RE - 31530 - Sessão: 27/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RICARDO SANTOS GOMES, candidato eleito vereador no Município de Porto Alegre contra a sentença da 113ª Zona Eleitoral (fls. 227-228), que desaprovou a prestação de contas relativa às eleições de 2016, em face de doação sem a correta identificação do CPF do doador, além de realizar despesa junto a fornecedor com indícios de falta de capacidade operacional para prestar o serviço ou produzir o material contratado.

Após a provocação mediante embargos de declaração, a sentença foi integrada por pronunciamento que retificou o valor da doação (fls. 245-246).

Em suas razões (fls. 249-261), o recorrente afirma que o parecer conclusivo não apontou que o indício de falta de capacidade técnica da fornecedora seria capaz de gerar a reprovação das contas ou sequer comprometer a regularidade contábil, sugerindo tão somente o encaminhamento do apontamento, dentre outros, ao Ministério Público Eleitoral para apreciação. Argumenta que a nota fiscal foi apresentada juntamente com os memoriais, de forma voluntária e antes da prolação da sentença, e que era esse o procedimento que cabia ao prestador. Alega que a doação questionada foi efetuada através de cheque, e que o erro na identificação do CPF do doador foi corrigido na prestação de contas retificadora. Postula a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Requer o recebimento e o provimento do recurso para reconhecer a regularidade das contas e sua aprovação.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença e retorno dos autos à origem e, no mérito, pelo desprovimento do recurso e pela determinação, de ofício, da transferência de valores ao Tesouro Nacional (fls. 267-273).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (Relator):

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Passo à análise da questão preliminar.

Preliminar: da nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral lançou manifestação no sentido da nulidade da decisão de primeiro grau, ao fundamento de que houve negativa de vigência a dispositivos legais, na medida em que não foi analisada a necessidade de transferência dos valores cujo doador não foi corretamente identificado, nos termos dos arts. 18, inc. I, § 3º, e 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

O Parquet eleitoral ressaltou que a inobservância do ordenamento jurídico e a ausência de fundamentação, matérias de ordem pública, não estão cobertas pela preclusão, razões pelas quais os autos devem retornar à origem para que nova decisão seja proferida.

A preliminar deve ser rejeitada.

O novo exame da causa está sendo operado em vista de recurso exclusivo do candidato, de forma que o princípio da non reformatio in pejus impõe que o julgamento da irresignação não poderá resultar para parte recorrente situação mais desfavorável do que a existente antes da sua interposição.

No caso dos autos, a sentença recorrida reconheceu irregularidade na identificação dos recursos utilizados na campanha e desaprovou as contas, silenciando sobre consectários legais, em especial acerca de condenação ao recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Apesar de ter examinado os autos, o Ministério Público Eleitoral de 1ª Instância não opôs embargos declaratórios, havendo tão somente a interposição do presente recurso eleitoral pelo candidato, pleiteando a aprovação de suas contas.

Sendo o caso de recurso exclusivo da defesa, é inviável enfrentar questões relativas à aplicação de preceitos sancionatórios não consignados na decisão hostilizada, sob pena de reformatio in pejus. Colaciono precedente do Tribunal Superior Eleitoral no mesmo sentido:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. IMÓVEL. SUBLOCAÇÃO. FATOS E PROVAS. REEXAME. DESCABIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Desnecessária a intimação de candidato para se manifestar sobre parecer técnico que se refere às mesmas falhas já apontadas e conhecidas do candidato.

2. Constitui reformatio in pejus o agravamento da pena imposta quando não houve recurso da parte contrária sobre a matéria.

3. Alterar a conclusão do Tribunal Regional, que assentou a constatação de despesas com sublocação de imóvel sem os correspondentes recibos eleitorais, demandaria o vedado reexame de fatos e provas nesta via excepcional.

4. A tese suscitada não teve o devido dissídio evidenciado, porquanto não realizado o cotejo analítico para verificação da similitude fática entre a decisão atacada e os paradigmas colacionados, conforme exigência da Súmula nº

28/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 32860, Acórdão, Relatora Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2016, Página 70 – grifei.)

 

Trago também precedentes recentes do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, no julgamento de recursos em processos de Prestação de Contas:

Recurso Eleitoral. Eleições 2016. Prestação de Contas. Candidato. Vereador. Contas desaprovadas.

Juntada de documentos na fase recursal. Oportunidade prévia de apresentação. Documentos não conhecidos.

Arrecadação estimável. Publicidade por adesivos. Configuração de arrecadação de bens estimáveis que não constituem produto do serviço ou da atividade econômica do doador, nem integram seu patrimônio. Ausência de embaraço ao controle das contas pela Justiça Eleitoral.

Contratação de serviços de consultoria jurídica e de contabilidade em favor da campanha. Não comprovação. Inexistência de omissão de receita e despesa. A atuação de advogado e contabilista no processo da prestação de contas não caracteriza gasto de campanha. Art. 29, § 1º-A, da Res. TSE nº 23.463/2015.

Arrecadação de recursos de origem não identificada. Evidências de utilização dos recursos. Falha grave, que compromete a regularidade das contas.

Recolhimento de RONI ao Tesouro Nacional. Ausência de comando no dispositivo da sentença. Impossibilidade de determinação de recolhimento em grau de recurso. Reformatio in pejus.

NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.

 

(RECURSO ELEITORAL n 30627, ACÓRDÃO de 14.03.2017, Relator VIRGÍLIO DE ALMEIDA BARRETO, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 20.03.2017.)

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2016. EXISTÊNCIA DE FALHAS, OMISSÕES OU IRREGULARIDADES CAPAZES DE COMPROMETER AS CONTAS APRESENTADAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. I - Subsistem, na espécie, irregularidades aptas a macular a confiabilidade das contas, a saber:- Doações financeiras de pessoas físicas acima de R$ 1.064,10 não realizadas por meio de transferência eletrônica, como determinado pelo § 1º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.463-2015.- Utilização dos valores recebidos por meio de doações irregulares, em desacordo como a previsão contida no § 3º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.463-2015.- Arrecadação de recurso de origem não identificada, no valor de R$ 1.000,00, em desacordo com o art. 11, § 3º, e art. 18, I, da Resolução TSE nº 23.463-2015.II - As irregularidades assinaladas maculam a confiabilidade das contas apresentadas, comprometendo o controle efetivo da análise das contas prestadas. III - A arrecadação de recursos de origem não identificada impede a verificação da origem dos recursos arrecadados pelo candidato, não havendo como se aferir, nessas circunstâncias, o real doador dos recursos empregados na campanha eleitoral e a sua licitude. IV - Vício insanável. Desaprovação das contas. Art. 68, inciso III, da Resolução TSE nº 23.463-2015.V - Não obstante a disposição contida no art. 23, § 1º, inciso I, da Resolução TSE nº 23.463-2015, que impõe a transferência ao Tesouro Nacional de valores relativos a recursos de origem não identificada, deixou o Juízo quo de determiná-la em seu decisum. VI - Incidência do princípio da non reformatio in pejus. A ausência de determinação de devolução dos valores, como previsto no ordenamento jurídico, não pode ser revista. Desprovimento do recurso.

 

(RECURSO ELEITORAL n 54011, ACÓRDÃO de 19/04/2017, Relator(a) ANDRE RICARDO CRUZ FONTES, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 110, Data 26/04/2017, Página 35/43)

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2016. EXISTÊNCIA DE FALHAS, OMISSÕES OU IRREGULARIDADES CAPAZES DE COMPROMETER AS CONTAS APRESENTADAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. I - Subsistem, na espécie, irregularidades aptas a macular a confiabilidade das contas, a saber:- Doações financeiras de pessoas físicas acima de R$ 1.064,10 não realizadas por meio de transferência eletrônica, como determinado pelo § 1º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.463-2015.- Utilização dos valores recebidos por meio de doações irregulares, em desacordo como a previsão contida no § 3º do art. 18 da Resolução TSE nº 23.463-2015.- Arrecadação de recurso de origem não identificada, no valor de R$ 1.000,00, em desacordo com o art. 11, § 3º, e art. 18, I, da Resolução TSE nº 23.463-2015.II - As irregularidades assinaladas maculam a confiabilidade das contas apresentadas, comprometendo o controle efetivo da análise das contas prestadas. III - A arrecadação de recursos de origem não identificada impede a verificação da origem dos recursos arrecadados pelo candidato, não havendo como se aferir, nessas circunstâncias, o real doador dos recursos empregados na campanha eleitoral e a sua licitude. IV - Vício insanável. Desaprovação das contas. Art. 68, inciso III, da Resolução TSE nº 23.463-2015.V - Não obstante a disposição contida no art. 23, § 1º, inciso I, da Resolução TSE nº 23.463-2015, que impõe a transferência ao Tesouro Nacional de valores relativos a recursos de origem não identificada, deixou o Juízo quo de determiná-la em seu decisum. VI - Incidência do princípio da non reformatio in pejus. A ausência de determinação de devolução dos valores, como previsto no ordenamento jurídico, não pode ser revista. Desprovimento do recurso.

(RECURSO ELEITORAL n 54011, ACÓRDÃO de 19.04.2017, Relator ANDRE RICARDO CRUZ FONTES, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 110, Data 26.04.2017, Página 35/43.)

 

Assim, em face da ausência de recurso do Ministério Público, reconheço a preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente, afastando a preliminar de nulidade da sentença.

Mérito

Examina-se a prestação de contas de candidato eleito ao cargo de vereador em Porto Alegre, nas eleições de 2016, cuja desaprovação foi motivada pela realização de despesa junto a fornecedor com indícios de falta de capacidade operacional para prestar o serviço ou produzir o material contratado, além de doação sem a correta identificação do CPF do doador.

Quanto ao primeiro ponto, verifico que o prestador colacionou aos autos comprovante de inscrição e de situação cadastral da empresa Chies Locação de Materiais e Equipamentos para Festas Ltda. – ME (fl. 221) e nota fiscal de serviço (fl. 222), referente à locação de 100 cadeiras. A empresa, instalada em 12.03.2015, encontra-se em situação regular, e a despesa guarda pertinência com a realização de jantar de arrecadação noticiada nestes autos (fl. 95).

O total da despesa importou em R$ 2.000,00.

Sabe-se que situações como as que envolvem fornecedores de produtos ou serviços sem registro ativo nas instituições competentes (Junta Comercial ou Receita Federal) ou com número reduzido de empregados podem ser indicativas de utilização de empresas de fachada para desvio de recursos de campanha, caixa 2 ou outras formas de corrupção eleitoral.

No entanto, esse não parece ser o caso dos autos, uma vez que, como já se disse, a situação da empresa é regular, o montante de gastos é adequado e guarda pertinência com a realização de evento de campanha noticiado tempestivamente pelo candidato.

Assim, tenho que a despesa deve ser considerada regular.

Em relação ao segundo ponto, anoto que o art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, ao disciplinar as doações de campanha realizadas por pessoas físicas, assim estabelece:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

 

Percebe-se que a norma estabelece que a identificação do doador deve ocorrer na transação bancária, através do número do CPF.

O candidato alega que a doação questionada foi feita por meio de cheque, e que o erro na identificação do CPF do doador foi corrigido na prestação de contas retificadora (fl. 179).

Consultando os autos, registro que consta do Demonstrativo de Receitas Financeiras a doação de R$ 1.000,00, realizada em 24.8.2016, recibo de final 005E, proveniente de doador identificado como THIAGO DOS REIS PEREIRA, CPF n. 808.981.810-20 (fl. 75).

No parecer técnico conclusivo das fls. 160-165, foi realizado o apontamento de que tal doação seria proveniente de ABRAHÃO FINKELSTEIN, CPF n. 000.777.470-20.

Na fl. 175, o candidato reconhece que o doador é o Sr. ABRAHÃO FINKELSTEIN e retifica as contas, juntando recibo para o CPF n. 808.981.810-20 (fl. 179). O prestador também apresenta extratos bancários em que consta o depósito em cheque relacionado ao CPF n. 808.981.810-20, no valor de R$ 1.000,00, na data de 24.8.2016 (fl. 225).

A juntada de tais extratos atende aos exatos termos do inc. I do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, na medida em que identifica a transação bancária e o CPF do doador, de forma a afastar a impropriedade contestada no recurso.

Feitas essas considerações e superados os apontamentos realizados pelo órgão técnico por intermédio da juntada de documentação pelo candidato, devem ser aprovadas as contas de RICARDO SANTOS GOMES, nos termos do art. 68, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Nesses termos, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar as contas de RICARDO SANTOS GOMES relativas às eleições municipais de 2016.

 

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy:

Comungo do mesmo entendimento do Des. Silvio, mas peço vênia para divergir em relação à preliminar. Penso que, como se trata de matéria de ordem pública, independentemente de ter ou não havido recurso, dever-se-ia reconhecer a nulidade da sentença. Nesse sentido, acolho a preliminar do Ministério Público, e, no mérito, prosseguindo o julgamento, acompanho integralmente o bem-lançado voto do eminente relator.

 

Des. Jorge Luís Dall'Agnol:

Acolho a preliminar. Não se trata de reformatio in pejus, até porque não se pode falar em prejuízo, na medida em que, quando se trata de vício que conduz a uma nulidade absoluta, esse vício é insanável. Tampouco se examina sob o prisma do prejuízo aqui pressuposto. Por isso, também acolho a preliminar e voto pela nulidade da decisão.

 

Dr. Luciano André Losekann:

Também acolho a preliminar, eminente Presidente. Como foi ressaltado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, é matéria de ordem pública, e não se opera preclusão; até porque, na eventualidade de recurso da Procuradoria Regional Eleitoral para o TSE, este anulará o acórdão, retornando os autos ao primeiro grau para apreciação ou não do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15. O citado artigo é consequência natural do reconhecimento de que houve uma irregularidade na prestação de contas, e o juiz deveria ter se pronunciado sobre a questão. Então, sobre isso não se opera a preclusão; é matéria de ordem pública que não fica sanada com eventual recurso exclusivo do recorrente. Por esses motivos, acolho a preliminar.

 

Dr.  Jamil Andraus Hanna Bannura:

Acompanho o relator.