RE - 43119 - Sessão: 09/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da sentença que, desacolhendo pedidos de reconsideração propostos pelo MPE e por JOÃO CARLOS DA SILVA BRUM e outros, em razão do trânsito em julgado da sentença proferida no RRC, manteve o deferimento do pedido de registro de candidatura de JOSÉ FLÁVIO GODOY DA ROSA, prefeito eleito no Município de Fontoura Xavier-RS.

Constou na sentença das fls. 280-284:

José Flávio Godoy da Rosa apresentou Requerimento de Registro de Candidatura (fls. 02/16), o qual foi impugnado pelo Ministério Público, com a juntada de documentos, demonstrando que as contas do requerente, referentes à gestão anterior foram reprovadas pela Câmara (fls. 17/134), gerando causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, Lei Complementar 64/90.

Ocorre que o requerido ajuizou ação na esfera cível, pleiteando a desconstituição da rejeição de contas, obtendo, em sede de liminar, a suspensão dos efeitos da decisão, o que gerou a improcedência da impugnação, sem análise do mérito, com o deferimento do registro da candidatura (fls. 197/198), consoante decisão in verbis:

Com efeito, considerando-se que a questão em análise já restou analisada pelo STF, quando assentado competir ao legislativo julgar as contas, sendo o parecer prévio meramente opinativo, considerando-se a decisão do 2º juízo Cível da Comarca de Soledade, que suspendeu os efeitos jurídicos do Decreto Legislativo 01/2016, "suspendendo qualquer força jurígena do parecer opinativo do Tribunal de contas , no que respeita o exercício dos direitos políticos do autor"( f. 151 e seguintes) concluo não estar presente a causa prevista no artigo 1º, I, “g”, da Lei Complementar 64/90" ( fl. 198).

Agora, cassada a liminar que suspendeu os efeitos do decreto legislativo, o Ministério Público fez um pedido de reexame da decisão de deferimento do Registro, uma vez que a decisão liminar, que afastou a força jurígena do parecer de rejeição das contas de José Flávio foi revertido pelo Tribunal de Justiça, restabelecendo, assim, a causa de inelegibilidade arguida na impugnação ao registro de candidatura. Aduziu que a decisão inicial de deferimento do registro não fez coisa julgada material, uma vez que baseada em liminar. Assim, requereu a desconstituição do registro de José Flávio Godoy da Rosa. Acostou documentos (fls. 200/213).

O Partido Democrático Trabalhista, Partido Socialista Brasileiro e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, por intermédio dos seus representantes legais apresentaram pedido de reconsideração de registro de candidatura, por causa de inelegibilidade. Arguiram a inexistência da coisa julgada material em relação à decisão de deferimento de candidatura, uma vez que baseada em liminar posteriormente cassada, bem como porque sentenciada a impugnação sem resolução do mérito. Referiram que o Gestor, ora Requerente, teve suas contas rejeitadas gerando causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC 64/90, a qual já existia à época do pedido de registro de candidatura, sendo suspensa por decisão liminar cassada pelo Tribunal de Justiça antes da diplomação. Acostaram documentos (fls. 216/269).

Intimado, José Flávio Godoy da Rosa apresentou resposta pedindo a improcedência da reconsideração, arguindo quatro razões para tanto: a) trânsito em julgado da sentença que deferiu o registro de candidatura; b) decadência do direito de impugnação à diplomação, por ausência de interposição de RCED; c) inexistência de possibilidade de interposição de RCED pelo não preenchimento dos requisitos legais; d) que o provimento liminar suspendeu o ato jurídico como um todo, não podendo ser enfrentado como algo precário ou medida acauteladora (fls. 273/278).

Em suas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral sustenta que a sentença que deferiu o registro de candidatura não fez coisa julgada material, circunstância que autoriza seja revista. Diz que a inelegibilidade de José Flavio já estava presente por ocasião de seu registro de candidatura, sendo que o obteve sob condição resolutiva, e que o pedido de desconstituição do registro deve ser feito nos autos do próprio pedido, não havendo previsão de ação própria. Refere que, estando presentes todos os requisitos à caracterização da inelegibilidade prevista na al. “g” do inc. I do art. 1º da LC 64/90, deve ser desconstituída a sua inscrição.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTOS

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz (relator):

O recurso é tempestivo e dele conheço.

A controvérsia posta nestes autos é a seguinte: o candidato a prefeito no Município de Fontoura Xavier obteve, na Justiça Comum, tutela de urgência para suspender os efeitos do Decreto Legislativo n. 01/2016 da Câmara Municipal, que rejeitou suas contas relativas ao exercício de 2011 (fl. 151).

Amparado nesse provimento liminar, teve seu registro de candidatura deferido e sagrou-se vencedor no pleito de 2016.

No dia 14.12.2016, um dia antes da diplomação, a 1ª Câmara do Tribunal de Justiça, apreciando Agravo de Instrumento n. 70071189617, revogou a tutela de urgência concedida, considerando perfeitamente válido o Decreto Legislativo n. 01/2016.

O Ministério Público Eleitoral noticiou essa decisão nos autos do pedido de registro, pedindo sua desconstituição, o que foi indeferido, daí o recurso que ora se examina.

A defesa suscita quatro argumentos para impugnar a pretensão vazada no recurso ministerial: a) trânsito em julgado da sentença que deferiu o registro de candidatura; b) decadência do direito de impugnação à diplomação, por ausência de interposição de RCED; c) inexistência de possibilidade de interposição de RCED pelo não preenchimento dos requisitos legais; d) que o provimento liminar suspendeu o ato jurídico como um todo, não podendo ser enfrentado como algo precário ou medida acauteladora.

A demanda, em síntese, pode ser solvida mediante o exame dos seguintes questionamentos:

a) É possível a revisão de registro deferido encoberto por tutela provisória que vem a ser revogada antes da diplomação?

b) Qual o procedimento/ação cabível e termo para se considerar hábil a revogação da tutela para gerar efeitos sobre o registro do candidato?

Antes de adentrar nas questões acima, mister proceder a um breve histórico da LC 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa.

Muito se discutiu, à época, acerca da sua constitucionalidade, pois ampliados os prazos de inelegibilidade (de 3 para 8 anos) e, principalmente, subverteu-se o regime de eficácia das decisões judicias.

Explico.

Até o advento da LC 135/10, a restrição ao jus honorum não prescindia de decisão transitada em julgado, sendo vedado falar-se em inelegibilidade decorrente de decisão proferida em segunda instância.

Com a LC 135/10, esse cenário sofreu modificação, modo a conferir o reconhecimento da restrição não apenas por decisão judicial transitada em julgado, mas igualmente por deliberação de órgãos colegiados.

Insta registrar que essa alteração foi salutar ao sistema de inelegibilidades e, mais precisamente, à proteção da probidade administrativa, da moralidade para o exercício do mandato, pois até então, na prática, a exigência do trânsito em julgado e o prazo curto da restrição tornava de pouca ou nenhuma eficácia a incidência da inelegibilidade.

Como contramedida - expressão utilizada pela doutrina mais abalizada - à produção de efeitos de decisões não definitivas, surge o art. 26-C da LC 64/90, com o seguinte teor:

Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

§ 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.

§ 3º A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo. (Grifei.)

É justamente a tutela obtida pelo candidato, prevista no caput do art. 26-C da LC 64/90, cuja revogação da liminar  verificou-se um dia antes da diplomação - § 2º -, que traz a controvérsia nestes autos.

O art. 26-C da LC 64/90, na dicção de Flávio Cheim Jorge e Ludgero F. Liberato dos Santos (A Suspensão da Inelegibilidade Advinda das Decisões Judiciais e Atribuição de Efeito Suspensivo aos Recursos, disponível em <http://www.tre-rs.gov.br/arquivos/document.pdf. Acesso em 08.05.2017>)

(…)

não representa a concepção de um remédio novo ou mesmo desconhecido de nosso sistema recursal. Contempla, em síntese, a previsão expressa de concessão de efeito suspensivo ao recurso interposto contra a decisão colegiada que enseja a sanção de inelegibilidade.

Diz-se que não consiste em remédio novo, porque se encontra previsto e consagrado em nosso sistema recursal a possibilidade de se impedir a eficácia das decisões judiciais, por intermédio da concessão de efeito suspensivo aos recursos, seja por pretensão formulada na própria peça recursal (v.g. agravo de instrumento ou apelação, nas hipóteses do art. 520 do CPC - LGL 1973\5), seja através do ajuizamento de ação cautelar inominada (art. 800, parágrafo único, do CPC (LGL 1973\5).

Em última ratio, o art. 26-C da LC 64/1990 preocupa-se com a novidade introduzida quanto à eficácia das decisões colegiadas. Relaciona-se, portanto, com essa circunstância nova de permitir que decisões colegiadas, antes do trânsito em julgado, possam projetar a sanção de inelegibilidade. A relação, portanto, é com a eficácia das decisões proferidas pela Justiça Comum ou pela Eleitoral que, tomadas de forma colegiada, são capazes de levar à inelegibilidade.

Trata-se de provimento de natureza cautelar, cuja finalidade é impedir que durante o trâmite recursal os efeitos danosos surgidos com a prolação do acórdão possam atingir a vida pública do recorrente. Em síntese, “congelar” aquela situação fático-jurídica e impedir que ela produza efeitos durante o julgamento da causa.

De fato, pode-se dizer, inclusive, que a previsão do art. 26-C da LC 64/1990 é até mesmo desnecessária, pois os mecanismos existentes no sistema recursal processual civil, aplicável ao sistema recursal eleitoral, já são suficientes para “suspender a inelegibilidade”. O próprio TSE já os aplicava antes mesmo da Lei da Ficha Limpa explicitar tal possibilidade.

Contudo, não se pode deixar de reconhecer que sua introdução, sob uma certa ótica, foi extremamente acertada, já que afasta qualquer dúvida que pudesse vir a existir sobre a aplicação desses mecanismos também ao direito processual eleitoral. (Grifei.)

Logo, por essa razão mesma, ou seja, porque o sistema processual civil admite seja concedida tutela provisória para suspender eventual efeito de inelegibilidade é que se pode asseverar ser possível interpretar o caput do art. 26-C como aplicável a todas as alíneas que estabelecem restrição ao jus honorum, inclusive à letra g, não contemplada expressamente.

Nesse sentido, trago o acertado precedente do TSE, de relatoria do Min. Gilmar Mendes:

(…)

3. A interpretação do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/1990 compatível com a Constituição Federal de 1988 é no sentido de que não apenas as decisões colegiadas enumeradas nesse dispositivo poderão ser suspensas por força de decisão liminar, mas também outras que lesem ou ameacem direitos do cidadão, suscetíveis de provimento cautelar

(Recurso Especial Eleitoral nº 229-91 – j. 22.05.2014).

Destaco do voto do eminente Min. Gilmar Mendes:

Dessa forma, a interpretação do art. 26-C da Lei Complementar n. 64/90 compatível com a Constituição Federal de 1988 é aquela no sentido de que não apenas as decisões colegiadas que podem gerar as inelegibilidades do art. 1º, Inciso I, d, e, h, j, l e n poderão ser suspensas por força de decisão liminar, mas também outras decisões que lesem ou ameacem direitos do cidadão, suscetíveis, por conseguinte, de provimento cautelar, como por exemplo, a decisão administrativa que desaprova contas de gestor de recursos públicos (alínea g), a decisão administrativa que exclui o cidadão da profissão (alínea m) e a decisão administrativa que demite o servidor público (alínea o). (Grifei.)

Portanto, o candidato, mesmo potencialmente inelegível pela alínea g, beneficiou-se desse dispositivo legal, sujeitando-se, em decorrência lógica, ao que preceitua o § 2º do art. 26-C da LC 64/90, que dispõe:

(….)

§ 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.

Postas essas notas introdutórias, cumpre examinar o alcance e a melhor exegese desse dispositivo.

Volto ao primeiro questionamento: a) é possível a revisão de registro deferido encoberto por tutela provisória que vem a ser revogada antes da diplomação?

Adianto que minha resposta é positiva e explico.

A razão é muito simples: se o recorrido apenas teve acesso ao registro por força de uma decisão cautelar, provisória, precária, havendo a revogação dessa tutela por meio de uma decisão definitiva, por óbvio que a Justiça Eleitoral deve rever o deferimento do registro e se preenchidas as hipóteses de inelegibilidade.

Não se trata de violação da coisa julgada ou do princípio da segurança jurídica.

Só houve coisa julgada formal e não material, porque o candidato obteve seu registro sob uma espécie de condição, expressão utilizada pela doutrina. Deixando de existir a condição, é impositiva a revisão do que restou decidido.

E nem se argumente com violação ao princípio da segurança jurídica, pois o candidato assumiu o risco de concorrer e disputar o pleito ao abrigo de uma tutela provisória que poderia, a qualquer momento, ser revogada.

Ademais, é de se perguntar de que segurança jurídica se está falando, a do candidato que concorreu por sua conta e risco, e que se encontrava inelegível por ocasião do registro, ou a do compromisso com a moralidade e a ética do processo político-eleitoral?

É o que a disposição contida no § 2º art. 26-C da LC 64/90 contempla, de modo a elidir qualquer tipo de interpretação de que um mandato eletivo poderia ser exercido por candidato inelegível.

Aliás, a conclusão de ser possível a revisão do registro deferido sob condição independe da existência do que se contém no mencionado dispositivo, pois é da lógica do sistema processual não poder ser emprestada a qualidade de imutável ou definitivo ao que é efêmero e provisório.

Por isso, tenho que não se operou a preclusão na espécie, justamente porque se estaria conferindo definitividade ao que não é definitivo.

A Justiça Eleitoral reconhece a suspensão de ato por decisão liminar da Justiça Comum e defere registro de candidatura. Ao depois, essa liminar deixa de existir e estaria essa mesma Justiça Eleitoral impedida de revisitar a causa de inelegibilidade, ao argumento de que teria havido trânsito em julgado daquele registro de candidatura? Nada mais contraditório e assistemático.

Assim, reafirmo: é possível revisitar o registro de José Flávio.

Cumpre agora examinar o segundo questionamento: b) Qual o procedimento/ação cabível e termo para se considerar hábil a revogação da tutela para gerar efeitos sobre o registro do candidato?

A redação do § 2º do art. 26-C da LC 64/90 é impositiva, asseverando que, revogada a suspensão liminar, serão desconstituídos o registro ou o diploma, sem estabelecer procedimento e termo para ocorrer a desconstituição, que se daria de forma automática. Não definiu qualquer rito procedimental, muito menos delimitou o termo para que fosse suscitada a revogação do provimento cautelar suspensivo da inelegibilidade.

A doutrina eleitoral reconhece duas formas expressas de suscitar inelegibilidades: por ocasião da impugnação ao registro de candidatura e por meio do Recurso Contra a Expedição do Diploma - RCED (art. 262 do Código Eleitoral), que se destina a apurar inelegibilidade constitucional ou infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, que surge até a data do pleito.

Na espécie, houve a impugnação ao registro de candidatura de forma tempestiva, sendo julgada improcedente justamente porque o candidato estava amparado por provimento liminar que suspendia os efeitos do Decreto Legislativo n. 01/2016, da Câmara Municipal, que rejeitou suas contas relativas ao exercício de 2011 (fl. 151).

Consoante o art. 262 do Código Eleitoral, apenas a inelegibilidade constitucional ou superveniente ao registro é que pode ser deduzida em RCED, tendo em vista o instituto da preclusão.

É o que dispõe a Súmula n. 47 do TSE:

A inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no art. 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito. (Grifei.)

E superveniente é tudo aquilo que sobrevém, que acontece ou surge depois, subsequente ao registro de candidatura.

In casu, a inelegibilidade de José Flavio não é superveniente, ao contrário, ela era preexistente ao registro, tanto que foi objeto de impugnação.

Logo, mesmo que a inelegibilidade tenha sido restabelecida antes da diplomação, não se amolda às hipóteses do Recurso contra a Expedição de Diploma.

O TSE examinou questão semelhante ocorrida no Município de Ibiúna/SP, no RESPE n. 213-32.2013.6.26.0191, julgado em 25.06.2015, cuja ementa colaciono:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 26-C DA LC nº 64/1990. REVOGAÇÃO. LIMINAR. CURSO DO MANDATO. SEGURANÇA JURÍDICA. NÃO APLICABILIDADE. ART. 26-C, § 2º, DA LC nº 64/1990.

1. Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, a revogação ou suspensão dos efeitos da liminar que deu suporte à decisão de deferimento do registro de candidatura, nos termos do art. 26-C, § 2º, da LC nº 64/1990, somente pode vir a produzir consequências, na seara eleitoral, se, ocorrida ainda no prazo das ações eleitorais, desvelar uma das hipóteses de incidência.

2. In casu, a suspensão da liminar que deu suporte ao deferimento do registro do candidato eleito, ocorrida no curso do mandato, não tem o condão de desconstituí-lo, repercute seus efeitos, tão somente, nas eleições futuras.

3. Recurso especial provido. (Grifei.)

Nesse julgado, relativo às eleições de 2012, a revogação da suspensão ocorreu em 5.12.2013, ou seja, quando o candidato se encontrava no exercício do mandato, o que levou aquela Corte Superior, por maioria, a delimitar que apenas a revogação ocorrida ainda no prazo das ações eleitorais teria a possibilidade de gerar efeito naquele pleito.

Na espécie em análise, a revogação da suspensão ocorreu um dia antes da diplomação, ou seja, ainda dentro do processo eleitoral, o que reforça a possibilidade de ser conhecida e ser hábil a desconstituir o diploma do candidato, pois ainda no prazo das ações eleitorais.

Não desconheço que o TSE adotou o entendimento de que os fatos supervenientes ou que restabeleçam a inelegibilidade não acarretam o imediato indeferimento do registro ou diploma e, se verificados durante o curso do requerimento de registro de candidatura perante as instâncias extraordinárias ou após o seu trânsito em julgado, somente poderão ser arguidos em Recurso contra a Expedição de Diploma, na forma do art. 262 do Código Eleitoral (REspe n, 383-75, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJ 23.09.2014).

Contudo, tenho que essa compreensão merece reflexão crítica.

Como dito anteriormente, a inelegibilidade que foi suspensa não é superveniente, pelo contrário, era preexistente ao registro, sendo inclusive objeto de impugnação, por isso descabe falar-se em RCED.

De outro vértice, o fato de o legislador não ter estabelecido procedimento próprio e termo final para arguição da revogação da tutela provisória não pode ser utilizados como impeditivos à incidência do citado § 2º do art. 26-C da LC 64/90, sob pena de esvaziamento do dispositivo legal.

Sobre o tema, trago à colação os ensinamentos do Min. Luiz Fux e Carlos Eduardo Frazão (Novos Paradigmas do Direito Eleitoral, Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 262-264), utilizando como objeto de estudo o julgamento do RESPE n. 213-32.2013.6.26.0191:

Como se percebe, a redação do texto, vazada em termos peremptórios, é suficientemente clara a respeito do caráter automático da desconstituição do registro e do diploma.

Outros dois pontos que merecem destaque são: (i) o procedimento e o prazo para a veiculação da notícia de manutenção do pronunciamento judicial que ensejou a inelegibilidade e (ii) o termo para a veiculação.

Como dito, o legislador não previu, expressamente, no art. 26-C, o instrumento processual idôneo para desconstituir o registro ou diploma do candidato, nas hipóteses de revogação da liminar que deferira seu registro ou o mantinha no cargo. Para a Corte Superior Eleitoral, a notícia da revogação deveria ser informada nos próprios autos do registro ou deveria ser veiculada por meio de recurso contra a expedição de diploma, no exíguo prazo de 3 dias, contados da data da diplomação.

Todavia, as premissas fáticas do caso vertente impõe um distinguishing que deve mitigar esse entendimento. É que, in casu, a revogação da liminar ocorreu em momento ulterior ao escoamento do prazo do Recurso Contra a Expedição do Diploma, de maneira que o Recorrido não teria, por razões óbvias, como utilizá-lo.

Disso resulta que, caso se endosse orientação no sentido de que se opera a preclusão na espécie, a consequência inescapável é a de que estar-se-á emprestando efeitos definitivos a um provimento de natureza precária.

O paradoxo é inevitável: um provimento precário, que é a liminar do art. 26-C, irá perpetuar no mandato um candidato que teve, reitero, seu registro indeferido, sendo que, na dogmática processual, sequer as decisões liminares são aptas a formar coisa julgada, ante a cognição sumária e limitada, que lhe são inerentes.

Justamente por isso, penso que, neste caso, a utilização de petição, informando a revogação da liminar, não se revela medida inadequada. A uma, porque a própria Constituição salvaguarda o direito de petição (CRFB/88, art. 5º, XXXXIV). E a duas, porque foi direcionada especificamente ao órgão jurisdicional competente para diplomar o Prefeito (juízo de 1º grau).

Entendimento oposto implicaria o mesmo que dizer que o ordenamento jurídico não franqueia ao Recorrido um instrumento processual para tutelar sua pretensão de ingressar no mandato eletivo, em razão do reconhecimento de inelegibilidade.

Demais disso, também se afigura dissonante com o telos subjacente à norma o prazo fixado pelo TSE para que sejam noticiadas a manutenção do decisum que ensejou o reconhecimento da inelegibilidade ou a revogação do pleito cautelar suspendendo a inelegibilidade. Ao estabelecer que a informação deva ocorrer nos autos do próprio registro de candidatura ou no prazo contra o recurso contra a expedição do diploma (i.e., de 3 dias), a Corte Superior Eleitoral estabeleceu um marco temporal assaz exíguo, porquanto as revogações de cautelares, não raro, facilmente ultrapassam esses prazos.

Essa exegese, inclusive, desafia a argumentação pragmático-consequencialista. Segundo a premissa consequencialista, a decisão mais adequada a determinado caso concreto é aquela que, dentro dos limites semânticos da norma, promova os corretos e necessários incentivos ao aperfeiçoamento das instituições democráticas, e que se importe com a repercussão dos impactos da decisão judicial no mundo social.

É evidente que, com isso, não pretendo defender a tomada de decisões ad hoc e livres de quaisquer amarras normativas, o que poderia deslegitimar a própria atuação jurisdicional. Ao revés, penso que há espaço para algum pragmatismo jurídico, com espeque no abalizado magistério de Richard Posner, impondo, bem por isso, ao magistrado o dever de examinar as consequências imediatas e sistêmicas que o seu pronunciamento irá produzir na realidade social

O resultado dessa interpretação é inobjetável: se a existência do art. 26-C, por opção legislativa, já autoriza indesejável indústria de liminares, a interpretação que vem prevalecendo no TSE acerca do § 2º do precitado artigo empresta definitividade a um provimento judicial, que, por natureza, é precário. Em termos jurídico-processuais, essa exegese transmuda para cognição exauriente e plena um pronunciamento proferido mediante cognição sumária e limitada.

Por fim, sequer a literalidade da disposição abona o entendimento da Corte. Deveras, a dicção do art. 26-C, § 2º, em momento algum, estabelece um marco temporal, razão pela qual a mens legis caminhou no sentido de que seria possível a revogação da suspensão cautelar ou a manutenção do aresto de inelegibilidade a qualquer tempo durante o exercício do mandato.

Aqui, o argumento de segurança jurídica não se impõe. É que a obtenção da suspensão da liminar nos termos do art. 26-C não pode nunca ter o condão de conferir alguma expectativa legítima ao beneficiário da medida judicial. Diversamente, ele postula o provimento liminar por sua conta e risco, no afã de suspender a inelegibilidade, de maneira que está ciente dos riscos de ulterior da revogação deste pronunciamento, bem como das chances reais de confirmação do decisum que reconhecera a restrição ao ius honorum.

Daí por que descabe cogitar de invocar o princípio da segurança jurídica para manter no mandato eletivo um candidato que (i) encontrava-se inelegível e (ii) concorreu por força de um provimento precário, que é o art. 26-C.

Não bastasse isso, os mandatos eletivos sequer ostentam essa segurança jurídica bradada. Com efeito, a própria Constituição prevê mecanismos para retirada de titulares de mandato eletivo sempre que condenados por ilícitos eleitorais considerados, pelo legislador, como extremamente gravosos (e.g., captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico, político e de autoridade, condutas vedadas, captação ilícita de recursos em campanhas eleitorais etc.), razão pela qual se justifica que o art. 26, § 2º, pode – e deve – ser invocado a qualquer tempo, enquanto perdurar o mandato.

(grifei)

Transcrevo, igualmente, o que defende JORGE e SANTOS no artigo antes citado:

Quadra ressaltar que não há necessidade de ação própria para a desconstituição do diploma em hipótese. O próprio juiz competente para apreciar o registro pode provocar o candidato (já no exercício do mandato eventualmente) para que se pronuncie e, instruído o processo, decida acerca da inelegibilidade supervenientemente. Se o registro é feito “sob condição”, desfazendo-se a causa do ato, o mesmo deve ser desfeito, advindo-se daí todas as consequências correlatas.

(Grifei.)

Esse igualmente o escólio de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 5 ed., Porto Alegre: Verbo Jurídíco, 2016, p. 211):

(…)

a cautelar obtida no âmbito do art. 26-C da LC nº 64/90, conquanto apta a gerar seus efeitos jurídicos, suspendendo os efeitos do acórdão restritivo ao direito de elegibilidade, é necessariamente provisória. Justamente pela efemeridade desse decisum – que foi concedido com base nos requisitos da cautelar – é que, mantida a condenação que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão da liminar, serão desconstituídos o registro ou o diploma que porventura tenha sido concedido ao recorrente. Essa desconstituição do registro ou do diploma é medida impositiva, ainda que o beneficiário desta medida eventualmente esteja exercendo mandato eletivo, já que efeito lógico decorrente da revogação da liminar – a qual, aliás, pelo seu caráter precário, teve força suficiente apenas para conferir o direito de concorrer a mandato eletivo, mas sob condição. Não obstante a revogação da liminar importe na pronta desconstituição do registro ou do diploma concedido, a homenagem ao princípio da ampla defesa recomenda seja procedida a oitiva do recorrente, que poderá apresentar sua defesa, preservando-se o contraditório. Nesta oportunidade, o juízo deverá (re)analisar todas as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade do recorrente. (Grifei.)

Dessarte, tenho que preenchidos todos os pressupostos à revisão do registro/diploma do recorrido: a) Inexistência de coisa julgada material, pois o registro foi deferido sob condição resolutiva; b) Demonstração de que houve a revogação da tutela provisória um dia antes da diplomação, dentro do período eleitoral; c) Petição do recorrente noticiando a circunstância perante o Juiz Eleitoral, competente para apreciar o registro do candidato.

Registro que o TSE editou a Súmula n. 66 sobre o tema, nos seguintes termos:

A incidência do § 2º do art. 26-C da LC nº 64/90 não acarreta o imediato indeferimento do registro ou o cancelamento do diploma, sendo necessário o exame da presença de todos os requisitos essenciais à configuração da inelegibilidade, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

(Grifei.)

Esse entendimento sumulado exige que seja examinada a efetiva presença dos requisitos à configuração da inelegibilidade e observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Tais princípios foram exercidos pelo recorrido na contestação à impugnação (fls. 139-147) e também diante da petição formulada pelo recorrente perante o Juiz Eleitoral (fls. 273-278).

Cumpre, portanto, examinar se estão presentes todas as circunstâncias hábeis a configurar a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. g, da Lei Complementar 64/90:

art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Segundo o dispositivo acima transcrito, com a redação dada pela Lei Complementar n. 135/10, exige-se o preenchimento das seguintes condições à perfectibilização da inelegibilidade em questão: 1. ter suas contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; 2. a rejeição deve se dar por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; 3. inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

Em relação ao primeiro requisito, contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente, significa dizer ser necessário que a decisão tenha o caráter de irrecorrível, ou seja, tenha efetivamente transitado em julgado. E a partir da data da decisão de rejeição de contas, devidamente transitada em julgado (ou seja, irrecorrível), é que inicia o prazo da inelegibilidade da alínea g.

Quanto ao órgão competente à apreciação das contas, no que refere ao Prefeito , o julgamento das contas de governo ou anuais, que é a hipótese dos autos, é realizado pela Câmara Municipal – observando-se que o parecer prévio da Corte de Contas somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 do órgão legislativo respectivo.

A propósito, sobre órgão competente, em 17 de agosto de 2016, os ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram, em sede de repercussão geral, decorrente do julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 848826 e 729744, a tese de que é competência exclusiva da Câmara de Vereadores o julgamento das contas de governo e gestão dos prefeitos.

Em relação ao que se caracterize como irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, a matéria é tratada da seguinte forma pela doutrina:

A irregularidade insanável constitui causa da rejeição das contas. Está claro não ser qualquer tipo de irregularidade que ensejará a inelegibilidade enfocada. De sorte que, ainda que o Tribunal de Contas afirme haver irregularidade, desse reconhecimento não decorre automaticamente a inelegibilidade. Esta só se configura se a irregularidade detectada for irremediável, ou seja, se for insuperável ou incurável. Assim, pequenos erros formais, deficiências inexpressivas ou que não cheguem a ferir princípios regentes da atividade administrativa, evidentemente, não atendem ao requisito legal […].

insanáveis, frise-se, são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da administração pública. (Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral, 8ª ed., Atlas, 2012, p. 186.)

Além da irregularidade ser insanável, deve configurar ato doloso de improbidade administrativa. Sobre o elemento subjetivo do ato de improbidade merece destaque a lição de Teori Albino Zavascki (In Processo Coletivo, 4. ed., pág. 101 e 102), ao discorrer sobre a ação de improbidade:

Para efeito de caracterização do elemento subjetivo do tipo, em atos de improbidade administrativa, devem ser obedecidos, mutatis mutandis, os mesmos padrões conceituais que orientam nosso sistema penal, fundados na teoria finalista, segundo a qual a vontade constitui elemento indispensável à ação típica de qualquer crime ( . . .). No crime doloso, a finalidade da conduta é a vontade de concretizar um fato ilícito ( . . .). No crime culposo, o fim da conduta não está dirigido ao resultado lesivo, mas o agente é autor de fato típico por não ter empregado em seu comportamento os cuidados necessários para evitar o dano. Dito de outra forma: o tipo doloso implica sempre a causação de um resultado (aspecto externo), mas caracteriza-se por querer também a vontade de causá-lo. Essa vontade do resultado, o querer do resultado, é o dolo. O tipo culposo não individualiza a conduta pela finalidade e sim porque na forma em que se obtém essa finalidade viola-se um dever de cuidado, ou seja, como diz a própria lei penal, a pessoa, por sua conduta, dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (...). No dolo, o típico é a conduta em razão de sua finalidade, enquanto na culpa, é a conduta em razão do planejamento da causalidade para obtenção da finalidade proposta.

A caracterização de ato doloso de improbidade compete à Justiça Eleitoral, a qual fica vedada de realizar nova apreciação das contas do administrador público já julgadas pelo órgão competente, mas deverá, a partir dos fundamentos empregados no julgamento das contas, verificar se os atos que levaram à sua desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade.

A respeito do tema, manifesta-se a doutrina:

...é a Justiça Eleitoral quem, analisando a natureza das contas reprovadas, define se a rejeição apresenta cunho de irregularidade insanável, possuindo característica de nota de improbidade (agora, dolosa) e, assim, reconhece o impeditivo à capacidade eleitoral passiva. (Rodrigo López Zilio, Direito Eleitoral, 5ª ed., 2016, p. 230-231.)

Essa competência da Justiça Eleitoral é pacificamente reconhecida pela jurisprudência, como se extrai da ementa que segue:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATO. PREFEITO. REJEIÇÃO DE CONTAS. CONVÊNIO. JULGAMENTO PELO TCU. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. INELEGIBILIDADE CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO.

I. Não compete à Justiça Eleitoral julgar o acerto ou desacerto da decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União, tampouco verificar se determinadas cláusulas contratuais de convênio federal foram (ou não) respeitadas, sob pena de grave e indevida usurpação de competência.

II. Cabe à Justiça Eleitoral analisar se, na decisão que desaprovou as contas de convênio, estão (ou não) presentes os requisitos ensejadores da causa de inelegibilidade do art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar 64/1990, quais sejam, contas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente.

III. A decisão do Tribunal de Contas da União que assenta dano ao erário configura irregularidade de natureza insanável.

IV. Recurso conhecido e provido.

(Agravo Regimental em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 33806, Acórdão de 05.5.2009, Relator Min. EROS ROBERTO GRAU, Relator designado Min. ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 18.6.2009, Página 22.) (Grifei.)

Quanto ao terceiro requisito - inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição -, como a própria norma expressamente refere, apenas provimento judicial, seja de caráter provisório ou definitivo, pode suspender os efeitos do julgamento das contas, conforme admitido pela jurisprudência:

ELEIÇÃO 2010. REGISTRO DE CANDIDATURA. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, g, da LC Nº 64/90 C.C. LC Nº 135/2010. FATO IMPEDITIVO DO DIREITO DO IMPUGNANTE. ÔNUS DA PROVA. CANDIDATO/ IMPUGNADO. ART. 11, § 5º DA LEI Nº 9.504/97. REJEIÇÃO DE CONTAS. SUSPENSÃO DE INELEGIBILIDADE. NECESSIDADE DE PROVIMENTO JUDICIAL.

[...]

3. É necessária a obtenção de provimento judicial para suspender a inelegibilidade decorrente de rejeição de contas por irregularidade insanável. Precedentes.

4. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 118531, Acórdão de 01.02.2011, Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 036, Data 21.02.2011, Página 62.) (Grifei.)

Assim, delineada a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. g, da Lei Complementar n. 64/90, passa-se à análise do caso concreto.

Na espécie, o recorrido foi Prefeito de Fontoura Xavier de 2008 a 2012, tendo suas contas julgadas reprovadas pela Câmara de Vereadores relativas ao exercício de 2011, conforme Decreto Legislativo n. 001/16 (fl. 24).

Então, aqui já se pode perceber que as contas do candidato foram desaprovadas pelo órgão competente.

Ademais, é incontroverso que não há qualquer provimento judicial suspendendo o ato, ao contrário, há decisão do Tribunal de Justiça que reafirma a perfeita legalidade do Decreto Legislativo (fls. 204-210).

Entretanto, somente essa circunstância não leva à conclusão de que por essa razão as contas contivessem irregularidades insanáveis, dolosos ou ímprobas.

Isso porque compete a esta Justiça Eleitoral analisar os motivos que ensejaram desaprovação das contas de José Flavio Godoy da Rosa, exercício 2011, para se verificar se há o preenchimento do requisito: irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, geradora da inelegibilidade prevista na alínea g.

As contas de José Flavio foram desaprovadas pela Câmara Municipal em função das seguintes irregularidades:

1) ausência de finalidade pública na despesa de R$ 6.116.00 (almoço para 400 pessoas no Parque das Tubas) - item 2.2;

2) aquisição de materiais sem licitação, item 3.2;

3) gastos com combustíveis em valor superior aos licitados e ausência de finalidade pública, item 3.3;

4) contratação direta de prestadores de transporte escolar (matéria já apontada), item 3.4;

5) dispensa de licitação para a contratação de OSCIP - item 3.5;

6) o Município deixou de aplicar R$ 193.476.33 na educação infantil dos recursos transferidos pelo FUNDEB.

Registro que a decisão do TCE ainda apontou outras irregularidades que também mereceram censura e julgamento desfavorável.

No que refere às irregularidades quanto ao descumprimento da Lei de Licitações, a jurisprudência do TSE é firme no sentido de considerá-las como insanáveis aquelas que configuram ato doloso de improbidade administrativa:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ARTIGO 1º, INCISO I, ALÍNEA g, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. SÚMULA 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o provimento do recurso de revisão perante o Tribunal de Contas e a consequente aprovação das contas afastam a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, bem como a obtenção de liminar, hipóteses não verificadas na espécie. Precedentes.

2. Segundo entendimento deste Tribunal Superior, o descumprimento nas disposições da Lei de Licitações configura ato doloso de improbidade administrativa apto a atrair a inelegibiliade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. No caso, tem-se que a Segunda Câmara do TCE/BA desaprovou as contas referentes ao Convênio nº 08/2008, por considerar irregular a contratação da empresa Arquitetônica Construções Ltda. pelo então gestor, devido à não observância dos ditames da legislação que rege a matéria, tendo havido a desconsideração de empresas e valores cotados para a realização da obra e a contratação de empresa por preço superior ao cotado no mercado, sem apresentar justificativas para tanto.

3. As razões do regimental não infirmam a fundamentação da decisão agravada, atraindo o óbice da Súmula 182 do STJ.

4. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 79571, Acórdão de 13.11.2014, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 13.11.2014.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INCIDÊNCIA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, com exceção de falhas de natureza formal, o descumprimento da Lei de Licitações constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa.

2. No caso, o processo de Tomada de Contas Especial foi instaurado com a finalidade de apurar a ocorrência de superfaturamento e de outras anormalidades na aquisição de artigos médico-hospitalares, tendo sido constadas pelo Tribunal de Contas da União irregularidades relativas ao descumprimento da Lei de Normas Gerais de Direito Financeiro - Lei 4.320/64 - e da Lei de Licitações - Lei 8.666/93 -, as quais foram consideradas graves.

3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 209493, Acórdão de 24.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 24.10.2014.) (Grifei.)

Dessa forma, a análise das condutas que levaram à reprovação das contas não podem ser caracterizada como meros equívocos formais ou inexpressivas deficiências. Ao contrário, as irregularidades são aptas a configurar atos dolosos de improbidade administrativa, motivo pelo qual deve ser reconhecida a inelegibilidade de José Flavio Godoy da Rosa até 06.09.2024 (8 anos a contar do Decreto Legislativo n. 001/2016 – fl. 24), com fundamento no art. 1º, inc. I, al. g, da Lei Complementar n. 64/90.

Dessarte, entendendo possível a revisão do registro concedido ao recorrido e caracterizada a presença de sua inelegibilidade, tenho por desconstituir o diploma de JOSÉ FLAVIO GODOY DA ROSA como Prefeito de Fontoura Xavier, fulcro no que dispõe o § 2º do art. 26-C da LC n. 64/90.

Em função da unicidade da chapa, igualmente desconstitui-se o diploma concedido a ANTONIO PORTELA DE CASTRO (Vice-prefeito de Fontoura Xavier).

Por fim, o candidato à majoritária foi eleito no pleito de 2016, de forma que o provimento do recurso acarretará a desconstituição de seu diploma e a realização de nova eleição.

Relativamente à eficácia da decisão proferida por este Tribunal, tenho que a sua execução é imediata, tendo em vista que o recurso especial não possui efeito suspensivo, de acordo com o art. 257, caput, do Código Eleitoral.

É importante destacar que o art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, o qual confere efeito suspensivo aos recursos interpostos contra decisão de afastamento ou perda de mandato, limita-se aos recursos ordinários, como se verifica pela sua redação:

§ 2º. O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

Além disso, o art. 15 da LC n. 64/90 determina:

Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, seja tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido. (Grifei.)

Dessa forma, a partir da decisão em segundo grau, o prefeito e o vice eleitos devem ser imediatamente afastados do cargo, chamando-se o presidente da Câmara para assumir o comando do Executivo Municipal.

Quanto à realização de novas eleições, a Lei n. 13.165/15 alterou a redação do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, passando a dispor que a cassação do diploma ou perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta a realização de novas eleições após o trânsito em julgado, independentemente do número de votos anulados.

No entanto, o egrégio TSE, ao apreciar os embargos de declaração opostos no RESPE 139-25, declarou a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado”, constante no aludido dispositivo, sob o fundamento de que a espera pela preclusão máxima ofende a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular, pois perpetuaria no exercício do Executivo Municipal o presidente da Câmara de Vereadores.

No referido acórdão, os ministros aprovaram enunciado com o seguinte teor:

A expressão “após trânsito em julgado” prevista no § 3º do art. 224, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, é inconstitucional.

Assim, considerando o entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a realização de novas eleições não fica condicionada ao trânsito em julgado da decisão, cabendo a esta Corte adotar as providências necessárias para o novo pleito.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, determinando as seguintes providências:

a) JOSÉ FLAVIO GODOY DA ROSA e ANTONIO PORTELA DE CASTRO,  prefeito e vice, respectivamente, devem ser imediatamente afastados de seus cargos, assumindo o comando do Executivo Municipal o Presidente da Câmara de Vereadores de Fontoura Xavier;

b) Devem ser realizadas novas eleições no município, nos termos de resolução a ser aprovada por este Tribunal;

c) Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se a Zona Eleitoral para cumprimento do acórdão.

É o voto.

 

(Após votar o relator, dando provimento ao recurso, a fim de desconstituir os diplomas do prefeito e do vice, pediu vista o Des. Carlos Marchionatti. Aguardam o voto-vista os demais julgadores. Julgamento suspenso.)