RE - 44981 - Sessão: 23/03/2017 às 17:00

(voto divergente)

Senhora Presidente, eminentes colegas:

Com a mais respeitosa vênia ao ilustre Relator, entendo que o recurso deva ser provido, aplicando-se ao recorrido a multa prevista no § 1º do art. 14 da Resolução TSE n. 23.457/15.

Explico.

Inicialmente, cabe aqui tratar de questão relativa ao efeito devolutivo dos recursos.

A matéria encontra-se disposta no art. 1.013 do CPC:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. […]

No plano doutrinário, Daniel Ustárroz e Sérgio Gilberto Porto (USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 78-80.) assim sintetizam a regra geral do efeito devolutivo:

Pode-se sintetizar a regra geral na seguinte frase: o recurso devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (tantum devolutum quantum appellatum).

A doutrina, de igual modo, pacificou a compreensão de que o efeito devolutivo possui duas dimensões, a horizontal (denominada de extensão) e a vertical (chamada de profundidade).

O plano horizontal, relativo à extensão do efeito devolutivo, é tratado no caput do artigo 1.013 do CPC: “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.

E quanto a esse ponto, Barbosa Moreira ensina que delimitar a extensão do efeito devolutivo é “precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16 ed. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 429.). Ou seja, a extensão do efeito devolutivo é determinada pelo próprio recorrente, é a delimitação do que o tribunal deverá decidir, é o objeto do recurso.

Daniel Ustárroz e Sérgio Porto aprofundam a questão da delimitação do âmbito da matéria recursal ao referir os ensinamentos de Liebmann (Manuale di diritto processuale civile. v. II. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1984.):

Efetivamente, é sobre a matéria criticada nas razões recursais que se devolverá ordinariamente o debate perante a instância revisora. Os capítulos da decisão porventura não enfrentados no recurso permanecem fora da discussão recursal, uma vez que cumpre a parte limitar o âmbito de devolutividade de seu recurso. Desta forma, o efeito devolutivo delimita a atividade do órgão revisor, impedindo-o de que se manifeste sobre pontos não suscitados pelo recorrente, evitando a reformatio in pejus.

Os doutrinadores ressaltam, ainda, a contribuição de delimitar a matéria recursal para a racionalização e efetividade do processo:

O efeito devolutivo não deixa de colaborar com a efetividade do processo, na medida em que racionaliza o trabalho do juízo revisor, o qual centra suas atenções à matéria que foi adequadamente impugnada pelo recorrente. Em linha de princípio, qualquer manifestação do órgão ad quem quanto a pontos não suscitados deve ser considerada apenas a título de obiter dicta, não vinculando as partes, sob pena da indevida chancela da ultrapetição.

Ainda na esteira da limitação do objeto recursal, a advogada Cristiana Zugno Pinto Ribeiro, em suas anotações ao art. 1.013 do atual CPC (Novo Código de Processo Civil anotado/OAB. Porto Alegre: OAB RS, 2015.) observa que “Da mesma forma que o autor fixa na petição inicial os limites do pedido e da causa de pedir, ficando o juiz adstrito a tais limites, na esfera recursal, o recorrente, por meio do pedido de nova decisão, fixa os limites e o âmbito de devolutividade do recurso (NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 401-402.)”.

Segundo a advogada, o “objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, o qual não se confunde com o mérito da ação, haja vista que é o recorrente que delimita a matéria que será devolvida ao tribunal para novo julgamento, cuja extensão poderá ser menor que a matéria decidida na sentença, diante da possibilidade de interposição de recurso parcial, nos termos do art. 1.002”.

E, ao citar o Desembargador Araken de Assis, Cristiana Pinto Ribeiro conclui exemplificando que, “se requerida pelo recorrente a reforma parcial da sentença, o tribunal não poderá conceder-lhe a reforma total, ainda que lhe pareça ser a melhor solução. Por outro lado, no caso de apelação total, opera-se a devolução integral das etapas anteriores, havendo equivalência (qualitativa) do objeto da apelação com o objeto da cognição do juízo de primeiro grau" (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 438.).

Portanto, em respeito à extensão do efeito devolutivo, a análise do recurso pelo órgão ad quem deve-se limitar à matéria objeto da impugnação trazida pelo recorrente, não sendo possível o julgamento pelo tribunal de conteúdo alheio ao objeto do apelo.

Desse modo, cabe ao apelante delimitar a extensão do recurso, devendo a devolução se operar dentro desta, não podendo o tribunal avançar naquilo que não lhe foi devolvido, sob pena de extrapolar o âmbito da irresignação.

Por outro lado, a dimensão da profundidade, plano vertical, relaciona-se aos argumentos que foram enfrentados pelo juízo a quo e que, na instância recursal, poderão ou não ser revistos pelo juízo revisor.

E a este respeito, Ustárroz e Porto referem a didática lição de Barbosa Moreira:

A exata configuração do efeito devolutivo é problema que se desdobra em dois: o primeiro concerne à extensão do efeito, o segundo à sua profundidade. Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. A decisão apelada tem o seu objeto: pode haver julgado o mérito da causa (sentença definitiva), ou matéria preliminar ao exame do mérito (sentença terminativa). É necessário verificar se a decisão do tribunal cobrirá ou não a área igual a coberta pelo juiz a quo. Encara-se aqui o problema, por assim dizer, em perspectiva horizontal. Por outro lado, a decisão apelada tem os seus fundamentos: o órgão de primeiro grau, para decidir, precisou naturalmente enfrentar e resolver questões, isto é, pontos duvidosos de fato e de direito, suscitados pelas partes ou apreciados ex officio. Cumpre averiguar se todas essas questões, ou nem todas, devem ser reexaminadas pelo Tribunal, para proceder, por sua vez, ao julgamento; ou ainda se, porventura, hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato e não apreciou. Focaliza-se aqui o problema em perspectiva vertical (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. V12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 431.)

Repito, por esclarecedoras, as palavras de Barbosa Moreira: “Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar”.

Fiz essas breves considerações, pois a hipótese sob análise exige que se leve em conta a delimitação do objeto do recurso, em especial por se tratar de apelo exclusivo da representante, a qual postula a aplicação de multa como consectário do juízo de procedência da representação efetivado na origem.

Tenho notado que em outras oportunidades, nas quais este Tribunal julgou recursos idênticos a este – e também interpostos pela representante –, entendeu-se por adentrar na análise da regularidade ou não da propaganda, e, concluindo pela sua licitude, acabou-se por afastar, por óbvio, a aplicação da penalidade pecuniária.

Todavia, com a vênia dos colegas que firmaram tal compreensão, penso que ao assim decidir, a análise deste Tribunal acaba por extrapolar o objeto delimitado pelo recorrente, transpassando a extensão do efeito devolutivo.

Por essas razões, entendo que este órgão ad quem deve se ater ao pedido formulado pelo recorrente, qual seja, a aplicação de multa decorrente do juízo de procedência em representação por propaganda irregular.

Portanto, tratando-se de recurso exclusivo da representante, por meio do qual esta requer apenas a aplicação da sanção pecuniária disposta no art. 15, caput, e art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.457/15, c/c art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97, entendo preclusa a matéria atinente à regularidade ou não da propaganda.

Desse modo, incontroverso o reconhecimento, pelo juízo de primeiro grau, da irregularidade da propaganda eleitoral afixada em bem particular, a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97 deve ser aplicada, ainda que a publicidade tenha sido removida.

Essa compreensão há muito encontrava-se pacificada no Tribunal Superior Eleitoral, restando consolidada por meio da edição da Súmula TSE n. 48, que a seguir transcrevo:

Súmula TSE n. 48: A retirada da propaganda irregular, quando realizada em bem particular, não é capaz de elidir a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Assim, deve ser provido o recurso da representante para o fim de se aplicar a multa prevista no art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 37. [...]

§ 1° A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

§ 2° Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral, desde que seja feita em adesivo ou papel, não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado) e não contrarie a legislação eleitoral, sujeitando-se o infrator às penalidades previstas no § 1°.

Portanto, não havendo causa para afastar a sanção de seu patamar mínimo, fixo a multa em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso no sentido de aplicar, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.457/15, c/c art. 37, § 1º, da Lei n. 9.504/97, multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) à representada.

É como voto, Senhora Presidente.