RE - 21872 - Sessão: 05/09/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos eleitorais interpostos pela COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR (PT-PDT), de um lado e, de outro, por SALMO DIAS DE OLIVEIRA, contra sentença (fls. 248-278) do Juízo da 99ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral – AIJE e aplicou duas espécies de penalidades a SALMO DIAS DE OLIVEIRA: (1) sanção diária, a partir do prazo de dois dias, enquanto não retiradas duas postagens do respectivo perfil na rede social Facebook, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), e (2) duas multas, cada uma no montante de 10.000 (dez mil) UFIR, pois reconhecidas duas condutas vedadas, em um total de 20.000 (vinte mil) UFIR.

O recurso da FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR, fls. 290-308, traz irresignações no tocante à gravidade das condutas vedadas praticadas em período de eleições, as quais entende como aptas a desequilibrar o pleito eleitoral. Sustenta, nessa linha, que o uso de bens e serviços públicos em favor da coligação, a realização da festa da Mulher e da festa de aniversário do Município e, ainda, o uso indevido dos meio de comunicação social redundaram em uso da “máquina pública” em “verdadeiro atentado ao princípio republicano”, de forma contrária à legislação de regência, amoldando-se os fatos àquelas hipóteses legais em que devem ser cassados os registros ou diplomas e declaradas as inelegibilidades, além de aplicadas multas. Requer o conhecimento e provimento do recurso, para que a representação seja julgada totalmente procedente.

Por sua vez, o recurso de SALMO DIAS DE OLIVEIRA, fls. 324-333, aborda os fatos tidos como irregulares para defender a inocorrência de promoção pessoal ou desequilíbrio na competição eleitoral. Aduz não ter havido “intenção de contrariar as disposições constitucionais e infraconstitucionais” na prática dos atos. Indica não haver, nos autos, fatos incontroversos. Refere que não houve intenção de autopromoção, que as imagens divulgadas não veiculam fotos de campanha, que não há, nas fotografias, materiais de propaganda eleitoral, e destaca a inexistência de danos ao Erário.

Com as contrarrazões juntadas por ambas as partes (fls. 313-322 e 338-345), os autos vieram à presente instância para apresentação de parecer pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, que se posiciona pela intempestividade do recurso de SALMO DIAS DE OLIVEIRA e pelo desprovimento do recurso aforado  pela COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR (fls. 358-367v.).

É o relatório.

VOTO

Tempestividade

Ambos os recursos são tempestivos: tanto o principal, apresentado pela COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR, em 09.12.2016, às 16h33min, fl. 290, quanto a irresignação adesiva, protocolada por SALMO DIAS DE OLIVEIRA, no dia 19.12.2016, às 17h16min, obedeceram à legislação de regência, especificamente ao art. 258 do Código Eleitoral (prazo de 3 dias para interposição), à Resolução TSE n. 23.478/2016, à Portaria TRE/RS P n. 301/2016 (alterada pela congênere de n. 311/2016) - que trata da contagem dos prazos processuais - e, subsidiária e supletivamente, ao Código de Processo Civil, art. 219 e, também, ao art. 997, § 2º, forma pontual.

E, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, ambos devem ser conhecidos.

Inexistem preliminares. A matéria a ser analisada diz respeito, unicamente, ao mérito da causa, e, de forma fundamental, ao sopesamento da prova dos autos à luz da legislação eleitoral, de maneira que os argumentos de ambos os recursos serão abordados conjuntamente.

Mérito

Na origem, a COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR ajuizou a presente representação, requerendo a condenação de SALMO DIAS DE OLIVEIRA, ARILDO FLORES DA CUNHA e da COLIGAÇÃO UNIDOS PARA CONTINUARMOS CRESCENDO pela prática de abuso de poder político e de condutas vedadas – arts. 73 e 74 da Lei n. 9.504/97.

A decisão de 1º grau julgou parcialmente procedente a demanda – apenas SALMO restou condenado, duas vezes:

A primeira, foi aplicada sanção, acaso não cumprida a obrigação de retirar duas postagens entendidas como irregulares, presentes na rede social Facebook, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), cada uma, por dia de desobediência;

A segunda, pela prática de duas condutas vedadas, no valor de 10.000 (dez mil) UFIR, cada uma delas, no total de 20.000 (vinte mil) UFIR.

Não há notícias da desobediência pertinente à ordem de retirada das postagens da rede Facebook, e tampouco qualquer das irresignações a ela faz referência.

O cerne do presente voto, portanto, é a análise da possível ocorrência da prática de abuso de poder político, de condutas vedadas e de abuso dos meios de comunicação, relativamente aos seguintes fatos:

1 – postagem, na rede social Facebook, de imagens registradas dentro do Gabinete da Prefeitura de Rio dos Índios, em 09.9.16, por SALMO;

2 – acompanhamento, por parte de SALMO, de dois cidadãos eleitores de Rio dos Índios (Chico Riva e Romilda Riva) a Brasília, para tratamento de saúde no Hospital Sara Kubischeck de Oliveira;

3 – realização de evento, o “Encontro Microrregional das Mulheres e comemoração do Dia do Município”;

4 – abuso dos meios de comunicação, visto que uma série de fatos repercutiriam em benefício das candidaturas dos então requeridos.

Pois bem.

O magistrado a quo entendeu parcialmente procedente a demanda, nos seguintes termos:

DISPOSITIVO

Ante o exposto julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral por Abuso de Poder Político e Uso Indevido dos Meios de Comunicação Social c/c Representação por Conduta Vedada movida pela COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR em face da COLIGAÇÃO UNIDOS PARA CONTINUAR CRESCENDO, SALMO DIAS DE OLIVEIRA e ARILDO FLORES DA CUNHA, e, julgo extinto o feito com exame de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, a fim de:

a) Reconhecer a prática de duas condutas vedadas (capituladas no art. 73, incisos I e IV da Lei das Eleições) pelo requerido Salmo Dias de Oliveira, na forma da fundamentação desta decisão.

b) Condenar o requerido Salmo Dias de Oliveira nas seguintes sanções:

b.1) Retirada das duas postagens reconhecidas como ilícitas (fls. 17 e 25 dos autos) do seu perfil no Facebook, no prazo de dois dias, sob pena de multa diária no importe de R$ 500,00 (quinhentos reais);

b.2) Pagamento de multa (art. 73, § 4º da Lei das Eleições) no patamar de 10.000 (dez mil) UFIRs para cada conduta vedada reconhecida, ou seja, 20.000 (vinte mil) UFIRs no total.

(Grifei.)

A condenação ocorreu, dessa forma, em virtude da redação do § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, o qual dispõe:

No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

É cediço que a Administração Pública está proibida de distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, salvo em três hipóteses: a) calamidade pública; b) estado de emergência; c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

A sentença, como já referido, entendeu ocorrentes duas condutas vedadas praticadas por SALMO DIAS DE OLIVEIRA:

Foram reconhecidas duas condutas vedadas praticadas pelo requerido Salmo Dias de Oliveira, quais sejam: a) utilização do gabinete da Prefeitura de Rio dos Índios (bem público) para tirar fotos que foram postadas em seu perfil no Facebook em 09.9.2016, conforme documento de fls. 17, incidindo no art. 73, inc. I da Lei das Eleições; b) Em 08 de agosto de 2016 o requerido Salmo postou fotos em seu perfil do Facebook, nas quais aparece com o Sr. Francisco Riva e sua esposa em Brasília durante a viagem realizada para tratamento médico. A mensagem constante da referida postagem (fl. 25) enalteceu a pessoa do requerido Salmo, constituindo promoção pessoal, diante de uma viagem e um tratamento médico que foram custeados com recursos públicos, incidindo na conduta vedada do art. 73, inc. IV da Lei das Eleições.

As condutas vedadas praticadas pelo requerido Salmo não podem ensejar responsabilização dos demais requeridos, uma vez que o artigo 73, parágrafo 8º da Lei das Eleições não estabelece uma responsabilização objetiva. Não basta que a coligação e o candidato a vice-prefeito tenham, em tese, se beneficiado da conduta. É preciso que os mesmos tivessem conhecimento da ilícito eleitoral, pois a responsabilidade é subjetiva.

No recurso, a COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR, fls. 290-308, entende que a sentença deve ser reformada para que sejam reconhecidas as acusações remanescentes, quais sejam, as práticas de abuso de poder político e de conduta vedada por parte da COLIGAÇÃO UNIDOS PARA CONTINUAR CRESCENDO, de SALMO DIAS DE OLIVEIRA e ARILDO FLORES DA CUNHA.

Em resumo, alega que os demandados teriam promovido campanha eleitoral mediante o uso de bens e serviços públicos, afirmando que a prefeitura do Município de Rio dos Índios teria sido transformada em “comitê de campanha”. Assevera que os recorridos atraíram para si o “ônus de provar o contrário do que contra si está sendo imputado, o que não logram êxito com a documentação juntada”.

Entende ter havido desobediência à regra do art. 73, inc. IV e § 10, da Lei n. 9.504/97, apontando como ato ilícito, com aproveitamento através de promoção pessoal, a realização do inédito Encontro Microrregional das Mulheres e comemoração do Dia do Município, eventos celebrados conjuntamente e custeados com recursos públicos municipais, consistindo “na maior festa já vista no município de Rio dos Índios”.

Descreve a estrutura montada, a disponibilização de ônibus para as pessoas do interior do município, e refere que a entrega de alimentos (bebidas e bolo), as palestras, os shows e o entretenimento proporcionados a 1.500 pessoas, em uma cidade cujo colégio eleitoral é inferior a 3.000 eleitores, consubstanciaram doação ilícita de R$ 50.000,00 (valor total do evento) em apenas um dia, pois o acontecimento teve como figuras centrais o prefeito e o vice, candidatos à reeleição, bem como a participação da primeira-dama do município. A coligação recorrente pretende a cassação de SALMO e ARILDO. Alega ser desnecessário aferir se houve pedido explícito de voto ou aprovação legislativa autorizando o evento, centrando-se na promoção dos agentes políticos às custas do Erário e na realização do encontro em ano eleitoral.

No tocante ao uso indevido dos meios de comunicação, entende que programa matutino em rádio local, “longe de informar ou educar”, prestou-se para promoção pessoal, com “potencialidade de incutir no munícipe que as realizações e pujança econômicas locais” seriam de crédito exclusivo do então candidato.

Alega a ocorrência de abuso do poder, art. 74 da Lei n. 9.504/97, pois notícias ou reportagens exaltaram os requeridos Salmo e Arildo, tendo sido desbordados os caracteres institucional e orientativo que devem nortear a propaganda.

Discorre acerca da potencialidade e influência dos ilícitos no desequilíbrio do pleito e considera ínfima a multa cominada a SALMO. Aduz que alguns fatos foram relegados pela sentença – publicações, em redes sociais, de fotografias junto a equipamentos agrícolas, junto a uma caixa d'água e, ainda, promoção da candidatura à reeleição em que o candidato a vice-prefeito agia como operador de máquinas, em serviços pontuais, feitos para eleitores.

Argumenta que o bem tutelado pela legislação eleitoral - a legitimidade e a moralidade do pleito - foi ferido pela gravidade dos fatos, diante do abuso do poder político praticado, e que o desequilíbrio somente “poderia ser evitado se o candidato opositor tivesse o mesmo acesso ao público, nas mesmas condições, podendo lançar mão dos mesmos bens, serviços e valores públicos em favor de sua candidatura”, aduzindo, ainda, que “somente poder-se-ia justificar a lisura do pleito se de cada evento suscitado tivesse participado, com a mesma ênfase, também na condição de protagonista, o candidato opositor”.

Daí, ambas as partes recorrem, pois SALMO DIAS DE OLIVEIRA apresenta, também, razões de recurso, às fls. 324-333. Entende indevida a multa a ele aplicada, merecendo reforma a sentença, pois não haveria provas de que a imagem pela qual restou condenado tenha sido realizada no gabinete da Prefeitura de Rio dos Índios. Refere que o material foi disponibilizado na rede social Facebook, e não em páginas de governo, não se tratando de fotos de campanha eleitoral e não acarretando despesas ao Erário.

No tocante à condenação por conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, postagem de paciente em viagem para tratamento médico, afirma que o hospital de destino não é mantido pelo Sistema Único de Saúde, não havendo, nos autos, provas de terem sido utilizados recursos públicos para custear a locomoção e o atendimento do enfermo. Salmo Dias assevera não ter procedido visando à autopromoção, mas apenas com o intuito de “tranquilizar os familiares do paciente, que temiam pela primeira viagem de avião do Sr. Francisco Riva e da Sra. Romilda Riva”. Entende inexistir, nas condutas impugnadas, potencialidade suficiente para desequilibrar as condições de concorrência eleitoral.

Todavia, friso que a sentença não merece reparos.

Na esteira do posicionamento do d. Procurador Regional Eleitoral, tenho que devem ser reproduzidos trechos da fundamentação, pelas minúcias e acerto na análise do contexto probatório.

Esclareço que haverá transcrições ao longo de todo o voto, para que seja evitada tautologia, sendo indicados, com colchetes, eventuais trechos subtraídos – mormente indicações legais, doutrinárias ou jurisprudenciais.

Sublinho, ainda, que acolho as transcrições como razões de decidir.

1 – Do recurso da COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR

1.1 Da realização da Festa da Mulher e Festa de Aniversário do Município, realizadas conjuntamente em 19.3.2016.

Não procedem os argumentos recursais, de desobediência ao art. 73, inc. IV, da Lei das Eleições. Isso porque, não há, nos autos, contexto probatório suficiente para uma conclusão pela ocorrência de ilicitude.

Ao contrário, há um quadro de prova que demonstra ter sido realizada, de fato, uma festa de grande porte, oferecida a toda a comunidade de Rio dos Índios.

A acusação é de prática de uma espécie de abuso de poder político, manifestado mediante o desvirtuamento de recursos materiais – no caso, R$ 50.000,00, pois tal valor teria, sob a “máscara” de um evento (Festa da Mulher e Festa de Aniversário do Município), desequilibrado a paridade de armas na competição das eleições municipais majoritárias, no ano de 2016, em Rio dos Índios.

Nessa linha de raciocínio, e por mais que se possa questionar a realização do evento sob o prisma da priorização de políticas públicas (tal circunstância sempre será possível, basta rememorar as Olimpíadas, no ano de 2012, e a Copa do Mundo, no ano de 2014, aliás, ambas realizadas em anos eleitorais), é certo que, para a condenação por conduta vedada, espécie de abuso delineada topicamente na lei, há de estar estampada, com provas cabais, a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, custeados pelo Poder Público.

Não procede, aliás, o argumento da recorrente no sentido de que o dispêndio com a festividade teria sido de mais de R$ 1.000,00 por habitante (fl. 300). Conforme dados oficiais, Rio dos Índios contava, em 2010, com 3.616 habitantes, resultando em um custo de R$ 13,82 per capita.

Daí, é forçosa a conclusão pela ausência, nos autos, de elementos de prova aptos a gerar condenação, neste tópico, mormente quando há (e houve) autorização legislativa prévia, realizada pela Câmara de Vereadores de Rio dos Índios, poder legislativo local. Ainda que o projeto de lei não tenha sido aprovado por unanimidade, é certo ter havido o regular encaminhamento dos gastos relativos ao evento, sendo que tais atos administrativos são dotados de presunção de legalidade juris tantum.

Ou seja, a prova da prática de ilicitude, do uso promocional, incumbia à recorrente COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR (e não aos demandados). Esse foi um ônus do qual não se desincumbiu a demandante, sendo inarredável a manutenção da sentença.

A doutrina de ZILIO bem esclarece a situação, ao observar que “em princípio, não é proibida a mera distribuição gratuita de bens e serviço social pelo Poder público [...] Veda-se o uso promocional da atividade desenvolvida” (Direito Eleitoral, Porto Alegre, Verbo Jurídico, 4ª Edição, 2014, pág. 566).

Nessa linha, transcrevo trecho da sentença:

DA ALEGAÇÃO DE CONDUTA VEDADA CONSISTENTE NA REALIZAÇÃO DO “ENCONTRO MICRORREGIONAL DAS MULHERES E COMEMORAÇÃO DO DIA DO MUNICÍPIO” (ART. 73, INC. IV e § 10º DA LEI 9.504/97).

A coligação autora sustenta a prática pelos requeridos de conduta vedada violadora do art. 73, inciso IV e § 10º da lei 9.504/97, consistente na realização do “Encontro Microrregional das Mulheres e comemoração do Dia do Município”, que foi custeada com recursos públicos municipais no importe de R$ 50.000,00 tendo ocorrido promoção pessoal dos requeridos.

[...]

A realização do evento com verba pública é fato incontroverso. O que se discute é o enquadramento ou não como conduta vedada, considerando as peculiaridades do caso concreto.

Analisando a prova dos autos verifica-se que os repasses foram autorizados pela lei municipal nº 1079/2016, fls. 80.

[…]

No caso em exame inocorre o enquadramento na conduta vedada alegada, pois a realização do evento não foi fruto de ato unilateral dos requeridos. A realização foi aprovada pelo Poder legislativo, através de lei, o que indica que o povo por meio de seus representantes anuiu para o acontecimento da festividade. Não se tem notícia de qualquer movimento popular contrário à realização do evento questionado.

O encontro Microrregional das Mulheres já foi realizado em vários municípios do norte do Rio Grande do Sul (nesse sentido tem-se a notícia de fls. 38), sendo que em 2016 a cidade de Rio dos Índios foi escolhida para sediar a 12ª Edição do evento, o qual foi organizado pelo Município em conjunto com a Emater e Sindicato dos Trabalhadores Rurais (fl. 38).

Os documentos de fls. 76/77 e 83/85 e a prova oral produzida demonstram que nos anos anteriores também foi realizada em Rio dos Índios a Festa da Mulher e Aniversário do Município. Ou seja, não se tratou de inovação ocorrida em ano eleitoral.

Não há prova nos autos no sentido de que tenha havido uso promocional, pedido de voto ou menção à candidatura por parte dos requeridos na festa questionada.

Ademais, o encontro microrregional pertence a toda uma região do Estado do Rio Grande do Sul, como devidamente comprovado (fl. 38), e a festa do aniversário do município não é inédita em Rio dos Índios, de forma que há precedentes pela inexistência de ilicitude:

Recurso eleitoral. Eleições 2012. AIJE. Distribuição gratuita de vales (refeições, bebidas e parque de diversões) para uso em festa tradicional do Município, a fim de angariar votos. Conduta vedada. Falta de provas. 1. A distribuição de cortesias a grupo específico de pessoas (autoridades e equipes de trabalho e organização de festa municipal), realizada anualmente com previsão orçamentária e sem abuso, não caracteriza, por si só, a conduta vedada pelo artigo 73, IV e § 10 da Lei nº 9.504 /1997. 2. Ausência de provas da alegada distribuição indiscriminada de cortesias para uso em festa municipal, com a finalidade de beneficiar a campanha de candidato à reeleição.3. Convites e divulgação da festa municipal sem qualquer menção ou promoção eleitoreira.

(TRE-PR. RE n. 591-17. Relator Dr. Josafa Lemes. Unânime. Julgado em 13.06.2016. Data da Publicação 19.06.2013.) (Grifei.)

Repito: não havendo prova da prática de uso promocional da distribuição de bens e serviços, o juízo há de ser de improcedência. A presença dos ocupantes dos cargos de prefeito e vice-prefeito em um evento realizado pelo município é, de fato, natural, assim como o envolvimento da primeira-dama. A cidade de Rio dos Índios é de pequeno porte, e é certo que boa parte da comunidade compareceu à festa – mesmo os concorrentes eleitorais dos então candidatos à reeleição podem tê-la frequentado, de forma que a realização do evento, em si, não caracteriza a prática de conduta vedada.

1.2) Do alegado abuso dos meios de comunicação.

Aqui, também não assiste razão à coligação recorrente. Em um primeiro momento, há que se proceder à devida cisão entre a publicidade institucional (de caráter público e com finalidade delimitada), cujo desvirtuamento ensejaria a incidência do art. 74 da Lei n. 9.504/97), e a propaganda eleitoral na internet (rede social Facebook, em específico)

A propaganda institucional deve ter finalidade pública – informativa, educativa ou de orientação social (STF, 1ª Turma, RExt n. 208.114, de 18.4.2000, Rel. Ministro Octávio Galotti).

A propaganda eleitoral na internet, em perfis privados dos concorrentes eleitorais ou das respectivas agremiações/coligações, é permitida, obedecendo-se parâmetros regulamentares, por óbvio.

E, no ponto, mais uma vez, o juízo monocrático desincumbiu-se muito bem da tarefa de analisar o contexto probatório, de forma que vale a transcrição de trecho da sentença, adotando-o como razões de decidir:

DA ALEGAÇÃO DE ABUSO DE PODER PELO USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A parte autora também alega a prática de abuso do poder, nos termos do artigo 74 da lei 9.504/97, em razão do suposto uso indevido dos meios de comunicação com promoção pessoal, uma vez que todas as notícias ou reportagens exaltariam a pessoa dos requeridos Salmo e Arildo, bem como afirma que a propaganda deixou de ter caráter institucional e orientativo.

Lembro que a gravidade das circunstâncias é que determinarão a ocorrência do abuso ou uso indevido dos meios de comunicação social. Para o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, "(...) a potencialidade lesiva constitui pressuposto essencial para o reconhecimento do uso indevido dos meios de comunicação social e consiste na averiguação da gravidade do ato ilícito de modo a comprometer a normalidade e legitimidade das eleições (...)". (REspe n. 12 433.079/MT, Rel. Min. Fatima Nacy Adrighi, DX de 30.8.2011)

Inicialmente, verifico que não há nos autos prova de que os gastos do Município de Rio dos Índios com publicidade institucional teria aumentado nos últimos tempos.

[...]

Os documentos de fls. 17/30 e 101/140 constituem postagens veiculadas no perfil do requerido Salmo Dias de Oliveira no Facebook, de forma gratuita e sem qualquer ônus para o Município. Não se trata de publicidade institucional.

Convém lembrar que a propaganda pela internet é admitida, nos moldes do 57-A ao 57-I da Lei das Eleições.

[…]

Após analisar os autos não vislumbro abuso dos meios de comunicação nas postagens realizadas pelo requerido Salmo na rede social Facebook. Não se verifica um número de publicações deturpadas e exorbitantes que pudessem induzir o eleitor em erro.

Com efeito, no caso em exame não se verifica nenhuma das hipóteses do que a doutrina enumera como situações configuradoras de abuso dos meios de comunicação.

A parte autora afirma que o requerido Saulo se beneficiou de publicidade institucional, que teria perdido o caráter meramente informativo e violado o princípio da impessoalidade.

Conforme mencionado anteriormente a maioria dos documentos juntados aos autos referem-se a postagens no perfil particular do requerido Saulo no Facebook, o que não configura publicidade institucional.

As notícias exibidas nos documentos de fls. 33/36 sequer mencionam o nome dos requeridos.

As notícias questionadas pela parte autora, retratadas nos documentos de fls. 37V, 38, 41 e 42, não possuem pedido de voto, não fazem qualquer menção ao pleito de 2016 e nem enaltecem a sua pessoa dos requeridos, apenas noticiam atos da gestão dos requeridos, inexistindo abuso dos meios de comunicação.

[…]

Sendo assim, verifica-se a citação do nome do Prefeito como um dos participantes em um fato ou evento noticiado, por si só, sem exaltação ou adjetivação, não traduz promoção pessoal, mas sim caráter informativo, pois a menção do nome das pessoas envolvidas em um fato noticiado faz parte da técnica de redação de notícias conhecidas como “Lead” e “Pirâmide Invertida”.

Após análise dos autos o Ilustre Promotor Eleitoral (Dr. João Fábio Munhoz Manzano) em seu parecer final concluiu (fl. 245v):

“no caso em apreço, embora, em algumas matérias veiculadas houvesse a designação do prefeito municipal, seguido da menção a seu nome, não se pode concluir daí que tenha havido cunho de promoção pessoal com fins eleitoreiros.”

Assim, no tocante ao material jornalístico juntado aos autos, houve o livre exercício do direito de imprensa, pois relacionados fatos atinentes a municipalidade, com restrito caráter informativo e sem natureza de promoção pessoal dos requeridos.

[...]

Não é possível concluir que os requeridos no exercício de seu mandato, fizeram publicidade institucional/oficial capaz de caracterizar promoção pessoal (art. 37, § 1°, da Constituição Federal).

Para o TSE o reconhecimento do abuso dos meios de comunicação exige prova robusta e convincente, bem como deve restar configurada a gravidade da situação de forma a influenciar na legitimidade do pleito.

[...]

Quanto à insurgência da autora em relação aos pagamentos (fls. 215) feitos pelo Município de Rio dos Índios a empresas de publicidade diante do alegado vencimento do prazo estipulado pela lei municipal autorizadora (fl. 134/135 e 224/228), trata-se de questão que foge da competência da Justiça Eleitoral e eventual questionamento deve ser analisada pela Justiça Comum, uma vez que tal fato por si só, aliado à escassa prova dos autos não constitui abuso dos meios de comunicação.

No caso em exame não há prova robusta de que tenha ocorrido abuso dos meios de comunicação, bem como não se extraí gravidade dos fatos que macule o pleito, sendo assim a manutenção do resultado das eleições decorrentes do voto popular e a improcedência do pedido da ação no que tange à alegação de abuso e uso indevido dos meios de comunicação são medidas que se impõem.

O recurso da COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR, nessa linha, entende equivocado o posicionamento tomado na decisão guerreada sem, no entanto, comprovar o abuso. Há, inclusive, a alegação da prática vedada pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (captação ilícita de sufrágio), fl. 304, em conjunto com o abuso de poder, sem que sejam apontadas, como requer a legislação, a individualização, a concretude do ato.

Ademais, note-se que as frases indicadas como demonstradoras do uso indevido dos meios de comunicação (fl. 305) constam no perfil particular dos candidatos, em legal e compreensível exaltação da gestão ocorrente no município.

Em resumo, a sentença é de ser mantida, no ponto, e o recurso da COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR não merece provimento.

2 – DO RECURSO DE SALMO DIAS DE OLIVEIRA.

Tampouco cabe reforma da sentença no que se refere à condenação de SALMO DIAS DE OLIVEIRA. Senão, vejamos.

Transcrevo teor da sentença, adotando-o expressamente como razões de decidir:

DA ALEGAÇÃO DE CONDUTA VEDADA CONSISTENTE NO USO DE BENS E SERVIÇOS PÚBLICOS PARA PROMOÇÃO PESSOAL DOS REQUERIDOS (ART. 73, INCISOS I e IV DA LEI 9.504/97)

A requerente alega prática de conduta vedada por parte dos requeridos em razão da suposta utilização de bens e serviços públicos com finalidade eleitoreira, pois afirmam que o prédio da Prefeitura de Rio dos Índios teria sido transformado em comitê de campanha e que os requeridos estariam se promovendo com base em bens públicos e serviços custeados pelo Poder Público.

[...]

Analisando-se a prova dos autos, tem-se que o requerido Salmo tirou fotos com algumas pessoas dentro do gabinete da Prefeitura de Rio dos Índios e as postou no Facebook em 09.9.2016, conforme documento de fls. 17.

Segundo a jurisprudência, quando o bem público é um imóvel de uso comum do povo não incide a conduta vedada do art. 73, inc. I da Lei das Eleições. Nesse sentido: TSE, AC de 01.8.2006 no REspe nº 25377 e AC nº 4246/2005 e nº 24865/2004.

Contudo, o gabinete da prefeitura trata-se de bem público de uso especial, no qual o acesso é restrito aos servidores e a quem solicita atendimento pelo Chefe do Executivo. Não se trata de local em que as pessoas transitam livremente como se fosse uma via pública, praça ou um estádio/ginásio.

Assim, tem-se que não houve mera captação de imagens de bem público, mas sim o efetivo uso da parte interna (local de acesso restrito) do imóvel, para a obtenção das fotos de fls. 17 que foram utilizadas na campanha, embora inexista prova nos autos no sentido de que tal conduta teria sido reiterada transformando a Prefeitura em comitê de campanha, tal como alegam os autores.

[…]

Assim, tem-se que o requerido Salmo incidiu na conduta vedada do art. 73, inc. I da Lei das Eleições ao publicar na internet fotos tiradas com eleitores dentro do gabinete da Prefeitura.

No que tange às postagens do Facebook e fotos de fls. 18/21, 24 e 26/30, tem-se que as mesmas exibem bens públicos ou obras públicas em locais acessíveis a qualquer pessoa ou candidato que os quisesse fotografar, não havendo que se falar em violação da isonomia dos candidatos e conduta vedada relativa ao uso das fotografias referidas.

Com efeito, a menção ou exibição das fotos e postagens de fls. 18/21, 24 e 26/30 pelo requerido Salmo faz parte da dialética inerente ao processo eleitoral, tal como verificado no ensinamento doutrinário anteriormente colacionado nesta decisão. É obvio que numa campanha eleitoral os candidatos da situação tendem a mostrar as boas realizações de seu governo e os candidatos da oposição tendem a apontar as falhas e o que precisa ser melhorado. Este jogo de argumentos faz parte da política. Nesse sentido foi o parecer do Representante do Ministério Público Eleitoral (fl. 242v).

Ainda, é incontroverso no feito que o requerido Salmo acompanhou o cidadão rioindiense Francisco Riva (Chico Riva) e sua esposa Romilda Riva para realização de tratamento de saúde no Hospital Sara Kubitschek em Brasília. A dita viagem foi paga com recursos do Município de Rio dos Índios, conforme documentos de fls. 22/23 dos autos e o tratamento do paciente foi realizado pelo SUS (fato incontroverso).

Sucede que dentro do período eleitoral, em 08 de agosto de 2016 o requerido Salmo postou fotos em seu perfil do Facebook, nas quais aparece com o Sr. Francisco Riva e sua esposa em Brasília durante a viagem realizada para tratamento. A mensagem constante da referida postagem (fl. 25) enalteceu a pessoa do requerido Salmo diante de uma viagem e um tratamento médico que foram custeados com recursos públicos, incidindo na conduta vedada do art. 73, inc. IV da Lei das Eleições.

[...]

Em observância às lições doutrinárias do Professor Zilio, estudioso do Direito Eleitoral, conclui-se que a utilização de tratamento médico de eleitor que foi custeado com recursos públicos, para promoção pessoal do candidato, insere-se na conduta vedada do art. 73, inc. IV da Lei das Eleições.

Tal situação ocorreu no caso em tela, diante da mensagem e das fotos postadas no Facebook (fl. 25). No mesmo sentido foi o parecer final do Ilustre Representante do Ministério Público Eleitoral (fl. 242, penúltimo e último parágrafos).

Compulsando os autos verifica-se também que a requerente imputa conduta vedada ao requerido Arildo (Vice-Prefeito), no sentido de que o mesmo teria atuado como operador de máquinas do Município de Rio dos Índios, valendo-se da situação para promoção pessoal.

Entendo que o acervo probatório dos autos é bem precário para se reconhecer conduta vedada quanto a este ponto em relação ao requerido Arildo. Da prova oral produzida na audiência de instrução e julgamento extrai-se que Arildo foi visto dirigindo uma máquina do Município, porém não se tem provas acerca da finalidade eleitoreira de tal conduta.

Os informantes ouvidos não informaram se Arildo fez algum trabalho com a máquina e pediu votos. Logo, não se pode presumir a finalidade eleitoreira e de autopromoção.

Na hipótese do requerido Arildo não ter habilitação legal ou aptidão técnica para operar máquinas pesadas do Município, tal situação constituiu uma infração que não é de competência da Justiça Eleitoral, eis que a finalidade eleitoreira ou promoção pessoal não restaram evidenciadas.

A penalidade aplicável às condutas vedadas praticadas pelo requerido Salmo serão apreciadas no último tópico desta decisão.

A jurisprudência revela que o repasse de valores para realização de eventos e festividades Municipais, com base em lei municipal, sem promoção pessoal, pedido de voto ou referência à candidatura não caracteriza conduta vedada.

[…]

Diante dos fundamentos mencionados anteriormente, reputo improcedentes os pedidos autorais no que tange à alegação de conduta vedada pela realização do “Encontro microrregional das mulheres e comemoração do dia do município”.

A foto constante na fl. 17 dá segurança suficiente para que se conclua que a imagem registrou momento ocorrido em gabinete da Prefeitura Municipal de Rio dos Índios. Note-se que o prefeito SALMO encontra-se em frente a três bandeiras, e o pavilhão posicionado à esquerda, na imagem, claramente representa o Município de Rio dos Índios. Em consulta ao site da municipalidade, na rede mundial de computadores (www.riodosindios.rs.gov.br), encontra-se o brasão representativo, em tudo bastante semelhante às linhas visíveis da bandeira na referida imagem.

Ademais, constam na fotografia três bandeiras: logicamente, as representativas das unidades federativas – tal dado, além do mobiliário típico de um local de trabalho, confere pujança suficiente para que se afirme: a fotografia foi realizada no gabinete da Prefeitura Municipal de Rio dos Índios.

Ademais, são periféricas as circunstâncias invocadas pelo recorrente SALMO: o fato de não configurar material publicitário de campanha eleitoral, de não constarem os dados típicos de um “santinho”, por exemplo (nome e número do candidato), não exclui a ilicitude do ato, pois basta, no caso, que tenha ocorrido infringência ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

Ora, a postagem em questão, fl. 17, dá ares oficiais ao recebimento de eleitores, pois realizada em local de acesso restrito. Dessa forma, passa a ideia de “privilégio” daqueles cidadãos, simpatizantes do então candidato à reeleição, ao serem recebidos pela autoridade municipal como “amigos para sempre, não só até o dia 02”.

Tal irregularidade prescinde de disponibilização do conteúdo em páginas governamentais na internet ou, ainda, da necessidade de gerar despesas públicas, bastando que “seja desenvolvida em benefício de candidato, partido ou coligação”, nos dizeres de ZILIO (op. cit., p. 557), doutrinador que, na sequência, afirma: “[…] caso o ato de divulgação das imagens do bem público somente possa ocorrer por intermédio de um acesso privilegiado a certos locais ou autorização especial de determinadas pessoas, valendo-se o partido ou candidato da sua situação privilegiada à frente da administração pública e sem possibilitar idêntico acesso aos demais contendores, perceptível a quebra do princípio da isonomia e, assim, a possibilidade de configuração de conduta vedada.” Lembro que, no caso, o recorrente SALMO utilizou bem público, e não apenas capturou-lhe a imagem.

Essa também é a posição da jurisprudência, pois conforme já ilustrou o TSE, “o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol da campanha, e não a simples captação de imagem de bem público” (Representação n. 3276-25, Rel. Ministro Marcelo Ribeiro, julgado em 29.3.2012).

E semelhantes considerações prestam-se ao arrazoado recursal relativo à condenação pela prática de conduta vedada - art. 73, inc. IV, da Lei das Eleições - por SALMO ao postar e promover, na rede social Facebook, sua participação para viabilizar um tratamento médico realizado pelo Sr. Francisco Riva, fl. 25 dos autos, uma vez que utilizou, em seu favor e eleitoralmente, serviço de caráter social custeado pelo Poder Público.

Em primeiro lugar, nota de empenho da Prefeitura de Rio dos Índios, fl. 23, comprova a utilização de R$ 1.110,00 na compra das passagens de Francisco e da respectiva esposa.

Em segundo posto, o tratamento foi realizado pelo Sistema Único de Saúde, configurando matéria periférica o fato do Hospital Sarah Kubitschek, ou a rede de saúde homônima, pertencer, ou não pertencer, à rede pública de saúde. É certo que houve o envolvimento de verbas públicas.

Para além: os argumentos do recorrente, de que a intenção da postagem foi a de tranquilizar os familiares do cidadão, não podem receber credibilidade, pois além de não haver mensagem nesse sentido – e sim a referência de que “Chico está em tratamento no melhor hospital de traumatismo do Brasil”, a existência de inúmeros outros meios mais eficazes e imediatos – telefonema tradicional, mensagem de texto, aplicativo whatsapp ou similares, até mesmo mensagens diretas via a ferramenta messenger do próprio Facebook – cumpririam muito melhor a tarefa.

A postagem trouxe ao eleitorado o “cumprimento de uma missão”, tornando nítido que a manifestação de SAULO configura conduta vedada, até mesmo porque o recorrente atribui a si o cumprimento da “missão” (“missão dada, missão cumprida”).

Ora, se por um lado a Administração está sujeita ao princípio da continuidade do serviço público, por outro, os candidatos à reeleição estão sujeitos ao princípio da igualdade entre os concorrentes. As condutas vedadas foram positivadas para conciliar esses dois princípios, tendo por finalidade garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos, impedindo que a máquina pública seja utilizada em benefício de determinados políticos, mas sem impedir a continuidade da atividade pública. Nesse sentido, merece transcrição a doutrina de José Jairo Gomes:

Como corolário da conduta vedada, tem-se o ferimento do bem jurídico protegido pela norma em apreço. Conforme se disse há pouco, o caput do artigo 73 da LE esclarece que, aos agentes públicos, é proibida a realização dos comportamentos que especifica, porque tendem “a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais”. Aí está o bem jurídico que a regra em apreço visa proteger: a igualidade de oportunidades – ou de chances – entre candidatos e respectivos partidos políticos nas campanhas que desenvolvem. Haveria desigualdade se a Administração estatal fosse desviada de seus misteres para auxiliar a campanha de um dos concorrentes, em odiosa afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade. (Direito Eleitoral, 8ª ed. 2012, p. 532-533).

Novamente, em resumo: a conduta vedada não se concretizou pela assistência à saúde de um munícipe, mas sim no proveito eleitoral produzido via a postagem na rede Facebook.

No que tange à sanção pecuniária, confesso que, inicialmente, havia encaminhado o voto pela manutenção da sentença. Mas o nobre advogado, da tribuna, convenceu-me do contrário. Por isso, estou revendo minha posição, tão somente para reduzir o valor a R$ 5.320,00 para cada fato, totalizando o montante de R$ 10.640,00, a ser recolhido a título de multa.

 

Ante o exposto, VOTO por negar provimento ao recurso da COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR e prover parcialmente o apelo de SALMO DIAS DE OLIVEIRA, reduzindo o valor das multas a R$ 5.320,00 para cada fato, totalizando o montante de R$ 10.640,00.  

Determino o desentranhamento da peça constante às fls. 350-354, como requerido pela Procuradoria Regional Eleitoral.