RE - 126 - Sessão: 07/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 648-671) interposto por ADRIANE BORTOLASO SCHRAMM e ADÃO JAINIR CADAVAL contra sentença do Juízo da 24ª Zona Eleitoral, sediada em Itaqui, que julgou procedente a representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral em desfavor dos recorrentes, ocupantes atuais dos cargos de PREFEITO e VICE-PREFEITO, respectivamente, do Município de MAÇAMBARÁ. A decisão do magistrado de origem reconheceu a configuração de captação ou gastos ilícitos de recursos financeiros de campanha eleitoral, conforme constante às fls. 641-643v. dos autos.

Nas razões do recurso, alegam, em síntese: (1) ter inexistido responsabilidade ou má-fé, circunstâncias sem as quais não seria possível a incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97; (2) que eventuais irregularidades devem ser apuradas unicamente no processo de prestação de contas de campanha eleitoral dos representados; (3) ausência de violação ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97; (4) que não caberia ao magistrado incluir matéria de fato na sentença, mediante a indicação de distribuição de “vale combustível”, ponto que não teria sido tratado pelas partes; (5) não haver relevância ou importância no fato de que os recibos indicam entrega de quantidades de combustível em números redondos; (6) que os gastos em combustíveis, na campanha, não se mostram vultosos; (7) que eventual penalidade por descumprimento do art. 23 da Lei n. 9.504/97 deve ser acarretada ao doador, e não aos candidatos; (8) que as fontes de receita da campanha eram lícitas, não sendo possível presumir-se a prática de fraude; (9) que a representação lastreada no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 comporta apenas duas hipóteses, a captação e o gasto ilícito de recursos para fins eleitorais, e não há falar de afronta à norma legal diante de fonte lícita e identificável de recursos; (10) que os fatos não possuem a gravidade requisitada pela lei para caracterizar captação ou gasto ilícito de valores de campanha eleitoral. Requerem o provimento do apelo para a reforma da sentença, julgando-se improcedentes os pedidos formulados pelo Parquet.

Com as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral de 1º grau (fls. 673-681), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 685-690).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto no tríduo legal. Foi publicada a nota de expediente n. 172/2017, no DEJERS do dia 03.3.2017 (p. 16), conforme a fl. 644, e a irresignação foi apresentada em 06.3.2017 (fl. 648).

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminar de nulidade da sentença

Ainda que de maneira periférica, e ao longo das razões de mérito do recurso, os recorrentes apontam nulidade na sentença do juízo de origem, ao fundamento central de que teria havido a “inserção de matéria de fato” pela referência, na decisão atacada, que “de acordo com a prova dos autos, percebe-se que os abastecimentos eram realizados em quantidade certa e específica de litros (sempre 5, 10, 15, 20, 30, 50, e 100 litros), elementos que comprovam que houve a distribuição de vale-combustível, que foi utilizado ao longo do período eleitoral, em especial para a realização da carreata de encerramento da campanha” (fl. 642 e verso da sentença).

Daí, ADRIANE e ADÃO vêm aos autos argumentar que não teriam sido respeitadas as “exigências processuais” estampadas nos arts. 10 e 141, ambos do Código de Processo Civil, os quais determinam que o juiz não pode “decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício, bem como que o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.

Sem razão.

O fato de os abastecimentos se darem em valores nitidamente pré-fixados – 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 litros, é circunstância trazida de forma absolutamente clara, pelo Ministério Público Eleitoral, na petição inicial (fl. 04, terceiro parágrafo).

E, no que diz respeito à presença dessa questão no acervo probatório, indico as fls. 205 a 231 dos autos.

Na sequência, nas razões de defesa, os ora recorrentes expressamente manifestam-se sobre a situação (fl. 589, primeiro parágrafo). Aduzem que “[...] se os abastecimentos eram sempre em números redondos, seria absoluto exagero fazer qualquer tipo de especulação a este respeito”.

E seguem refutando a tese acusatória.

Ou seja, as razões de recurso espelham, na verdade, insatisfação com a valoração do fato de que os abastecimentos foram realizados em quantidades específicas de combustível, argumento que não pode ser capaz de invocar a nulidade do julgado.

Repito: o magistrado de piso apenas entendeu a circunstância como relevante, para fins da condenação imposta. Não inovou em suas razões, eis que indicou ponto tratado previamente por ambas as partes.

Afasto a preliminar.

 

Mérito

No mérito, a representação do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra ADRIANE BORTOLASO SCHRAMM e ADÃO JAINIR CADAVAL PINHEIRO, Prefeita e Vice-Prefeito, respectivamente, de Maçambará, cinge-se à prática de captação ilícita de recursos e abuso de poder econômico, conforme fatos narrados (fls. 02-07), baseando-se no art. 30-A da Lei das Eleições.

Houve a representação ao argumento central de que os recursos gastos durante a campanha eleitoral não equivaleriam ao demonstrado na prestação de contas, o que estaria a evidenciar a utilização de “Caixa 2”, pois os gastos com combustíveis teriam sido declarados à Justiça Eleitoral em valor aquém do realmente despendido e, após, vindo aos autos da prestação de contas em situação irregular, consoante narrado na inicial, em termos gerais (fl. 3 e verso):

[…]

Dos documentos colacionados aos autos da prestação de contas, foi possível verificar a existência de gastos ilícitos realizados pelos Representados durante o pleito eleitoral, decorrentes de combustíveis para abastecer veículos cedidos à campanha eleitoral e não declarados à Justiça Eleitoral.

O extrato da prestação de contas juntado inicialmente aos autos (fl. 10 dos documentos que instruem o presente), gerado e impresso no dia 27.10.2016, trazia a informação de que haviam sigo gastos com combustíveis e lubrificantes o equivalente a R$ 10.051,08 (dez mil, cinquenta e um reais com oito centavos).

Findo o prazo para a prestação de contas e instados a apresentarem explicações acerca de insubsistências verificadas após a análise preliminar das contas realizadas pelo Cartório Eleitoral, os candidatos trouxeram aos autos a informação de gastos adicionais até então omitidos no valor de R$ 9.563,08 (nove mil, quinhentos e sessenta e três reais e oito centavos), junto ao Comércio de Máquinas e Combustíveis Pitangueira Ltda, decorrente do fornecimento de combustíveis para a sua campanha.

De acordo com a petição das fls. 187/191, afirmou a Representada que “após o encerramento da campanha e entrega da prestação de contas final a candidata foi surpreendida com a informação de que existiam dúvidas contraídas durante a campanha eleitoral em seu CNPJ […] pelo seu administrador financeiro […].

Tal despesa foi assumida pelo Diretório Municipal do PSD de Maçambará, cujo representante é Ademar Schramm, genitor da representada Adriane, e que se dispôs a ser o “doador do respectivo valor para a conta doações de campanha do PSDB de Maçambará para fins de pagamento da dívida que será assumida pelo respectivo partido Municipal”, consoante fl. 237 dos documentos que acompanham a presente.

A manobra dos Representados de utilizarem o Diretório Municipal do PSDB para o pagamento de despesas omitidas é irregular, posto que, conforme demonstrado, quem efetuou o efetivo pagamento de tal despesa foi Ademar Schramm, pai da candidata Adriane, e que já havia doado R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) para a sua campanha, consoante comprovam os documentos em anexo, configurando uma forma ilícita de captar recursos, já que o valor de R$ 9.563,08 (nove mil quinhentos e sessenta e três reais com oito centavos) configurou espécie de doação que não passou pelo crivo e controle da Justiça Eleitoral, em flagrante desrespeito ao disposto no art. 18 da Resolução n. 23.463/15 do TSE.

[...]

 

Em resumo: a prestação de contas apontou, primeiramente, R$ 10.051,08 em gastos relativos a combustíveis e lubrificantes quando, na realidade, deveria ter sido declarado o valor de R$ 19.614,16.

Sobre o tema, importam considerações de legais e doutrinárias.

A partir da gênese do art. 30-A, da Lei n. 9.504/97, trazido pela Lei n. 12.034/09, tem-se que qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. Além disso, os §§ 1º e 2º, incluídos pela Lei n. 11.300/06, determinam que:

[…]

§1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

 

Sobre tal norma, José Jairo Gomes leciona (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016):

É explícito o desiderato de sancionar a conduta de captar ou gastar ilicitamente recursos durante a campanha. O objetivo central dessa regra é fazer com que as campanhas políticas se desenvolvam e sejam financiadas de forma escorreita e transparente, dentro dos parâmetros legais. Só assim poderá haver disputa saudável entre os concorrentes. (Grifei.)

 

Deste modo, a configuração da ocorrência descrita no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 verifica-se depois de evidenciados dois requisitos: (1) comprovação da arrecadação ou gasto ilícito e (2) relevância da conduta praticada.

Em relação às condições necessárias à configuração do ilícito e para a aplicação da sanção de cassação do registro ou diploma, Rodrigo López Zilio conclui (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015):

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido” (Recurso Ordinário nº 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.04.2009).

 

No que concerne à caracterização do ilícito, o TSE tem entendimento firmado de que para a incidência do art. 30-A da Lei 9.504/1997, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido. (Recurso Ordinário nº 1.540. Rel Min. Félix Fischer, Acórdão de 28.04.2009).

No caso, o Juízo Eleitoral entendeu pela prática de arrecadação e gastos ilícitos em relação à aquisição e distribuição de combustíveis. Peço licença para proceder a uma transcrição um tanto longa da sentença, ressalvando que a realizo, inclusive, para melhor debate da prova dos autos, conforme adiante se verá (fls. 642-643v.):

Ressalte-se que a análise técnica das contas, feita pelo órgão técnico, é meramente indicativa de irregularidades, desprovida de juízos de valor. Dessa forma, não prevalece a alegação dos Representados de que o Ministério Púbico Eleitoral teria apresentado parecer pela rejeição das contas por motivos que não teriam sido anteriormente identificados na análise técnica das contas, uma vez que todos os argumentos constantes no parecer ministerial de fls. 297-298 dizem respeito aos apontamentos anteriormente feitos pelo órgão técnico, sendo devidamente oportunizado prazo para manifestação dos prestadores.

Assim, diante da expressividade das omissões dos gastos eleitorais, com aproximadamente 40 cessões de veículos utilizados em campanha, onde a maioria não foi declarada à Justiça Eleitoral, foram as contas dos prestadores desaprovadas - o que serviu de embasamento para a presente representação por gastos ilícitos.

Verifica-se que os gastos com combustíveis foram vultuosos, ainda que se considere a extensão territorial do município. Surpreende, também, o número de abastecimentos em veículos diversos realizados num curto espaço de tempo e, em especial, nos mesmos dias, sobretudo nas vésperas do pleito. Apenas para título de exemplificação, temos o abastecimento de 13 veículos diferentes no dia 17 de setembro - 286 litros de combustíveis (fls. 220-223), 12 veículos diferentes no dia 24 de setembro ¿ 235 litros de combustível (fls. 229-233) e o surpreendente número de 21 veículos diferentes no dia 29 de setembro - 506 litros de combustíveis (fls. 239-245), às vésperas da eleição.

De acordo com a prova nos autos, percebe-se que os abastecimentos eram realizados em quantidade certa e específica de litros (sempre 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 litros), elementos que comprovam que houve a distribuição de vale-combustível, que foi utilizado ao longo do período eleitoral, em especial para a realização da carreata de encerramento da campanha.

Não há indícios de que os Representados agiram de boa-fé. Fato é que a segunda Prestação de Contas Retificadora, que prescindiu de fundamento jurídico-legal para ser recebida, não foi apresentada de maneira espontânea, mas apenas após o apontamento dos vícios e irregularidades realizado pelo órgão técnico responsável pela análise. Os gastos foram deliberadamente omitidos da Justiça Eleitoral, de forma que restam configurados os requisitos para a caracterização de gastos ilícitos eleitorais.

[...]

No tocante à captação ilícita de recursos, observa-se que, após a retificadora apresentada pelos Representados, restou configurada uma dívida de campanha no valor de R$ 9.563,08 (nove mil, quinhentos e sessenta e três reais e oito centavos). Nos termos da Resolução TSE nº 23.463/2015, os documentos de fls. 247-261 foram apresentados.

Ainda que a defesa alegue que o contrato de assunção de dívida foi realizado pela pessoa jurídica PSDB, e não pelo Presidente Municipal do Par tido, fato é que, ao indicar a fonte dos recursos utilizados para a quitação do débito existente (art. 27, §3º, III, da Resolução), à fl. 525, o Presidente Municipal do PSDB, Sr. Ademar Schramm, genitor da candidata Representada, declarou expressamente que seria o doador do respectivo valor para fins de pagamento da dívida assumida pelo Diretório Municipal.

Ressalta-se que o Sr. Ademar Schramm já havia doado a quantia de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) para a campanha dos Representados (verso fl. 08). A assunção de dívida ¿ mediante a doação de pessoa física para o Diretório Municipal que assumiria o pagamento ao fornecedor - nada mais é do que a tentativa de obter uma aparência de legalidade às doações efetuadas em campanha.

Esta manobra utilizada pelos Representados fez com que a doação do Sr. Ademar Schramm não passasse pelo crivo e o controle da Justiça Eleitoral, sobretudo para fins de aferição dos limites máximo de doações por pessoa física, fixado no montante de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior da eleição (art. 23 da Lei 9.504/97).

Dessa forma, resta configurada, também, a arrecadação ilícita de recursos eleitorais, por meio da utilização do Diretório Municipal do partido PSDB para mascarar doações realizadas por pessoa física, que não foram declaradas num primeiro momento na prestação de contas, com o real objetivo de afastar o controle da arrecadação e dos gastos eleitorais feito pela Justiça Eleitoral.

Assim, há de se reconhecer as práticas ilícitas desenvolvidas pelos Representados durante o período eleitoral, mediante a realização de gastos não declarados com veículos cujas cessões não foram informadas na prestação de contas. Ainda, na busca de dar uma aparência de legalidade aos fatos, as dívidas de campanha suportadas pelo Diretório Municipal do PSDB objetivaram mascarar doações realizadas pelo Sr. Ademar Schramm, genitor da Representada Adriane, impedindo o controle e fiscalização atribuídos à Justiça Eleitoral.

Considerando a tutela da lisura, da idoneidade, da transparência e da moralidade do pleito, a arrecadação e/ou gastos ilícitos devem ser combatidos e reprimidos veementemente pelo ordenamento jurídico, sendo necessária a aplicação da sanção prevista no art. 30-A da Lei das Eleições, qual seja a cassação do diploma dos Representados:

"Art. 30-A § 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.(Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)"

Isso posto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na presente Representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral para o efeito de CASSAR O DIPLOMA dos Representados ADRIANE BORTOLASO SCHRAMM e ADÃO JAINIR CADAVAL PINHEIRO, candidatos eleitos no pleito de 2016 aos cargos de Prefeito e Vice-prefeito, respectivamente, no município de Maçambará, com fundamento no art. 30-A da Lei 9.504/97.

 

Sublinho, ainda, que a douta Procuradoria Regional Eleitoral compartilha do posicionamento do Juízo originário, como é possível aferir no trecho que segue (fl. 687-687v.):

[...]

Em consulta aos autos, verifica-se que há provas cabais acerca da ilicitude dos gastos com combustíveis empregados durante a campanha eleitoral pelos representados. Além disso, restou demonstrada a gravidade da conduta praticada pelos representados em sua prestação de contas, e não mera irregularidade formal como alegam na presente via recursal, senão vejamos. Nesse aspecto cumpre destacar que os representados declararam gastos com combustíveis e lubrificantes em 27/10/2016 no valor de R$ 10.051,08 (dez mil cinquenta e um reais e oito centavos) e, somente porque verificadas inconsistências em sua prestação de contas, apresentaram informação quanto ao gasto adicional de R$ 9.563,08 (nove mil quinhentos e sessenta e três reais e oito centavos). É evidente, portanto, a gravidade da omissão de gastos não informados pelos representados à Justiça Eleitoral decorrente do fornecimento de combustíveis para a sua campanha. Ademais, conforme destacou o Ministério Público Eleitoral representante, outra característica que chama a atenção é a forma como o combustível foi distribuído, em quantias certas de 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 litros, caracterizando inegável distribuição de vales-combustíveis àqueles que se dispusessem a contribuir de alguma forma para a campanha eleitoral.

[...]

 

Pois bem.

Não há controvérsia acerca dos elementos necessários para categorizar-se determinada conduta como passível de repressão pelo art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Em um segundo momento, já no plano dos fatos e da própria prova carreada aos autos, também não há discussão acerca da omissão inicial do valor de R$ 9.563,08 (nove mil quinhentos e sessenta e três reais com oito centavos) por parte dos recorrentes, relativos a gastos com combustível, a qual foi inserida no processo de prestação de contas já caracterizada como “dívida de campanha”.

Daí em diante, a superação deste ponto controverso indica a necessidade de sopesamento do desvalor da omissão narrada, no que diz respeito à caracterização, ou não, de captação ou gasto ilícito de recursos de campanha eleitoral e, mais, da gravidade da conduta sob o prisma da lisura da competição eleitoral.

Sob outros termos, deve-se questionar se essa omissão parcial de valores com gastos de combustível foi grave o suficiente para macular a vitória obtida pelos recorrentes, se criou um “descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo”, nas já citadas palavras de ZILIO.

E é nesse exato ponto que tenho entendimento discordante do Juízo de Origem e, nesta instância, do d. Procurador Regional Eleitoral, aos quais peço, desde já, as devidas vênias.

E a discordância de posicionamento – entendo que a omissão praticada não pode ter o condão de cassar os recorrentes – é calcada com olhos na jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral. Explico.

Ainda que os argumentos de ordem metajurídica não devam ter força absoluta (do contrário a vitória nas urnas, a força da denominada “vontade popular”, teria o condão de inocentar todo e qualquer candidato eleito) resta claro o atual posicionamento da Corte Superior no sentido de que as decisões da Justiça Eleitoral devem, sempre, tratar do impacto na comunidade e, mais, na própria credibilidade do regime democrático, inegavelmente posto em xeque a cada determinação de nova eleição.

Nessa linha, trago precedente similar ao caso dos autos.

No ano de 2012, houve a condenação, por este Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, de Prefeito e de Vice-Prefeito eleitos em cidade do interior do estado.

A decisão é tecnicamente irretocável.

O acórdão manteve a decisão condenatória do 1º Grau, que cassava os mandatos pela prática de uma série de irregularidades correlacionadas à prática do art. 30-A da Lei n. 9.504/97. A ementa veio vazada nos seguintes termos:

Recursos. Representação. Ação cautelar. Julgamento conjunto. Arrecadação e gastos ilícitos de recursos para a campanha eleitoral. Art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Eleições 2012.

Evidenciada a captação e dispêndio de recursos de modo ilícito para fins eleitorais, mediante a omissão do real montante envolvido no financiamento da campanha dos candidatos. 1. Ausência de conta bancária específica para campanha do candidato e trânsito dos recursos pela conta do comitê financeiro, impedindo a fiscalização pela Justiça Eleitoral; 2. Recursos de campanha não contabilizados na prestação de contas; 3. realização de despesa em contrato de comodato de sala para instalação de comitê de campanha antes do prazo permitido por lei. Condutas graves que influenciaram a normalidade do pleito, afetando a isonomia entre os concorrentes.

Mantida a cassação dos diplomas dos candidatos aos cargos de prefeito e vice. Assunção do segundo colocado no pleito. Ação cautelar prejudicada.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 1-72. Relator Dr. Ingo Wolfgang Sarlet. Julgado em 02.09.2014, unânime)

 

Note-se, especialmente, a dimensão de uma falha: ausência de conta bancária específica para campanha do candidato e trânsito dos recursos pela conta do comitê financeiro, impedindo a fiscalização pela Justiça Eleitoral.

Inegável admitir que apenas esta irregularidade, por si só, já é dotada de maior gravidade do que aquela apontada no caso ora sob exame.

E por isso referi, anteriormente, que a decisão prolatada, lá, foi irretocável, dada as mais graves circunstâncias. Contudo, o caso chegou ao TSE e, recentemente, a Corte Superior proveu o recurso especial para reverter a cassação determinada pelos juízos de origem e intermediário, ao argumento central de que a atuação da Justiça Eleitoral há de ser minimalista, evitando-se a judicialização extremada do processo político eleitoral.

Mais, o voto condutor do Ministro Gilmar Mendes, seguido à unanimidade pelo Plenário, indicou que não havia, no caso concreto, a “mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 da Lei nº 9.504/1997”, bem como não seria possível concluir que se tratava de caixa dois de campanha, pois “os valores arrecadados a maior na campanha (R$6.216,01) estão devidamente comprovados por recibos eleitorais, enquanto as despesas que não constaram na prestação final (R$5.898,09) também foram demonstradas, o que, longe de revelar algo orquestrado, com evidente má-fé, demonstra uma clara desorganização contábil da campanha, compreensível em municípios de pequeno porte do nosso país”.

Colaciono a ementa do julgado, por esclarecedora:

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

2. O art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, introduzido pela Lei nº 11.300/2006, estabelece: "qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos". O § 2º do referido artigo assim dispõe: "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado". A referida norma, introduzida como uma forma de responder ao alegado "caixa dois" ocorrido no denominado processo do "Petrolão", tutela os princípios da moralidade das disputas na perspectiva da lisura das eleições, buscando coibir precipuamente condutas à margem da fiscalização da Justiça Eleitoral, pautadas pela má-fé dos candidatos.

3. A moldura fática do acórdão regional revela:

i) ausência de abertura de conta bancária específica para o candidato, ressaltando que a movimentação financeira ocorreu na conta do comitê; ii) realização de contrato de comodato de sala comercial utilizada para a instalação do comitê de campanha antes do prazo permitido por lei; iii) omissão na prestação de contas de doações estimáveis em dinheiro - a utilização de veículos dos candidatos; iv) omissão na prestação de contas de doações estimáveis em dinheiro - produção de um jingle doado por artista da região; v) R$1.200,00 (mil e duzentos reais) de gastos com material de propaganda ficaram sem registro de pagamento por meio de chegue nominal ou transferência bancária; vi) R$6.216,01 (seis mil, duzentos e dezesseis reais e um centavo) arrecadados a maior e não declarados na prestação final; vii) gastos de R$5.898,09 (cinco mil, oitocentos e noventa e oito reais e nove centavos) não contabilizados na prestação de contas final; viii) as despesas de e de lubrificantes não foram emitidas para o CNPJ de candidatura, mas para o CPF do candidato.

4. Conquanto as irregularidades tenham repercussão no âmbito da prestação de contas, não ensejam procedência do pedido da representação do art.30-A da Lei nº 9.504/1997. Não há no caso concreto a mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 da Lei nº 9.504/1997. Tampouco é possível concluir que se tratava de caixa dois de campanha, pois os valores arrecadados a maior na campanha (R$6.216,01) estão devidamente comprovados por recibos eleitorais, enquanto as despesas que não constaram na prestação final (R$5.898,09) também foram demonstradas, o que, longe de revelar algo orquestrado, com evidente má-fé, demonstra uma clara desorganização contábil da campanha, compreensível em municípios de pequeno porte do nosso país.

5. A tipificação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, à semelhança do abuso de poder, leva "em conta elementos e requisitos diferentes daqueles observados no julgamento das contas" (RO nº 780/SP, rel. Min. Fernando Neves, julgado em 8.6.2004), razão pela qual a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE.

6. Agravo regimental desprovido. Ação Cautelar nº 1363-28/RS prejudicada.

(Recurso Especial Eleitoral nº 172, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data 03/02/2017, Página 119/120).

 

 

Nessa linha, e voltando à análise do caso posto, não tenho que a suposta omissão inicial, do valor de R$ 9.563,08, relativa a gastos com combustíveis, configure ilícito com impacto relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais, quando o valor real de despesas de tal espécie foi de R$ 19.614,16 (já incluso o valor, de início, ausente), e o gasto total da campanha de R$ 68.543,88.

Ademais, também não há relevância suficiente, no fato, para acarretar a cassação dos recorrentes, quando considerado o Extrato da Prestação de Contas Final (fl. 619), o qual dá conta de que o valor de R$ 9.563,08 foi, ao final e dentro do prazo, expressamente indicado como “dívida de campanha”, e equivale, com precisão, à diferença obtida do encontro entre as receitas declaradas - R$ 58.980,00 (cinquenta e oito mil, novecentos e oitenta reais) e do já indicado total de despesas – R$ 68.543,08 (sessenta e oito mil, quinhentos e quarenta e três reais com oito centavos).

Ora, não houve dado omitido, portanto. E mesmo o valor controvertido chegou aos autos da prestação de contas albergado pela circunstância de dívida de campanha, igualmente regular, pois assumida por partido político conforme a legislação de regência – mais especificamente, os §§ 3º e 4º do art. 29 da Lei n. 9.504/97 expressamente preveem tal situação, verbis:

Art. 29. Ao receber as prestações de contas e demais informações dos candidatos às eleições majoritárias e dos candidatos às eleições proporcionais que optarem por prestar contas por seu intermédio, os comitês deverão:

[...]

§ 3o Eventuais débitos de campanha não quitados até a data de apresentação da prestação de contas poderão ser assumidos pelo partido político, por decisão do seu órgão nacional de direção partidária. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4o No caso do disposto no § 3o, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato, hipótese em que a existência do débito não poderá ser considerada como causa para a rejeição das contas. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Além, basta, para perceber que a irregularidade ocorrida na prestação de contas não tem a dimensão de acarretar a condenação pelo art. 30-A da Lei das Eleições, comparar os valores dos recorrentes com os gastos de combustíveis da candidatura adversária, nas eleições de 2016, ao cargo majoritário de Maçambará: foram gastos R$ 18.121,06 (dezoito mil, cento e vinte e um mil com seis centavos) pela chapa do candidato a Prefeito Germano Geremia, a qual chegou em segundo lugar – quantia que não destoa nem do valor de R$ 10.051,08 (declarado inicialmente, com a omissão), nem do valor final, de R$ 19.614,16.

Ainda, impõe-se esclarecer que as prestações de contas retificadoras não hão de ser, necessariamente, espontâneas: aliás o mais frequente é exatamente o contrário, que as análises técnicas da Justiça Eleitoral apontem eventuais inconsistências, para que candidatos, partidos e coligações venham a apresentar dados retificadores – provocados, portanto, a ajustar as informações previamente prestadas, não sendo possível extrair, da apresentação de dados retificadores, uma suposta má-fé dos prestadores.

Mesmo que se argumente que três retificadoras foram apresentadas – como faz o d. PRE, é fato que apenas a terceira fora apresentada fora das hipóteses previstas pela Resolução TSE n. 23.463/2015, e por isso mesmo não foi aceita, ou seja, não integra a prestação de contas da candidatura de ADRIANE e ADÃO. As outras duas prestações aditivas trouxeram novos dados de maneira absolutamente regulamentar, não podendo-se concluir pela prática de má-fé quando se tratou, a rigor, do exercício de um direito dos então candidatos.

Portanto, nota-se que a prova carreada aos autos não é suficiente para ensejar a severidade da condenação, com fundamento na arrecadação e gastos ilícitos ou em abuso de poder econômico.

É neste sentido o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI 9.504/97. "CAIXA 2". NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Comprovado por provas documentais e testemunhais que todas as despesas de campanha com a locação de veículos automotores foram efetivamente declaradas na prestação de contas, não há falar na prática de "caixa 2" no caso dos autos.

2. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº 55557, Acórdão de 29/04/2014, Relator(a) Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 100, Data 30/05/2014, Página 55)

 

Nessa toada, e com vistas, como já ressaltado, na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, entendo adequado o provimento do recurso, retirando da comunidade de Maçambará a incerteza do cenário político. Não houve relevância na omissão ocorrida na prestação de contas, inclusive reparada a posteriori.

Penso, ainda, que tal decisão tem suporte no art. 926, caput, do Código de Processo Civil, eis que é colaborativa com os precedentes da Corte Superior:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

 

À guisa de conclusão: tenho que o valor de R$ 9.563,08 consta na prestação de contas dos recorrentes, e ainda que tenha chegado posteriormente naqueles autos, sua presença se operou tempestivamente; além, trata-se de quantia classificada como dívida de campanha, cujo pagamento foi assumido por partido político, bem como o valor em si não destoa dos demais, apresentados pelos competidores eleitorais do município de Maçambará, nas eleições de 2016, ao cargo majoritário.

Dessa forma, mostra-se insuficiente o conjunto probatório para comprovação das práticas ilícitas descritas na inicial, bem como as condutas demonstradas não se amoldam à hipótese do art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

A sentença deve ser reformada, para seja julgada improcedente a demanda proposta.

 

Diante do exposto, afastada a preliminar de nulidade da sentença, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso interposto por ADRIANE BORTOLASO SCHRAMM e ADÃO JAINIR CADAVAL PINHEIRO, julgando IMPROCEDENTE a representação do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.