA DISTINTA DO TITULAR DA FIRMA INDIVIDUAL - EQUIPARAÇÃO À PESSOA FÍSICA EM RAZÃO DA EVIDENTE CONFUSÃO PATRIMONIAL - OBSERVÂNCIA DO DISCIPLINAMENTO LEGAL PREVISTO PARA A DOAÇÃO ESTIMADA DE PESSOA FÍSICA, INCLUINDO A EXCLUDENTE DO § 7º DO ART. 23 DA LEI N. 9.504/1997 - PROVIMENTO.

1. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, "empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis quer comerciais" (REsp 594832, DJ de 01.08.2005, Min. Nancy Andrighi), razão pela qual devem ser juridicamente equiparados.

Logo, o serviço contábil gratuitamente prestado a candidato por determinada firma individual constitui doação estimável em dinheiro sujeita ao disciplinamento legal previsto para a contribuição da pessoa física, estando, portanto, abrangida pela excludente estabelecida pelo § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/1997.

(TRE/SC, RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n. 15020, Acórdão n. 29109 de 12.03.2014, Relator SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 40, Data 19.03.2014, Página 5.)

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. MULTA. PROIBIÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO E DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES PÚBLICAS. DETERMINAÇÃO DA ANOTAÇÃO DA INELEGIBILIDADE.

[...]

Alegada violação ao art. 81, § 1º, da Lei 9.504/1997, em função da ausência de faturamento bruto. Descabimento. Doação estimada efetuada por microempreendedor individual. Empresário individual, pessoa física. A inscrição do microempreendedor individual no CNPJ, para fins de tributação, não lhe confere personalidade jurídica. Precedentes do TSE. Doação sujeita ao limite de R$50.000,00, previsto no art. 23, §7º, da Lei n. 9.504/97. Observância.

RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, para reformar a sentença e afastar todas as sanções impostas.

(TRE/MG, RECURSO ELEITORAL n. 18220, Acórdão de 04.08.2015, Relatora MARIA EDNA FAGUNDES VELOSO, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 19.08.2015.)

 

Na hipótese dos autos, deve-se reconhecer a legalidade da doação efetuada, pois consistente em inequívoca doação em espécie, estimada no valor de R$ 6.600,00, que representa o valor do material doado, caso fosse vendido ao candidato beneficiado, como esclarece a recorrente.

Por se tratar, na essência, de doação proveniente de pessoa física, e por encontrar-se abaixo do limite de R$ 50.000,00 vigente ao tempo do fato, não se verifica qualquer ilegalidade na doação realizada.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso, para julgar improcedente a representação.