RE - 25345 - Sessão: 07/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por COLIGAÇÃO MUITO MAIS POR GIRUÁ (PT - PDT - PR), PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT DE GIRUÁ, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT DE GIRUÁ e PARTIDO DA REPÚBLICA - PR DE GIRUÁ contra a sentença da 127ª Zona Eleitoral (fls. 817-823v.), que, entendendo ausentes elementos capazes de configurar a prática de captação ilícita de sufrágio ou do abuso de poder econômico, julgou improcedente a representação proposta contra RUBEN WEIMER e ANTONIO CARLOS DALLA COSTA, candidatos eleitos no pleito majoritário em Giruá.

Em suas razões (fls. 832-839), asseveram que as provas dos autos são robustas e suficientes para a condenação dos recorridos. Argumentam que os candidatos adquiriram R$ 30.000,00 em combustíveis, sem o registro em prestação de contas, e efetuaram sua distribuição mediante entrega de vales e abastecimentos diretos e diversos a eleitores em troca de apoio eleitoral. Aduzem que tal conduta teria caracterizado abuso de poder econômico, considerando a entrega de 1.200 vales aos munícipes. Questionam a falta de contabilização da despesa e a origem dos recursos e relacionam a distribuição de combustível com carreata de campanha. Afirmam que eleitores foram cooptados com a entrega do bem, o que caracterizaria captação ilícita de sufrágio. Referem também a entrega de dinheiro, vantagens e benefícios em troca de votos, que teria ocorrido com participação direta e anuência dos candidatos. Requerem o recebimento e o provimento do recurso para reformar a decisão de 1º grau.

Em contrarrazões (fls. 845-861), RUBEN WEIMER e ANTONIO CARLOS DALLA COSTA argumentam que deve ser reconhecida a inépcia da inicial. Defendem o acerto da decisão, que entendeu pela inexistência de qualquer indício probatório, apontando que a cifra indicada pelos recorrentes é fantasiosa. Sustentam que não há nenhuma testemunha ou prova documental que comprove a distribuição/doação de combustível com pedido de voto. Mencionam precedente do Tribunal Superior Eleitoral que admite a distribuição limitada de combustível para viabilizar carreata em campanha eleitoral. Pleiteiam o não conhecimento do recurso em razão da ausência da análise da prova e do combate específico aos termos da sentença em relação à captação ilícita de sufrágio. Alternativamente, postulam a manutenção da sentença.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral pronunciou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 864-868v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, porquanto interposto em 22.02.2017, logo, dentro do prazo legal de 3 (três) dias previsto pela legislação de regência. Preenche, outrossim, os demais pressupostos de admissibilidade, de forma a merecer conhecimento.

 

Inépcia da inicial e ausência de profligação da sentença

Examino o pedido de reconhecimento da inépcia da petição inicial.

Nesse intento, verifico que na peça inaugural da presente ação foram indicados fatos, locais e datas, bem como relacionados cidadãos, fotos e declarações que, em tese, poderiam amparar o pedido veiculado pelos representantes. Do mesmo modo, a descrição das condutas se mostra suficiente a possibilitar sua impugnação pelos réus.

Os requisitos processuais foram atendidos, visto que na exordial especificaram-se elementos fático-probatórios aptos a configurar, em tese, abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio – mesmo que do modo mínimo necessário a que os recorrentes pudessem formular sua defesa, como, de fato, fizeram.

Assim sendo, considerando ser possível divisar os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, entendo não haver irregularidade no recebimento da demanda.

Afasto, portanto, a alegação de inépcia da petição inicial.

Igualmente rejeito a alegada ausência de profligação da sentença, pois os recorrentes deduziram razões recursais bastantes a impugnar o juízo de improcedência da demanda.

Mérito

Os representantes imputaram a Ruben Weimer e Antonio Carlos Dalla Costa (candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice, eleitos no pleito de 2016 em Giruá), em linhas gerais, um total de 11 (onze) fatos, em tese caracterizadores de abuso de poder econômico e/ou captação ilícita de sufrágio.

O magistrado a quo, ao examinar as provas, concluiu pela inexistência de elementos capazes de corroborar as alegações, consignando que (fl. 823):

As provas apresentadas pela Coligação demandante não se mostram aptas a comprová-los.

No entanto, no presente caso, embora haja indícios de compra e doação do combustível, não está evidente que tal ato ocorreu com o intuito de obter voto dos eleitores beneficiados.

No que toca à questão do coordenador de campanha ser pessoa declarada inelegível, não há impedimento legal para que esta faça parte da campanha ou seja cabo eleitoral, o que há é impedimento para o concurso e exercício de cargo eletivo. O juízo de valor quanto à sua participação, deve ser do eleitor quando do seu voto e não da Justiça Eleitoral.

Assim, sem mais delongas, a improcedência é medida que se impõe.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente representação [...].

No recurso, em breve resumo, se alega que os recorridos adquiriram R$ 30.000,00 em combustíveis, sem o registro em prestação de contas, e efetuaram sua distribuição mediante entrega de vales e abastecimentos diretos e diversos a eleitores em troca de apoio eleitoral, o que teria caracterizado abuso de poder econômico.

A inicial afirma que (fl. 7):

Pelas informações que obtivemos, de pessoas que prestaram depoimento junto ao Ministério Público Eleitoral, e que possivelmente serão objeto da ação competente por parte do Ministério Público Eleitoral, sabe-se que na referida CARREATA ao total foram gastos a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) sendo a quantia de R$ 10.000,00 em cada posto de combustíveis, cujas despesas NÃO FORAM PRESTADAS CONTAS.

Compulsando os autos, verifico constar promoção do Ministério Público Eleitoral (fls. 690-697), que dá conta da apuração dos fatos. Nessa manifestação, foi consignado que, conforme dados colhidos junto aos postos de abastecimento de combustível e em oitivas realizadas no órgão, foram efetuadas doações de campanha sob a forma de aquisição de combustível em favor de candidatos a vereadores e do PP, comprovados por recibos eleitorais. Embora o Parquet questione a legalidade de tal procedimento – por serem valores que deveriam transitar pelas contas de campanha, e não na forma de aquisição direta do produto – tal fato enfraquece a acusação de que o combustível teria sido adquirido pelos candidatos a prefeito e vice.

Na instrução probatória, foram ouvidas as testemunhas Mauro Daniel Nedel, Jair Boniman, João Miranda, Douglas Eduardo Zemolin e Fátima Aparecida Felizardo Lopes, bem como os informantes Maicon Jeferson Gonçalvez Ehlert, Denise de Lima, Vera Lúcia de Lima, Angélica Deise Brum de Lima Frey, Dari Paulo Prestes Taborda, Carlos Mosar Vedoin e João Paulo Limana Barros.

Mauro Daniel Nedel, proprietário de um dos postos, afirmou que, a pedido do Ministério Público, foi extraído relatório de vendas do estabelecimento no período próximo à eleição e que não houve variação no volume de combustível normalmente vendido por ocasião da carreata. Confirmou que vendeu combustível com pagamento antecipado para alguns cidadãos (CPFs), mas que não tinha controle acerca da distribuição posterior do bem na forma de doação dos vales para candidatos.

Jair Boniman, gerente do posto da Cotrirosa, afirmou que aquela cooperativa não confeccionou vales-combustíveis e que houve venda ligeiramente maior de combustível no dia 25/09, em vista de o estabelecimento estar na rota da carreata.

João Miranda, frentista do Posto São Paulo, relata que a movimentação no estabelecimento foi maior no domingo, dia da carreata. Não viu ninguém organizando filas e respondeu que o pagamento era feito, na maioria das vezes, por meio de vales. Lembra de ter recebido vales apenas naquele dia.

Douglas Eduardo Zemolin é testemunha que ajudou a atender no posto de combustível, porque houve movimento maior no domingo, possivelmente pela realização da carreata. Mencionou que a maioria dos pagamentos foi feito em dinheiro, com ocorrência de alguns vales. A carreata passou em frente ao posto.

Os informantes, que deixaram de prestar compromisso por serem filiados, cabos eleitorais ou estarem diretamente envolvidos na campanha, relataram, por um lado, a compra de votos (cujo valor variava de R$ 50,00 a 1.000,00 por eleitor), e afirmaram, por outro lado, a completa regularidade da campanha.

De tudo, conclui-se que o autor, ora recorrente, não obteve sucesso em comprovar a aquisição e distribuição de combustíveis pelos candidatos a prefeito e vice, em patamares sequer próximos àqueles indicados na inicial. Nenhuma prova conseguiu, validamente, estimar o número de vales que teriam sido distribuídos pelos candidatos ao pleito majoritário e nem o montante dos valores eventualmente envolvidos.

Ao que tudo indica, houve sim a confecção e a distribuição de vales-combustíveis, mas vinculadas a diversos candidatos a vereador e ao partido político, tudo comprovado por recibos eleitorais e documentos, não havendo qualquer demonstração de que os recorridos, candidatos da eleição majoritária, estivessem envolvidos no fato.

E, não havendo prova dos valores supostamente envolvidos na distribuição de combustível, não há como questionar a ausência de contabilização da despesa ou a origem dos recursos hipoteticamente utilizados.

Por outro ângulo, a jurisprudência eleitoral, sobretudo precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, admite a doação de combustível a eleitores correligionários e cabos eleitorais para participação em carreata de campanha eleitoral, o que não caracterizaria captação ilícita de sufrágio. Portanto, a distribuição, por si só, não configuraria ilícito. Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. CARREATA. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL. AUSÊNCIA DE CONTROLE DO DESTINATÁRIO. PEDIDO IMPLÍCITO DE VOTOS. ILÍCITO CONFIGURADO. DESPROVIMENTO.

1. A captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aperfeiçoa-se com a conjugação dos seguintes elementos: (i) a realização de quaisquer das condutas típicas do art. 41-A (i.e., doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, bem como praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), (ii) o fito específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor e, por fim, (iii) a ocorrência do fato durante o período eleitoral (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, p. 520).

2. A mera doação de combustível a eleitores correligionários e cabos eleitorais para participação em carreata, a princípio, não caracteriza a captação ilícita de sufrágio, (REspe n° 409-20/PI, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 27.11.2012 e AgR-RCED n° 726/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 3.11.2009).

3. In casu, o Tribunal de origem assentou que a distribuição de combustível deu-se de forma indiscriminada, isto é, a entrega ocorreu em benefício de qualquer eleitor, independentemente se participante de carreata ou não.

4. A entrega irrestrita de combustível a qualquer destinatário subverte a ratio essendi da construção jurisprudencial que admite a distribuição de combustível a apoiadores voluntários para a participação em carreatas. Assim, a doação de combustível, quando realizada indiscriminadamente a eleitores, evidencia, ainda que implicitamente, o fim de captar-lhes o voto, caracterizando o ilícito eleitoral descrito no art. 41-A da Lei n° 9.504/97.

5. No caso vertente, houve entrega de combustível indiretamente pelos candidatos, durante o período eleitoral, de forma indiscriminada, o que revela o dolo específico de agir, consubstanciado na obtenção de voto do eleitor. Portanto, restam evidentes na espécie os elementos indispensáveis à configuração do ilícito eleitoral previsto no art. 41-A da Lei das Eleições.

6. Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 35573, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 209, Data 31.10.2016, Página 7). (Grifei.)

O acervo probatório dos autos permite concluir que não se configurou a distribuição indiscriminada de combustível e nem o pedido de votos em troca do benefício. As declarações prestadas são coerentes no sentido de que determinada quantidade de vales, em valores de R$ 10,00 e 20,00, foram distribuídos para utilização na carreata realizada na semana anterior ao pleito. Embora o recorrente tenha afirmado a confecção de 1.200 vales, não se desincumbiu da prova de tal alegação.

Dito de outra forma: a doação de combustível, tal qual demonstrada nos autos, não constituiu forma de captação de votos.

Ainda, é de se registrar que, no dia da carreata, diante de denúncia, a promotora eleitoral compareceu pessoalmente a um dos postos onde estaria ocorrendo a distribuição de vales-combustível. No relato, que integrou a promoção de arquivamento da denúncia que originou o Procedimento Administrativo nº 00781.00037/2016 (fls. 690-697), consta que “após contato telefônico da denunciante em 25.09.2016, esta signatária deslocou-se até o Município de Giruá para averiguar os fatos. Contudo, ao chegar no Posto São Paulo, não se encontrou mais veículos abastecendo”. A digna representante do Ministério Público Eleitoral ainda conversou com o proprietário do posto e solicitou documentos, bem como efetuou notificação de outros estabelecimentos para averiguação da situação.

Como se percebe, os fatos foram apurados adequadamente.

Além do combustível, outra suposta conduta examinada nesta ação é o oferecimento de dinheiro à eleitora Fátima Aparecida Felizardo Lopes, em troca do voto em Ruben Weimer e em determinado vereador.

O fundamento legal do ilícito em comento encontra-se no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. A norma veda doar, oferecer, prometer ou entregar vantagem pessoal de qualquer natureza. O destinatário é o eleitor. O período de restrição é claro: desde o registro da candidatura até, inclusive, o dia das eleições. A intenção que move a conduta é única: obtenção de votos. Não é preciso que o candidato tenha, pessoalmente, agido, bastando que se denote sua anuência ou concordância com os atos ilegais.

É assente que, à configuração da captação ilícita, é indispensável que a vantagem ou benefício de qualquer espécie seja específica, concreta, e se destine a eleitor determinado ou determinável; é necessário que a doação, o oferecimento ou a promessa de bens ou outros benefícios particularizados seja feita pelo candidato ou por terceiros em seu nome; que o oferecimento ou a promessa de vantagem ao eleitor seja praticado com o fim de obter-lhe o voto.

Nesse ponto, penso que deve ser prestigiada a conclusão da juíza de primeiro grau, em razão da proximidade com a prova da ocorrência dessas circunstâncias. Assim ficou consignado na decisão, que mantenho por seus próprios fundamentos (fl. 819v.):

[...] a testemunha Fátima Felizardo, compromissada, referiu que recebeu de uma pessoa, cujo nome não quis revelar, dinheiro para alterar o seu voto e diz que, como precisava do valor, aceitou a oferta. Refere que esta pessoa era sua chefe e que fazia campanha para o partido dos réus. Ora, muito embora compromissada, a fala da referida testemunha não ganha respaldo verídico, a uma porque refere que quem lhe ofereceu dinheiro era sua chefe, que poderia ter lhe oferecido ajuda em vista da necessidade aparente da empregada (ressalto que a testemunha afirma que precisava do dinheiro), que poderia inclusive ter pedido tal ajuda, o que desconfigura o delito em tese. A duas porque a testemunha sequer referiu o nome de quem lhe fez a oferta e não conseguiu demonstrar o vínculo entre esta e os candidatos réus. Ademais, não há liame documental, fotográfico ou indício que possa corroborar com o depoimento de Fátima.

Trago, por fim, precedente recente do TSE, que bem sintetiza a matéria altercada no presente caso:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74). (Grifei.)

Assim, afastando as prefaciais, conheço do recurso e VOTO pelo seu desprovimento, ao efeito de manter a sentença recorrida em todos os seus termos.