RE - 28450 - Sessão: 23/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTERIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença que julgou aprovadas com ressalvas as contas referentes à candidatura de CLEITON BONADIMAN ao cargo de Prefeito de Seberi, nas eleições do ano de 2016.

Nas razões recursais (fls. 43-45), afirma que os candidatos a prefeito (CLEITON BONADIMAN) e a vice (MARCELINO GALVÃO BUENO SOBRINHO) realizaram depósitos em espécie que totalizaram os valores de R$ 30.276,41 (CLEITON) e R$ 25.365,50 (MARCELINO). Ainda conforme o recurso do Parquet, tais doações representam desrespeito ao comando do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, pois não há comprovação de que se trata de recursos próprios, e os candidatos deveriam ter se submetido às regras impostas a todo e qualquer doador eleitoral. Ao final, pugna pela reforma da decisão a quo, para que as contas sejam desaprovadas, bem como seja determinado o recolhimento de R$ 55.644,91 (cinquenta e cinco mil seiscentos e quarenta e quatro reais e noventa e um centavos) ao Tesouro Nacional.

Foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 51-56).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. O Ministério Publico Eleitoral foi intimado da decisão – prerrogativa que lhe assiste – em 05.02.16, às 14h34 (fl. 42v.), tendo interposto o apelo no dia 07.02.16, às 12h41 (fl. 43).

Sr. Presidente: no mérito, a contabilidade foi aprovada com ressalvas.

Antecipo que a demanda sob exame reprisa situação que vem sendo, com frequência, analisada por esta Corte, com uma circunstância agravante, qual seja, o patamar dos valores envolvidos, até mesmo por se tratar de campanha para o cargo do Poder Executivo.

Ao caso em si.

Já foi referido que as contas foram aprovadas com ressalvas.

E as ressalvas se deram porque o juízo monocrático, após a indicação técnica, constatou a realização de seis depósitos de valores em espécie. A sentença considerou as falhas de menor grandeza, ao argumento central de que constam, nos recibos bancários de depósito, os nomes dos próprios candidatos – CLEITON BONADIMAN e MARCELINO GALVÃO BUENO SOBRINHO – como depositantes das quantias.

O Ministério Público Eleitoral recorreu, entendendo pelo não esclarecimento da origem dos recursos utilizados em campanha. Requer a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento daqueles valores que ingressaram irregularmente na conta de campanha, no total de R$ 55.644,91.

À análise.

De início, à prova dos autos.

Resta incontroverso que CLEITON BONADIMAN realizou, pessoalmente, quatro depósitos bancários em dinheiro (fls. 15, 16,18 e 19) na conta de campanha eleitoral, nos valores de:

a) R$ 12.494,70 (doze mil quatrocentos e noventa e quatro reais  e setenta centavos), em 12.09.16;

b) R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), em 10.10.16;

c) R$ 4.719,00 (quatro mil setecentos e dezenove reais), em 25.10.16;

d) R$ 9.565,71 (nove mil quinhentos e sessenta e cinco reais e setenta e um centavos), em 26.10.16.

Também não se discute que os depósitos acima referidos totalizaram R$ 30.279,41 (trinta mil duzentos e setenta e nove reais e quarenta e um centavos).

Por seu turno, e de acordo com a prova dos autos (fls. 14 e 17), clara por si, MARCELINO GALVÃO BUENO SOBRINHO realizou outros dois depósitos bancários:

a) R$ 23.865,50 (vinte e três mil oitocentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos), em 25.10.16;

b) R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em 27.10.16.

Os depósitos de MARCELINO somam, portanto, R$ 25.365,50 (vinte e cinco mil trezentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos.

Em resumo: o total de valores depositados em dinheiro soma R$ 55.644,91 (cinquenta e cinco mil seiscentos e quarenta e quatro reais e noventa e um centavos).

De início, clara a violação ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, o qual vai grifado:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II – omissis;

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

Na origem, o magistrado considerou como comprovação da origem dos recursos a declaração de bens do candidato Cleiton e os extratos bancários apresentados por Marcelino.

Todavia, o recurso do Ministério Público Eleitoral está a merecer total provimento. Os prestadores de contas não forneceram sequer indícios da origem dos valores depositados em dinheiro, na conta de campanha.

É certo que esta Corte foi tolerante em alguns casos de depósito de valores em espécie, acima do teto regulamentar de R$ 1.064,10. Há precedentes nesse sentido, inclusive de minha autoria.

Contudo, tais julgados resultam daqueles casos em que, malgrado tenha havido conduta irregular na gênese, o prestador de contas, posteriormente (até mesmo em grau de recurso) consegue indicar a origem dos valores – como no exemplo, a situação mais frequente é a demonstração de saque bancário da respectiva conta de pessoa física, em valor idêntico àquele depositado na conta de campanha, e próximo temporalmente à efetivação do depósito (poucas horas antes).

Em resumo: os depósitos que não sejam via transferência em contas bancárias, no valor acima de R$ 1.064,10, são, a priori, irregulares, e ensejam a devolução do valor.

Quem poderá amenizar a situação é o prestador de contas, demonstrando cabalmente o fato de que os recursos eram próprios. Nem se fale, aqui, de indevida inversão do ônus da prova ou de suposição de cometimento de ilícito, porque, em sede de prestação de contas, incumbe ao candidato demonstrar as origens de cada um dos valores que percebeu em razão de sua candidatura.

Isso porque o processo de prestação de contas visa dar transparência às receitas e aos gastos dos candidatos, em inegável defesa do interesse público. Aqui, repito, o candidato, ao colocar o seu nome à avaliação do eleitorado, compromete-se, também, a prestar contas, incumbindo-lhe, desde o início, comprovar toda e qualquer movimentação financeira.

Não basta meramente afirmar, alegar uma determinada origem e invocar a inexistência de prova em contrário. Incumbe aos candidatos e às agremiações prestar contas, como ônus de participação na competição eleitoral.

E, sob essas específicas premissas, características que são dos processos de prestações de contas, é que o Tribunal vem, em situações pontuais, aceitando provas contundentes de origem de recursos. Note-se o seguinte precedente, julgado na sessão do dia 28.3.2017, nos autos do RE n. 209-03, da relatoria do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Chapa majoritária. Doação financeira. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Doação financeira realizada por meio de depósito bancário, contrariando o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que exige transferência eletrônica. Irregularidade que não impediu a identificação do doador originário – o próprio candidato.

Tendo sido identificada a fonte de financiamento da campanha eleitoral, resta atendida a finalidade da norma. Afastada a incidência do § 3º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 para o fim de isentar os candidatos do recolhimento do valor recebido ao Tesouro Nacional.

Provimento. (Grifei.)

Lembro ainda de um processo de minha autoria, no qual o candidato comprovou adequadamente que o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), por ele depositado “na boca do caixa” em sua conta bancária de campanha eleitoral, havia sido sacado horas antes, no mesmo dia, de sua conta bancária da pessoa física (quantia idêntica) (RE PC n. 440-37, julgado em 16.5.2017, à unanimidade).

O julgado recebeu a seguinte ementa:

Recurso. Prestação de contas. Candidatos. Prefeito e vice-prefeito. Doação em espécie. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Depósito em espécie que ultrapassa o limite legal, previsto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Comprovada a origem da quantia depositada, oriunda da conta corrente do candidato a prefeito. Irregularidade meramente formal. Aprovação das contas com ressalvas.

Provimento parcial.

Ocorre, contudo, que tais paradigmas não podem ser aplicados ao caso sob exame. Aqui, os candidatos sequer se aproximaram de comprovar a origem dos recursos. Apenas demonstraram que foram eles a, fisicamente, realizarem o depósito.

Senão, vejamos.

- CLEITON BONADIMAN, para argumentar em prol da regularidade e da comprovação da origem dos recursos, apenas apresenta declaração de bens, que seriam compatíveis ao valor depositado (fls. 07-08 – extrato bancário, e 24-32 – declaração de Imposto de Renda Pessoa Física). Ou seja, comprovou sua capacidade financeira, o que não demonstra que os valores sob exame, efetivamente, são oriundos do patrimônio do doador;

- Não é muito diversa a situação dos valores depositados por MARCELINO GALVÃO BUENO SOBRINHO, os quais não constam em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral. Ademais, os valores constantes – como saques – em seu extrato bancário são bastante diversos dos valores por ele doados (fls. 33-35).

Os argumentos e documentos apresentados apenas esclarecem quem efetivamente efetuou os depósitos bancários, mas sequer dá indícios da titularidade dos valores. Restando duvidosa sua origem, caraterizada falha bastante grave na prestação de contas, tem-se como medida impositiva a respectiva reprovação e o recolhimento dos valores cuja gênese é obscura.

Dito de outro modo, a origem dos R$ 55.644,91 é indefinida, devendo ser considerado, como paradigma, o seguinte julgado:

Recurso. Prestação de contas de candidato à vereança. Eleições 2012.

Consideradas, pelo julgador originário, como não prestadas as contas, dada a ausência de documentos obrigatórios.

A falta de documentos não enseja o enquadramento das contas como não prestadas. Contas apresentadas e recepcionadas eletronicamente, acompanhadas de documentação passível de análise. Demonstrativos preenchidos, extratos bancários, notas fiscais e recibos eleitorais, estes últimos incompletos e irregularmente preenchidos.

Ausência de recibos eleitorais correspondentes às doações a título de recursos próprios. Falha que compromete a demonstração contábil e macula, de modo irreversível, a prestação das contas.

Reforma da sentença para desaprovar as contas.

Provimento.

(RE n. 250-78. Ac. De 19.11.2013. Relator Dr. LUIZ FELIPE PAIM FERNANDES. DEJERS de 22.11.2013, p. 2.)

Ainda, há um fato agravante, pois as quantias cuja origem se desconhece perfazem grande parte do total de receita da campanha: de R$ 66.853,03 (fl. 05), há R$ 55.644,91 com origem não esclarecida; ou seja, mais de 83% (oitenta e três por cento) do total arrecadado.

E foram efetivamente utilizados, pois a despesa da campanha eleitoral equivaleu, com exatidão, à receita (fl. 05).

Portanto, uma vez recebida a doação realizada de forma contrária ao que determina a norma eleitoral, e efetivamente utilizada, deve o valor ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto, para desaprovar a prestação de contas apresentada por CLEITON BONADIMAN e MARCELINO GALVÃO BUENO SOBRINHO, relativa à eleição municipal de 2016, e determinar o recolhimento da importância de R$ 55.644,91 (cinquenta e cinco mil seiscentos e quarenta e quatro reais com noventa e um centavos) ao Tesouro Nacional.