RE - 57335 - Sessão: 12/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PAMELA LUISA LEMOS DA SILVA, eleita ao cargo de vereador de Charqueadas, contra sentença do Juízo da 50ª Zona Eleitoral (fls. 63-65), que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016, em razão das seguintes irregularidades: utilização de material de propaganda eleitoral entregue em doação sem a adequada identificação do doador e sem emissão do respectivo recibo eleitoral, bem como pelo uso de veículo motor home além do período registrado no correspondente termo de cedência.

Em suas razões recursais (fls. 72-79), afirma que o material de campanha em questão foi encomendado e pago por seu sogro, conforme notas fiscais com identificação de seu nome e CPF, juntadas aos autos. Argumenta que a contabilização e  a emissão de recibo eleitoral é desnecessária, pois a conduta representou gasto realizado pelo próprio eleitor em apoio ao seu candidato, nos termos do art. 39 da Resolução TSE n. 23.463/15. Quanto à cedência de uso do motor home, sustenta que o termo de cessão apresentado ostenta credibilidade formal e material para comprovar a doação, e que a sua omissão nas prestações de contas parciais não enseja gravidade a justificar a desaprovação das contas. Pugna pela aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ao final, postula a reforma da sentença para que as contas sejam julgadas aprovadas, mesmo que com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 88-91v.).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença, após embargos de declaração, foi publicada em 12.12.2016 (fl. 70), e o apelo foi interposto no dia 15.12.2016 (fl. 71).

No mérito, a contabilidade foi desaprovada pelas seguintes razões: ausência de contabilização e de emissão de recibo eleitoral em relação à doação de materiais de propaganda eleitoral e utilização de veículo motor home além do prazo estipulado no termo de cedência.

Passo à análise de cada uma das irregularidades indicadas na sentença, principiando pela falha atinente à cessão do veículo automotor.

A decisão combatida concluiu que o veículo motor home utilizado em campanha “deveria estar registrado na prestação de contas desde o início da sua cedência”. Outrossim, posicionou-se pela carência de fidedignidade do termo de cedência apresentado porque “aparentemente ele foi usado por mais tempo que somente 02 (dois) dias”.

Entendo por superar a impropriedade em face dos esclarecimentos e da documentação juntada pelo prestador.

Constam nos autos o recibo eleitoral (fl. 53), o termo de cessão/doação do veículo (fl. 54-55) e a cópia do CRLV do bem (fl. 56), estando preenchidos todos os requisitos legais da contribuição estimável em dinheiro em tela.

O magistrado sentenciante formou sua convicção pela inveracidade das declarações com base em ilações de que os documentos oferecidos não são contemporâneos às transações, mas foram pós-datados, consignando a data de 30.9.2016, entendendo não ser plausível que a cessão do veículo perdurasse apenas nos dois dias anteriores ao pleito.

Entretanto, a conclusão não guarda amparo em elementos de prova juntados aos autos. As fotografias acostadas às folhas 35-36 estão desguarnecidas de informações sobre a data e as circunstâncias em que foram obtidas. Ao contrário, a partir da repetição dos elementos visuais, constata-se que as imagens registram um único evento de campanha, no qual o bem questionado aparece estacionado.

Inexistindo acervo probatório que ateste inveracidade das informações declaradas pelo candidato, torna-se incabível presumir malícia ou má-fé na elaboração da sua prestação de contas com base em suposições sem arrimo em documentos ou circularizações.

Em matéria de recursos de campanha, a jurisprudência de nossos Regionais abona o posicionamento de que, mesmo diante de eventuais dúvidas ou incertezas quanto à consistência das informações, a desaprovação das contas exige prova plena da irregularidade, não podendo se basear em meras presunções ou deduções:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÃO DE 2012. CANDIDATO A VEREADOR. DESAPROVAÇÃO NA ORIGEM. NESTE E. TRIBUNAL, OS PARECERES DA SEÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS E DA D. PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL FORAM PELA MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. GASTOS INCOMPATÍVEIS COM A VOTAÇÃO OBTIDA. INCONSISTÊNCIA ENTRE AS DESPESAS REALIZADAS COM A CONFECÇÃO DE MATERIAL DE DIVULGAÇÃO DA CAMPANHA E AQUELAS UTILIZADAS COM A CORRESPONDENTE DISTRIBUIÇÃO. MERAS SUPOSIÇÕES. NÃO HAVENDO PROVAS DE QUE AS INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO CANDIDATO SEJAM INVERÍDICAS, DESCABE A DESAPROVAÇÃO DE SUA PRESTAÇÃO DE CONTAS APENAS PELO FATO DE TER OBTIDO EXPRESSIVA VOTAÇÃO E DECLARADO PEQUENA ARRECADAÇÃO E MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. IRREGULARIDADES QUE, POR SI SÓ, NÃO COMPROMETEM A LISURA DAS CONTAS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA. RECURSO PROVIDO PARA APROVAR AS CONTAS.

(TRE-SP, RECURSO n. 61677, Acórdão de 28.7.2014, Relator SILMAR FERNANDES, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 04.8.2014 - Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATO A VEREADOR. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA. PRESUNÇÃO. PROVIMENTO DO APELO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Não há nos autos do processo de prestação de contas qualquer prova apta a demonstrar a omissão de receitas ou despesas de campanha.

2. A desaprovação da prestação de contas não pode se basear em simples presunção, sendo necessária prova robusta da ocorrência de irregularidade.

3. Reforma da sentença para aprovar as contas.

(TRE-CE, RECURSO ELEITORAL n. 51435, Acórdão n. 51435 de 25.6.2013, Relator RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 119, Data 03.7.2013, Página 9 - Grifei.)

 

ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. GASTO DE CAMPANHA. AUSÊNCIA. DECLARAÇÃO DO CANDIDATO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE.

1. Ausentes elementos de prova capazes de afastar a informação prestada pelo candidato de que não arrecadou recursos ou efetuou gastos de campanha, não é possível presumir a ocorrência de falsidade, devendo o candidato ser responsabilizado civil e penalmente, caso, eventualmente, esta seja constatada.

2. Recurso provido.

(TRE-AL, RECURSO ELEITORAL n. 21042, Acórdão n. 6656 de 20.7.2010, Relator RAIMUNDO ALVES DE CAMPOS JÚNIOR, Publicação: DEJEAL - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral de Alagoas, Tomo 132, Data 23.7.2010, Página 02 - Grifei.)

Portanto, sobre a aventada impropriedade, não há evidências nos autos a embasar o drástico juízo de desaprovação das contas.

No tocante ao apontamento restante, é incontroverso nos autos que Paulo Heleno Silva Lopes, sogro da candidata, realizou a aquisição e o pagamento, com recurso próprios, de material impresso de campanha em favor da sua nora, no valor total de R$ 781,00.

A recorrente alega que a despesa foi realizada sob amparo do art. 27 da Lei n. 9.504/97, que permite ao eleitor efetuar pessoalmente gastos totais até o montante de R$ 1.064,10, com a finalidade de apoiar candidato de sua preferência.

Por outro lado, verifica-se, pelas imagens das folhas 33-36, que a produção gráfica em tela foi disponibilizada à candidata e efetivamente utilizada em seus atos de campanha eleitoral. Assim, resta configurado o malferimento ao art. 39, § 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15, pelo qual, se os bens e serviços forem entregues ou prestados ao candidato, caracterizam doação, sujeitando-se às regras que lhes são próprias.

Cabe anotar que, igualmente, resta desatendido o art. 19, caput, do mesmo diploma normativo, porquanto é possível inferir que os objetos da contribuição não constituíam produto do próprio serviço ou das atividades econômicas do doador, nem integravam seu patrimônio anteriormente.

Contudo, entendo que a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade indicam que a falha não ostenta gravidade suficiente para um juízo de desaprovação das contas.

Além disso, a despeito da ausência de registro na prestação de contas retificadora (fl. 50) e da emissão de recibos eleitorais, a recorrente buscou acostar aos autos documentos e esclarecimentos suficientes para a aferição segura de todos os aspectos da referida doação.

O vínculo parental está devidamente documentado por meio da certidão de nascimento (fl. 45). Da mesma forma, as contratações estão demonstradas com a juntada das notas fiscais (fls. 47 e 48), ambas adequadamente geradas com identificação do adquirente e especificação precisa dos produtos fornecidos; a primeira, no valor de R$ 381,00; e a segunda, com o total de R$ 400,00.

Dessa forma, tenho que as irregularidades restam satisfatoriamente saneadas pela recorrente, ainda que eivadas apenas de falhas formais, que não comprometem as contas, sendo possível aferir, de maneira confiável, o total de receitas, sua destinação nos gastos de campanha, bem como as fontes de recursos utilizados.

Em reforço, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral e esta Corte admitem que falhas de valor absoluto inexpressivo e que não representem elevado percentual em face da movimentação total – em torno de 10% dos recursos –, desde que evidenciada a boa-fé do candidato, não prejudicam a confiabilidade das contas, tolerando inconsistências de pouca repercussão na contabilidade, com fundamento no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como se verifica pelas seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA. DOAÇÃO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, a não identificação dos doadores de campanha configura irregularidade grave que impede a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois compromete a transparência e a confiabilidade do balanço contábil.

2. Nas hipóteses em que não há má-fé, a insignificância do valor da irregularidade pode ensejar a aprovação da prestação de contas, devendo ser observado tanto o valor absoluto da irregularidade, como o percentual que ele representa diante do total dos valores movimentados pelo candidato.

3. Na espécie, o total das irregularidades apuradas foi de R$ 50.054,00 (cinquenta mil e cinquenta e quatro reais), quantia que representa 8,06% do total das receitas arrecadadas. Em face do alto valor absoluto e da natureza da irregularidade, não há espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no presente caso. Votação por maioria.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento n. 185620, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 29, Data 09.02.2017, Página 48-49.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AGR MANEJADO EM 12.5.2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). CONTAS DESAPROVADAS.

1. A existência de dívidas de campanha não assumidas pelo órgão partidário nacional constitui irregularidade grave, a ensejar a desaprovação das contas. Precedentes.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicáveis no processo de prestação de contas quando atendidos os seguintes requisitos: i) irregularidades que não comprometam a lisura do balanço contábil; ii) irrelevância do percentual dos valores envolvidos em relação ao total movimentado na campanha; e iii) ausência de comprovada má-fé do prestador de contas. Precedentes.

3. Afastada pela Corte de origem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porquanto, além de grave a irregularidade detectada, representativa de montante expressivo, ante o contexto da campanha. Aplicação da Súmula 24-TSE: "Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."

Agravo regimental conhecido e não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 263242, Acórdão, Relatora Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 20.10.2016, Página 15.)

 

Prestação de contas. Eleições 2010. Parecer conclusivo do órgão técnico deste TRE e manifestação ministerial pela desaprovação.

Arrecadação de recursos e realização de despesa sem o prévio trânsito pela conta bancária específica.

Pequeno valor da irregularidade assinalada, envolvendo quantia inferior a 10% da movimentação financeira de campanha. Falha que não compromete a regular fiscalização da demonstração contábil.

Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 755276, Acórdão de 19.4.2011, Relator DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 067, Data 27.4.2011, Página 01)

Na hipótese, a irregularidade é única: o valor absoluto de R$ 781,00 não se mostra expressivo e, uma vez acrescido ao total acumulado de receitas (R$ 3.433,17), representa tão somente 18% da movimentação total de recursos efetivamente disponíveis à prestadora (R$ 4.214,17), incapaz de prejudicar a fiscalização e confiabilidade do conjunto das contas.

Dessa forma, considerando o reduzido valor absoluto da irregularidade, a baixa repercussão em face do montante total de gastos e a evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, pois não maculada sua confiabilidade.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de PAMELA LUISA LEMOS DA SILVA, relativas às eleições municipais de 2016.