RE - 30644 - Sessão: 29/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por GISLAINE DA SILVA BRUM, eleita vereadora do Município de Itaqui nas Eleições 2016, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) DE ITAQUI e PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) DE ITAQUI contra sentença que julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em desfavor da primeira recorrente, para o fim de condená-la às sanções de cassação do diploma, declaração de inelegibilidade e aplicação de multa, no valor equivalente a 5.000 (cinco mil) UFIRs, por prática de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio, condutas previstas no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Na sentença, foi concedida a tutela provisória requerida na inicial para determinar a imediata cassação do diploma expedido pela Justiça Eleitoral (fls. 244-248), comando que restou anulado por esta Corte no julgamento do MS n. 0600012-78, de minha relatoria, na sessão de 06.4.2017, em que foi concedida a segurança pretendida para atribuir efeito suspensivo ao recurso ora interposto.

Em suas razões, GISLAINE DA SILVA BRUM (fls. 251-278) argui as preliminares de: a) cerceamento de defesa e ofensa ao contraditório, em face do indeferimento da impugnação à degravação e à gravação de áudio que acompanham a petição inicial; b) preclusão, pois o disposto no art. 41-A da Lei das Eleições somente incide sobre fatos ocorridos desde o registro de candidatura, e a cessão do imóvel discutida nos autos é anterior ao seu pedido de registro como candidata nas Eleições 2016. Sustenta, ainda, a nulidade da sentença, porque a aplicação da pena de inelegibilidade prevista no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90 foi realizada sem suporte fático e amparo legal. Ainda no mérito, refere que, no ano de 2007, sua família adquiriu um prédio que posteriormente foi cedido por seu falecido marido à Associação do Bairro 24 de Maio, para servir como sede desta, e que o presidente da entidade cedeu duas salas do prédio para o funcionamento do posto de atendimento médico local. Relata exercer a vereança desde 2004 e afirma ser inverídica a tese acusatória de que, desde o início de sua legislatura, adquiriu, cedeu e manteve o funcionamento do posto de atendimento médico no imóvel de sua propriedade a fim de angariar votos. Assevera que o pagamento das contas de água e de luz do imóvel era realizado pela associação, ao passo que a limpeza e o material de expediente eram fornecidos pela administração municipal. Assegura nunca ter pedido votos ou desferido ameaças a pretexto de fechar o posto médico, e que as denúncias anônimas apresentadas com a inicial foram realizadas por seus adversários políticos. Quanto à entrevista concedida à emissora de rádio local, defende ter apenas expressado sua insatisfação com a valoração do trabalho realizado em prol da comunidade, e que sua situação financeira e a frustração pela crença no insucesso na eleição provocaram um discurso equivocado, no qual mencionou a ingratidão da população. Aponta ter retomado o imóvel em virtude de dificuldades financeiras, e afirma ter procurado a prefeitura municipal e a associação de moradores a fim de receber aluguel pela cessão antes de tomar qualquer decisão. Alega a ausência de desequilíbrio do pleito e de ofensa aos bens jurídicos tutelados relativamente aos fatos narrados na inicial. Requer o provimento do recurso ou, alternativamente, a redução do valor da multa fixada na sentença.

O PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) e o PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), ambos de Itaqui, recorrem sustentando sua condição de terceiros prejudicados, defendendo que os votos atribuídos à candidata devem ser considerados inválidos, com o intuito de ser determinado o recálculo do quociente partidário, circunstância que aproveitará à coligação que formaram para o pleito (fls.279-293).

Em contrarrazões (fls. 315-326), o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL suscitou a preliminar de não conhecimento do recurso interposto pelas agremiações partidárias, por ausência de interesse jurídico e de legitimidade, e postulou o desprovimento da irresignação da candidata.

Oferecidas as contrarrazões por GISLAINE DA SILVA BRUM (fls. 335-343), os autos foram remetidos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento dos recursos (fls. 348-361-v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

1. Preliminares de não conhecimento do recurso interposto pelos partidos PDT de Itaqui e PSDB de Itaqui

Merece ser analisada, inicialmente, a preliminar arguída nas contrarrazões ministeriais, de não conhecimento do recurso interposto pelos partidos PDT e PSDB, ambos de Itaqui.

Conforme apontado pelo Parquet Eleitoral às fls. 324-326, as legendas recorrentes, embora não sendo partes no feito, recorrem buscando a modificação do dispositivo da sentença, a fim de que seja reconhecida a anulação dos votos obtidos pela candidata Gislaine da Silva Brum e, por conseguinte, realizado novo cálculo do quociente partidário.

No entanto, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, os votos conferidos a candidato eleito e eventualmente condenado à pena de cassação do registro ou do diploma devem ser computados para a coligação pela qual concorreu, devendo-se empossar o primeiro suplente desta, sendo inviável a determinação de recálculo de quociente.

Eventuais efeitos da decisão do presente processo poderiam atingir apenas os interesses dos partidos adversários da agremiação pela qual concorreu a candidata no plano dos fatos, jamais na esfera jurídica dos recorrentes, merecendo transcrição o seguinte excerto da manifestação ministerial de primeiro grau (fls.324-325):

O terceiro prejudicado pode ser entendido como aquele que tem interesse jurídico em impugnar a decisão, isto é, aquele que poderia ter ingressado no processo como assistente simples ou litisconsorcial, de modo que poderá atuar apenas para coadjuvar a parte assistida, pelo que não poderá defender direito próprio que exclua o dos litigantes.

(...)

Segundo o TSE, apenas o terceiro juridicamente interessado pode apresentar recurso como tal, não se admitindo a intervenção do terceiro faticamente interessado. Neste sentido:

 

'AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CAUTELAR. LIMINAR. DEFERIMENTO. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ORDINÁRIO. CASSAÇÃO. DEPUTADO DISTRITAL. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER. RECURSO. SUPLENTE. INTERESSE JURÍDICO. INEXISTÊNCIA.

1. O suplente que não figurou no processo principal, nem mesmo na qualidade de assistente simples, não tem legitimidade para interpor, isoladamente, agravo regimental de decisão que deferiu liminar em ação cautelar em favor de deputado distrital cassado em sede de AIJE.

2. A lei condiciona o recurso de terceiro prejudicado à demonstração do nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial (§ 1º do art. 499, CPC), interesse esse que deve retratar o prejuízo jurídico advindo da decisão judicial, e não somente o prejuízo de fato.

3. Agravo regimental não conhecido.

(TSE, Ação Cautelar n. 82030, Acórdão, Relator Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Data 01.8.2011, Página 201.)'

 

O interesse jurídico aqui exigido é o mesmo que autoriza a intervenção do assistente. “O terceiro só se legitima a recorrer quando, ainda não tendo adentrado o processo, exerça na inconformidade, o papel destinado ao assistente, simples ou litisconsorcial, da parte vencida” (AC. un. da 12a Câm. Esp. do 1oTACivSP de 25.10.1994, na AP. 561.069-1, rel. Juiz Matheus Pontes).

Sobre o assunto:

'Agravo regimental. Assistência. Ilegitimidade.

1. Consoante jurisprudência pacífica do Tribunal, o assistente simples não possui legitimidade para interpor recurso, de forma autônoma, se a parte assistida não recorreu da decisão.

2. O segundo colocado em eleição majoritária não detém legitimidade para interpor recurso, na condição de terceiro prejudicado, porquanto não há interesse jurídico próprio na reforma da decisão que dá provimento a agravo de instrumento interposto pelo prefeito e vice, cassados em ação de investigação judicial eleitoral proposta pelo Ministério Público Eleitoral.

3. O interesse do segundo colocado em assumir o cargo de prefeito consiste em interesse de fato, pois a esfera jurídica que está em jogo é a do prefeito e do vice, que serão atingidos diretamente pelo resultado do processo.

Agravos regimentais não conhecidos.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 105883, Acórdão, Relator Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Tomo 50, Data 15.03.2011, Página 12-13.)'

 

Segundo Moacyr Amaral Santos (in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, p. 94), são três as condições que legitimam o terceiro a um recurso:

“a) que haja sido estranho à relação processual como parte, ou que tivesse se tornado estranho a ela no momento do proferimento do ato decisório, ainda que pudesse ter intervido no processo como assistente ou terceiro interveniente;

b) que o interesse do terceiro, devidamente demonstrado, resulte de um nexo de interdependência com a relação jurídica submetida à apreciação judicial; c) que do ato decisório impugnável haja advindo algum prejuízo”.

 

Assim, considerando que, do exame das razões recursais, verifica-se não estarem presentes os requisitos necessários para a demonstração do interesse jurídico, o qual legitima eventuais terceiros a impugnarem a sentença, impõe-se o não conhecimento do recurso com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC.

Nesses termos, acolho a preliminar suscitada nas contrarrazões ministeriais e não conheço do recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) DE ITAQUI e PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) DE ITAQUI.

 

2. Recurso interposto por Gislaine Da Silva Brum

 

Passo ao exame do recurso interposto por GISLAINE DA SILVA BRUM, a iniciar pela matéria prefacial suscitada pela recorrente.

 

a) Preliminares de cerceamento de defesa, de ofensa ao contraditório, e de preclusão quanto à incidência do art. 41-A da Lei das Eleições

 

As preliminares de cerceamento de defesa e ofensa ao contraditório, em face do indeferimento da impugnação à degravação e à gravação de áudio que acompanham a petição inicial, bem como de preclusão, ao argumento de que os fatos não caracterizam a infração prevista no art. 41-A da Lei das Eleições porque são anteriores ao registro de candidatura, foram devidamente afastadas pela sentença recorrida, merecendo rejeição por idênticos fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (fls. 244v.-245)

Preliminarmente, requer a defesa a decretação da ilicitude da degravação juntada na inicial, sob o fundamento de desrespeito a ampla defesa e ao contraditório. Não prospera a referida preliminar. A prova que instruiu a inicial não foi discutida em sede de resposta, precluindo, portanto, a possibilidade de impugnação por parte da defesa, que o fez apenas ao final da audiência instrutória. Ademais, trata-se de transcrição integral e fidedigna de entrevista concedida voluntariamente pela candidata a uma rádio local - entrevista, esta, de cunho notório - cuja mídia foi anexada aos autos (art. 408, §1o da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral). A identidade das partes ou a veracidade do seu conteúdo não foram, em momento algum, contestadas pela defesa, que sequer produziu provas nesse sentido, não restando qualquer indício de ilicitude na prova produzida. Rejeito, pois, a referida preliminar.

 

Alega a defesa, ainda, em sede de prejudicial de mérito, a preclusão do direito invocado, porquanto os fatos narrados e discutidos nos autos seriam anteriores ao registro de candidatura, contrariando o período disposto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Da mesma forma, não merece guarida a tese levantada pela defesa, senão vejamos. A captação ilícita de sufrágio visa combater os eventuais desequilíbrios ocorridos entre o registro de candidatura e o dia da eleição. O fato de a candidata manter o posto de atendimento médico desde o ano de 2007 em nada impede que o ilícito tenha ocorrido e se perpetrado durante o período eleitoral de 2016. Os fatos narrados na inicial indicam a continuidade do abuso do poder econômico, abuso este que se intensificou durante o período de campanha eleitoral, quando a candidata se valeu da situação de ser proprietária do prédio onde funcionava o atendimento comunitário para arregimentar eleitores e coagi-los a votar em seu favor. Assim, estando a inicial fundamentada em ilícitos praticados durante o período eleitoral de 2016, não há que se falar em preclusão da inicial. Rejeito, portanto, a referida prejudicial de mérito.

 

Conforme bem concluiu o magistrado a quo, o conteúdo da gravação que acompanha a inicial (entrevista concedida pela candidata a uma emissora de rádio) em momento algum foi contraditado pela defesa, sendo descabido o pedido impugnatório sem demonstração de indícios de ilicitude da prova.

Além disso, durante a tramitação do feito, foi possibilitado à ora recorrente oferecer a mais ampla defesa no intuito de refutar as alegações da inicial, com garantia de todas as interações que o contraditório atual, compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo, permite aos litigantes, não havendo qualquer nulidade por ato de cerceamento.

Também merece ser afastada a tese de preclusão de incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, pois a hipótese fática descrita pelo Ministério Público Eleitoral caracteriza, ao menos em tese, a prática de captação ilícita de sufrágio mediante atos que iniciaram antes do registro de candidatura e se perpetuaram durante o período de campanha, circunstância que demanda exame acurado da prova produzida durante a instrução, a fim de verificar a efetiva ocorrência dos fatos.

 

b) Nulidade da sentença por ausência de fundamentos para a aplicação da inelegibilidade prevista no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90

De igual modo, não merece acolhida a alegação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação para a aplicação da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 22, inc. XIV, da Lei de Inelegibilidades.

A petição inicial é clara ao suscitar a prática de captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder político, fundamentando-se as alegações no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90, requerendo, expressamente, a condenação da candidata à penalidade prevista no inc. XIV, do art. 22, desta lei.

A decisão recorrida está devidamente fundamentada, sendo por demais consistentes e coerentes as razões de decidir; não há qualquer vício, error in procedendo ou in judicando que dê azo à nulidade pretendida.

Ante o exposto, afasto as preliminares arguidas pela recorrente.

c) Mérito

A vereadora GISLAINE DA SILVA BRUM, reeleita nas eleições municipais 2016, foi condenada à cassação do diploma, à inelegibilidade e ao pagamento de multa por prática de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio, mediante cedência de imóvel de sua propriedade, a título gratuito, para a ssociação de moradores do bairro 24 de Maio, e o Presidente repassou duas (2) salas para funcionamento de um posto de atendimento médico no Município de Itaqui, segudo afirmado, em troca de votos.

Transcrevo os dispositivos considerados violados pela decisão recorrida:

Lei n. 9.504/97

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei n. 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

LC n. 64/90

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010.)

 

Na hipótese em tela, o juízo a quo concluiu restar comprovado que, durante a campanha eleitoral de 2016, a candidata utilizou tal circunstância, a cedência gratuita de imóvel para funcionamento de posto médico, para angariar o voto dos eleitores, quebrando a isonomia entre os candidatos ao pleito e maculando a legitimidade de sua reeleição como vereadora.

O principal fato que desencadeou o ajuizamento da ação foi a entrevista concedida pela candidata à emissora de rádio Cruzeiro do Sul, no dia 07 de outubro de 2016; poucos dias após as eleições, mas antes do julgamento dos recursos interpostos contra o indeferimento de registros de candidatos que concorreram por sua agremiação e coligação partidárias.

Na ocasião da entrevista, acreditando não ter logrado êxito na reeleição como vereadora, a candidata proferiu discurso em que afirmou não precisar manter a cedência do imóvel, pois não teve o reconhecimento dos moradores do bairro. Porém, julgados os recursos e calculado o quociente eleitoral e partidário, a candidata restou vitoriosa, fazendo jus a uma cadeira no Parlamento Municipal por meio dos votos obtidos no pleito.

Transcrevo o trecho da entrevista citado pela sentença para fundamentar a condenação:

Na verdade assim, Ferreirinha, nós temos desde o nosso primeiro mandato, nós temos um posto médico que funciona, nós tivemos o cuidado de comprarmos o terreno, construímos o local, mantemos até o dia de hoje com o pagamento de água e luz, sempre fizemos isso. Eu tive uma decepção muito grande com os moradores, porque fomos pras urnas, nós fomos contar e nós não tivemos o retorno nesse sentido. (fl. 241)

O bairro, a comunidade disse não pra mim na urna, então eu não preciso manter algo que eu não tenho o reconhecimento, né [...]. (fl. 241)

Meu trabalho ali dentro do bairro 24 de maio encerrou no dia 02 de outubro, com o não que eles me deram. (fl. 241-v.)

Eu tomo isso como decepção, a comunidade que me disse não e não me quer mais, então eu estou me retirando do bairro. (fl. 241-v.)

[...] mas eu preciso cuidar de mim agora, preciso fazer o que é melhor pra mim, e recomeçar um outro trabalho, em um outro bairro, para que eu possa ter essa recompensa em outros lugares, que possa ser reconhecida em outros bairros. (fl. 242)

[...] não, não é pena, isso é ingratidão. (fl. 242)

 

O áudio e a degravação completa constam às fls. 20-23-v. e, embora a recorrente tenha alegado que sua juntada caracterizou cerceamento de defesa, não há qualquer indício de que a prova tenha sido adulterada, mormente considerado o caráter público da manifestação.

A fala da candidata teve ampla repercussão no cenário municipal e foi objeto de matéria jornalística tratando do seu conteúdo, acostada à fl. 34.

Observa-se que, durante a instrução, muito se discutiu sobre quem efetivamente arcava com as contas de consumo do posto médico relativas a água, luz e ao material de expediente. Foi produzida abastada prova sobre a questão por ambas as partes, pois a acusação intentou demonstrar que todos os gastos do local eram custeados pela candidata, ao passo que a defesa afirmou receber da associação do bairro o ressarcimento dos valores necessários à manutenção do local.

Destaco, quanto a essas despesas, que as contas acostadas às fls. 27-65 demonstram que, em razão do baixo valor, as faturas não eram emitidas todos os meses, porquanto o custo médio total era de R$ 36,00.

Contudo, a controvérsia sobre a responsabilidade pelo pagamento das contas do imóvel é desnecessária à apuração dos ilícitos eleitorais pertinentes à captação ilícita de sufrágio e ao abuso de poder econômico, pois, para a caracterização do abuso do poder econômico, desimporta a origem dos recursos, configurando-se o ilícito no aporte de recursos de caráter privado ou público (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5ª. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 559).

Referidas infrações prescindem de verificação dos pormenores da negociação que envolveu a cedência do imóvel de propriedade da família da candidata para funcionamento do posto médico, se o comodado era regular ou não, assim como dos detalhes sobre ter sido acordada a cedência direta à administração municipal ou por intermédio da associação de bairro.

Para a Justiça Eleitoral, é suficiente à apuração da ilicitude a comprovação da utilização de eventual benefício como moeda para oferecer aos eleitores em troca de votos, fato que pode configurar a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei das Eleições e, a depender da gravidade das circunstâncias que o caracterizam, abuso de poder econômico, na forma do art. 22, caput, e inc. XVI, da Lei de Inelegibilidades.

No caso dos autos, todavia, não houve produção de prova nessa direção.

Efetivamente, restou comprovado que a vereadora Gislaine da Silva Brum, durante a campanha eleitoral de 2016, na qual concorria à reeleição, manteve a cedência, a título gratuito, iniciada no ano de 2007, de um imóvel de sua propriedade, para funcionamento de um posto de atendimento médico no Bairro 24 de Maio do Município de Itaqui, local que também serviu de sede para a associação de moradores do bairro.

O comodato do imóvel foi realizado sem contrato escrito, com o aval da prefeitura. Segundo informou a Secretaria Municipal da Saúde de Itaqui, em memorando acostado à fl. 27, a propriedade do prédio em que funcionava o posto de saúde era da família de Gislaine Brum, o qual foi cedido para a Associação do Bairro 24 de Maio.

O órgão relatou que a associação, há mais de dez anos, tratou verbalmente com a gestão anterior a cedência do local, sem ônus para a Secretaria da Saúde, mas que tal concessão foi encerrada em 06 de outubro de 2016, em razão da retomada do imóvel pela recorrente Gislaine; segundo ela, por não ter sido reeleita.

Em face desse acontecimento, o local foi efetivamente fechado em outubro de 2016, reabrindo no mês seguinte, novembro, em novo endereço.

A questão posta nos autos – o encerramento da cedência de imóvel privado utilizado pela administração pública para serviço de saúde, em decorrência da derrota na eleição – é bastante peculiar e demanda reflexão sobre os bens jurídicos protegidos pelo art. 41-A da Lei das Eleições e art. 22 da Lei de Inelegibilidades.

Conforme ensina Jairo Gomes, a captação ilícita de sufrágio é modalidade de abuso de poder, tomada essa expressão em sentido genérico, pois o conceito de abuso de poder pode plasmar-se a diferentes situações concretas e ensejar efeitos diversos (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 864).

Especificamente quanto à compra do voto de eleitores, cumpre transcrever a lição do ilustre doutrinador ao estabelecer a necessidade de uma relação de troca para caracterização da ilicitude, elemento que não restou evidenciado no caso em apreço:

Compra de voto – o pedido ou a solicitação de apoio político em troca de bens ou vantagens de qualquer natureza deve ser evidenciado de maneira inequívoca. Entretanto, não é preciso que haja “pedido expresso de voto” por parte do candidato. Tal exigência, além de não constar na regra em apreço, certamente acarretaria seu esvaziamento, tornando-a inócua.

(…)

Quanto à natureza, o bem ou a vantagem há de ser “pessoal”, ainda que a oferta seja pública ou coletiva. Deve referir-se a prestação situada na esfera privada do eleitor, de sorte a carrear-lhe benefício individual. Mas a exegese dessa cláusula é algo alargada, podendo o proveito ou a dádiva ser endereçado à pessoa ligada ao eleitor. Assim, por exemplo, se candidato fizer promessa – em troca de voto – de fornecer material de construção a parente ou familiar de alguém, estará configurada a situação fática prevista no artigo 41-A da LE. O benefício aí é indireto.

A promessa de implementação, manutenção ou conclusão de serviço ou obra públicos não caracteriza a hipótese em apreço. Situa-se, antes, na explanação do plano de governo, caso eleito o candidato. Entretanto, poderá configurá-la se for feita a determinados membros da comunidade, de sorte a carrear-lhes proveito individual, já que a pluralidade de destinatários “não desfigura a prática da ilicitude […]” (TSE – REspe no 21.120/ES – DJ, v. 1, 17.10.2003, p. 132). Somente a análise das circunstâncias do caso concreto é que permitirá distinguir uma situação da outra.

Certo é que a promessa ou oferta deve ser específica e endereçada a alguém ou a um grupo determinado de eleitores, pois, se for genérica ou vaga, não se encaixa na moldura do artigo 41-A da LE. Nesse caso, mais se assemelha a “promessa de campanha”, feita de forma geral e indiscriminada, sem aptidão para corromper ou vincular os destinatários.

(GOMES, op. cit. p. 865)

 

A expressão abuso de poder econômico, por sua vez, deve ser compreendida como a concretização de ações que denotem mau uso de situações jurídicas ou direitos e, assim, de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, revelando a existência de exorbitância, desbordamento ou excesso no exercício dos respectivos direitos e no emprego de recursos.

Além disso, enquanto o art. 41-A da Lei das Eleições tutela a liberdade de voto do eleitor, o art. 22 da Lei de Inelegibilidades protege a higidez das eleições. Nesse sentido, reza o parágrafo único do art. 19 da Lei Complementar n. 64/90 que a apuração e a punição “terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Na hipótese dos autos, todavia, não foi produzida nenhuma prova no sentido de que, durante a eleição, a candidata valera-se do fato de possuir um imóvel, cedido em benefício da comunidade, seja para a associação de moradores, seja para funcionamento de um posto médico, em troca do voto dos eleitores, vinculando essa circunstância e seu inegável benefício à candidatura que pleiteava na eleição.

Ou seja, além da entrevista na qual a candidata mencionou a ingratidão da comunidade e a decisão de retomada do imóvel devido ao resultado da eleição, não há prova mínima de que esse fato foi utilizado, durante a campanha, para praticar abuso de poder econômico ou captação de sufrágio.

Após as eleições, o Ministério Público Eleitoral recebeu uma ligação anônima e três denúncias escritas, todas nos mesmos moldes, as quais narraram que a retomada do imóvel foi realizada pela candidata para comprovar as ameaças que teria desferido durante a campanha; mas essa prova temerária é por demais fraca para amparar o juízo condenatório e o consequente afastamento de candidato eleito pelo voto popular (fls. 12, 13, e 33).

Das três testemunhas ouvidas em juízo, Serafim Arce da Silva, Enio Farias da Rosa e Rosana Rodrigues (mídia à fl. 217), apenas Serafim, atual presidente da associação de bairro, referiu que pessoas vieram lhe dizer, durante a campanha, que Gislaine teria ameaçado fechar o posto de saúde do bairro, se não fosse eleita.

No entanto, a testemunha reconhece sequer ter presenciado qualquer tipo de ameaça, não sendo suficiente para a comprovação de ato abusivo ou captação ilegal de votos a afirmativa de que “ouviu dizer” ou que soube de boatos, mormente porque esta declaração não encontra eco nas demais provas dos autos.

Aplica-se, no ponto, o texto do novel art. 368-A do Código Eleitoral, dispositivo acrescentado pela Reforma Eleitoral de 2015 (Lei n. 13.165/15) que veda a determinação de perda do mandato com base em prova testemunhal singular e exclusiva:

Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

 

O antigo presidente da associação, Sr. Enio Farias da Rosa, ouvido como informante, afirmou que o posto era mantido por ele e por contribuições da comunidade, e que o imóvel não era mantido com recursos financeiros repassados pela recorrente, sendo que o material de expediente era custeado pela administração pública municipal.

A testemunha de defesa, Rosana Rodrigues, por sua vez, declarou que trabalha como cabeleireira no Bairro 24 de Maio, e que a candidata Gislaine nunca lhe pediu votos em função da manutenção do posto médico, e que não ouviu boatos desse tipo durante a campanha eleitoral.

Dessa forma, o exame da prova coligida evidencia não haver segurança, robustez e incontrovérsia de que, durante a campanha eleitoral, a candidata tenha desferido ameaças de fechamento do posto em caso de derrota nas urnas, sendo a prova por demais fraca e minimamente indiciária.

Destaco que esta Corte, assim como TSE, já entendeu, em diversos precedentes, pela configuração de abuso de poder econômico e captação ilegal de sufrágio mediante prática de assistencialismo voltado à obtenção do voto do eleitor.

Os julgamentos mais emblemáticos enfrentados por este Tribunal, que posteriormente ficaram nacionalmente conhecidos por meio de matérias jornalísticas divulgadas pela mídia, referem-se ao caso dos albergues privados mantidos por deputados estaduais do Rio Grande do Sul durante a eleição de 2006.

Naqueles julgados, a prestação de serviço assistencialista mediante oferecimento de hospedagem gratuita por candidatos foi considerada prática abusiva e forma de captação ilegal de votos em face da demonstração, cabal e estreme de dúvidas, de vinculação da benesse à estratégia eleitoral de campanha.

Referidas decisões relataram a existência de propaganda eleitoral da candidatura dos beneficiários dentro e fora dos estabelecimentos, o gerenciamento dos locais pelo gabinete parlamentar, a divulgação do empreendimento na publicidade e a manifesta e inequívoca comprovação de oferecimento da vantagem pessoal em troca do voto.

Cito, para ilustrar, os seguintes precedentes desta Corte e do TSE:

Representação. Manutenção de albergue com disponibilização de hospedagem gratuita a enfermos, seus acompanhantes e pessoas do interior do Estado. Prestação de serviços em período vedado.

Preliminares afastadas: 1. Competência dos juízes auxiliares para julgamento do feito. Precedentes do TSE. 2. Obtenção de registro da candidatura sem impugnação não acarreta decadência. 3. Marco da promoção ministerial é a data das eleições. Jurisprudência assente do TSE. 4. Condições de procedibilidade. 5. Inocorrência de cerceamento de defesa ou vulneração à Constituição.

Propaganda eleitoral da candidatura de um dos representados na fachada do estabelecimento. Gerenciamento da casa por gabinete parlamentar. Divulgação do empreendimento na publicidade. Prestação de atividade assistencial com cunho eleitoral. Impossibilidade de erro de proibição. Caracterizada captação ilícita de sufrágio por meio de albergue. Infração ao disposto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Cassação do registro das candidaturas ou dos diplomas. Aplicação de multa.

Procedência.

(TRE-RS, RECURSO - REPRESENTAÇÃO n. 2982006, Acórdão de 07.12.2006, Relatora DES. FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Volume 5306, Tomo 230, Data 14.12.2006, Página 72.)

 

Representação. Captação ilícita de sufrágio. Manutenção de albergues com disponibilização de hospedagem e transporte gratuito a pessoas enfermas e seus acompanhantes. Prestação de serviços em período vedado. Preliminares afastadas.

Fatos amplamente provados com elementos colhidos em ação cautelar, imagens e registros de pacientes. Vinculação pessoal do candidato evidenciada em site na internet divulgando, durante a campanha eleitoral, serviço prestado 24 horas e registrando visitas rotineiras do representado às pousadas. Propaganda eleitoral no interior das casas. Circunstâncias fáticas permitindo conclusão pela ocorrência de captação ilícita de sufrágio. Desnecessidade de comprovação da potencialidade da conduta para desequilibrar a disputa eleitoral e influir no resultado do pleito.

Caracterizada captação ilícita de sufrágio por meio do funcionamento de albergues. Infração ao disposto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Cassação de registro ou diploma. Multa.

Procedência.

(TRE-RS, RECURSO - REPRESENTAÇAO nº 2512006, Acórdão de 07.12.2006, Relatora DES. FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Volume 5306, Tomo 230, Data 14.12.2006, Página 72 )

 

RECURSO ORDINÁRIO. CASSAÇÃO. DIPLOMA. SUPLENTE. DEPUTADO ESTADUAL. MANUTENÇÃO. <font class="highlight">ALBERGUES</font>. ENVIO. CORRESPONDÊNCIA. PEDIDO DE VOTO. OFERECIMENTO. SERVIÇOS ASSISTENCIAIS. CONTINUIDADE. PERÍODO ELEITORAL. ANUÊNCIA. CANDIDATO.

CONFIGURAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

1. A manutenção de serviços sociais no período eleitoral prestados por candidato, aliada ao envio de correspondência com pedido de voto e oferecimento da continuidade dos serviços a eleitora cujo nome constava do cadastro de pessoas atendidas, demonstra que as práticas assistencialistas tinham como principal objetivo cooptar ilicitamente o voto do eleitor.

2. Para a configuração da captação ilícita de sufrágio não é necessário pedido expresso de votos, sendo suficiente a demonstração do especial fim de agir.

3. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso Ordinário n. 836251, Acórdão, Relator Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Tomo 228, Data 29.11.2013, Página 14.)

 

Conforme se verifica do estudo da matéria e do exame dos precedentes desta Justiça Especializada, para a caracterização da ilicitude, mostra-se necessária a prova de que as vantagens e os benefícios proporcionados pelo candidato foram condicionados ao voto do eleitor a partir de uma vinculação direta entre o proveito e a candidatura pleiteada.

Isso porque a captação ilícita de sufrágio estará configurada sempre que ao eleitor for oferecido, prometido ou entregue bem ou vantagem com a finalidade de obter-lhe o voto, e também na hipótese de coação, isto é, prática de “atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto” (art. 41-A, § 2o, LE).

No caso em tela, todavia, a única prova de que a cedência do imóvel era a considerada como um recurso para angariar o voto do eleitor é o discurso proferido voluntariamente pela candidata no qual confessou que, com esse agir, esperava  ser reconhecida pelo ato de filantropia e, assim, obter o voto dos eleitores.

Não há provas de que a recorrente comparecia ao dito posto médico, de que conversava com os frequentadores e se apresentava como candidata, tampouco de que diretamente ou por interposta pessoa, interferia na administração do local a ponto de, quando menos, induzir a que nela votassem.

Lida e relida a fala, que foi por demais infeliz e mal colocada, não deixo de entender seu conteúdo como um desabafo pela frustração com a crença do insucesso na eleição, mormente considerando ter sido prestada por professora municipal que, a par dos vencimentos como vereadora, enfrenta dificuldades financeiras, conforme sobejamente demonstrado nos autos, tudo a contribuir para a exteriorização do ressentimento que, naquele momento, sentia.

Descabe, no processo eleitoral, em que estão em jogo o mandato popular obtido nas urnas e a acusação de compra de votos e abuso de poder, discutir se foi ética ou moralmente adequada a decisão de retomar o imóvel e interromper a cedência que há tanto tempo era realizada.

Admite-se, unicamente, analisar a força das provas para comprovar o cometimento do ilícito eleitoral e a gravidade das circunstâncias que o circundam.

Entretanto, a prova só apontou a íntima convicção (a mera intenção, que, no Direito, não é punível) que a candidata possuía no sentido de que a cedência do imóvel garantir-lhe-ia reconhecimento da comunidade, o qual seria revertido nas urnas por meio do voto daqueles que assim entendiam o seu agir.

Não ficou demonstrado o essencial para a caracterização da ilicitude: a exteriorização dessa finalidade no plano dos fatos, por meio do condicionamento do proveito oferecido ao voto do eleitor.

Penso que até poderia ter havido uma 'esperança de retribuição' pelo fato de, por longo tempo, ter sido cedida a casa para funcionamento do posto médico, mas os autos demonstram que não passou disso. E esse pensamento deu-se no íntimo, jamais tendo chegado ao terreno dos fatos.

O que o 41-A quer punir com a grave pena de cassação é a interferência no voto do eleitor mediante a mercantilização, que não ficou comprovada na espécie, exceto de uma única testemunha que ouviu falar.

Pergunto: podemos punir o mero desejo, a expectativa, a intenção de ver retribuída uma ação voltada para beneficiar determinada comunidade, sem materialização, no mundo dos fatos, com seu agir ou de terceiros, para obter o voto em troca do pretenso favor?

O próprio resultado da eleição, com a derrota nas urnas, evidencia que não houve interferência desse fato na votação, ausente o desequilíbrio do pleito ou a quebra da isonomia entre os candidatos, dada a ausência de mercantilização do voto.

A todo efeito, os fatos e a pretensa infração do 41-A nasceram de infeliz desabafo seu após obter o resultado desfavorável no pleito. Retratou a decepção de quem se dedicara com exclusividade à comunidade de um bairro específico e, desse núcleo, não obteve correspondência. Isso é o que revela o trecho do discurso de que “eles não me querem”. A mensuração e a leitura do ocorrido deram-se em tom de sentimento de dor, frustração e decepção.

Sequer é possível mensurar, da prova carreada aos autos, o número de votantes da comunidade em questão ou o volume de pessoas que se beneficiavam do posto médico a fim de poder se aferir, com maior precisão, a interferência danosa na vontade dos eleitores e a gravidade dos fatos para desequilibrar a disputa eleitoral.

O caderno probatório mostra-se fraco e inconclusivo, incapaz de conduzir à cassação do mandato obtido nas urnas, diante da ausência de prova robusta e incontroversa, elementos indispensáveis para a determinação de cassação de diploma de candidato eleito conforme reiteradas decisões deste Tribunal e do TSE:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Prefeito e vice não eleitos. Abuso de poder econômico. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Inelegibilidade. Eleições 2012.

(...)

2. Captação ilícita de sufrágio. Entrega de dinheiro e vale-gás a eleitora em troca do voto. Ausência da prova robusta e incontroversa da ocorrência do especial fim de agir para a negociação do voto. Reforma da sentença no ponto. Afastada a pena de multa.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 46429, ACÓRDÃO de 08.10.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator designado DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 187, Data 13.10.2015, Página 4.)

 

Recurso. Investigação judicial eleitoral. Alegada oferta de almoços gratuitos custeados por verba pública em eventos municipais, distribuição irregular de britas, promessa ou entrega de motosserra e oferecimento de vantagem econômica, com o propósito de captar votos (art. 41-A da Lei n. 9.504/97) e configurando abuso de poder econômico. Improcedência da demanda interposta em face de prefeito e vereador.

(...)

Inexistência de prova robusta e incontroversa para a caracterização de abuso do poder econômico mediante captação ilícita de sufrágio na análise da conduta do representado remanescente.

Provimento negado.

(TRE-RS, RECURSO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL n. 219, ACÓRDÃO de 13.05.2010, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 079, Data 21.05.2010, Página 2.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE VOTOS. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS E DE QUE O CANDIDATO PARTICIPOU OU

ANUIU COM A SUPOSTA CONDUTA. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 11.10.2016.

2. Captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) exige prova robusta de finalidade de se obter votos e de anuência do candidato, e, ademais, pode ser demonstrada com base apenas em testemunhos, desde que coesos e inequívocos. Precedentes.

(...)

6. Agravo regimental desprovido.

(TSR, Recurso Ordinário n. 318392, Acórdão, Relator Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Data 04.11.2016, Página 174.)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE NVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI DAS ELEIÇÕES. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO

DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. CONJUNTO PROBATÓRIO. NECESSIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NOS 279 DO STF, 7 DO STJ E DA RECÉM-EDITADA SÚMULA Nº 24 DO TSE. MÉRITO. CARACTERIZAÇÃO DO ILÍCITO

ELEITORAL. INSUFICIÊNCIA DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO.

1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou

entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725).

2. A divergência jurisprudencial exige, para a sua correta demonstração, similitude fática entre o acórdão objurgado e os julgados paradigmas. Precedentes.

3. A demonstração de prova robusta e inconteste da ocorrência do ilícito eleitoral é pressuposto indispensável à configuração da captação ilícita de sufrágio. Precedentes da Corte.

(...)

6. No caso sub examine, o Tribunal de origem consignou ser insuficiente o conjunto probatório para caracterizar o ilícito do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, razão por que superar tal conclusão demandaria a reapreciação das provas acostadas aos autos. Incidência dos Enunciados das Súmulas nos 279 do STF, 7 do STJ e da recém- editada Súmula nº 24 do TSE.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 28430, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Data 26.09.2016, Página 142.)

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE DA PROVA. SEGURANÇA JURÍDICA. MÉRITO. PROVA ROBUSTA. AUSÊNCIA.

DESPROVIMENTO.

1. No caso dos autos, a gravação ambiental que fundamentou a representação é manifestamente ilícita, haja vista sua similitude com um flagrante preparado.

2. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio requer provas robustas, não se podendo fundar em meras presunções. Na espécie, os testemunhos colhidos em juízo e examinados pela Corte Regional não permitem precisar com exatidão as circunstâncias em que ocorridos os fatos, tampouco a participação ou anuência da recorrida.

3. Recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 75057, Acórdão, Relator Min. João Otávio de Noronha, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Data 12.11.2015.)

 

Em conclusão, assento que o fato de a recorrente ter afirmado que a decisão de retomada do imóvel foi tomada por conta da “falta de reconhecimento da comunidade”, apesar de caracterizar conduta moralmente e eticamente reprovável, não configura, por si só, infração eleitoral, uma vez ausente a prova de que, durante a campanha eleitoral, a vantagem foi oferecida ao eleitor com base na relação de troca pelo voto e vinculada à candidatura em disputa.

Nestas circunstâncias, à míngua de demais elementos de convicção, não logrou o órgão ministerial desincumbir-se da comprovação dos fatos alegados na inicial, impondo-se o provimento do recurso da candidata.

 

Diante do exposto, VOTO pelo acolhimento da preliminar ministerial, para o fim de não conhecer do recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) DE ITAQUI e pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) DE ITAQUI, afastando as demais prefaciais arguídas e, no mérito, pelo provimento do recurso interposto por GISLAINE DA SILVA BRUM para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente a ação, afastando as penalidades impostas.

 

(Após votar o relator acolhendo a preliminar ministerial para não conhecer do recurso dos partidos, afastando as demais prefaciais arguidas e, no mérito, dando provimento ao apelo da candidata, a fim de julgar improcedente a ação, pediu vista o Des. Eleitoral Losekann. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)