RE - 53812 - Sessão: 25/07/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por ADEMAR DE OLIVEIRA contra sentença que julgou procedente a ação de impugnação de mandato eletivo, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, pela prática de abuso de poder econômico, mediante distribuição de ranchos com propósito de obter apoio eleitoral, nas eleições de Glorinha, determinando a cassação do diploma do recorrente e declarando sua inelegibilidade pelo período de 8 (oito) anos, a contar do pleito de 2016.

Em suas razões, postula atribuição de efeito suspensivo, suscita preliminar de apresentação intempestiva do rol de testemunhas e de ilicitude da gravação ambiental. No mérito, diz que os fatos são vagos e que a principal testemunha estaria descontente com o recorrente, por isso teria relatado os fatos que justificaram a propositura da ação.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.


 

VOTO

Preliminares

O recurso é tempestivo.

Apresentação do CD e rol de testemunhas

O recorrente suscita intempestividade da juntada do CD e do rol de testemunhas, que teriam aportado aos autos após a propositura da ação.

Sem razão.

Em relação ao CD, observo que a mídia foi copiada do telefone da testemunha Leonardo Pacheco da Silva para CD-RW, em 06.12.2016, consoante se verifica da certidão da fl. 42.

A ação foi protocolizada em 12.12.2016 com a mídia (fl. 43).

Entretanto, o disco não continha qualquer gravação, sendo determinada pelo juízo a juntada de nova cópia em 5 dias (fl. 45).

Logo, não houve juntada intempestiva, apenas repetição de apresentação de prova que já havia sido oferecida.

No que se refere ao rol de testemunhas, ainda que o rito processual da AIME preconize sua apresentação com a inicial, pela dicção do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, a juntada ocorreu antes da citação, de modo que não houve prejuízo à defesa, tratando-se de mero aditamento da inicial, o que é admitido.

Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. OFENSA AO ART. 275 DO CÓDIGO ELEITORAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA. IMPROCEDÊNCIA. AIME. PRAZO DECADENCIAL. APLICAÇÃO DO ART. 184, § 1°, DO CPC. PRECEDENTES. ROL DE TESTEMUNHAS. ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL ANTES DA CITAÇÃO DO RÉU. POSSIBILIDADE. PAS DE NULLITÉ SAN GRIEF. GRAVAÇÃO AMBIENTAL CLANDESTINA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL ÚNICA. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS. INSUFICIÊNCIA PARA SUSTENTAR CONDENAÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.

1. Ao apontar ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, assim como ocorre em relação ao art. 535 do Código de Processo Civil, cabe à parte identificar precisamente qual vício não teria sido sanado e a sua relevância para o deslinde da causa, não sendo suficientes alegações genéricas.

2. O prazo para a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, mesmo tendo natureza decadencial, submete-se à regra do art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, segundo a qual se prorroga para o primeiro dia útil seguinte se o termo final cair em feriado ou dia em que não haja expediente normal no Tribunal.

3. Apesar de a regra do art. 3º, § 3º, da Lei Complementar n. 64/90 exigir a indicação do rol de testemunhas no corpo da petição inicial, não é possível declarar a nulidade no caso, ante a não demonstração do efetivo prejuízo.

4. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições de 2012 se consolidou no sentido de ser ilícita a gravação ambiental realizada de forma clandestina, sem autorização judicial, em ambiente fechado ou sujeito à expectativa de privacidade.

Entendimento que deve ser preservado em feitos relativos à mesma eleição, ainda que existam ressalvas e possibilidade de rediscussão futura da matéria. 5. Para que a prova testemunhal possa ser considerada robusta e apta para fundamentar sentença condenatória, é necessário que ela seja corroborada por outros elementos de prova - testemunhais ou documentais - que afastem qualquer dúvida razoável sobre a caracterização da captação ilícita de sufrágio.

Recursos especiais interpostos por Rafael Mesquita Brasil e por Raimundo Nonato Mendes Cardoso providos. Recurso especial interposto por Lourinaldo Batista Silva julgado prejudicado. Ação cautelar julgada procedente, ficando prejudicado o agravo regimental interposto contra decisão liminar.

(Recurso Especial Eleitoral n. 253, Acórdão de 04.10.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 26.10.2016, Página 32.)

(Grifei.)

Ilicitude da gravação

O recorrente suscita a ilicitude da prova acostada aos autos, consistente em uma gravação de áudio efetuada sem autorização judicial.

Ressalto que a prova que se encontra no feito não trata de interceptação telefônica, mas, sim, de gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos outros.

Em casos assim, o próprio conteúdo da gravação pode estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, quando a conversa versar sobre temas que mereçam a proteção desses direitos fundamentais constitucionais.

Excepcionadas tais situações, é perfeitamente possível a gravação de conversas por um dos interlocutores, conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF:

PROCESSUAL CIVIL. SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPROVAÇÃO TARDIA DE TEMPESTIVIDADE. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DECIDIDA PELO TRIBUNAL PLENO NO RE 626.358 AGR, MIN. CEZAR PELUSO, DJE DE 23.8.2012. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO CONTRA DECISÃO QUE DÁ PROVIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL QUE DISCUTE O PRÓPRIO CONHECIMENTO DO RECURSO. GRAVAÇÃO TELEFÔNICA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. LICITUDE. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO COMO PROVA EM PROCESSO JUDICIAL. PRECEDENTES. 1. É pacífico na jurisprudência do STF o entendimento de que não há ilicitude em gravação telefônica realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, podendo ela ser utilizada como prova em processo judicial. 2. O STF, em caso análogo, decidiu que é admissível o uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro (RE 583937 QO-RG, Relator: Min. CEZAR PELUSO, DJe de 18-12-2009). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF - AI: 602724 PR, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 06.08.2013, Segunda Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG 21.8.2013 PUBLIC 22.8.2013.)

No caso dos autos, a gravação foi feita pelo companheiro da testemunha Isolety de Souza Maia de Oliveira, Leonardo Pacheco da Silva, presente durante os diálogos mantidos com o recorrente Ademar de Oliveira e o advogado Paulo Ferreira.

Além disso, o diálogo travado ocorreu na residência de Isolety e Leonardo, hipótese em que a proteção constitucional da intimidade e da privacidade contemplava a esfera individual dessas pessoas, não dos interlocutores Ademar e Paulo.

Lícita a prova, igualmente, nos termos da jurisprudência iterativa desta Corte:

Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Gravação ambiental. Ameaça a eleitores. Eleições 2016. Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos outros. Hipótese que prescinde de autorização judicial pois não submetida à tutela da intimidade ou privacidade albergada pelo art. 5º, inc. X, da Constituição Federal. O instituto do abuso de poder tem como escopo impedir condutas que extrapolem o exercício regular da capacidade econômica ou de determinada função pública, capazes de causar desequilíbrio à isonomia entre os candidatos e macular a legitimidade do pleito. Conjunto probatório insuficiente para comprovar o alegado abuso de poder consubstanciado no aliciamento de pessoas para ameaçar eleitores da coligação adversária. Provimento negado.

(RE 551-32, Relator: Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julgado em 06.6.2017.)

Rejeito, pois, as prefaciais suscitadas.

 

MÉRITO

A ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) tem assento no art. 14, § 10, da Constituição Federal, sendo hipóteses de cabimento abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Sobre o bem jurídico protegido pela AIME, assim se manifesta a doutrina de Rodrigo Lopez Zilio (Direito Eleitoral, 5ª Ed., p. 563-564):

O bem jurídico tutelado pela AIME é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, §9°, da CF), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90). A realização de eleição imune a quaisquer vícios ou irregularidades é aspiração de toda a coletividade. Da mesma sorte, a garantia de que o exercício do voto seja uma obra consciente e livre da manifestação individual do eleitor é desiderato da ciência eleitoral e dessa ação constitucional.

Neste giro, para haver a ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito (Recurso Ordinário nº 780 – Rel. Min. Fernando Neves – j. 08.06.2004). Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlveda Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições” (TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 19.553 – j. 21.03.2002). Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmético (abuso vs resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir a normalidade do pleito.

A análise da potencialidade lesiva não se prende ao critério exclusivamente quantitativo, devendo ser sopesado pelo julgador outros fatores igualmente determinantes da quebra da normalidade do pleito, tais como o meio pelo qual o ato foi praticado, se envolveu aporte de recursos públicos ou privados, o número de pessoas atingidas e beneficiadas – direta e reflexamente –, a época em que praticado o ilícito (se próximo ou não do pleito), a condição pessoal dos beneficiados (condição econômica, social e cultural). Agora, o inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/10, dispõe que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Na espécie, atribui-se ao recorrente a seguinte conduta: durante a campanha, em especial nos dias que antecederam às eleições, o candidato a vereador efetuou compras no Supermercado Liceres, em Glorinha, distribuindo ranchos e produtos para várias pessoas, no interior e na parte externa do estabelecimento comercial, tudo com propósito de obter apoio eleitoral, fato que chegou ao conhecimento de muitos eleitores da localidade. Foram identificadas pelo menos duas pessoas que receberam mercadorias, Neli de Fátima da Silva Gama e Vanilda Patrícia Lima de Mattos.

A sentença condenatória escudou-se em dois elementos de prova: gravação de diálogo e depoimento de uma única testemunha, Isolety de Souza Maia de Oliveira.

Após ouvir atentamente o áudio da fl. 51 e os depoimentos das testemunhas à fl. 121, examino esses dois tópicos:

a) Diálogo entre o recorrente Ademar de Oliveira, Paulo Ferreira, Isolety de Souza Maia de Oliveira e Leonardo Pacheco, este último o autor da gravação e companheiro de Isolety de Souza Maia de Oliveira

Em que pese a licitude da gravação, entendo ser de extrema relevância para o deslinde do feito registrar em que contexto ela foi obtida e como foi desencadeada a investigação que ensejou a presente ação.

Isolety era caixa no Supermercado Liceres e comentou com o candidato a vereador não eleito, Claudiomar Souza dos Santos, que concorreu pela coligação adversária do recorrente, que foi uma pena ele não ter obtido êxito na eleição, ocasião em que referiu que Ademar de Oliveira teria comprado ranchos para eleitores.

Claudiomar, passados alguns dias, repassou a informação para Delmir Euclides de Mello Maciel, candidato a vereador não eleito e suplente da coligação do recorrente, ou seja, candidato natural a assumir a vaga de Ademar de Oliveira, na hipótese de sua cassação.

Ato contínuo, Delmir dirigiu-se à Promotoria de Justiça de Gravataí e relatou os fatos que soubera por Claudiomar, que deles fora informado por Isolety. Como dizem no popular, um verdadeiro diz-que-diz-que.

Nesse cenário, foi instaurado o Procedimento Preparatório Eleitoral (PPE).

Já nesse ponto específico, verifiquei a primeira contradição no depoimento de Isolety em juízo.

Ao ser perguntada sobre a conversa que tivera com Claudiomar, asseverou que, em nenhum momento, havia mencionado o nome de Ademar de Oliveira, limitando-se a falar sobre as falcatruas da política.

Contudo, tanto Claudiomar quanto Delmir, ao serem ouvidos em juízo, afirmaram ter sabido da doação de ranchos por Ademar, em decorrência dos comentários de Isolety, acrescentando que ela teria dito que seria fácil comprovar os fatos alegados, pois o Supermercado Liceres tem câmeras que filmam os clientes em compras.

Outra questão digna de nota refere-se às circunstâncias que levaram Ademar de Oliveira, ora recorrente, e Paulo Ferreira, advogado, a se dirigirem à residência de Isolety, local onde foi travado o diálogo gravado por seu companheiro, Leonardo Pacheco.

Após a instauração do PPE, Isolety foi chamada para prestar depoimento na Promotoria de Justiça.

Em seu depoimento em juízo, Leonardo Pacheco confirma que, após sua companheira Isolety ter recebido a notificação, foi à casa de Ademar de Oliveira buscando auxílio jurídico.

Ainda que não reconheça a nulidade da prova por similitude ao flagrante preparado, registro que é bastante peculiar a busca por orientação jurídica diretamente do próprio investigado.

Essa versão está confortada pelos depoimentos do próprio companheiro de Isolety, Leonardo Pacheco, e das testemunhas de defesa Luis Felipe Nantes, Diego da Silva Rodrigues e Miguel Angelo Soares dos Santos.

Portanto, essa é a segunda contradição no depoimento de Isolety, pois ela refere que Ademar e Paulo Ferreira é que mantiveram contato com os chefes (Cléia e Luis Henrique), pedindo que liberassem sua funcionária para que com ela pudessem conversar.

Então, foi exatamente esse contato, de Leonardo com Ademar e Paulo, que desencadeou a visita na residência de Isolety, sendo que essa última pediu a seu companheiro que fosse para casa e participasse da reunião. E, como os ânimos ficaram acirrados, Leonardo gravou a conversa.

No diálogo propriamente dito, em que pese Isolety tenha afirmado diversas vezes ter visto Ademar comprando ranchos, nem mesmo ela confirma se essas doações tinham propósito eleitoral.

No áudio, constatei que Isolety utilizou os termos "corrupção" e "compra de votos", mas Ademar de Oliveira não confessa a prática de qualquer ilícito. Ele afirma que não era um vereador "de quatro em quatro anos" e que costumava ajudar as pessoas.

De fato, registra-se a conduta reprovável do advogado Paulo Ferreira, que, a todo instante, “orientava” a testemunha Isolety para que declinasse na Promotoria de Justiça, em 06.11.2016, “que trabalhava de costas para a porta e trabalhava com dinheiro, que se faltasse dinheiro no caixa ela teria que pagar” e, portanto, ao ser perguntada se vira o vereador Ademar entrar no supermercado com alguém deveria responder que “não”. Assim, ela “lavaria as mãos”.

No entanto, essa circunstância não está sendo apurada nestes autos, nem mesmo poderia, pois o que se discute aqui é se houve ou não conduta ilícita na seara eleitoral.

No ponto, registro que a douta magistrada, na sentença, deferiu pedido do Ministério Público Eleitoral de extração de cópias do feito para envio à Polícia Federal e à OAB, a fim de ser apurado eventual crime de coação no curso do processo, por Ademar de Oliveira e Paulo Ferreira, e de falso testemunho, por Neli de Fátima da Silva da Gama e Vanilda Patrícia Lima de Matos, bem como para que o órgão de classe procedesse à análise a respeito da conduta do advogado Paulo Ferreira. Tais comandos inclusive já foram executados, consoante se verifica pela certidão da fl. 221, que confirma a disponibilização de cópia integral do processo à Zona Eleitoral.

Voltando à gravação, as falas registradas indicam que Isolety, em um primeiro momento, buscava orientação jurídica de como prestar seu depoimento no Ministério Público.

Depois, começaram a discutir e, ao ser perguntada sobre ter visto Ademar doando ranchos, disse que não.

Portanto, apesar de o advogado Paulo Ferreira ter feito considerações como "nós precisamos muito de ti" e "o que tu vai dizer é importante para nós", sobre os fatos imputados na inicial, nada restou comprovado.

b) Da Prova Testemunhal

A prova testemunhal colhida nada esclarece.

O testemunho de Isolety de Souza Maia de Oliveira confirma que havia pedido emprego para seu filho e não foi atendida; que seu filho teria trabalhado um dia inteiro para Ademar, inclusive lavando seu carro e, ao final, recebido apenas R$ 17,00.

Disse "não ter certeza se as compras eram feitas em troca de votos, mas que tudo levava a crer que sim, porque Ademar era candidato" (fl. 157).

Trouxe outros detalhes circunstanciais sobre o diálogo, mas nada acerca da entrega dos ranchos com finalidade eleitoral.

Referiu que foi procurada por Ademar e Paulo e que teria apenas mencionado para Claudiomar assuntos sobre falcatruas na política, sem detalhes sobre a pessoa de Ademar, duas afirmações que, como acima analisado, não correspondem à verdade.

Neli de Fátima Silva da Gama, apontada como beneficiada pelos ranchos, disse que não recebeu nada de ninguém e que, eventualmente, quando comprava no Supermercado Liceres, ela mesma, ou seu marido, pagava suas compras.

Leonardo Pacheco, companheiro de Isolety, disse que soube dos fatos por intermédio de outras pessoas e de sua companheira, porque havia rumores na cidade de que Ademar estaria doando ranchos a eleitores.

Não presenciou ou testemunhou qualquer doação de rancho feita por Ademar.

Disse que foi na residência de Ademar buscar orientação jurídica para sua companheira.

Claudiomar Souza dos Santos contou que, após a eleição, ao efetuar compras no Supermercado Liceres, em conversa com Isolety, ela mencionou as compras de ranchos, informação que ele repassou a Delmir, suplente da coligação de Ademar. Disse que Isolety falou de 3 ou 4 pessoas beneficiadas, mas não sabe quem são, nem nominá-las, e também não presenciou nenhuma compra.

Delmir Euclides de Melo Maciel, ouvido como informante, em virtude de seu evidente interesse na demanda, confirmou que só soube dos fatos ilícitos por meio de Claudiomar. Referiu que, embora tenha denunciado os fatos, deles somente teve conhecimento por intermédio de Claudiomar.

Vanilda Patrícia Lima de Matos, ouvida como informante por ser prima de Ademar, afirmou que nunca recebeu compras dele.

Luis Felipe Nantes, Diego da Silva Rodrigues e Miguel Angelo Soares dos Santos confirmaram apenas que estavam na casa do vereador Ademar quando este foi procurado por Leonardo Pacheco.

Por derradeiro, Paulo Bournet Ferreira, ouvido como informante, pois advoga para Ademar em pequenas causas, disse que foi chamado para prestar assessoria jurídica para Isolety, a pedido do recorrente.

As informações prestadas por Paulo Ferreira reportam-se à gravação. Embora sua conduta de pretender “orientar” Isolety sobre o que deveria dizer pudesse violar, em tese, o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados, em nada contribuiu ou acrescentou para o esclarecimento dos fatos.

Dessarte, absolutamente nenhuma testemunha presenciou as supostas compras de ranchos por Ademar de Oliveira em favor de terceiros, com propósito de macular ou corromper eleitores. Todas se limitaram a afirmar que "ouviram dizer".

A única testemunha que teria presenciado as aquisições das mercadorias é Isolety, mas, nem mesmo ela soube dizer se as doações tinham finalidade eleitoral.

Somam-se a isso as contradições apontadas em seu depoimento acerca de questões relevantes: o fato de seu companheiro ter ido buscar auxílio jurídico junto ao recorrente e o relato feito sobre as compras ao adversário político de Ademar, ou seja, Claudiomar.

Ainda, as supostas beneficiadas com as compras, Neli e Vanilda Patrícia, negaram veementemente ter recebido qualquer mercadoria de Ademar.

Nessa perspectiva, a reflexão sobre o cenário posto nos autos revela, quando muito, a existência de meros indícios que, a toda evidência, não são numerosos ou consideráveis para amparar o juízo condenatório.

Ademais, doutrina e jurisprudência são pacíficas ao reclamar, para a caracterização do abuso do poder econômico, a demonstração cabal, robusta e incontroversa do desvio da finalidade, da intenção de macular e influenciar a escolha do eleitor, rompendo com a normalidade e legitimidade das eleições.

As peculiaridades do caso em liça não permitem a conclusão de uma situação de abuso. No máximo, poder-se-ia asseverar que uma única pessoa, Isolety, teria testemunhado compras de mercadorias para terceiros, decorrendo de mera ilação ou suposição que essas aquisições estivessem revestidas de finalidade eleitoral.

E, apenas para argumentar, mesmo que Isolety tivesse prestado depoimento no sentido da mencionada finalidade eleitoral - o que não ocorreu -, a novel redação do art. 368-A do Código Eleitoral, dispositivo acrescentado pela Reforma Eleitoral de 2015 (Lei n. 13.165/15), repudia a determinação de perda do mandato com base em prova testemunhal singular e exclusiva:

Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

Nesse sentido, colaciono precedentes dessa Corte e do TSE:

RECURSOS. JULGAMENTO CONJUNTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. PREFEITO E VICE. OFERTA DE EMPREGO, VALE-COMBUSTÍVEL, MATERIAL DE CONSTRUÇÃO E DINHEIRO EM TROCA DO VOTO. INOCORRÊNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. IMPROCEDÊNCIA. ELEIÇÃO 2016.

1. Julgamento conjunto que se impõe aos apelos RE 36768 e RE 36853, por conexas as ações, evitando-se a prolação de decisões conflitantes e contraditórias envolvendo a mesma relação jurídica. 1. Preliminares. 1.1) Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, desde que inexistente o dever de sigilo ou a reserva de conversação. Hipótese que prescinde de autorização judicial. Precedente do STF em regime de repercussão geral; 1.2) Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor. Súmula n. 62 do TSE.

2. Caderno probatório insuficiente a comprovar a alegada oferta de dinheiro, materiais de construção e promessa de emprego a eleitoras em troca do voto. O conteúdo da gravação, obtida por telefone celular, aponta mais para a organização de atos de campanha e tratativas referentes à distribuição de material de propaganda do que para uma situação de oferecimento de benesses com fins da captação ilícita de sufrágio.

3. Suposta distribuição de vales-combustível, durante o período eleitoral, em troca do voto. Prova composta de um vídeo, cujas cenas revelam que a distribuição de combustível estaria sendo feita a um cabo eleitoral ou correligionário para participar de carreatas, inexistindo indício de induzimento do voto mediante oferecimento de vantagem econômica. Não comprovada a prática abusiva de recursos financeiros capaz de comprometer a isonomia entre os candidatos e a normalidade e lisura do pleito. 4. Provimento negado.

(RE 367-68.2016.6.21.0099 e RE 368-53.2016.6.21.0099, julgados em conjunto 11.7.2017, Rel. Des. Jorge Luís Dall'Agnol.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.) (Grifei.)

E, como reiterado pela jurisprudência do TSE, o exame de condutas ilícitas, sobretudo para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, deve vir amparado em farto conjunto probatório, suficientemente grave para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade. Nesse sentido, RESPE n. 16270-21, acórdão de 30.11.2016, e RESPE n. 1-72, acórdão de 17.11.2016, ambos de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

Assim, à míngua de acervo probatório contundente, VOTO pelo PROVIMENTO DO RECURSO de ADEMAR DE OLIVEIRA, a fim de julgar improcedente a ação de impugnação de mandato eletivo.