RE - 39133 - Sessão: 12/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA, eleito ao cargo de vereador em Ijuí nas eleições de 2016, contra decisão da 23ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas diante da constatação de omissão no registro de arrecadação e gastos na campanha eleitoral (fls. 228-230v.).

Em suas razões (fls. 232-251), o recorrente aduz, preliminarmente, que a manifestação do Ministério Público foi extemporânea e que não poderia ter sido juntada aos autos documentação não judicializada e estranha à lide. Ainda, alega violação ao contraditório, uma vez que as provas colacionadas seriam unilaterais, e inobservância do rol taxativo de atos processuais previstos na Resolução TSE n. 23.463/15. No mérito, argumenta que os documentos juntados não possuem relação com o recorrente ou com a campanha eleitoral. Aduz que o julgamento foi amparado em presunções. Postula o conhecimento e o provimento do recurso para julgar aprovadas as contas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 257-265).

Houve duas manifestações do prestador de contas (fls. 269 e 322), com a juntada de documentos e pedidos, os quais receberam tratamento pela decisão constante às fls. 325-326.

É o relatório.

 

 

 

 

VOTOS

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy (relator)

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi afixada em mural eletrônico em 07.12.2016 (fl. 231), e o apelo foi interposto no dia 10 do mesmo mês (fl. 232).

Inicialmente, cumpre retomar o andamento da prestação de contas, para melhor apreciação das teses recursais.

Anoto que, após o Parecer Técnico Conclusivo (fl. 14) opinando pela aprovação da contabilidade apresentada pelo candidato, os autos foram com vista ao Ministério Público, o qual requereu a conversão do julgamento em diligências, o compartilhamento das provas obtidas em outras ações eleitorais e a documentação constante das mesmas ações (fl. 16 e v.).

O pedido foi deferido (fl. 17), e as cópias foram juntadas (fls. 19-172).

Com vista dos autos, o prestador manifestou-se sobre os documentos colacionados (fls. 175-188). Após, em parecer (fls. 192-203), o Parquet Eleitoral opinou pela desaprovação das contas, ao que se seguiram a manifestação do candidato (fls. 209-222) e a sentença (fls. 228-230v.).

Preliminares

Aprecio a tese de que a manifestação do Ministério Público foi extemporânea e, desde já, adianto que não há como acolher tal preliminar.

Embora a Resolução TSE n. 23.463/15 preveja, no art. 67, que o Ministério Público Eleitoral deva emitir parecer no prazo de quarenta e oito horas da vista dos autos, deve-se considerar que os prazos conferidos ao Parquet, quando atua na condição de fiscal da lei, são impróprios, ou seja, não preclusivos.

O instituto da preclusão está fortemente relacionado à disponibilidade do direito ou faculdade processual conferidas à parte pela lei, o que não é o caso dos autos.

Assim sendo, rejeito a preliminar.

Na sequência, o recorrente argumenta que documentação não judicializada e estranha à lide não poderia ter sido juntada aos autos.

Pelo que consta na petição da fl. 16 e v., o Ministério Público afirma que os documentos contestados são “provas obtidas nos autos dos expedientes números 363-65.2016.6.21.0023, 366-20.2016.6.21.0023 e, 368-87.2016.6.21.0023”.

A numeração identifica ações em trâmite na 23ª Zona Eleitoral – Ijuí, das quais a mais antiga foi protocolada em 01.10.2016, o que afasta o argumento de ser documentação não judicializada. Nesses feitos, foram autorizadas a interceptação telefônica e a ordem de busca e apreensão de documentos, em procedimento que foi denominado “Operação Caixa de Pandora” (fl. 41).

Observo também que a documentação foi admitida nos autos como prova emprestada, com expressa autorização judicial para o compartilhamento (fl. 17), e que o recorrente teve oportunidade de sobre essa se manifestar, o que permite a análise conjunta da preliminar de nulidade pelo aproveitamento de provas imputadas unilaterais.

Os documentos juntados aos autos não foram produzidos pelo Ministério Público, e sim mediante apreensão de documentos e realização de interceptação telefônica, circunstâncias a afastarem caráter de unilateralidade.

Veja-se que, após a juntada da documentação, o recorrente teve vista dos autos. Oportunizada, portanto, sua manifestação, bem como prestigiado o contraditório.

Para fins de confirmar a inviabilidade do acolhimento das preliminares suscitadas, colaciono precedentes do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da admissibilidade de prova emprestada em processo no qual não tenham sido parte, originariamente, as partes agora atuantes, bem como a licitude de transposição de prova produzida em outra espécie de ação:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. AIJE. VEREADOR. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO COMPROVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. DESPROVIMENTO.

[...]

8. É lícita a utilização de prova emprestada de processo no qual não tenha sido parte aquele contra quem venha a ser utilizada, desde que lhe seja permito o contraditório. Precedente.

[...]

(Recurso Especial Eleitoral n. 958, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 229, Data 02.12.2016, Página 45-46.)

 

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. VEREADORA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA EMPRESTADA. LICITUDE DA PROVA. MANUTENÇÃO DE DECISÃO AGRAVADA.

1. Não há omissão no acórdão regional quando o TRE se manifesta expressamente sobre a suposta ilicitude da prova e conclui que a interceptação telefônica foi produzida de maneira lícita, porquanto se fundamentou em ordem de autoridade judicial competente, determinada no âmbito de investigação criminal, nos termos da Lei nº 9.296/1996.

2. Conforme já decidiu o TSE, "é assente na jurisprudência deste Tribunal e na do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de transposição para o processo eleitoral de prova produzida na seara penal, quando licitamente obtida por meio de interceptação telefônica realizada com autorização judicial para instruir investigação criminal" (AgR-REspe nº 453-31/SC, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º.10.2015).

3. O TRE assentou que foram atendidos os requisitos legais para realização da interceptação telefônica, tendo sido concedida a oportunidade às partes de exercer o contraditório e a ampla defesa no âmbito do processo eleitoral. É inviável proceder a novo enquadramento jurídico dos fatos para fins de alterar a conclusão regional quanto ao caráter lícito da prova, pois o acórdão está em consonância com o entendimento do TSE. Precedente.

4. Decisão agravada mantida por seus fundamentos. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 804040, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 211, Data 04.11.2016, Página 172-173.)

Assim sendo, afasto tais preliminares.

Na sequência, anoto que consta da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 66. Emitido parecer técnico conclusivo pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, a Justiça Eleitoral o notificará para, querendo, manifestar-se no prazo de setenta e duas horas contadas da notificação, vedada a juntada de documentos que não se refiram especificamente à irregularidade e/ou impropriedade apontada.

O recorrente defende que o requerimento de “julgamento de rejeição das contas” seria a única hipótese de juntada de documentos, o que não se sustenta, sobretudo porque a vedação contida no artigo supramencionado é dirigida ao prestador de contas.

Finalmente, examino a alegação de existência de eventual violação ao rol de atos processuais previstos na Resolução TSE n. 23.463/15, que, desde já, afirmo não ser taxativa.

A resolução do Tribunal Superior Eleitoral, como não poderia deixar de ser, estabelece uma sequência de atos para os processos, em que a simples análise técnica da contabilidade apresentada é suficiente para a apreciação das contas, o que é a regra em ações dessa natureza.

O caso dos autos é exceção, e como tal deve ser tratado, em vista do surgimento de indícios de omissão nos dados apresentados pelo prestador de contas. Ademais, não há como reconhecer uma nulidade em virtude de suposto “excesso de contraditório” ocorrido porque o Ministério Público só se manifestou pela desaprovação da contabilidade, na medida em que houve a oportunidade de o candidato pronunciar-se sobre a documentação colacionada e justificar os elementos nela constantes.

Dessa forma, rejeitadas todas as preliminares, passo à apreciação do mérito.

 

Mérito

O recorrente argumenta que os documentos juntados não possuem relação com o candidato ou com a campanha eleitoral, e alega que o julgamento foi amparado em meras presunções.

De fato, há que se reconhecer que grande parte da documentação colacionada nestes autos não tem relação com CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA.

No entanto, parte dela, em especial os documentos abaixo, comprovam a aquisição e o pagamento de combustível, pelo recorrente, junto ao Posto Burmann:

- cheque emitido pelo candidato (pessoa física) em 24.9.16, pós-datado para 10.11.2016, no valor de R$ 8.184,00, em favor de POSTO BURMANN (fls. 25 e 82);

- vale-combustível com as iniciais CP, assinatura do Posto de Combustíveis Burmann e seus responsáveis (fl. 28);

- anotação em agenda apreendida no posto de combustíveis que registra a aquisição de combustível por CLAUDIOMIRO PEZZETTA, no valor de R$ 2.260,00 (fl. 32);

- anotação em agenda apreendida no posto de combustíveis, com o registro “CLAUDIOMIRO PEZZETTA (TIRAR NOTAS) 1.000,00” e “CLAUDIOMIRO PEZZETA 55,00” (fl. 34);

- declarações acerca do candidato (fls. 37-40);

- impresso do posto de combustível registrando o nome do candidato e o valor de R$ 643,00, com data de 01.10.2016 (fl. 135);

- cupons fiscais do estabelecimento, com identificação do candidato (fl. 136); e

- comprovantes apreendidos na residência do candidato (fl. 145).

Trago relevo à apreensão do cheque emitido pelo candidato (pessoa física) em 24.9.16, pós-datado para 10.11.2016, no valor de R$ 8.184,00, em favor de POSTO BURMANN. A cártula, examinada em conjunto com os demais documentos constantes do processo, permite concluir que o recorrente adquiriu considerável quantidade de combustível e o distribuiu em forma de vales durante a campanha eleitoral, omitindo tais gastos em sua prestação de contas.

A alegação de que o combustível destinava-se ao uso do candidato e de sua família não se sustenta, tanto em razão da quantidade de produto que tal valor representa quanto pela apreensão de outros documentos que autorizam tomar como válida a declaração de que o gasto mensal do recorrente junto ao estabelecimento girava em torno de R$ 1.500,00 (fls. 37-38v.).

Também há indícios de que tenham sido realizados gastos com alimentação e com cabos eleitorais, mas o acervo probatório, constituído por declarações tomadas no Ministério Público (fls. 39-40) e não repetidas em juízo, não se reveste da segurança necessária para formar a convicção judicial.

A legislação eleitoral determina que todos os gastos realizados em campanha devem ser efetuados pela pessoa jurídica do candidato, passando pela conta bancária e, posteriormente, registrados na prestação de contas. Vejamos:

Art. 22. É obrigatório para o partido e para os candidatos abrir conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha.

[...]

§ 3o O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.

Comprovada nos autos a aquisição de combustível sem a observância das disposições legais, é imperativa a rejeição das contas.

Assim, a decisão combatida deve ser mantida em sua integralidade, confirmando a reprovação da prestação de contas do candidato.

Finalmente, indico que as petições extemporâneas (fls. 269-319 e 322-v.) receberam tratamento pela decisão constante às fls. 325-326 – a qual indeferiu os requerimentos de juntada de provas. 

 

Ante o exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a reprovação da prestação de contas apresentada por CLAUDIOMIRO GABBI PEZZETTA relativa à eleição municipal de 2016.

 

 

(Após votar o relator, afastando as preliminares e negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Des. Eleitorais João Batista Pinto Silveira, Marilene Bonzanini, Jorge Alberto Schreiner Pestana e Luciano André Losekann, pediu vista o Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes. Julgamento supenso.

Participaram do julgamento os eminentes Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, no exercício da Presidência, Desa. Marilene Bonzanini, Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, Dr. Luciano André Losekann, Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy e Des. Federal João Batista Pinto Silveira, bem como o douto representante da Procuradoria Regional Eleitoral.)