RE - 36755 - Sessão: 29/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial cumulada com representação por captação ilícita de recursos eleitorais e por condutas vedadas aos agentes públicos, ajuizada em face de CLEOMAR JOÃO SCANDOLARA, CLACIR PAULO RIGO e EDGAR REGOSO (fls. 1320-1340v.).

Em suas razões recursais (fls. 1345-1385), o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL imputa aos representados os seguintes fatos: a) abuso de poder político e econômico e captação ilícita de recursos para campanha eleitoral mediante irregularidade na licitação carta-convite n. 20/2016; b) autorização de cirurgias e exames médicos em período eleitoral com o fim de captar votos; c) convocação de reunião com o objetivo de coagir funcionários e servidores com função gratificada a apoiar o prefeito candidato à reeleição; d) prestação de serviços de terraplanagem e limpeza de fonte de água para particular, em período de campanha eleitoral, utilizando-se de equipamentos públicos, com o fim de captar votos; e) renúncia à contribuição de melhoria decorrente do asfaltamento de ruas urbanas com o intuito de captar votos. Argumenta que as condutas narradas estão amplamente comprovadas. Requer a reforma da sentença para, julgando-se procedente a ação, aplicar-se as sanções legais aos demandados.

Em contrarrazões (fls. 1391-1423), os recorridos suscitam, em preliminares: a) a ilicitude das provas produzidas em procedimento investigatório pelo Ministério Público Eleitoral; e b) a inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiados e os servidores públicos que praticaram as condutas ilícitas. No mérito, alegam que as imputações são destituídas de fundamento e de comprovação nos autos. Requerem, ao final, o desprovimento do recurso.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso em relação aos representados CLEOMAR JOÃO SCANDOLARA e CLACIR PAULO RIGO e, quanto ao representado EDGAR REGOSO, pelo seu desprovimento (fls. 1427-1438v.).

É o relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interpostos dentro do tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral. O agente ministerial foi intimado em 1º.3.2017 (quarta-feira) e o recurso interposto no dia 6 do mesmo mês (segunda-feira). Merecem ser conhecidos, portanto.

Ilicitude probatória e afronta ao princípio do contraditório

Os recorridos suscitam preliminar de ilicitude dos elementos probatórios colhidos em sede de procedimento investigatório formalmente instaurado pelo Ministério Público Eleitoral. Asseveram que a espécie apuratória é vedada no âmbito eleitoral, a teor do art. 105-A da Lei n. 9.504/97, por ocasionar prejuízo à celeridade inata aos feitos eleitorais e à paridade de armas entre os contendores da ação.

A preliminar não merece ser acolhida.

O TSE já enunciou que a utilização de inquérito civil no âmbito eleitoral colide com a prescrição trazida pelo art. 105-A da Lei n. 9.504/97, consoante o qual não são aplicáveis, na orbe eleitoral, os procedimentos previstos na Lei n. 7.347/85, implicando a nulidade das provas obtidas. Nesse sentido, cito o julgamento do RO n. 4746-42/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, Red. para acórdão Min. Marco Aurélio, DJe de 6.3.2014.

Entretanto, a mesma Corte tem efetuado uma leitura do dispositivo de forma compatível com as funções institucionais do Ministério Público, insculpidas no art. 127 da CF/88, que lhe atribui a prerrogativa de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de interesses sociais individuais indisponíveis, asseverando a possibilidade de a instituição realizar atos de investigação dentro de Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE), desde que não se utilize do inquérito civil exclusivamente com fins eleitorais.

Na hipótese, o Parquet instaurou um PPE em conformidade com suas normas de regência, e não um inquérito civil.

As espécies apuratórias não se confundem.

O PPE visa angariar subsídios preliminares e elementos informativos mínimos que justifiquem e possibilitem a atuação ministerial, inclusive como forma de prevenir o ajuizamento de lides eleitorais temerárias ou infundadas – art. 1º da Resolução n. 2/14 da Procuradoria-Geral de Justiça.

Enquanto o inquérito civil encontra previsão no art. 129, inc. III, da CF/88 e na Lei n. 7.347/85, sendo vocacionado à coleta de elementos para a propositura da ação civil pública em defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, o procedimento preparatório eleitoral possui base normativa diversa, conforme bem delineado na sentença recorrida (fls. 1322v.-1323):

De qualquer modo, é importante destacar que, na hipótese, não estamos propriamente diante de inquérito civil, mas de procedimento preparatório eleitoral que seguiu adequadamente os provimentos de regência administrativos. No contexto, calha indicar a Resolução nº 02/2014 do Procuradoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim como, especialmente, a Portaria nº 692/16 da Procuradoria-Geral da República, a qual, na linha do que já fazia a Portaria 499/14, institui e regulamenta o procedimento preparatório eleitoral no orbe do Ministério Público Eleitoral.

Dessa forma, na esteira da jurisprudência atual do TSE, a instauração do Procedimento Preparatório Eleitoral pelo Ministério Público é lícita, não ofende o art. 105-A da Lei das Eleições e são válidos os elementos informativos colhidos em seu transcurso.

Nesses termos, destaco os seguintes precedentes:

ELEIÇÕES 2012. ELEIÇÃO SUPLEMENTAR. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). SUPOSTO ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PROVAS COLHIDAS EM PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL. VIOLAÇÃO AO ART. 105-A DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Conforme delineado na decisão agravada, no julgamento do REspe nº 545-88/MG, da relatoria do e. Min. João Otávio de Noronha, foi reafirmada, por maioria, a constitucionalidade do art. 105-A da Lei nº 9.504/97, admitindo-se, contudo, a realização de atos de investigação pelo Ministério Público, desde que não se utilizasse do inquérito civil exclusivamente com fins eleitorais. Evolução da jurisprudência com ressalva do meu ponto de vista.

2. A instauração de Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE) é lícita e não ofende o art. 105-A da Lei 9.504/97 (AgR-REspe nº 131483, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 11.3.2016).

3. Há diferença essencial entre o inquérito civil e o PPE, especialmente em relação à sede normativa, à forma de arquivamento, ao prazo de duração e ao objeto de cada um desses procedimentos investigativos.

4. O poder investigativo do Ministério Público materializado por meio das PPEs deverá observar os mesmos parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 5937-27 como destacado anteriormente.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 5477, Acórdão, Relatora Min. LUCIANA LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 92, Data 12.5.2017, Página 28-29.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA PARTIDÁRIA. PRIMEIRO SEMESTRE DE 2015. INCENTIVO. ATIVIDADE FEMININA NA POLÍTICA. INOBSERVÂNCIA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO ELEITORAL (PPE). ART. 105-A DA LEI 9.504/97. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. MÍDIA. ART. 7º, § 4º, DA RES.-TSE 23.398/2013. PREJUÍZO. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

[…]

4. O art. 105-A da Lei 9.504/97 - que veda na seara eleitoral adoção de procedimentos contidos na Lei 7.347/85 - deve ser interpretado conforme o art. 127 da CF/88, no qual se atribui ao Ministério Público prerrogativa de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de interesses sociais individuais indisponíveis, e o art. 129, III, que prevê inquérito civil e ação civil pública para proteger interesses difusos e coletivos. Precedentes.

5. A instauração de Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE) é lícita e não ofende dispositivos legais e constitucionais.

[...]

(Recurso Especial Eleitoral n. 15826, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 234, Data 12.12.2016, Página 37-38) (Grifei.)

Ademais, observa-se que o expediente administrativo preparatório foi devidamente encartado aos autos da ação, bem como que a produção probatória restou renovada em sede de instrução judicial e adequadamente submetida à dialética processual, em conformidade com o devido processo legal. Em tais circunstâncias, descabe falar em ofensa ao princípio do contraditório ou da paridade de armas.

Dessa forma, rejeito a prefacial.

Litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o agente público responsável pela conduta

As contrarrazões recursais veiculam prefacial referente a não formação do litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos beneficiados e os agentes públicos responsáveis pelas supostas condutas ilícitas.

Em realidade, tratando-se de condutas vedadas ou de abuso de poder político, a jurisprudência exige a presença do agente diretamente responsável pela conduta quando a representação é proposta exclusivamente em desfavor do candidato beneficiado, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Não é essa a circunstância veiculada nos autos.

Da exposição dos fatos constante na inicial, depreende-se que, quanto aos fatos referentes às irregularidades no procedimento licitatório n. 20/2016, à autorização de cirurgias médicas e exames em período eleitoral, à reunião para coação de servidores públicos e à renúncia à contribuição de melhoria, há identidade entre o agente público e o beneficiário.

Com efeito, as ações aludidas são atribuídas ao então prefeito, candidato à reeleição, Cleomar João Scandolara, em seu próprio benefício e do seu companheiro de chapa Clacir Paulo Rigo, também representado nestes autos.

Outrossim, no tocante ao serviço de terraplanagem, a exordial responsabiliza a conduta ao Secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Edgar Regoso, integrante do polo passivo da demanda, o qual teria agido em favor dos demais codemandados.

Inviável a pretendida integração aos autos de outros servidores públicos, ainda que secretários municipais, quando não há quaisquer narrativas ou evidências de que suas ações ou decisões foram determinantes para a perpetração das condutas.

Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes desta Corte e do TSE:

Recursos. Conduta vedada. Propaganda institucional e gastos com publicidade. Art. 73, VI, 'b' e VII, da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência.

Agravo retido. Não conhecimento, ante a falta de previsão legal. Decisões proferidas do processo não precluem e devem ser rebatidas em grau recursal.

Decadência da ação não evidenciada. A formação do litisconsórcio não é obrigatória entre o agente público que atua como simples mandatário e o autor da conduta vedada.

Ausência do prévio conhecimento da irregularidade pelo vice-prefeito, integrante da chapa majoritária apenas nos últimos dias de campanha, quando a propaganda institucional realizada no período crítico já havia cessado. Inviabilidade de condenação.

Caderno probatório apto a revelar a efetiva realização de propaganda institucional pelo chefe do poder executivo municipal nos três meses que antecederam o pleito de 2012.

Não reconhecido o cometimento da conduta vedada disposta no art. 73, VII, da Lei n. 9.504/97. Modulação da consequência concreta de novo posicionamento, em atenção ao princípio da não surpresa.

Provimento negado ao recurso ministerial.

Parcial provimento ao apelo remanescente.

(Recurso Eleitoral n 23144, ACÓRDÃO de 08.10.2015, Relator DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Relator designado DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 193, Data 21.10.2015, Página 8.) (Grifei.)

 

AGRAVOS REGIMENTAIS. AGRAVO NOS PRÓPRIOS AUTOS. ELEIÇÕES 2012. ABUSO DE PODER POLÍTICO E DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CONFIGURAÇÃO. FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO NÃO INFIRMADOS. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

DESPROVIMENTO.

1. É inviável o agravo regimental que não infirma os fundamentos da decisão atacada, aplicando-se, pois, a Súmula 182 do STJ.

2. Hipótese em que, diversamente do que sustentado pelos agravantes, a conclusão do Tribunal Regional de que a tiragem dos periódicos seria de 35.000 exemplares não se escorou na prova por ele reconhecida como ilícita, mas, sim, em alegação contida na petição inicial que, por não ter sido contestada pelos ora agravantes (princípio da impugnação específica), tornou-se incontroversa nos autos. De forma que, para afastar tal entendimento, necessário seria, de fato, o reexame vedado de provas.

3. Na linha da jurisprudência desta Corte, somente há litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o agente público tido como responsável pelas práticas ilícitas, e não entre aquele e os que contribuíram para a conduta ilícita - caso dos autos.

4. A apresentação em sessão de julgamento de documentos que já instruíam os autos não enseja a declaração de nulidade, tendo em vista a ausência de prejuízo às partes.

5. Para reverter a conclusão a que chegou a Corte Regional e entender, como querem os agravantes, pela não ocorrência da prática abusiva do poder político e o uso indevido dos meios de comunicação social, exigir-se-ia, de fato,

incursão nos elementos probatórios dos autos, o que é inadmissível nesta instância, conforme as Súmulas 7 do STJ e 279 do STF.

6. Agravos regimentais desprovidos.

(Agravo de Instrumento n. 92749, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 58, Data 25.3.2015, Página 31.) (Grifei.)

A análise probatória sobre a veracidade das alegações ministeriais, ou quanto à ausência de responsabilidade dos representados sobre as condutas, é matéria afeta ao mérito da ação, a ser contemplada em passo seguinte.

Dessa forma, afasto a preliminar de formação de litisconsórcio passivo necessário.

MÉRITO

I – Abuso de poder político e econômico e captação ilícita de recursos de campanha: fraude em procedimento licitatório

Sustenta a inicial que Cleomar João Scandolara, na condição de prefeito, autorizou a abertura de processo licitatório, Carta-Convite n. 20/2016, tendo por objeto a aquisição de diversos materiais gráficos para o município, no qual restaram vencedoras três empresas, tendo a Gráfica Boscardim Ltda. ME obtido a maior quantidade de itens licitados.

Durante investigação própria promovida pelo Ministério Público Estadual, visando instruir eventual ação de responsabilidade administrativa na Justiça Comum, foi evidenciada a ocorrência de possíveis irregularidades, quais sejam: a) superfaturamento dos valores de alguns itens da proposta; b) atestamento de entrega realizado a maior em relação aos produtos efetivamente fornecidos; c) pagamentos efetuados somente em relação à Gráfica Boscardim, embora o objeto licitatório tenha sido dividido entre três empresas; d) adimplemento antecipado à data do vencimento da obrigação, em dissonância da previsão contratual; finalmente, e) aquisição de materiais desnecessários, dos quais a municipalidade detinha estoque razoável.

De outra banda, alega o recorrente que o candidato à prefeitura adquiriu, daquela mesma empresa, peças gráficas para a sua campanha com preços muito inferiores àqueles cobrados dos demais candidatos pelos mesmos itens.

Dessa forma, entende que houve uma retribuição de favores ilícitos entre a empresa e o candidato e que os prejuízos ao Erário Municipal, decorrentes das irregularidades na licitação, serviram para custear veladamente parte do material de propaganda eleitoral contratado, caracterizando, assim, o abuso de poder político e econômico e captação ilícita de recursos para a campanha eleitoral.

Faz-se necessário estabelecer as premissas fundamentais à configuração dessas espécies de ilicitudes eleitorais.

O abuso de poder político e econômico está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

O abuso de poder é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pelo conteúdo teleológico ou finalístico da conduta, qual seja, ações ou omissões que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, aptas a causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade (Elementos de Direito Eleitoral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 377).

Portanto, o abuso de poder político e econômico exige prova escorreita da prática de atos de autoridade visando influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto e da isonomia entre os competidores políticos.

Nesse sentido, nos termos da jurisprudência do TSE, “a aplicação das sanções previstas no art. 22 da LC nº 64/90 impõe a existência ex ante de prova inconteste e contundente da ocorrência do abuso, não podendo estar ancorada em conjecturas e presunções” (AgR-REspE n. 85587, Acórdão, Relatora Min. LUCIANA LÓSSIO, DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 92, Data 12.5.2017, Página 32).

Eventuais ilicitudes administrativas ou desvios de poder, ainda que perpetradas em período eleitoral, não caracterizam abuso se despidos do liame com o pleito e da potencialidade para desequilibrar o resultado das eleições.

Por sua vez, a captação ilícita de recursos eleitorais encontra sua previsão do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, nos seguintes termos:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[…]

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

À semelhança do abuso de poder político e econômico, a representação fundada neste dispositivo legal, na esteira da jurisprudência do TSE, “exige não apenas a ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito” (AgR-REspE n. 172, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 03.02.2017, Página 119-120).

Na espécie, o alegado favorecimento cruzado resulta de mera presunção ou inferência, por haver a empresa gráfica praticado preços menores em relação à campanha de Cleomar, em comparação com outras contratações de candidatos na mesma disputa eleitoral.

A tese é infirmada pelas notas fiscais juntadas às folhas 110-115, sintetizadas na tabela de folha 1351, elaborada pelo próprio recorrente, as quais demonstram que a política de preços praticada pela gráfica a qualquer das campanhas contratantes, abragendo seis municípios, não foi uniforme ou isonômica, nem mesmo exclusivamente favorável, em todos os itens, a algum concorrente determinado.

Ao contrário, conclui-se que os valores pelos fornecimentos de produtos advieram de condições de livre negociação deliberada com cada um dos candidatos contratantes, resultando em preços finais unitários variados a depender de aspectos do produto, da quantidade e do contratante.

Por ter sido bastante minudente a sentença na análise dessa conduta, a ela me reporto, adotando-a como razão de decidir (fl. 1327 e verso):

Avançando no exame das notas fiscais, fica claro existir significativa diferença de preços, situação, todavia, que não se vê apenas em benefício do réu Cleomar.

O produto “santinho” de 7,5x10,5 centímetros, por exemplo. Cada unidade custou vinte e cinco centavos à campanha de Cleomar, mesmo valor cobrado de candidatos dos municípios de Quatro Irmãos e Jaguarão. Já o pretendente de Pontão pagou apenas oito centavos a unidade, enquanto o de Progresso desembolsou sessenta e cinco. E as quantidades adquiridas por aqueles que se encontram em lados opostos foi a mesma, cinco mil unidades, tanto para o candidato de Pontão como para o de Progresso. Com relação ao item “santinho de vereador”, a campanha de Cleomar teve de pagar os mesmos vinte e cinco centavos a unidade, preço idêntico ao cobrado do candidato de Jaguarão, embora o último tenha adquirido nove mil unidades a mais, enquanto o concorrente de Pontão, aquele que pagou o menor preço pelo santinho de 7,5x10,5cm, suportou o custo unitário bem mais avantajado, de cinquenta e cinco centavos.

Há, evidentemente, distorções de preços unitários, mas isso, à míngua de prova concreta capaz de atestar, como dito, indevido privilégio conferido à campanha do demandado Cleomar, não se presta para afirmação de subfaturamento.

Apesar dos autos retratarem a potencialidade de práticas administrativas questionáveis, a parte autora não logrou a concretização da prova de quebra da normalidade e legitimidade do pleito.

Dessa forma, deve ser mantida a sentença de improcedência quanto ao tópico.

II – Abuso de poder político e conduta vedada: autorização de cirurgias médicas e exames médicos em período eleitoral com o intuito de captar votos

Narra a exordial que o Prefeito de São Valentim, Cleomar Scandolara, após um longo período de omissão administrativa, no curso do processo eleitoral e imediatamente pós-campanha (setembro, outubro e novembro de 2016), autorizou a emissão de empenhos de pagamentos por serviços médicos prestados aos munícipes, visando obter favorecimento eleitoral.

É incontroverso nos autos que, em razão de ausência de repasses financeiros pelo Governo Estadual, a partir de julho de 2015, houve suspensão dos atendimentos realizados pela Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim a partir de encaminhamentos direcionados e financiados pelo Município de São Valentim, com base em convênio firmado entre os interessados.

Apenas em janeiro de 2016 a Prefeitura de São Valentim firmou novo ajuste em favor do atendimento médico da população, agora com o Hospital São Roque de Getúlio Vargas.

Diante desse quadro, o recorrente sustenta que os encaminhamentos para procedimentos médicos, apesar de reestabelecidos desde o início do ano, foram postergados e concentrados para o período imediato à eleição, visando extrair benefício promocional e eleitoral do serviço público subvencionado pelo Poder Público. Assim, entende que a conduta caracteriza abuso de poder político e a prática de conduta vedada insculpida no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

Transcrevo o teor do referido dispositivo, que deve ser compreendido conjuntamente com o parágrafo 10 do mesmo art. 73:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

[…]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

A caracterização da prática ilícita, em desfavor da igualdade entre os candidatos, não se contenta tão somente com a distribuição gratuita de bens e serviços subvencionados pelo Poder Público, sob pena de engessar-se a atuação administrativa e malferir o princípio da continuidade do serviço público.

Para a subsunção típica do art. 73, inc. IV, da Lei das Eleições aos fatos, faz-se imprescindível que seja suficientemente demonstrada o uso anômalo da política pública com escopo promocional em favor de determinado candidato.

Nessa toada, colaciono o seguinte julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO, VEREADOR E ENTÃO PREFEITO. ABUSO DE PODER, CONDUTAS VEDADAS E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

[…]

4. Para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97, é necessário que, no momento da distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeada ou subvencionada pelo Poder Público, ocorra o uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação.

[…]

(Recurso Especial Eleitoral n. 53067, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 02.5.2016, Página 52-54.) (Grifei.)

Em reforço ao presente raciocínio, a respeito do abuso de poder político, colho a lição consagrada de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 310-311):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse.

Especificamente quanto ao uso promocional de bens ou serviços públicos, conforme tipifica o art. 73, inc. IV, da Lei das Eleições, o mesmo doutrinador assevera (Ibidem, p. 751):

Para a configuração da hipótese inscrita no inciso IV, é preciso que o agente use “distribuição gratuita de bens e serviços” em prol de candidato. Não se exige que durante o período eleitoral o programa social antes implantado seja abolido, ou tenha interrompida ou suspensa sua execução. Relevante para a caracterização da figura em exame é o desvirtuamento da distribuição, em si mesma, a sua colocação a serviço de candidatura, enfim, o seu uso político-promocional.

O entendimento também é presente no escólio de Rodrigo López Zilio (Direito eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 603):

Não é proibida a mera distribuição gratuita de bens e serviços social pelo Poder Público; logo, não se exige a cessação da atividade assistencial porventura desenvolvida. Veda-se o uso promocional da atividade desenvolvida (distribuição de bens ou serviços), em benefício de partido, candidato ou coligação. TÁVORA NIESS observa que “é defeso, a quem as executa, transmudar em operação eleitoral a obra social, ou permitir que assim seja feito”, ou seja, “a distribuição dos bens ou serviços é que não pode ser promocionalmente utilizada, dando ensejo a qualquer tipo de retribuição, já que feita gratuitamente. A entrega de uma cesta básica, v.g., com pedido ostensivo de voto, ou acompanhada de ‘santinho’ de candidato, desvirtua o propósito original do ato, sacrificando o princípio da moralidade administrativa” (p. 63).

Entretanto, da análise da prova oral produzida, verifica-se que não está demonstrado o desvirtuamento da ação pública social em prol de favorecimento eleitoral.

Calha a percuciente análise procedida pelo magistrado sentenciante (fls. 1329-1330):

Rosa Ester Dall Agnoll asseverou somente ter se dirigido à unidade de saúde municipal com o objetivo de verificar a possibilidade de ato cirúrgico quando ficou sabendo, através de pessoa próxima, que o ente público teria retomado a prestação dessa espécie de serviço. Tinha a notícia de que as cirurgias, realizadas ordinariamente em Erechim, não estavam ocorrendo, mas que passaram a ser feitas em Getúlio Vargas. Comentava com as agentes de saúde sobre o caso, mas não foi orientada a procurar amparo municipal mais específico. Deu conta de ter Cleomar estado em sua residência em época de campanha, ocasião na qual aduziu a necessidade de realização de exames, sendo orientada a procurar o atendimento no posto de saúde. Salientou, todavia, que a visita ocorreu depois de ter sido devidamente atendida e encaminhada para cirurgia. Os exames se prestariam justamente para a realização do ato invasivo. O atendimento médico teria sido realizado em 04 de agosto, com agendamento da cirurgia para outubro feito diretamente pelo Hospital de Getúlio Vargas. Somente não foi marcada para data mais próxima porque o médico estava em viagem.

Eliane Teresinha Baginski Zembruski, na mesma linha, teve ciência de que as cirurgias, embora não estivessem sendo realizadas em Erechim, haviam sido retomadas junto ao nosocômio de Getúlio Vargas. Encontrou-se com Cleomar na rua, ocasião na qual mencionou sobre a necessidade do ato médico, tendo o réu lhe informado que havia sido restabelecida prestação do serviço, mas junto ao hospital de Getúlio Vargas. A partir daí, procurou a unidade de saúde e recebeu o encaminhamento necessário.

Leandro Vazocha esclareceu ter recebido telefonema de Sandra, secretária de saúde, referindo possibilidade de agendamento da cirurgia. O ato médico foi realizado em 16 de setembro, em Getúlio Vargas, aproximadamente dois meses depois do contato referido. A notícia que tinha, ao longo da espera pelo atendimento, era de que estava complicado o agendamento junto ao nosocômio de Erechim. Seu pai falou com o prefeito Cleomar sobre o assunto aproximadamente um ano antes da cirurgia, ocasião na qual o réu disse que veria o que poderia fazer. Cleomar esteve em sua casa por ocasião de campanha, mas nada foi mencionado a respeito de cirurgia. Não procurou o posto de saúde durante o ano de 2016, embora acredite seu pai possa ter ido. O genitor de sua namorada é motorista municipal e comentou sobre o restabelecimento da prestação do serviço cirúrgico com vinculação ao hospital de Getúlio Vargas.

Iraci Folador, no mesmo sentido, mencionou ter tido ciência da retomada do atendimento cirúrgico, mas vinculado ao hospital de Getúlio Vargas. Procurou a unidade de saúde e recebeu o encaminhamento necessário, submetendo-se à cirurgia em 23 de setembro de 2016, em Getúlio Vargas, com marcação pelo médico responsável pelo ato. Teve de aguardar aproximadamente três meses entre a consulta e a realização do ato cirúrgico. Não manteve qualquer contato sobre o assunto com o prefeito à época, ora requerido Cleomar.

Evidencia-se que nenhuma das testemunhas relata qualquer promessa prévia de tratamento médico em troca de votos. Igualmente, não se percebe qualquer anormalidade do procedimento de encaminhamento ao serviço de saúde conveniado.

É de notar que o candidato à prefeitura, de fato, utilizava as visitas domiciliares às famílias do município como instrumento de campanha, expediente usual nos pequenos municípios do interior, especialmente em zonas predominantemente rurais, nas quais o alcance de outros instrumento de comunicação é reduzido ou indisponível.

Nesse contexto, todas as testemunhas confirmam que as vistas ocorreram após a perfectibilização do atendimento, mas o candidato em momento algum suscitou o serviço subvencionado pela prefeitura como elemento de promoção eleitoral. Ao contrário, quando eventualmente mencionado, o tema foi trazido pelo próprio eleitor, em narrativa quanto às suas necessidades e condições de saúde.

A atitude do candidato Cleomar João Scandolara, no que consta dos autos, cingiu-se a noticiar a pactuação de um novo convênio e a tecer orientações sobre a busca da unidade de saúde local.

No que concerne à argumentação recursal, do fato de que seus comentários acerca da demanda de Rosa Ester e Eliane Teresinha foram principiados com expressões como “vou ajudar com os exames”, “podemos lhe ajudar”, ou equivalentes, não é possível extrair o uso da máquina pública ou promoção eleitoral, quando não houve pedido, ainda que implícito, de votos, e seguiu-se o singelo apontamento a serviços públicos regularmente prestados pela municipalidade.

De outra banda, à folha 432 constam diversos empenhos referentes a serviços de saúde de outras espécies realizados nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2016. Revela-se, então, que a aventada concentração de atendimentos na iminência das eleições abarcou, em essência, procedimentos cirúrgicos. Tal circunstância se compatibiliza com a noticiada inauguração do novo bloco cirúrgico (fls. 1244, 1085-1086) do Hospital São Roque, em abril de 2016.

Assim, o agendamento daqueles pacientes para os meses de setembro, outubro e novembro não transborda da moldura da normalidade e razoabilidade das práticas administrativas, tendo em conta que a unidade de saúde de destino não é gerida pela municipalidade e conta, outrossim, com alta demanda de atendimentos, pois referência hospitalar para vários municípios daquela região.

Constata-se que o acervo probatório não comprova a natureza abusiva ou o móvel de promoção eleitoral a qualificar as condutas narradas, acertada a decisão recorrida pela improcedência da representação nesse aspecto.

III – Abuso de poder político: convocação de reunião com servidores com função gratificada

Sustenta o recorrente a configuração de abuso de poder político e de autoridade em benefício dos recorridos, mediante a convocação de uma reunião, às vésperas do pleito, por determinação de Cleomar João Scandolara, realizada na Piscina Clube do município, com todos os ocupantes de cargo em comissão da Administração Pública de São Valentim, com o fim de “solicitar apoio” dos servidores e de seus familiares aos candidatos de sua chapa majoritária.

A exordial noticia, ainda, que a servidora Rosângela de Moraes, participante do encontro referido, foi exonerada logo após o pleito, tendo em vista a negativa de apoio político aos candidatos.

In casu, é incontroverso que se realizou reunião na Piscina Clube de São Valentim, no final de setembro de 2016, a qual foi direcionada aos servidores detentores de cargo de confiança no Poder Executivo municipal. Outrossim, não há debate acerca das evidências de que o encontro ocorreu em local particular e fora do horário de trabalho dos servidores.

Tratando-se de reunião direcionada a todos os ocupantes de cargos em comissão e de funções comissionadas sob o comando do gestor municipal, não é plausível a alegação de que o então candidato a prefeito não tivesse tomado conhecimento da realização do ato.

Sobre a imputação em exame, Arnaldo Roberto Putrick, secretário de educação, ouvido em audiência judicial, dispensado de compromisso, declarou que convocou a reunião “para ver se as pessoas estavam dispostas, disponíveis para trabalhar”. Afirmou que todas as pessoas convidadas tinham declarado anterior apoio a Cleomar. Asseverou que Cleomar não pediu para realizar a reunião, a qual consistiu em ideia da coordenação de campanha. Disse que a reunião teve como foco “pessoas com afinidade com o objetivo de eleger o prefeito”. Quanto ao conhecimento de Cleomar sobre o encontro, afirmou que talvez o prefeito soubesse, mas que não pediu para fazer isso.

Por sua vez, os depoimentos dos servidores Jocelei Scatolin, Ledanir Fátima Machado de Azevedo, Luiz Henrique Valentini e Benhur Antônio Beletti não destoam das informações do secretário de governo. Ao contrário, tais testemunhas expõem declarações convergentes quanto à voluntariedade do convite e sobre a inexistência de qualquer forma de constrangimento ou coação. Da mesma forma, são uniformes as afirmações de que havia adesão prévia dos convidados e que o tema do encontro foi o recrutamento de voluntários para atuarem como fiscais de urna do dia da eleição.

Ressalta-se que Jocilei Scatolin afirmou que não prestou nenhuma colaboração no dia da eleição e Benhur Antônio Beletti narrou que sequer compareceu à reunião. No entanto, não há evidência de que qualquer deles tenha sofrido alguma retaliação pelas atitudes tomadas.

No tocante à exoneração da servidora Rosângela de Moraes do cargo de assessora administrativa da creche municipal, igualmente não há elementos concretos a relacionarem a perda do cargo à negativa de atuação em favor da reeleição do prefeito representado.

Ademais, vale lembrar que o alinhamento de posições políticas e técnicas é intrínseco às nomeações e exonerações para cargos em comissão; por essa razão, tais atos administrativos estão expressamente excepcionadas do rol das condutas vedadas em campanha eleitoral, a teor do art. 73, inc. V, da Lei das Eleições.

O caderno probatório, portanto, não comprova que a solenidade visou a coação de agentes públicos para garantia de apoio político, a representar abuso de poder político ou de autoridade.

Dessa forma, correto o juízo de improcedência da representação, pois não caracterizado o abuso de poder político pretendido.

IV – Abuso do poder político e conduta vedada: realização de serviço de terraplanagem em favor de particular, com utilização de maquinário público, com o objetivo de captar votos

A exordial relata que o Secretário de Agricultura e Meio Ambiente, Edgar Regoso, utilizou máquinas da Administração Pública para a execução de serviços de terraplanagem e de limpeza de uma nascente de água, em propriedade particular de Otávio Sarapio, no dia 20 de setembro de 2016, sem qualquer contrapartida financeira por parte do eleitor favorecido, com o fim de cooptar votos em benefício da candidatura de Cleomar João Scandolara, incidindo os recorridos na prática de abuso de poder político e de conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições.

O magistrado recorrido, embora, ao final, tenha julgado improcedente a demanda, entendeu que os fatos capitulados amoldam-se, em realidade, às condutas delineadas no art. 73, inc. IV, daquele diploma.

Transcrevo ambos dispositivos em debate:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[...]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.

Em qualquer das condutas vedadas previstas nos incisos acima transcritos, bem como o abuso do poder político, exige-se que a distribuição gratuita de bens públicos ou serviços sociais seja realizada com finalidade eleitoral, com a intenção de promover o candidato por meio do serviço público ou em seu benefício. Nesse sentido, cito as seguintes decisões:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A conduta vedada no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97 pressupõe a cessão ou utilização de bem público, em benefício de candidato, partido político ou coligação, o que não restou demonstrado na espécie.

2. A constatação de suposto plágio no layout para confecção de material de campanha não comprova sua efetiva cessão pelo Executivo local, sobretudo quando há informação de que as fotos utilizadas foram disponibilizadas no sítio eletrônico da prefeitura.

3. Agravo regimental desprovido

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 8922, Acórdão de 24.11.2015, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 26, Data 05.02.2001, Página 210.)

 

ELEIÇÕES 2012. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO, VEREADOR E ENTÃO PREFEITO. ABUSO DE PODER, CONDUTAS VEDADAS E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

[...]

4. Para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei n. 9.504/97, é necessário que, no momento da distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeada ou subvencionada pelo Poder Público, ocorra o uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação.

[...]

Recursos especiais interpostos no REspe n. 530-67 providos em parte.

Recursos especiais interpostos no REspe n. 531-52 providos.

Ações cautelares julgadas procedentes.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 53067, Acórdão de 07.4.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 02.5.2016, Página 52-54.)

No entanto, a instrução processual não logrou demonstrar o intuito eleitoral das condutas em comento.

Os relatos informativos em juízo de Marilene Ribeiro Paz e de Franciele Cortina, a primeira candidata à vereadora pela coligação adversária aos recorridos e a segunda sua correligionária, ambas dispensadas de compromisso em razão do interesse político, apenas dão lastro à evidência de que os serviços foram efetivamente prestados. É o que se pode extrair, igualmente, das fotografias por elas registradas, constantes às folhas 368-372, as quais, como consignado na sentença, “não contam com data – anotação, diga-se de passagem, sujeita à modulação – nem indicam parâmetro temporal seguro” (fl. 1324v.).

Por sua vez, o beneficiário do serviço Otávio Sarápio Filho, agricultor, ouvido em audiência, afirmou que realizou pedidos para “ajeitar uma fonte de água” para tratamento das parreiras, os quais encaminhou à prefeitura por meio do chefe de obras. Declarou que o trabalho lhe foi prometido para a mesma oportunidade em que o maquinário arrumaria as valetas da estrada em favor de outro morador, “que tinha a mulher doente e não conseguiam ir buscar a mulher para trazer para a saúde”. Disse considerar que “era uma emergência que tinha que ser feita”, pois não poderia trabalhar sem a fonte de água. Esclareceu que nunca assinou nenhum formulário de solicitação e que sabe “de vários prefeitos que já passou, que a água é uma prioridade que não cobram de ninguém” e “ninguém do município que eu sei nunca pagou por esse serviço”, bem como que “todas as vezes que eu precisei de antes, na época de seca, de outros prefeitos, nunca eles me cobraram esse serviço de água, nem para mim, nem para os meus vizinhos”. Enunciou que o serviço teria sido realizado em 20 ou 21 setembro, mas não recorda se era feriado e que sempre procurava o chefe de obra Tebo para pedir os serviços. Assegurou que nunca fez campanhas e nunca pediu benefício para candidatos, sendo que “o candidato que oferecesse benefício lá em casa sairia atropelado”. Por fim, contou que dois dias após um outro serviço houve um desmoronamento de terra, que deixou exposta a sua fossa séptica, da qual emanou um intenso mal cheiro, o que considerou uma situação emergencial para reparos.

Na mesma linha, o agricultor Maico José Bertoldi, arrolado pela defesa, ouvido em juízo, afirmou que todos os anos utiliza os serviços da prefeitura para drenagem, fonte de caimento e reforço da barreira de açude, devido às exigências técnicas com qualidade de água envolvendo a criação de suínos. Asseverou que utiliza vários serviços com máquinas da prefeitura, entre os quais alguns são pagos por hora-máquina e outros são isentos de cobrança por conta de programas de incentivo ao agricultor. Afirmou que fez tais serviços em 2014, 2015 e 2016, sempre a partir de contatos com o secretário de agricultura. Disse que os serviços pagos eram formalizados e retribuídos por boleto bancário; por outro lado, os isentos não eram atestados. Por fim, noticiou que “sem os serviços da prefeitura o pequeno agricultor não trabalha” e que nunca recebeu serviços da prefeitura no final de semana ou feriado, porém já teve auxílio do maquinário público para desatolar um caminhão carregado de suínos durante a madrugada.

Em que pese o raciocínio desenvolvido pelo recorrente, aduzindo que a Administração permitiu o uso do maquinário de forma gratuita, em benefício do candidato à reeleição, não há provas nos autos de que a cedência do maquinário agrícola a eleitores tenha se dado para promover os candidatos recorridos. As testemunhas ouvidas não apontaram qualquer tentativa de cooptação de votos, ou apoio político em troca do serviço prestado.

Deflui dos autos que a prestação dos trabalhos dessa natureza é praxe da atuação administrativa da municipalidade, não se contendo à oportunidade do pleito. Além disso, a atuação encontra-se embasada na Lei Municipal n. 2.126/07 (fls. 1112-1114), a qual estipula diversas hipóteses nas quais o executivo está autorizado a subvencionar parte de serviços de maquinarias em obras e instalações de agroindústrias, galpões e habitações rurais.

O magistrado recorrido bem analisou a prova, merecendo transcrição a sentença no ponto (fl. 1335):

E essa espécie de postura não pode ser considerada novidade aplicada apenas na iminência do pleito eleitoral, o que poderia sugerir ação voltada à obtenção de votos, na medida em que tanto Otávio quanto Maico deixaram claro que a praxe municipal era não cobrar por serviços de máquinas atinentes ao tema de água. Ambos os depoentes revelaram contexto no qual alguns serviços de máquinas eram cobrados, enquanto outros, especialmente vinculados ao fornecimento/obtenção de água, não mereciam contraprestação pecuniária. Maico aduziu que serviços subvencionados, suficientemente especificados no depoimento (o que confere credibilidade ao registrado), lhe foram prestados nos anos e 2014, 2015 e 2016, ou seja, desde épocas nas quais não se cogitava de eleições municipais.

Os demais aspectos pontuados pelo recorrente, quais sejam, a alegada presença do então secretário de obras Edgar Regoso, conhecido como Tebo, supervisionando pessoalmente a obra, e a realização da atividade em dia de feriado (20.9.2016), não denotam, sem outros elementos, o favorecimento irregular de determinado candidato. Em realidade, tais circunstâncias são factíveis com as alegações de defesa quanto às necessidades emergenciais das obras e sobre o proveito do deslocamento de maquinário para mais de uma atividade no mesmo dia.

Na mesma senda, a omissão de quaisquer documentos firmados pelo beneficiário dos serviços, o que somente ocorria quando houvesse retribuição pecuniária à Administração Pública, ainda que questionável na perspectiva gerencial, não se comprovou ancorada em qualquer finalidade eleitoral.

Dessa forma, tratando-se de política pública em execução há anos anteriores e ausente provas de que a cedência gratuita do maquinário tenha se dado para promoção da candidatura dos recorridos, não resta caracterizada a prática de conduta vedada ou de abuso de poder.

V – Abuso do poder político: renúncia à receita decorrente da cobrança de contribuição de melhoria

A petição inicial relata que Cleomar João Scandolara, na condição de prefeito municipal, abusou de seu poder político em proveito eleitoral ao não promover os procedimentos legais pertinentes à cobrança de contribuição de melhoria, embora devidamente realizado o seu fato gerador, qual seja, o asfaltamento de vias urbanas, por meio de obras realizadas no período de campanha eleitoral.

Os documentos acostados com a inicial comprovam que, de fato, a Prefeitura Municipal de São Valentim executou a pavimentação asfáltica de determinados logradouros locais nos meses de julho, agosto e setembro de 2016, conforme admitido pelos próprios recorridos.

Igualmente, é incontroverso que a Fazenda Municipal não principiou nenhum procedimento prévio tendente a cobrança de contribuição de melhoria resultante da valorização dos imóveis em razão da obra pública.

As contrarrazões veiculam a alegação de que as ruas agraciadas com a obra pública encontravam-se pavimentadas com pedras irregulares desde muitos anos. Em razão disso, afirma que, tendo por base a Informação n. 1887 da “Delegações de Prefeituras Municipais Ltda.” (fls. 1204-1206), fundamentada em precedente do STF, o gestor municipal concluiu que o asfaltamento de vias anteriormente pavimentadas com pedras irregulares representa “manutenção do calçamento existente”, e não uma obra nova de pavimentação”, tal como prevê a legislação instituidora do tributo, não havendo, assim, efetivo fato gerador da exação.

Oportuno considerar que a “Delegações de Prefeituras Municipais Ltda.” é uma entidade privada de prestação de consultoria jurídica, administrativa e contábil para os municípios. Portanto o aludido parecer não é emanado de órgão público nem ostenta autoridade para vincular a atuação da prefeitura. No entanto, essa circunstância não é bastante para impedir que a conclusão jurídica nela exposta seja utilizada pelo Chefe de Executivo local para nortear a sua apreciação do Direito relativo às suas atribuições legais.

Consoante bem pontuado na decisão combatida, o entendimento jurídico foi, do mesmo modo, adotado por gestões pretéritas do município, fragilizando a configuração do desvio de poder para fins eleitorais (fl. 1340):

Proceder dessa forma, ademais, era praxe no município. O asfaltamento da Avenida Castelo Branco e da Rua Osvaldo Telló, realizado por ação da administração pretérita à do requerido Cleomar, também não foi precedido de editais, nem implicou cobrança de contribuição de melhoria, conforme deflui dos documentos acostados nas fls. 1119/1156, 1194 e 1207/1208. Anota-se inexistir controvérsia acerca da pavimentação das vias em comento, fato, ainda, confirmado pela prova oral. Essa conjuntura reforça a convicção de que não é possível falar em agir iluminado por má-fé, interesse escuso de cunho eleitoral por parte do demandado Cleomar na hipótese.

Assim, se o administrador público condicionou a sua ação a imposições de base jurídica, as quais acredita se conformarem à situação fática, seguindo experiências de gestões pregressas, não há de se cogitar em ação ou omissão dolosa guiado por escopos ilícitos.

Seguindo além, os autos não demonstram o nexo eleitoral da ação, essencial à configuração do abuso de poder político.

Decerto, a opção administrativa de realização das referidas obras quando em curso o período de campanha é elemento indiciário da utilização do aparelhamento estatal com desvio de poder, visando benefício eleitoral. Contudo, a instrução resultou carente de outros elementos objetivos ao aperfeiçoamento dessa prova.

Não há quaisquer elementos concretos sobre a imputada exploração eleitoral da ação: seja por meio da divulgação de propagandas do candidato e suas realizações; ou, de maneira velada, na veiculação de informações interesse público pela imprensa local; seja, então, por qualquer modo de anúncio público relativo à negativa de cobrança da espécie tributária.

Ainda que se caracterize a aventada transgressão às normas tributárias e aos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal, tal fato, por si só, não configura o abuso de poder político ou econômico, se despido de escorreita prova do liame finalístico de afetar o resultado do pleito e da utilização em benefício de determinado candidato.

Dessarte, mais uma vez, o demandante não conseguiu demonstrar o nexo entre as condutas cogitadas por irregulares e o pleito.

Conforme alhures embasado, simples presunções e ilações não concedem segurança e certeza para uma condenação tal como pretendida, devendo ser mantida a decisão de improcedência também quanto ao fato em análise.

Como se verifica, não evidenciadas as condutas ilícitas, deve ser mantido o juízo de total improcedência da ação.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso.