RE - 63475 - Sessão: 21/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RICARDO DE JESUS RAIMUNDO, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Rolante, contra sentença do Juízo da 55ª Zona Eleitoral - Taquara (fls. 52-53) que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, em face de depósitos bancários em espécie na conta da campanha eleitoral, nos valores de R$ 4.444,00 e R$ 1.213,24, em desacordo com o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, bem como determinou a restituição de R$ 3.379,90 ao doador, e a transferência de R$ 149,14 ao Tesouro Nacional.

Em suas razões (fls. 55-61), o recorrente alega que a violação do mencionado disposto da resolução não pode ser sancionada com desaprovação das contas, mas apenas com determinação de devolução do valor excedente ao doador. Afirma a impossibilidade de realização de transferência eletrônica em razão de greve geral do sistema bancário nas datas dos depósitos. Argumenta que as falhas apontadas são puramente formais e irrelevantes, não comprometendo a regularidade das contas. Postula a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Requer a admissão e o provimento do recurso para aprovação das contas sem devolução dos valores ou aprovação com ressalvas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela determinação, de ofício, do recolhimento de R$ 5.657,24 ao Tesouro Nacional, e, em caso de entendimento diverso, pela manutenção da determinação de recolhimento dos valores apontados na sentença, ambos ao Tesouro Nacional (fls. 75-80).

Foi oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre o requerimento ministerial relativo ao recolhimento de valores, prazo que transcorreu in albis.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

O mérito do recurso envolve a análise de dois valores depositados em conta de campanha e da necessidade de devolução ao doador ou recolhimento ao Tesouro Nacional do montante ou do saldo que excedeu ao limite legal. Tratam-se dos depósitos de R$ 4.444,00, realizado em 29.9.2016 (fl. 10), e de R$ 1.213,24, efetuado em 05.10.2016 (fl. 11).

A contabilidade aqui analisada restou desaprovada em razão da constatação dos mencionados depósitos bancários em espécie na conta de campanha do candidato, em afronta ao contido no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que dispõe:

Art. 18 As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Tal norma, ao estabelecer a obrigatoriedade de que as doações financeiras superiores a R$ 1.064,10 sejam realizadas por transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, visa garantir a transparência na arrecadação de recursos para a campanha eleitoral.

Se, por outro meio, o candidato lograr êxito em demonstrar a captação lícita de recursos, tem-se por atendido o objetivo da regra. Nessa perspectiva, esta Corte tem flexibilizado o rigor do dispositivo supramencionado ao aceitar como válidos recibos bancários que demonstrem a simultaneidade do débito na conta-corrente da pessoa física com o crédito na conta de campanha, extratos que indiquem o número do CPF do depositário com clareza, ou mesmo declarações das instituições bancárias atestando o procedimento realizado por ocasião da doação.

No caso em apreço, assim concluiu a decisão recorrida:

Não havendo como identificar o doador no tocante ao depósito efetuado em 5.10.2016, deve a doação excedente ser transferida ao Tesouro Nacional, na forma estabelecida pelo art. 26 da já referida resolução, restituindo-se o excedente do depósito datado de 29.9.2016.

Houvesse o candidato comprovado a impossibilidade de utilização da transferência eletrônica ou até em caso de efetiva urgência, a justificativa poderia ser acolhida.

Sem comprovação, há vedação de utilização, sendo caso, assim, de acolher os pareceres da equipe técnica e do Ministério Público Eleitoral, desaprovando as contas apresentadas.

III) Dispositivo

Diante do exposto, julgo DESAPROVADAS as contas de RICARDO DE JESUS RAIMUNDO, com fundamento no art. 68, inciso III, da Resolução TSE n. 23.463/2015, determinando:

a) a restituição de R$ 3.379,90 (três mil trezentos e setenta e nove reais e noventa centavos) ao doador, cujo comprovante deverá ser apresentado em até 5 (cinco) dias úteis após o trânsito em julgado;

b) a transferência de R$ 149,14 (cento e quarenta e nove reais e quatorze centavos) ao Tesouro Nacional, cujo comprovante deverá ser apresentado em até 5 (cinco) dias úteis após o trânsito em julgado.

Como se percebe, o juízo a quo considerou que o depósito realizado em 05.10.2016 não teve sua origem identificada, e acolheu o parecer técnico (fls. 48-49) que atesta a possibilidade de identificação da origem dos recursos depositados em 29.10.2016:

O candidato realizou depósitos (29.9.2016 e 05.10.2016) em desacordo com o disposto no art. 18, § 1º da Resolução TSE n. 23.463/15. No primeiro caso – 29.9.2016 – foi possível identificar a origem do recurso ao analisar o extrato disponibilizado no sistema ODIN. No segundo caso, os extratos disponibilizados pelo sistema ODIN não abrangem o período do depósito, razão por que não foi possível aferir a origem do recurso.

Ocorre que os precedentes desta corte têm consignado que, identificado o depositante – no caso, o próprio candidato –, descabe a determinação de restituição ao doador, uma vez que se confundiriam as figuras do pagador e do beneficiário, restando inócua e sem eficácia a prática da regra jurídica.

Ilustro tal entendimento colacionando a decisão proferida no RE 203-27, julgado em 18.4.2017, cujo relator do acórdão foi o Des. Carlos Cini Marchionatti:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Doação em espécie. Depósito bancário. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Doação realizada pelo candidato para a própria campanha, dentro do limite legal estabelecido para eleição municipal, mediante depósito bancário na conta específica. Identificada a fonte de financiamento da campanha eleitoral, resta atendida a finalidade da norma. Contas aprovadas.

Provimento.

Assim, nesta parte, deve ser dado provimento ao recurso para afastar a determinação de restituição de R$ 3.379,90 (três mil trezentos e setenta e nove reais e noventa centavos) ao doador.

Quanto aos valores depositados em 05.10.2016, apesar da afirmação de que corresponderiam a recursos próprios, o recorrente não logrou êxito em carrear aos autos prova segura de que o numerário que aportou na conta de campanha teve como origem a pessoa do candidato.

O prestador justifica a impossibilidade de realização de transferência eletrônica em razão de greve geral do sistema bancário nas datas dos depósitos.

Ocorre que a paralisação dos serviços bancários não dispensa o candidato da observação das normas que disciplinam a arrecadação e os gastos de recursos em campanhas eleitorais.

A eventual urgência do candidato em contar com recursos financeiros para o pagamento das despesas da campanha não é argumento que legitime a não observância dos procedimentos formais, os quais visam coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

Nessa linha, e considerando a abrangência nacional do movimento paredista, esta Corte já enfrentou alegação similar no julgamento do RE 423-11, ocorrido 23.5.2016. Em prestígio do precedente, colaciono as razões consignadas naquela ocasião no voto proferido pelo Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura:

Eventual paralisação dos serviços bancários não eximiria o candidato do cumprimento da norma nas circunstâncias. No ponto, bem analisou o magistrado a quo:

Como asseverado pela análise técnica e pelo agente do Ministério Público, a realização de transferências eletrônicas pode ser realizadas por diversos meios, seja por meio do Caixa Eletrônico, Internet, telefone e aplicativos dos bancos de Smartphone, todos estes independente da mobilização dos trabalhadores do setor bancário, de forma que o argumento de greve bancária não se sustenta, uma vez que grande parte dos candidatos eleitos conseguiu realizar regularmente suas movimentações de campanha, conforme pode constatar este Juízo até o presente momento.

Não bastasse o caráter persuasivo contido em tal precedente, o disposto no art. 926 do Código de Processo Civil de 2015, que recomenda a uniformização da jurisprudência dos tribunais para mantê-la estável, íntegra e coerente, aconselha a mesma solução para este caso, sobretudo porque não se evidencia nenhum elemento que diferencie o caso dos autos daquele anteriormente apreciado.

Ainda no exame das teses recursais, passo ao enfrentamento do argumento de que a violação do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, não pode ser sancionada com desaprovação das contas, mas apenas com determinação de devolução do valor excedente ao doador.

Equivoca-se o recorrente ao afirmar que a falha administrativa só conduz à restituição de valores, visto que o art. 68, inc. III, do referido diploma normativo dispõe que a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo pela desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam sua regularidade.

No caso que se examina, a falha apurada – depósito em espécie, no montante de R$ 1.213,24 – compromete a regularidade das contas, pois é grave e corresponde a 16,36% do total de receitas arrecadadas pelo prestador (R$ 7.416,02).

Registro, no mesmo sentido, que tal percentual não se qualifica como irrelevante no conjunto das contas para permitir a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por fim, verifico que a sanção imposta ao candidato consiste na transferência de R$ 149,14 (cento e quarenta e nove reais e quatorze centavos) ao Tesouro Nacional, o que representa a parcela do valor doado superior a R$ 1.064,10.

Embora esta Corte venha determinando a transferência do total dos valores objeto da irregularidade, e não apenas do excedente, não se mostra viável a modificação dessa parte da decisão nesta instância, como requer a Procuradoria Regional Eleitoral, em face da vedação de reformatio in pejus, dado que a intenção do recorrente é melhorar a sua situação jurídica no feito, e não agravá-la.

No caso concreto, não houve omissão do juízo a quo em aplicar o disposto no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15, que trata de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, mas sim uma interpretação judicial sobre o referido dispositivo legal, conclusão que não foi atacada pela via do recurso cabível.

Houvesse omissão quanto ao referido apenamento, poderia cogitar-se em nulidade do decisum, situação que inocorre na espécie.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto apenas para afastar a determinação de restituição de R$ 3.379,90 (três mil trezentos e setenta e nove reais e noventa centavos) ao doador, mantendo a desaprovação das contas de RICARDO DE JESUS RAIMUNDO, relativas às eleições municipais de 2016, e a determinação de recolhimento de R$ 149,14 ao Tesouro Nacional.