RE - 40927 - Sessão: 06/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por KARIN AMÉLIA BITENCOURT UCHOA, referente à campanha eleitoral de 2016, contra sentença do Juízo da 32ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2016, quando concorreu ao cargo de vereador, tendo em vista a existência de doação, por depósito em espécie, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), em desconformidade com o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões, alega que a doação foi realizada pela própria prestadora, não havendo má-fé, tratando-se de falha meramente formal. Requer a reforma da sentença, para aprovar as contas com ressalvas.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, pois não houve determinação de recolhimento do montante recebido e utilizado de origem não identificada. No mérito, pelo desprovimento do recurso e, de ofício, seja determinada a transferência de R$ 3.000,00 ao Tesouro nacional.

Foi oportunizada a manifestação da parte recorrente sobre a matéria preliminar arguida no parecer ministerial, prazo que transcorreu in albis.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Eleitoral suscitou preliminar de anulação da sentença porque não houve determinação de recolhimento do montante recebido e utilizado de origem não identificada.

Com efeito, ao reconhecer a existência de recursos de origem não identificada, era de rigor que o magistrado determinasse o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional, por força da dicção do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15:

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (Grifei.)

Peço vênia para transcrever as razões ministeriais:

O parecer conclusivo à fl. 74 destacou a existência de doações financeiras recebidas de pessoas físicas acima de R$ 1.064,10, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica, contrariando o disposto no art. 18, §1º, da Resolução do TSE nº 23.463/15.

Em referido parecer restou salientado que se trata de inconsistência grave, “que denota infração às regras que determinam que as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre contas bancárias do doador e do beneficiário da doação com vistas à aferição da identificação da origem do recurso”.

Ou seja, o art. 18, § 1º, da Resolução TSE nº 23.463/2015 visa a coibir que doadores ocultem suas contribuições entregando valores em espécie ao candidato para que este, então, os deposite como se seus fossem.

Dessa forma, os recursos creditados em espécie na conta de campanha, ainda que o candidato tenha se dirigido pessoalmente à agência bancária e realizado o depósito no guichê de atendimento, constituem verba de origem não identificada. Especialmente quando o prestador é chamado aos autos para comprovar a origem do dinheiro, nos termos do art. 56 da Resolução TSE nº 23.463/15, e não demonstra, por meio de extratos bancários de sua conta pessoal, por exemplo, que o valor de fato é proveniente de recursos próprios.

Contudo, apesar de acolher na íntegra o parecer conclusivo e desaprovar as contas, o magistrado a quo deixou de determinar o recolhimento dos recursos percebidos de origem não identificada ao Tesouro Nacional.

Ocorre que tal entendimento negou vigência à legislação eleitoral, mais precisamente ao disposto no art. 18, inc. I, e 26 da Resolução do TSE nº 23.463/15, que assim dispõem, in litteris:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[…]

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26.

Art. 26. O recurso de origem não identificada não pode ser utilizado por partidos políticos e candidatos e deve ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador; e/ou

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras; e/ou

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político.

[...]

§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional. (grifado).

Tem-se que, a fim de evitar as doações ocultas - ante a declaração de inconstitucionalidade do recebimento de doações de pessoas jurídicas a partidos e a candidatos – permitindo uma efetiva fiscalização da Justiça Eleitoral, exige-se a transferência eletrônica da doação financeira superior a R$ 1.064,10, configurando a doação, em caso de inobservância, recurso de origem não identificada, nos termos do art. 18, inc. I, e art. 26, ambos da Resolução do TSE nº 23.463/15.

Dessa forma, percebe-se que a necessidade de identificação do doador é consectário legal de norma cogente e de ordem pública, mais precisamente o disposto no art. 18, inc. I, da Resolução TSE nº 23.463/15, ensejando a sua inobservância o recolhimento do valor recebido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 26 do mesmo diploma legal.

No presente caso, a decisão de primeiro grau acolheu na íntegra o parecer técnico que apontou a existência de recursos de origem não identificada. Contudo, a sentença não analisou a necessidade de transferência dos valores ao Tesouro Nacional e, dessa forma, negou vigência aos dispositivos acima mencionados.

Os arts. 11 e 489, §1º, ambos do CPC/15 assim disciplinam:

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. [...]

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[…]

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (grifado).

Logo, ante a ausência de análise quanto à incidência do direito objetivo e de ordem pública, devidamente suscitada pelo parecer conclusivo (fl. 74), bem como da própria jurisprudência do TSE e do TRE-RS, impõe-se o reconhecimento de nulidade da decisão em questão.

Ressalta-se que, em se tratando de matéria de ordem pública – inobservância do ordenamento jurídico e ausência de fundamentação – não há se falar em incidência do instituto da preclusão.

Ademais, destaca-se tratar-se de irregularidade que compromete substancialmente a prestação de contas em questão, tendo em vista que inviabiliza a aferição da origem da doação efetuada.

Dessa forma, requer-se o reconhecimento da nulidade da sentença, devendo os autos retornarem à origem, a fim de que nova decisão seja proferida em seu lugar, com a análise do disposto nos arts. 18, inc. I, e 26 da Resolução do TSE nº 23.463/15.

Nesse sentido, o recente precedente desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. SENTENÇA NULA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. VÍCIO INSANÁVEL. ELEIÇÕES 2016.

Preliminar de nulidade da sentença acolhida. Silêncio da sentença com relação à penalidade de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Não operada preclusão, pois matéria de ordem pública. Vício insanável que conduz nulidade absoluta. Retorno à origem.

Nulidade.

(Recurso Eleitoral nº 31530, Acórdão de 27/06/2017, Redator para o acórdão: DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 114, Data 03.7.2017, Página 3) (Grifei).

Dessarte, o magistrado da 32ª Zona Eleitoral, ao considerar a importância de R$ 3.000,00 como de origem não identificada mas deixando de determinar o recolhimento desse valor ao Tesouro Nacional, negou vigência ao disposto no art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.

ANTE O EXPOSTO, acolho a matéria preliminar, ao efeito de anular a sentença para que seja prolatada nova decisão, com a incidência do que dispõe o art. 26 da Resolução TSE n. 23.463/15.