RC - 4922 - Sessão: 06/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença do Juízo Eleitoral da 154ª Zona Eleitoral – Arroio do Tigre/RS, que julgou improcedente a denúncia oferecida contra MARCOS ANTONIO PASA, candidato a vereador, e EDUARDO MAINARDI, seu sobrinho, por alegada prática do delito previsto no art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97 durante as eleições municipais de 2012, na forma do art. 29, caput, combinado com o art. 71, caput, ambos do Código Penal, conforme seguintes fatos, assim descritos na denúncia (fl. 2v.):

No dia 07 de outubro de 2012, em horários e locais diversos, principalmente, na via pública, no município de Arroio do Tigre/RS, os denunciados MARCOS ANTONIO PASA e EDUARDO MAINARDI, por diversas vezes, promoveram a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna.

Nas oportunidades, os denunciados, em comunhão de esforços e acordo de vontades, promoveram a arregimentação de eleitor e, no dia da eleição (07.10.2012) promoveram boca de urna, agindo da seguinte forma: o denunciado MARCOS ANTONIO PASA, previamente mancomunado com o codenunciado, locou o veículo VW/Kombi, placas IOG 1294 pertencente à Neida Kleger Mai, na cidade de Sobradinho. Após, repassou o citado veículo ao denunciado EDUARDO MAINARDI (seu cabo eleitoral e sobrinho) para que fosse utilizado para a prática de boca de urna.

Por seu turno, o denunciado EDUARDO MAINARDI praticou boca de urna no dia da eleição [1] trafegando com o citado veículo e entregando propaganda eleitoral, bem como o [2] estacionou em frente ao maior local de votação de Arroio do Tigre, previamente acordado com o codenunciado, sendo que tal veículo estava adesivado com propagandas eleitorais do denunciado MARCOS ANTONIO PASA e da Coligação Unidos Podemos Mais (auto de apreensão e arrecadação das fls. 08/12.

 

Citados (fls. 64-65), os réus não aceitaram a proposta de suspensão condicional do processo (fl. 66) e ofereceram resposta à acusação (fls. 68-70).

O juízo a quo procedeu à oitiva de parte das testemunhas arroladas (fls. 110-112, 118-120, 126-128) e recebeu a denúncia em 25 de setembro de 2014 (fl. 151).

Realizada a instrução, sobreveio sentença de improcedência da denúncia por falta de provas de prática delitiva (fls. 290-293).

Nas razões de reforma, o Ministério Público Eleitoral sustenta que a materialidade e a autoria do delito de arregimentação de eleitor restaram fartamente comprovadas nos autos pela prova oral e documental coligida durante a instrução, não devendo prevalecer a tese defensiva (fls. 297-302).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 307-309), o feito foi encaminhado com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou por nova definição jurídica do fato por meio do instituto da emendatio libelli, para o fim de que seja reconhecida a prática da conduta descrita no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, relativo ao crime de divulgação de qualquer espécie de propaganda eleitoral, no dia da eleição, mediante estacionamento de veículo com publicidade defronte à edificação em que instaladas cinco seções eleitorais, com o consequente provimento do recurso e a execução provisória da pena (fls. 314-328v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece conhecimento.

As razões recursais objetivam a reforma da sentença de improcedência da denúncia que imputa aos recorridos a arregimentação de eleitores e a propaganda de boca de urna mediante estacionamento próximo a uma seção eleitoral, no dia da eleição e antes do início da votação, de um veículo Kombi com publicidade eleitoral do réu Marcos Antônio Pasa adesivada nos vidros, então candidato a vereador, e dirigido pelo corréu Eduardo Mainardi.

O tipo penal imputado ao denunciado está descrito no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97:

Art. 39 - A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

(...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

 

A definição dos atos que caracterizam arregimentação de eleitores não está disposta na legislação. De acordo com Suzana de Camargo Gomes: A norma penal está, no caso, resguardando a liberdade do eleitor de votar sem sofrer qualquer constrangimento, pelo que, no dia da eleição, é vedada a propaganda eleitoral. Transcrevo a lição da autora:

Assim, [...] não podem ser levadas a efeitos práticos tendentes a arregimentar ou a aliciar eleitores, ou realizar a chamada propaganda de `boca de urna", condutas essas que se revelam não só pela promoção de reuniões e formação de grupos de pessoas com fins eleitorais, mas inclusive pela distribuição de impressos, de volantes aos eleitores, ou, ainda, podem consistir no comportamento de abordar, de tentar persuadir, convencer o eleitor a votar em determinado candidato ou partido, no dia da eleição.

[...]

Assim, o que a norma penal veda é a divulgação de propaganda eleitoral, na data do pleito, que afete a esfera de outrem, ou seja, aquela que se revele pela ação consubstanciada na abordagem, no aliciamento, na arregimentação dirigida ao eleitor [...].

É que, nessas condições, está sendo atingido o eleitor em seu direito de liberdade de, no dia da eleição, votar sem sofrer qualquer ordem de pressão, de influência, de constrangimento.

[...]

Destarte, o que é vedado e, inclusive, constitui crime, é a conduta daquele que, no dia da eleição, divulga ou realiza propaganda eleitoral de molde a atingir a esfera do eleitor, através da abordagem, do aliciamento, da utilização de métodos de persuasão ou convencimento, e não daquele que sem incomodar, falar, ou tomar qualquer atitude que desborde seu âmbito particular, demonstra silenciosa e individualmente sua preferência eleitoral.

 [...]

O mero porte de material de propaganda no dia da eleição, sem que denote divulgação, arregimentação, distribuição a eleitores, não caracteriza o crime em apreço" (GOMES. Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 164 e 166).

 

Segundo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves: Arregimentar é abordar, tentar convencer, obter apoio. Supõe uma tentativa de convencimento que não se limita à distribuição de um folheto, mas envolve abordagem e argumentação. (Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 134.)

Para Joel J. Cândido, por sua vez, Arregimentar é 'alistar', 'reunir', 'enfileirar' ou 'associar'. Aqui, o sentido que quer o legislador é 'conseguir', 'obter', 'convencer' ou 'angariar'. (Direito Penal Eleitoral & Processo Penal Eleitoral. Bauru: Edipro, 2006, p. 498.)

Na jurisprudência, a análise do verbo nuclear “arregimentar” também demanda esforço interpretativo. Em julgado do TSE, a Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura utilizou-se do significado trazido pelo dicionário, para fins de aferição da prática delitiva, nos seguintes termos: De acordo com o dicionário Houaiss, arregimentar significa 'organizar em regimento, militar; ordenar, formar (um corpo de tropas)' ou 'reunir(-se) em partido, associação ou grupo; alinhar(-se)'. (AI n. 69959, decisão monocrática de 13.4.2015, DJE 17.4.2015.)

Na interpretação realizada pelo Ministro Luiz Fux em outra decisão, foi consignado que o objetivo do tipo contido no dispositivo supra é o de resguardar o direito do eleitor de, no dia da eleição, desfrutar de um ambiente propício à manifestação de sua liberdade de voto, no qual não sofra pressão por outras pessoas. Outrossim, não abarca condutas desprovidas do desideratum de constranger ou arregimentar eleitores na data do pleito (AI n. 132439, decisão monocrática de 13.11.2015, DJE 24.11.2015).

Conclui-se que a conduta de arregimentar pressupõe a argumentação mediante abordagem direta de eleitores capaz de influenciar o voto. Com esse entendimento, o seguinte precedente:

RECURSO CRIMINAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA - ALEGADA REALIZAÇÃO DE PROPAGANDA, BOCA DE URNA E ARREGIMENTAÇÃO DE ELEITORES NO DIA DO PLEITO (LEI N. 9.504/1997, ART. 39, § 5º, II) - PROVA ORAL INSEGURA - MEROS INFORMANTES - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO SEGURA DO DOLO DE SUGESTIONAR ELEITORES - PROVIMENTO.

1. Não obstante a livre apreciação da prova autorize a formação de um convencimento condenatório com lastro em testemunhos de quem não têm ciência própria do ocorrido, para tanto é necessário que se estruture um alicerce probatório satisfatório, seja pela unidade e precisão das declarações, seja pela integração com outros meios de prova dos autos.

2. “Nem toda manifestação político-eleitoral, na data da eleição, é vedada pelo art. 39, § 5º, da Lei nº 9.504/97, o qual, por tratar de crime, deve ser interpretado estritamente; a simples declaração indireta de voto, desprovida de qualquer forma de convencimento, de pressão ou de tentativa de persuasão, não constitui crime eleitoral”, pois "o bem jurídico tutelado pela norma é o livre exercício do voto" (TSE. Respe n. 485.993, de 26.4.2012, Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira).

(TRE-SC, RECURSO EM PROCESSO-CRIME ELEITORAL n. 43606, Acórdão n. 30215 de 15.10.2014, Relator VILSON FONTANA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 186, Data 20.10.2014, Página 8.)

 

No caso dos autos, o magistrado a quo concluiu não ter sido comprovada a prática do ato de arregimentar eleitores na data do pleito.

Na data do fato, foi lavrado pela Polícia Civil o Boletim de Ocorrência da fl. 09, no qual consta que o veículo Kombi estava adesivado com propaganda eleitoral do candidato a vereador Marcos Antônio Pasa e ficou estacionado próximo à seção eleitoral, restando removido por guincho a partir de determinação do juízo eleitoral, no exercício do poder de polícia.

Apesar de ter sido encontrado material da campanha eleitoral do candidato Marcos Antônio Pasa no interior da Kombi, nos termos do auto de apreensão da fl. 11, nenhuma prova foi produzida no sentido de que ocorrera distribuição da publicidade a eleitores ou de que os réus estivessem se valendo do veículo e da referida propaganda para cooptar votos.

A justificativa do fato apresentada por ambos os réus desde o interrogatório perante a autoridade policial (fl. 32), e mantida durante a fase judicial do feito, foi no sentido de que a Kombi sofreu uma pane elétrica no dia e local onde foi encontrada, ausente intenção de praticar o delito.

A alegação de ter havido pane elétrica na Kombi foi confirmada em juízo pelo mecânico José Edir Junior, o qual afirmou ter trabalhado no veículo devido a problemas mecânicos no dia imediatamente anterior, e que, na manhã da eleição, foi novamente chamado pela mesma razão. (fl. 235).

Entendo que o fato de não ter sido apresentada nota fiscal pelos referidos serviços não prejudica a validade da prova, colhida pelo crivo do contraditório e sem qualquer impugnação quanto a sua veracidade.

Em juízo, Maicon Raminelli Drakler, que já havia dirigido a Kombi, confirmou que o veículo costumava apresentar um problema elétrico na injeção e por vezes deixava de funcionar (fl. 223).

Conforme afirmado na sentença, Não há notícia, no entanto, que tenha o réu Eduardo, o qual conduzia o veículo Kombi, distribuído o material de publicidade eleitoral que se encontrava no interior do veículo. Não há qualquer prova nesse sentido, podendo-se, inclusive, afirmar-se que não houve este tipo de conduta, mas tão somente o fato da Kombi estar parada ao lado da sessão eleitoral no dia da eleição.

As demais testemunhas ouvidas durante a instrução em nenhum momento afirmaram a prática do verbo nuclear do tipo: arregimentar eleitor ou realizar boca de urna, pois apenas confirmaram o fato de a Kombi ter permanecido estacionada ao lado da seção eleitoral no dia das eleições, próximo ao horário de início da votação, em momento algum dando conta de atos de arregimentação.

Consoante entende a Procuradoria Regional Eleitoral ao citar julgado desta Corte: 

Ainda que tenha sido constatada a existência de artigos relacionados à campanha eleitoral no interior do veículo apreendido, 'o mero porte de material de propaganda no dia do pleito, sem que se verifique sua distribuição, não caracteriza o delito em comento' (RC nº 653, Acórdão de 01.12.2015, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, DEJERS 4.12.2015).

Essa conclusão em nada se modifica pela menção realizada em juízo por Maicon Ramineli Dracler (fls. 221-223) e José Edir Bulsing Junior (fls. 233, 234, 234-A), no sentido de que durante a campanha a Kombi foi utilizada como um “comitê eleitoral ambulante”, pois na data do fato o carro estava apenas estacionado e fechado, e o tipo criminaliza a conduta somente se praticada na data do pleito.

Desse modo, o fato é atípico, merecendo seja mantida a absolvição, porém, por fundamento diverso, a saber, o art. 386, inc. III, do CPP, pois toda a prova produzida durante a instrução limita-se a atestar que veículo adesivado estava estacionado próximo a uma seção eleitoral.

Além disso, verifica-se inviável a pretensão ministerial de que os recorridos sejam condenados como incursos no tipo previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97: divulgação de propaganda eleitoral no dia da eleição.

Com muito respeito ao entendimento da Procuradoria Regional Eleitoral, considero que, a prevalecer a tese defendida pelo Parquet, encabeçada por um precedente do TRE-RJ relativo à eleição de 2008, haveria criminalização da conduta de estacionar veículo adesivado em frente ao local de votação para qualquer automóvel com propaganda eleitoral “colada nos vidros” que circule ou esteja estacionado, durante o pleito, seja próximo ou distante de locais de votação.

Penso que o referido julgado, cuja orientação não encontra eco na jurisprudência do TSE ou desta Corte, foi muito além do que razoável e permitido ao Direito Penal ao assentar que, se um carro estacionado está tomado de propaganda, tem-se por consumado o delito e comprovada a intenção de realizar propaganda eleitoral no dia da eleição.

Na data da eleição, inúmeros são os candidatos e eleitores que se dirigem aos locais de votação com a exteriorização de sua opção política, seja nas vestimentas, seja nos veículos com que se dirigem para votar, os quais enfeitam com bandeiras e adesivos que, por vezes, tomam todo o espaço do vidro traseiro dos automóveis.

Até nas moradias os eleitores externam a preferência política e a intenção de voto no candidato predileto, e isso em nada pode ser tachado de crime eleitoral, pois o art. 39-A da Lei das Eleições é expresso ao permitir, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos:

Art. 39-A. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

O fato sequer constitui propaganda irregular, pois não há nenhuma objeção ou impedimento quanto à circulação de veículos adesivados, no dia do pleito, ou estacionados perto de seções eleitorais.

A adesivagem de automóveis é regulada pelo art. 38, § 4º, da Lei das Eleições, que dispõe ser proibido colar propaganda eleitoral em veículos, exceto adesivos microperfurados até a dimensão total do para-brisa traseiro e, em outras posições, adesivos até a dimensão máxima de 50 (cinquenta) centímetros por 40 (quarenta) centímetros.

Para a aplicação da emendatio libelli contida no art. 383 do CPP, é necessário que a conduta que se pretende imputar ao agente se enquadre no tipo penal, e, no caso sub examine, o fato é atípico também para o delito previsto no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

A partir da visão ofertada pela teoria constitucionalista do delito, a tipicidade ganhou nova dimensão, acrescendo a tipicidade material ao seu estudo, com a análise do desvalor da conduta e do resultado, que, como lembra Luiz Flávio Gomes, aproxima-se muito do conceito de tipicidade sistemática e conglobante de Zaffaroni, mas com ele não se identifica totalmente (GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal Parte Geral . 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 2., p. 164).

A tipicidade conglobante ou conglobada, nela incluída a tipicidade material, determina-se pela "repercussão" imposta no meio social pela conduta do agente. Noutras palavras, a conduta será materialmente típica quando, na prática, seriamente ofender bem juridicamente tutelado pela norma. Somente assim importará ao Direito Penal, que deve ser mínimo, fragmentário.

Quanto à aferição do relevo material da tipicidade, torna-se indispensável, para legitimar a descaracterização do crime à luz da máxima da insignificância, a presença de vetores, erigidos a partir da concepção de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando indispensáveis para assegurar a incolumidade de todos os bens jurídicos essenciais à sociedade, isso face a uma agressão que contenha um mínimo de lesividade.

Identifica-se dentro desse elemento da tipicidade a aplicação direta do princípio da lesividade ou da ofensividade, merecendo transcrição o seguinte excerto de voto da lavra do Ministro Felix Fischer, ao tratar do tema da atipicidade conglobante de Zaffaroni, em julgamento de crime de furto, conclusão aplicável ao caso em tela:

A quaestio suscitada enseja polêmica no que se refere aos limites e características do princípio da insignificância que é, entre nós, causa supralegal de atipia penal. Em outras palavras, a conduta legalmente típica, por força do princípio da insignificância, poderia não ser penalmente típica visto que haveria, aí, segundo lição de E. R. Zaffaroni, atipicidade conglobante. Esta (como falta de antinormatividade) seria uma forma de limitação aos eventuais excessos da tipicidade legal. O princípio em tela, tal como, também, qualquer dispositivo legal, deve ter necessariamente um significado, um sentido. Não pode ensejar absurdos axiológicos e nem estabelecer contraste com texto expresso não contestado (comparativamente, sobre o princípio estruturado por Roxin, Tiedemann e outros, tem-se, em nossa doutrina: "O Princípio da Insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal", de Carlos Vico Mañas, "O Princípio da Insignificância no Direito Penal", do Maurício Antônio Ribeiro Lopes, RT e "Observações sobre o Princípio da Insignificância", de Odone Sanguiné, nos "Fascículos das Ciências Penais", Safe, vol. 3, n. 1).

(STJ, REsp 1128888/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23.02.2010, DJE 3.5.2010.)

 

Esse entendimento deve prevalecer, pois o Direito Penal não se presta para atacar ato juridicamente irrelevante do ponto de vista criminal, nos termos dos ensinamentos de Francisco Muñoz Conde, citado por Greco (GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 53):

O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do direito.

 

Portanto, entendo que a extensa apuração realizada pelo órgão ministerial nesta instância, acerca dos motivos pelos quais o veículo estava estacionado perto do local de votação, com o objetivo de demonstrar a ausência de pane mecânica e a deliberada intenção de manter a Kombi no local, de modo algum servem para a configuração do delito de propaganda no dia do pleito.

 

O delito somente estaria consumado com a distribuição de material de propaganda a eleitores ou com manifestação eleitoral que não fosse realizada de forma individual e silenciosa, conforme ressalva prevista no caput art. 39-A da Lei das Eleições.

Não prospera, portando, a pretensão condenatória.

Assim, os autos estão destituídos de provas hábeis para demonstrar a prática do delito, merecendo ser desprovido o apelo, mantendo-se a decisão de improcedência da denúncia, porém por ser o fato atípico, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença recorrida, porém com fundamento no art. 386, inc. III, do CPP, uma vez que o fato é atípico.