RE - 27235 - Sessão: 09/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral interposto por VILMAR MEROTTO e MARCOS DAVI BACEGA (fls. 185-8) contra sentença do Juízo da 100ª Zona Eleitoral (fls. 180-181), que desaprovou suas contas relativas à campanha eleitoral de 2016 – nos autos da PC 272-35.2016.6.21.0100 – como candidatos a prefeito e a vice do Município de Tapejara, em decorrência do recebimento de doação irregular, a teor do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, condenando-os, ainda, à devolução da importância de R$ 7.500,00 ao Tesouro Nacional.

Nas razões recursais, aduziram, primeiramente, que não houve diligências para a apuração da verdadeira origem do valor objeto da doação. A seguir, sustentaram (a) que a forma de transferência do montante doado, por meio de depósito eletrônico e em uma só operação, ocorreu por erro da instituição bancária; (b) que se trata de erro meramente formal, cometido por terceiro; e (c) que o valor tem como origem recursos próprios do doador Jovir José Rebelatto. Requereram a reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas ou, sucessivamente, a sua aprovação com ressalvas, “determinando-se o recolhimento do valor depositado a maior do que R$ 1.064,10 ao Tesouro Nacional”. Anexaram documentos (fls. 194-204).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 219-25v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 182 e 5) e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele conheço.

De início, afasto a preliminar da Procuradoria Regional Eleitoral relativa à inviabilidade de juntada de documentos em grau recursal, haja vista a reiterada jurisprudência deste Tribunal em sentido contrário, a teor do art. 266 do Código Eleitoral, como faz ver o seguinte julgado:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE 522-39 – Rel. DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ – J. em 14.3.2017.) (Grifei.)

De igual sorte, ainda que não haja requerimento expresso dos recorrentes a este respeito, não prospera a alegação prefacial, em favor da pretensão recursal, de que não houve a realização de diligências visando à apuração da verdadeira origem da quantia, objeto da doação financeira tida como irregular.

Essencialmente, porque não houve inobservância ao procedimento corolário, previsto na Resolução TSE n. 23.463/15, na esteira do parecer do Procurador Regional Eleitoral (fls. 220v.-221v.):

Primeiramente, observa-se que o analista judiciário, ao verificar a presença de inconsistências, solicitou informações adicionais aos candidatos (fls. 102-111v.), apontando com clareza e exatidão as irregularidades que foram constatadas, seguindo fielmente suas obrigações legais.

Os recorrentes, contudo, limitaram-se a afirmar a ocorrência de erro por parte do doador e do banco, sem apresentar provas de suas alegações. Entretanto, é necessário esclarecer que o processo de prestação de contas, diversamente do alegado no recurso, possui caráter jurisdicional, e não administrativo, incidindo, dessa forma, a preclusão para os atos não praticados no momento próprio, conforme precedentes do TSE (grifados):

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. DOCUMENTOS APRESENTADOS APÓS O JULGAMENTO DAS CONTAS. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

1. A jurisprudência do TSE é firme em que, julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos.

2. A partir da edição da Lei nº 12.034/2009, o processo de prestação de contas passou a ter caráter jurisdicional. Não praticado o ato no momento processual próprio, ocorre a preclusão, em respeito à segurança das relações jurídicas.

3. Não há exigência de notificação pessoal nos processos de prestação de contas. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 188432, Acórdão de 03.5.2016, Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 105, Data 02.6.2016, Página 64.)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Não foram infirmados os fundamentos da decisão agravada quanto à impossibilidade de juntada de documentos após o julgamento da prestação de contas, por ter sido facultada a prévia manifestação da candidata, e da validade da regra do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406/2014. Incidência da Súmula 182 do STJ.

2. Conforme entendimento firmado nesta Corte Superior e considerada a natureza jurisdicional do processo de prestação de contas, a ausência de circunstância excepcional que tenha obstado a juntada de documentos em momento oportuno atrai a ocorrência da preclusão, em respeito à segurança das relações jurídicas. Precedentes.

3. Nos termos do art. 29 da Res.-TSE nº 23.406, os recursos de natureza não identificada verificados nas prestações de contas de campanha devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, em face da manifesta ilegalidade da sua utilização pelos candidatos ou pelos partidos políticos.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 199165, Acórdão de 31.3.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 71, Data 14.4.2016, Página 21.)

Ademais, em se tratando de rito simplificado, deve ser observado o procedimento previsto nos arts. 57 a 62 da Resolução TSE n. 23.463/2015, merecendo destaque o disposto no § 3º do art. 59, in verbis (grifado):

Art. 59. A prestação de contas simplificada será composta exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE e pelos documentos descritos nas al. a, b, d e f do inc. II do caput do art. 48.

[…]

§ 3º Concluída a análise técnica, caso tenha sido oferecida impugnação ou detectada qualquer irregularidade pelo órgão técnico, o prestador de contas será intimado para se manifestar no prazo de três dias, podendo juntar documentos.

Findo o prazo, com ou sem manifestação, após novo exame técnico, seguido de parecer do Ministério Publico Eleitoral, deve o juiz julgar as contas ou, caso necessário, converter o feito ao rito ordinário, nos termos do art. 62, caput, da referida Resolução, que assim dispõe (grifado):

Art. 62. Existindo impugnação, irregularidade identificada pela análise técnica ou manifestação do Ministério Público Eleitoral contrária à aprovação das contas, o Juiz Eleitoral examinará as alegações e decidirá sobre a regularidade das contas ou, não sendo possível, converterá o feito para o rito ordinário e determinará a intimação do prestador de contas para que, no prazo de setenta e duas horas, apresente prestação de contas retificadora acompanhada de todos os documentos e informações descritos no art. 48.

Trata-se de faculdade do julgador, inexistindo nulidade no imediato julgamento das contas, ainda que se conclua por sua desaprovação, sem converter o feito ao rito ordinário.

Nesse sentido, regular o procedimento processual aplicável, pois a produção probatória almejada pelos recorrentes incumbia somente a eles, não sendo demais reiterar que lhes foi oportunizada a apresentação de manifestação e a juntada de documentos pelo juízo de origem e, inclusive, em sede recursal.

Prossigo.

Na questão de fundo, cuida-se de prestação de contas apresentada por Vilmar Merotto e Marcos Davi Bacega, candidatos aos cargos de prefeito e vice, respectivamente, pela Coligação Futuro Ainda Melhor (PMDB/PPS), no pleito de 2016, no Município de Tapejara.

O juízo de primeiro grau desaprovou a contabilidade com base no parecer técnico conclusivo de fls. 170-5, o qual apontou o recebimento de doação financeira de pessoa física acima de R$ 1.064,10, em contrariedade ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que assim dispõe:

As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Como é consabido, a partir do patamar de R$ 1.064,10 o depósito deve ser realizado por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário.

Os extratos trazidos aos autos demonstram que na conta de campanha concernente foi realizado um depósito de R$ 7.500,00, em dinheiro, advindo de Jovir José Rebelatto, no dia 23.8.2016.

Assim, incontroverso o recebimento de depósito na conta de campanha, em espécie, acima do limite máximo fixado na Resolução TSE n. 23.463/15. Incontestável, igualmente, que tal valor foi utilizado na campanha dos recorrentes, conforme comprovam os extratos que integram a prestação de contas (fls. 10-3).

De ver que a identificação do doador ocorreu na transação bancária em evidência, por intermédio do número do seu CPF (sob n. 291.437.560-34), tal como atestado pela unidade técnica e conforme se nota na documentação colacionada com a prestação de contas, em especial o extrato de fl. 119.

Superado, pois, o patamar legal de R$ 1.064,10 em R$ 6.435,90, consigno que não foi possível a identificação da origem mediata da doação, não tendo sido acostado elemento probatório nesse sentido, como ocorreria com a demonstração de que os recursos advieram, por exemplo, da conta-corrente da pessoa física doadora. Os documentos encartados pelos interessados, ressalto, não foram além da confirmação do responsável pelo depósito, ao passo que o extrato do imposto de renda do doador nada demonstra. Por sinal, o Procurador Regional Eleitoral bem destacou (fl. 223v.) que, “mesmo que se admita a documentação intempestiva, consistente em extratos bancários do doador, tem-se que a falha permanece. Com efeito, não há nenhum registro de movimentação financeira no valor de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) no dia 23.8.2016, existindo, apenas, dois registros de despesas com cheque na conta-corrente da Caixa Econômica Federal (fl. 195), sendo uma valorada em R$ 7,00 (sete reais) e a outra em R$ 22,40 (vinte e dois reais e quarenta centavos)".

A exigência normativa de que as doações de campanha sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

Considerando o valor total irregularmente arrecadado, a falha abrange 16,3% da totalidade das receitas percebidas (R$ 46.051,88). Não só o valor absoluto da irregularidade é significativo, mas também o percentual não pode ser considerado irrelevante, pois tem essa característica aquele que se amolda dentro de 10% do total da movimentação da campanha, consoante jurisprudência desta Corte e do TSE.

Ademais, não se sustenta a justificativa de que a forma de transferência do montante doado, por meio de depósito eletrônico e em uma só operação, ocorreu por erro da instituição bancária, bem como que o erro deve ser atribuído exclusivamente ao responsável pelo depósito.

A uma, porque não há prova convincente nesse sentido, que ampare a tese dos recorrentes.

A duas, porque, ainda que assim não fosse, a escorreita apresentação das contas de campanha é da responsabilidade do seu prestador, o qual deve zelar pela obediência aos ditames legais e regulamentares aplicáveis à espécie.

Nessa toada, o doador deveria ter depositado o dinheiro em sua própria conta-corrente e, então, proceder à transferência bancária para a candidatura em questão. Não se pode admitir, a pretexto de eventual culpa de terceiros, que sejam atropelados os procedimentos formais, os quais, no caso, como dito, visam a coibir a possibilidade de atos fraudulentos.

De modo que as justificativas apresentadas pelos recorrentes, para além do descumprimento da legislação incidente, não tem o condão de eximir os candidatos do cumprimento das normas que disciplinam a arrecadação e os gastos de recursos em campanhas eleitorais.

Passando à análise da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 7.500,00, no aspecto, adoto o parecer do Procurador Regional Eleitoral (fls. 219-25v.).

Com efeito, é dever do candidato abster-se de utilizar valores recebidos em desacordo com o disposto no art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, devendo restituí-los ao doador, salvo impossibilidade, caso em que deve se proceder ao recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, conforme o § 3º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, acima transcrito.

Logo, tendo o candidato recebido e utilizado recursos sem a identificação de origem, a desaprovação, na forma do art. 68, inc. III, da Resolução em tela, somada ao recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 18, § 3º, c/c art. 26, ambos da mesma Resolução, é medida que se impõe.

Por fim, melhor sorte não socorre o pleito recursal sucessivo de que, na hipótese de condenação, ao Tesouro Nacional deve ser recolhido o “valor depositado a maior do que R$ 1.064,00 ao Tesouro Nacional”.

Isso porque, reconhecida a irregularidade na identificação da origem do valor objeto da doação, na sua integralidade, é de rigor o seu recolhimento ao Tesouro Nacional a teor do já citado art. 18, § 3º, em conjunto com o art. 26, caput, da Resolução TSE n. 23.463/15, segundo o qual “o recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferido ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU)”.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas apresentadas por VILMAR MEROTTO e MARCOS DAVI BACEGA, relativas às eleições municipais de 2016, e determinou o recolhimento de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais) ao Tesouro Nacional.