E.Dcl. - 18904 - Sessão: 18/04/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos por FRANCISCO DOS SANTOS SILVA e COLIGAÇÃO EM CAMPO BOM A VIDA DÁ CERTO em face do acórdão das fls. 217-226, que, à unanimidade, negou provimento ao seu recurso, mantendo a sentença de improcedência da ação de investigação judicial eleitoral.

Em suas razões, sustentam que o acórdão embargado registra omissões relativamente à matéria sub judice, e contradição, vícios que amparariam a pretensão de efeitos modificativos requerida (fls. 230-232).

Aduzem que houve omissão relativa ao “impulso estratégico conferido à candidatura” dos recorridos com exclusividade e em prejuízo dos demais postulantes locais. Alegam a existência de flagrante divergência entre o fato consumado e a prova testemunhal, o que evidenciaria a gravidade da conduta. Dizem existir contradição em admitir a apresentação do candidato perante o público sem o reconhecimento do abuso.

Requerem o conhecimento e provimento dos embargos, com a reparação dos vícios enumerados, e, mediante a incidência de efeitos modificativos, a reforma do decisum para reconhecer a procedência da ação e condenar os representados, designando-se pleito suplementar para o município.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargantes sustentam a existência de omissão e contradição no acórdão embargado.

Entretanto, não verifico os alegados vícios.

Os embargantes alegam existir flagrante divergência entre o fato consumado e a prova testemunhal, o que evidenciaria a gravidade da conduta.

Consta na decisão agravada (fl. 224):

[...] o acervo probatório revela candidato a prefeito que se “apresenta para avaliação” ao público presente em cerimônia e que, mencionando a candidatura e o número da legenda, solicita o “apoio” dos presentes, em fala com a duração de dois minutos e quarenta segundos. O encontro não se tratava de culto propriamente dito, mas de “campanha de orações” ou “reunião de líderes”, realizada em centro de eventos de igreja, com a presença estimada de 130 a 200 pessoas. (Grifei.)

A menção apurada do tempo de fala do candidato (dois minutos e quarenta segundos) evidencia que a decisão considerou a gravação constante nos autos, e não os depoimentos acerca dela. Havendo como reproduzir o evento impugnado na ação através de gravação reconhecida como prova lícita nos autos, as considerações pessoais dos depoentes acerca do conteúdo da fala (se Luciano teria ou não mencionado o número da legenda pela qual concorreu ou se teria ou não feito pedido de voto) perdem o sentido, tanto que foram desconsideradas quando da explanação das provas tidas em conta na formação da opinião deste relator.

Assim, havendo essa prova segura e não contemplados os depoimentos acerca de dados que pudessem ser extraídos da gravação, não resta qualquer divergência no exame da prova. Ainda, mesmo que houvesse, a divergência no conteúdo das provas não necessariamente evidenciaria a gravidade da conduta, em face da necessidade de sua valoração.

Conforme também consta do acórdão embargado, a gravidade da conduta deve ser entendida como sua repercussão “na legitimidade e na lisura do pleito, o que se faria mediante análise do número de pessoas presentes na celebração religiosa” (fl. 223v.).

Nesse sentido, fez-se constar também que tal gravidade não foi reconhecida, uma vez que “o número de atingidos pela mensagem foi, no máximo, de duzentas pessoas (sendo que não há como presumir que todo o público estimado detivesse a capacidade eleitoral ativa), em um município que conta atualmente com 50.851 eleitores” (fl. 224 e verso).

Outra omissão apontada seria relativa ao “impulso estratégico conferido à candidatura” dos recorridos com exclusividade e em prejuízo dos demais postulantes locais.

Esse ponto se encadeia ao anterior: o voto apontou o número de eleitores do município (50.851) e o número de presentes na reunião (no máximo duzentas pessoas, não havendo certeza se eram todos eleitores), assim defluindo que a influência, se é que existiu, foi em patamar ínfimo diante do conjunto de eleitores considerados.

Não reconhecida a gravidade, por decorrência também não há mácula da isonomia.

Ademais, eventual exigência de tratamento isonômico em relação aos candidatos por parte de particulares só seria exigível se prevista em lei, como se sabe, e o acórdão, nesse ponto, listou as disposições legais em relação à atuação das igrejas no processo eleitoral. Vejamos (fl. 220 e verso):

[...] algumas são as restrições à interferência de entidades religiosas na vida política, em especial no tocante à propaganda eleitoral (vedação de veicular publicidade de qualquer natureza no interior de templos – art. 37 – e de instalar e usar alto-falantes ou amplificadores de som em distância inferior a duzentos metros de igrejas, quando em funcionamento – art. 39, § 3º, inc. III –, ambos dispositivos da Lei n. 9.504/97) e ao financiamento de partidos e candidatos (veda a doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie – art. 24 da Lei das Eleições).

Deve-se observar, contudo, que um instituto que visa combater o desequilíbrio na disputa pelo voto – a desincompatibilização – não é aplicável a membros de entidades religiosas. Embora se exija o afastamento de apresentadores e comentaristas de rádio ou de TV do emprego, porque o exercício da atividade permite grande exposição da imagem do candidato, o mesmo ocorrendo em relação a presidentes de sindicatos, não há necessidade de desincompatibilização de padres, pastores, sacerdotes, ou dirigentes de entidade religiosa, ainda que esta tenha firmado termo de cessão de uso de terreno para construção do templo e recebido certa quantia para a realização de evento (TSE, REspe n. 385-75, acórdão de 25.10.2012).

Dessa forma, não é possível afirmar ser evidente a opção legislativa em coibir a influência ideológica/religiosa nas eleições. Existem, sim, restrições, mas essas não são absolutas, sendo temerário afirmar que cidadãos que comungam das mesmas crenças não possam se organizar para eleger representantes que defendam as mesmas convicções.

Desse modo, mesmo a decisão não mencionando explicitamente a expressão “impulso estratégico conferido à candidatura” dos recorridos, a tese de ferimento da isonomia foi devidamente enfrentada no julgamento.

Prosseguindo, os recorrentes argumentam também existir contradição em admitir a apresentação do candidato perante o público sem o reconhecimento do abuso.

Não há como admitir tal tese. Em breve resumo, a decisão embargada veiculou excertos de doutrina que admite a existência do poder religioso, para, em seguida, tentar definir o que seria o abuso, utilizando para tanto a análise de precedentes de outros tribunais, em especial, do Recurso Ordinário n. 795038, do Tribunal Superior Eleitoral. Constou à fl. 224:

[...] corte superior não considerou abusivas as condutas, mesmo havendo pedido explícito de voto e divulgação do número dos candidatos em culto religioso realizado em igreja.

Feita tal análise, concluo retomando que a configuração do abuso, em sentido amplo, para fins eleitorais, demanda a comprovação de ocorrência de conduta excessiva, irrazoável, estranha ao contexto que lhe é próprio. No caso da influência religiosa, a conduta que merecerá reprimenda será aquela que ocorrer de forma reiterada (ou, pelo menos, não isolada) e que atingir número expressivo de eleitores, sendo que, em investigação judicial, a influência religiosa tende a ser considerada no contexto do abuso do poder econômico.

Dito isso, é corolário que pode haver apresentação do candidato perante o público sem o reconhecimento do abuso de poder. Em outras palavras: a influência religiosa não é impedida, apenas seu abuso.

Portanto, a irresignação dos embargantes está voltada a sua inconformidade com a decisão, hipótese que não autoriza a oposição dos aclaratórios.

 

Diante do exposto, VOTO por conhecer e rejeitar os embargos, porque ausentes omissões ou contradições.