RE - 16789 - Sessão: 05/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que aprovou a prestação de contas relativa às eleições de 2016 de OBERTE DA SILVA PAIVA, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Jaguarão (fls. 62-63-v.).

Em razões recursais (fls. 66-68v.), o Parquet alega que não restou devidamente comprovado que o automóvel utilizado na campanha integrava o patrimônio do candidato em período anterior ao registro da candidatura, de forma que não poderia haver, na contabilidade, o apontamento de sua utilização como doação de recursos próprios, estimável em dinheiro. Aduz que o recorrido não comprovou a propriedade do veículo, e que sequer poderia haver a cessão deste, em virtude do falecimento do proprietário e do curso do processo de inventário. Questiona as provas colacionadas aos autos e, afirmando haver vício insanável no processo, requer o provimento do recurso para desaprovação da prestação de contas.

Foram juntadas contrarrazões (fls. 72-74) e, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso e pela determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (fls. 77-80v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, examina-se a prestação de contas de OBERTE DA SILVA PAIVA, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Jaguarão nas Eleições 2016.

Verifica-se que as contas do recorrente foram aprovadas, considerando que o juízo a quo entendeu que “os documentos juntados aos autos são suficientes para comprovar a propriedade do veículo utilizado pelo candidato, que, inclusive, já havia constado na sua declaração de bens no momento do registro de candidatura, estando devidamente regular a referida doação estimável em dinheiro, nos termos dos art. 19 e 53 da Resolução TSE n. 23.463/15”.

Analisando os autos, verifico que o relatório de exame das contas (fl. 13-v.) apontou o registro de despesas realizadas com combustíveis sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som, o que revelaria indícios de omissão de gastos eleitorais.

Na complementação da prestação de contas (fls. 17-32), o candidato apresentou: recibo eleitoral de “veículo próprio utilizado na campanha – cessão ou locação de veículo” (fl. 22), no valor estimado de R$ 4.500,00; termo de cessão do veículo, documento no qual afirma ser o proprietário do automóvel (fl. 23); declaração acerca da venda deste, na qual consta que o bem ainda não teve a titularidade regularizada em razão do trâmite de inventário (fl. 24); e documento de registro de veículo em nome de pessoa falecida (fl. 25).

A prestação de contas retificadora foi aceita pelo juiz eleitoral (fl. 33) e, posteriormente, o candidato colacionou escritura pública de inventário e partilha, datada de 28.9.2016 (fls. 44-49).

Como se verifica na fl. 25, o certificado de registro e licenciamento do veículo de placas IIV3784 encontra-se em nome de LEONARDO CHAGAS BRETANHA. Na partilha de seus bens, o veículo teria cabido a ALFEU RIBEIRO BRETANHA (fls. 50-51), do qual declara ser herdeira (fl. 55) ANDREA CHAGAS BRETANHA SOUZA, que também afirma a venda do bem e a tradição para o candidato em 30.6.2016.

É pertinente consignar que a transferência de bens móveis, como veículos automotores, dá-se com a tradição, e não com o registro no órgão administrativo de controle (DETRAN). Nesse sentido, para ilustrar, trago precedente do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.

ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N° 3/STJ. IPVA. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO.

AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO, NA FORMA DO ART. 134 DO CTB. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO GERA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO ANTIGO PROPRIETÁRIO, EM RELAÇÃO AO PERÍODO POSTERIOR À ALIENAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

[...]

2. De início, registra-se que, tendo o acórdão recorrido analisado a controvérsia com amparo no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, ainda que mencione a lei local, revela-se inaplicável o óbice da Súmula 280/STF.

3. A obrigação de expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade, prevista no art. 123, I, do CTB, é imposta ao proprietário adquirente do veículo pois, em se tratando de bem móvel, a transferência da propriedade ocorre com a tradição.

[...]

(AgInt no AREsp 881.250/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20.10.2016, DJe 27.10.2016.) (Grifo meu.)

A afirmativa de que a tradição do automóvel teria ocorrido em 30.6.2016 é corroborada pela inclusão, na declaração de bens apresentada quando do registro da candidatura (09.8.2016), do veículo cuja propriedade é questionada pelo recorrente (fl. 55).

Do mesmo modo, é razoável a admissão da tese que justifica a impossibilidade de se trazer aos autos o comprovante de transferência perante o órgão executivo de trânsito do Estado, em virtude do trâmite do processo de inventário.

Assim, entendo como devidamente comprovado que o automóvel utilizado na campanha integrava o patrimônio do candidato em período anterior ao registro da candidatura.

Menciono que o Tribunal Superior Eleitoral possui precedente em processo de prestação de contas de campanha no sentido de aceitar, inclusive, a falta de documentação de veículo, caso este esteja previamente cadastrado perante o cartório eleitoral, e os gastos a ele referentes constem da prestação de contas. Segue:

Recurso especial. Prestação de contas de campanha.

1. A falta de documentação de dois veículos, entre os onze utilizados na campanha eleitoral, justifica a aprovação das contas com ressalvas, mormente quando tais veículos foram previamente cadastrados perante o cartório eleitoral e os gastos a eles referentes constaram da prestação de contas.

2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, as contas devem ser aprovadas com ressalvas caso os vícios identificados não comprometam a análise da sua regularidade.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 4181952, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça eletrônico, Data 23.9.2013.)

Assim, considerando que o conjunto da documentação apresentada é suficiente para que se evidencie a regularidade e a confiabilidade das informações contábeis, bem como a boa-fé do prestador e seu compromisso na elucidação dos apontamentos realizados pela Justiça Eleitoral, deve ser desprovido o recurso e mantida integralmente a sentença.

Nesses termos, VOTO pelo desprovimento do recurso.