RE - 39941 - Sessão: 06/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ALDI MINETTO e LUCIANO VANDERLEI LUTZER contra decisão do Juízo da 45ª Zona Eleitoral, sediado em Santo Ângelo, que julgou procedente a representação ajuizada por CEZAR COLETO e pela COLIGAÇÃO A FORÇA DO POVO GOVERNA DE NOVO, considerando caracterizada a prática de captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (fls. 192-197).

Nas razões recursais (fls. 205-226), suscitam a nulidade de gravação ambiental, eis que realizada sem o consentimento dos interlocutores, bem como aduzem inexistir prova da ocorrência dos fatos conforme foram considerados na sentença, pois a gravação não reportaria a uma situação espontânea, e sim teria decorrido de indução perpetrada por eleitora. Sustentam que a cópia de uma suposta agenda, de propriedade de Aldi Minetto, seria inautêntica, não havendo provas sobre a veracidade e a autoria das anotações. Indicam prova testemunhal que corroboraria a tese de inocorrência de compra de voto. Pugnam pela desproporcionalidade das sanções aplicadas. Requerem a improcedência da representação.

Com as contrarrazões (fls. 231-238), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 243-252).

Vieram conclusos.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada dia 21.02.2017 (fl. 199), no DEJERS, e o recurso interposto no dia 23 do mesmo mês (fl. 205), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

 

Preliminares

1) Gravação ambiental

O recurso traz, em sede preliminar, irresignação quanto à consideração, pelo juízo de origem, do conteúdo de vídeo, o qual teria sido “gravado clandestinamente” e, portanto, não seria válido como prova judicial. Os recorrentes aduzem, ainda, que a gravação não possuía “autorização judicial, o que resta incontroverso nos autos. Tampouco foi realizada no âmbito de inquérito promovido pelo Ministério Público Eleitoral ou autoridade judiciária. Portanto, indiscutível que se trata de prova ilícita, posto que não autorizada e absolutamente clandestina”.

Sem razão. Andou bem o juízo a quo ao aceitar a prova gravada.

Inicialmente, cumpre sublinhar que a gravação juntada aos autos não foi obtida por meio de interceptação, meio de prova no qual terceiro, geralmente estranho aos interlocutores, capta o conteúdo de diálogos. Tal modo de produção probatória é efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal.

Aqui, houve gravação, de fato clandestina, sem o conhecimento dos interlocutores Aldi Minetto e Daniel Giordani Maciel. Ocorre que a clandestinidade não implica, necessariamente, ilicitude, conforme se verá.

Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, não há que se falar em necessidade de autorização judicial ou presença em inquérito, pois não houve interceptação, e sim gravação por um dos envolvidos no diálogo. Ademais, a decisão monocrática veio suportada em sólida, irretocável fundamentação, nos vieses doutrinário e jurisprudencial.

Nessa toada, saliento que o STF, em regime de repercussão geral, já assentou a validade da gravação ambiental como espécie de prova:

Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

(RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19.11.2009, Plenário, DJE de 18.12.2009).

É certo, a título de argumentação, que, em alguns casos, o conteúdo da gravação ambiental deve estar submetido à tutela da intimidade ou privacidade, nos termos do art. 5º, inc. X, da CF, mormente naquelas situações em que a conversa, em si, tratar de temas que mereçam a tutela desses direitos fundamentais e, com o devido sopesamento, conclua-se pelo privilégio à proteção da esfera privada dos envolvidos, afastando-se, topicamente, a primazia do interesse público – aqui, de fato, o TSE possui alguns precedentes restritivos.

Contudo, tais restrições tratam de hipóteses extremas, de especial tutela da intimidade – aquelas que nem mesmo o interlocutor poderia vir a testemunhar sobre o conteúdo versado.

E é aqui que se torna possível realizar a devida separação daqueles assuntos em que se permite a gravação ambiental, relativamente àqueles em que ela não é possível: o direito fundamental à intimidade visa preservar o assunto conversado, e não o método de prova. Ou seja, tudo aquilo que não invade a esfera privada do interlocutor pode ser, sim, objeto de gravação ambiental.

Como já dito, não se olvida que há decisões do TSE que restringem a utilização de tal espécie probatória, ainda que tenha sido realizada por um dos interlocutores – e nessa linha são os precedentes trazidos pelos recorrentes. Mas o assunto merece lupa, pois o órgão de cúpula vinha sendo mais restritivo na admissão da gravação como meio de prova judicial especialmente no período entre o ano de 2013 até o início de 2015, pois antes, sobretudo entre 2008 a 2012, o e. Superior já construía precedentes pela licitude da gravação ambiental.

Uma jurisprudência um tanto pendular, portanto.

E, recentemente, houve um novo movimento daquela Corte Superior, no sentido de admitir como prova a gravação ambiental realizada, por exemplo, em lugares públicos, o que teve início no REspe 637-61/MG, Rel. Ministro Henrique Neves, DJE de 21.5.2015, quando se decidiu:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CAUTELAR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

Recurso especial da Coligação Cuidando de Nossa Cidade para Você

1. Na linha do entendimento majoritário, a eventual rejeição de um fundamento suscitado no recurso eleitoral não torna o recorrente parte vencida. O interesse recursal, que pressupõe o binômio necessidade/utilidade, deve ser verificado a partir do dispositivo do julgado. Precedentes: REspe nº 185-26, rel. Min. Dias Toffoli, DJE de 14.8.2013; REspe nº 35.395, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 2.6.2009.

2. Se a Corte de origem concluiu que as provas documentais e testemunhais seriam inservíveis e pouco esclarecedoras em relação à segunda conduta imputada na AIJE, a revisão de tal entendimento demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada em sede de recurso especial, a teor das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Recurso especial não conhecido.

Recurso especial e ação cautelar de Francisco Lourenço de Carvalho

1. "A contradição que autoriza a oposição dos declaratórios é a existência no acórdão embargado de proposições inconciliáveis entre si, jamais com a lei nem com o entendimento da parte" (ED-RHC nº 127-81, rel. Min. Laurita Vaz, DJE de 2.8.2013).

2. Nos termos da atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento de um deles e sem prévia autorização judicial, é prova ilícita e não se presta à comprovação do ilícito eleitoral, porquanto é violadora da intimidade. Precedentes: REspe nº 344-26, rel. Min. Marco Aurélio, DJE de 28.11.2012; AgRRO nº 2614-70, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 7.4.2014; REspe nº 577-90, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.5.2014; AgRRespe nº 924-40, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJE de 21.10.2014.

3. As circunstâncias registradas pela Corte de origem indicam que o discurso objeto da gravação se deu em espaço aberto dependências comuns de hotel, sem o resguardo do sigilo por parte do próprio candidato, organizador da reunião. Ausência de ofensa ao direito de privacidade na espécie, sendo lícita, portanto, a prova colhida.

4. O quadro fático delineado no acórdão regional não revela a mera tentativa de obtenção de apoio político, pois, em diversas passagens, o que se vê são os pedidos expressos de voto e o oferecimento de vantagem aos estudantes. Incidência, na espécie, das Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça.

5. Ação cautelar proposta com o objetivo de conferir efeito suspensivo ao recurso especial julgada improcedente.

Recuso especial conhecido e desprovido. Ação cautelar julgada improcedente.

O Tribunal, por maioria, desproveu o recurso de Francisco Lourenço de Carvalho, nos termos do voto do Relator. Vencida a Ministra Luciana Lóssio.

Nessa linha, julgados deste Tribunal Regional Eleitoral, representados pelas ementas abaixo colacionadas:

Ação Penal. Imputação da prática do crime de corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Eleições 2012.

Competência originária deste Regional para o julgamento, em razão do foro privilegiado por prerrogativa de função.

Matéria preliminar afastada. Licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Entendimento sedimentado em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Não evidenciada a inépcia da inicial, vez que clara a descrição dos fatos.

Distribuição de cestas básicas a eleitores em troca de voto. Conjunto probatório frágil quanto à compra de votos narrada na inicial. Prova testemunhal contraditória, embasada em depoimentos de eleitores comprometidos com adversário político, que não conduz à certeza acerca da materialidade dos fatos alegados. Imprescindível, para um juízo de condenação na esfera criminal, a verdade material, alcançada por meio da produção de provas do fato e da respectiva autoria. Improcedência.

(Ação Penal de Competência Originária n. 46366, Acórdão de 02.12.2015, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 04.12.2015, Página 4).

 

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Condenação. Vereador. Cassação do diploma. Eleições 2016.

Afastadas as prefaciais de nulidade de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e de prova testemunhal. Teor de conversa não protegido pela privacidade. Provas não sujeitas à cláusula de sigilo. Sendo lícita a gravação, não se caracteriza como ilícita por derivação a prova consistente em depoimento de testemunha.

Entrega de dinheiro, a duas eleitoras identificadas, condicionada a promessas de voto. Comprovado o especial fim de agir para obter-lhes o voto, circunstância apta a configurar a captação ilícita de sufrágio. Cassação do diploma decorrente da simples prática do ilícito, independentemente do grau de gravidade da conduta. Incidência obrigatória. Fixação da multa de maneira adequada, bem dimensionada para o caso em tela.

Provimento negado.

Por unanimidade, negaram provimento ao recurso e determinaram providências nos termos do voto do relator.

(RE n, 573-28, acórdão de 17.02.2017, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura. DEJERS de 21.02.2017).

Ao caso dos autos: a gravação foi realizada pela própria eleitora, em formato audiovisual, em local que somente poderia atingir sua respectiva privacidade, e não a dos interlocutores gravados: a sua casa e, portanto, não há dimensão da privacidade dos interlocutores a ser protegida. A ela, eleitora, seria permitida a reprodução do ocorrido sem ofensa à Constituição Federal – aliás, com o apoio da Carta Magna, pois os interlocutores gravados foram ao encontro dela, Cláudia, conforme é possível aferir do conteúdo da gravação.

Afasto a preliminar de nulidade, como prova, da gravação juntada aos autos.

 

2) Agenda de Aldi Minetto

Ainda que não classifiquem como preliminar ao mérito, os recorrentes se insurgem contra a utilização de supostas cópias da agenda de Aldi Minetto como prova no processo. Aduzem ser impossível comprovar a legitimidade e veracidade dos documentos.

Entendo que a questão configura preliminar ao mérito, e assim será tratada.

E, ao contrário do magistrado de origem, concluo serem imprestáveis, como meio de prova, as supostas cópias de páginas da agenda de Aldi Minetto.

Isso porque as cópias (ainda que fossem autênticas) foram obtidas por meio de subterfúgio não condizente com as garantias e direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal – sobretudo, exatamente, a garantia da privacidade. Daí, e para antes da discussão acerca da autenticidade dos documentos – como realizado pelo d. representante do Parquet, na origem, ao entender as cópias estéreis como prova -, tenho que tais documentos sequer deveriam estar presentes no processo.

Note-se que, na mídia que integra os autos (fl. 44), juntada pelos representantes, é perceptível que uma pessoa (uma senhora) se apossa do livreto, sem a autorização de Aldi Minetto, realiza cópias reprográficas e, depois, o devolve (“Vídeo da Agenda”, a partir do 11º minuto).

E, na sequência, os requerentes apresentam supostas cópias das páginas da agenda como elemento probatório – certamente teriam recebido tais “documentos” dessa pessoa que, enfatizo, apossou-se indevidamente de objeto particular, ainda que provisoriamente. Ora, se em relação à gravação clandestina o meio de prova foi idôneo, como já asseverado, pois a interlocutora Cláudia grava diálogo do qual ela mesma participa, a utilização não autorizada de utensílio pessoal de Aldi Minetto, com realização de cópias às escondidas, é ato que merece extrema reprovação e constitui meio de prova inidôneo, obtido ilicitamente.

Entendo, assim, como imprestáveis os documentos juntados às fls. 20-43, em razão de terem sido obtidos mediante invasão na esfera da privacidade de Aldi Minetto, circunstância em que somente o Poder Público, no curso de investigação ou processo judicial, poderia dessa forma atuar. Além disso, como já dito pelo representante do Ministério Público (fl. 185), não há comprovação da autenticidade ou mesmo da autoria das anotações constantes nas cópias de documentos denominados pelos representantes como “folhas da agenda”.

 

Ora, o eufemismo utilizado pelos representantes, à fl. 03, de que “teve acesso” à agenda de Aldi Minetto, é absolutamente inaceitável, sobretudo para fins de validade como prova em processo judicial. Entender o contrário seria justificar que jurisdicionados pudessem “surrupiar” objetos pessoais, bisbilhotá-los, ainda que por pouco tempo, para obter provas. Inadmissível.

Causa perplexidade, aliás, o próprio trecho descritivo da situação, na petição inicial (fls. 03-04):

[...]

O que recorreu foi que a Requerente teve acesso à agenda pessoal utilizada na campanha eleitoral deste ano do 1º Requerido, no qual o mesmo realizava todas as anotações de promessas e de “compra de votos”.

Consoante se depreende da filmagem que segue em anexo (a partir dos 12 min de filmagem), na data de 27.09.2016 o 1º Requerido deixou sua agenda nas dependências de uma loja localizada na cidade de Vitória das Missões e a proprietária da mesma, ao verificar o teor da agenda, restou surpresa ao ver que estava repleta de anotações, que nada mais se tratam de entregas de dinheiros e promessas a serem cumpridas caso o candidato se elegesse.

Saliento que esta verificação, a priori, de imprestabilidade da prova, somente não acarreta a nulidade da sentença porque, como muito bem salientado pelo d. Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, mais especificamente à fl. 248: "[...] na sequência da fundamentação da sentença, o magistrado não considera tal prova para a formação do seu juízo condenatório, haja vista que, de todos os fatos arrolados na inicial, os recorrentes foram condenados unicamente pela captação ilícita do voto de Cláudia Heidmann da Silva, fato que não guarda qualquer relação com as cópias impugnadas." 

 

De qualquer forma, e por considerar devolvidas por efeito da interposição recursal, entendo ilícitas as provas documentais juntadas às fls. 20-43.

Acolho a preliminar de nulidade da prova documental – cópias reprográficas, ainda que não vindicada, pelos recorrentes, sob esta classificação.

 

Mérito

Como indicado, a questão de fundo cinge-se à caracterização de captação ilícita de sufrágio, mediante oferecimento de vantagem à eleitora, pelo qual restaram condenados os recorrentes Aldi Minetto e Luciano Vanderlei Lutzer.

Senão, vejamos.

Segundo a decisão guerreada, houve oferecimento de benesse em troca de voto da eleitora Cláudia Heidmann da Silva. Mais especificamente, a esposa de um correligionário dos recorrentes (Daniel Giordani Maciel), Daiane Muller Colleto, teria logrado o 2º (segundo) lugar na classificação de concurso público para o cargo de Agente de Saúde Municipal.

A oferta à eleitora seria a seguinte: Daiane abriria mão da vaga no concurso para que a eleitora Cláudia fosse nomeada ao referido cargo, pois encontrava-se classificada em 3º (terceiro) lugar no certame. A oferta teria sido feita por Aldi Minetto e Daniel, com a presença de Daiane no recinto. Daiane, na realidade, seria a primeira a ser chamada para tomar posse, devido a circunstâncias pessoais do primeiro colocado.

Inicialmente, reproduzo o texto do art. 41-A da Lei n. 9.504/97: 

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

Na doutrina, a obra especializada de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos. Porto Alegre: Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274) traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente, e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais.

Além, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral indica os componentes do tipo, e seriam eles (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a existência de uma pessoa física (eleitor); (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação dos elementos subjetivos e objetivos que envolvem uma situação concreta.

Ainda, tendo presente o bem jurídico protegido pela norma, veda-se a entrega ou oferta de vantagens especificamente em troca do voto do eleitor. Ou seja, embora a jurisprudência não exija pedido expresso de voto, exige que a entrega de benefícios ocorra com a finalidade específica de obter o voto do eleitor, conforme expressamente prevê o § 1º do art. 41-A, o qual vai grifado: 

Art. 41-A.

[...]

§ 1º. Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

Delineados os parâmetros legais, teóricos e jurisprudenciais concernentes à caracterização da captação ilícita de sufrágio, passa-se aos elementos fáticos do caso, ao sopesamento da prova carreada.

De início, relativamente aos fatos em si, é necessário registrar, infelizmente, o lamentável “estado das coisas” da competição eleitoral do ano de 2016 em Vitória das Missões. Em um momento de grave crise da política nacional, os elementos dos autos não são animadores também relativamente àquela localidade de pequeno porte – 3.233 (três mil duzentos e trinta e três) eleitores.

Isso porque se percebe, nitidamente, uma luta entre dois “lados”: o lado de “Cezar” (Cezar Coleto, prefeito entre 2012 e 2016, candidato à reeleição pela Coligação Força do Povo Governa de Novo, uma das representantes e derrotada nas urnas), e o lado de “Aldi” (representado e recorrente, atual prefeito, eleito em 2016), totalmente à margem das práticas ideais de convencimento do eleitor.

Já foi registrado, neste voto, o episódio da posse não autorizada da agenda do recorrente Aldi Minetto, em circunstâncias irregulares. Portanto, há modos nitidamente reprováveis de agir em ambos os lados.

Entre os dois grupos, uma eleitora: Cláudia Heidmann da Silva.

Ela é quem grava os vídeos com Aldi Minetto e Daniel, assumidamente pressionada pela sensação de débito para com o lado de “Cezar”, candidato à reeleição, pois a Prefeitura de Vitória das Missões, quadriênio 2012-2016, havia proporcionado ajuda em problemas de saúde do esposo – declara isso em seu testemunho, conforme mídia acostada à fl. 159, muito embora seja filiada ao Partido Progressista, agremiação pertencente ao “lado” de Aldi Minetto, como pontuou em seu testemunho, pois a Coligação “A União faz a força”, vencedora, foi integrada pelo PP.

Ademais, o lado de “Cezar”, ainda conforme o testemunho de Cláudia, havia lhe prometido uma posição profissional acaso não passasse no já citado concurso municipal prometido pelos candidatos adversários, Aldi Minetto e Luciano Lutzer.

Trecho da sentença bem demonstra tais circunstâncias:

[...]

Já a testemunha Cláudia Heidmann da Silva relatou que seria agraciada com vantagens do “lado” do Cézar (se não passasse no concurso municipal, atuaria no PIM) e do “lado” do Aldi (assumiria no concurso municipal, pois ficou em terceiro lugar, e Daiane, esposa de Aldi, que ficou em segundo, abriria mão da vaga). Narrou que promoveu a gravação com ajuda de um “grupo”, formado por seu cunhado e cunhada. Disse que promoveu a gravação autorizada por “Valdori” (que era com quem contatava a respeito do “negócio da gravação”, e, inclusive, motivava a realização do ato). Referiu que estava pressionada no sentido de “dever favor” ao Cézar, que a ajudou com problemas de saúde de seu esposo. Disse que Valdori orientou no sentido de que se o “lado” de Aldi ligasse era para aceitar as propostas e gravar o momento em que eram ofertadas, o que efetivamente ocorreu, não tendo induzido o “lado” de Cézar a lhe oferecer benesses. Sintetizou que recebeu de Cézar ajuda hospitalar ao seu esposo, que se acidentou em abril. Asseverou que conhece Rudinei, o qual, às vezes, ligava para concertar reuniões com o grupo de Aldi. Observou possuir o gravador há três ou quatro dias, o qual lhe foi entregue por um dos auxiliares de campanha de Cézar (Edson), vinculado ao PT. Aduziu que Valdori é morador de Vitória das Missões, ligado ao PT. Pontuou que é filiada ao PP. Aludiu que recebeu de Aldi a promessa acerca da renúncia da esposa deste à vaga do concurso.

Contextualizado o quadro político do Município de Vitória das Missões, sigo.

A condenação ocorreu pela prática de captação ilícita de sufrágio em relação à promessa de Aldi Minetto, então candidato a prefeito, que, com o fim de obter o voto da eleitora Cláudia, prometeu-lhe vantagem pessoal de facilitação de acesso a cargo público, em pleno período eleitoral – dia 11.9.2016, data da gravação do vídeo.

A situação encontra-se claríssima na gravação, da qual extraio o trecho do diálogo a seguir, nos primeiros segundos do arquivo denominado “Vídeo da Vaga 2”:

Cláudia: Qual é o brique?

Daniel: […] E daí ficou a Daiane e a Cláudia. Daí nos tinha feito um brique com a Cláudia, da Daiane não assumir e a Cláudia assumir.

Aldi: A Daiane tá em primeiro então, antes da Cláudia?

Daniel: Ahã.

Aldi: Daí a Daiane não assume, e assume a Cláudia?

Cláudia: É que eu duvido que a Daiane não vá assumir.

Daniel: É que a gente tem tanta coisa... A Daiane ainda pode ser chamada em dois concursos, tá em primeiro naqueles “contrato emergencial” […] e tem mais o Conselho, né? Tem mais três anos de conselho pra exercitar. E tem mais o concurso da creche, aquele […]

Aldi: Tu tá com medo então que a Daiane possa chegar na hora e assumir?

Cláudia: É isso aí!

Daniel: Eu já trouxe a Daiane pra isso, para dar a palavra.

Cláudia: É esperto esse Daniel, né?

Daniel: Daí dizem – e se a Daiane te larga, como tu faz pra cumprir? Por isso eu trouxe a Daiane pra cumprir.

Aldi: E pra isso tem o fio do bigode também.

(Risos).

Aldi: Daí a briga é comigo também.

Ou seja, clara e patente oferta de benefício em troca de voto, repleta de dolo específico, até mesmo porque em momento anterior, na mesma gravação, há a referência de Aldi no sentido de saber que Cláudia seria mais “para o lado do 13” (primeiros momentos do “Vídeo da Vaga”), e que estava ali para pedir o voto, o apoio de Cláudia.

E é absolutamente inviável a aceitação da tese recursal, no sentido de que quem faz os questionamentos é Cláudia, de que ela “se insinua para ser alvo de proposta em troca de seu sufrágio”. Tal versão não condiz com os fatos, com a clareza dos termos utilizados, com a falta de timidez com que a conversa se desenrola.

A rigor, e definitivamente: Cláudia se limita a perguntar “qual o brique”, ao final do primeiro arquivo da gravação (10min08 do “Vídeo da Vaga”), após longo diálogo acerca da precariedade do sinal de telefonia celular na região, e da referência a tentativas prévias de reunião entre os envolvidos.

Daí, a partir disso, seguem minutos de explicações, de parte de Aldi Minetto e Daniel, de como funcionaria o “esquema” de desistência da vaga por parte de Daiane (que se encontra presente no recinto), o que é acompanhado de comentários curtos de parte de Cláudia, demonstrando, inclusive, incredulidade relativamente ao cumprimento da promessa, como acima transcrito.

E, em todos os momentos que a eleitora pôs em dúvida a veracidade da proposta, tanto Daniel quanto Aldi Minetto se empenharam em demonstrar à Cláudia que haveria cumprimento, sendo que Aldi Minetto empenha o “fio do bigode” e demonstra disposição para “comprar a briga” acaso o pactuado não ocorresse (palavras exatas de Aldi Minetto, entre aspas, minutos 1:35 e 1:47, respectivamente, do “Vídeo da Vaga 2”).

Ademais, a partir do 4º minuto do “Vídeo Vaga”, ao contrário do afirmado nas razões de recurso, a eleitora refere que “ficou esperando” a ligação, e que pensou em “ligar de volta” para Daniel, pois “quando eu não podia falar o bonito ligava”. Isso ocorre após longa explicação de Aldi, no sentido de que “nós estivemos aqui”, fala que estampa as iniciativas dos recorrentes em contatar a eleitora.

Aliás, a clareza do trato da situação como uma proposta é evidenciada a partir do 6º minuto do “Vídeo Vaga 2”, quando Daniel, por várias vezes, trata a questão como “proposta”, chegando a indagar à Cláudia se “a proposta é boa ou é média”, o que recebe o comentário de Aldi Minetto no sentido de que ele está “ali para avalizar”.

Em tal ordem de acontecimentos, a alegada pressão da candidatura adversária em relação à Cláudia, para gravar a realização da proposta, não exime os recorrentes da responsabilidade pelos seus atos. Não obstante ela ter recebido apoio para o referido registro, resta bastante claro que a captação ilícita de sufrágio ocorreu por meio de promessa absolutamente espontânea do candidato Aldi à eleitora Cláudia, de vantagem indevida, qual seja, a facilitação de assunção em cargo público mediante a desistência de candidata melhor colocada.

Poder-se-ia argumentar que o tipo não estaria configurado, pois Cláudia restou aprovada e (bem) classificada no concurso. Ocorre, contudo, que a situação foi aproveitada por Aldi Minetto, como forma de influenciar, modificar o livre convencimento da eleitora – vide os elementos teóricos para a caracterização da captação ilícita – para que ela votasse em Aldi Minetto e, como recompensa, tivesse facilitada a posse no cargo de servidora municipal. O vídeo é bastante claro, elucidativo por si só, e vem acompanhado do testemunho de Cláudia, como no 12º minuto de sua oitiva, constante na mídia à fl. 159.

A cassação do registro ou diploma, assim, é penalidade de incidência cogente, e andou bem a sentença ao cominá-la, como a jurisprudência há muito vem assentando: 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2004. CONDUTA VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. REALIZAÇÃO DE NOVO PLEITO. ELEIÇÕES INDIRETAS. PROVIMENTO.

[...]

4. Uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope legis. Precedentes: AgRg no RO nº 791/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.8.2005; REspe nº 21.022/CE, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.2.2003; AgRg no REspe nº 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006.

[...]

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 27737, Acórdão de 04.12.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 01.02.2008, Página 37).

 

Do mesmo modo, descabe a alegação de desproporcionalidade das sanções aplicadas. Não é razoável sustentar a desproporção na sanção de R$ 21.282,00 (vinte e um mil duzentos e oitenta e dois reais), conversão do valor de 20.000 (vinte mil) UFIRs.

Isso porque a multa prevista no art. 41-A varia de 1.000 (mil) a 50.0000 (cinquenta mil) UFIRs, e a do caso sob exame restou fixada em patamar pouco abaixo do intermediário, muito bem dimensionada para o caso em tela, dada a gravidade de duas circunstâncias: o oferecimento de um cargo público efetivo na proposta à eleitora e, ainda, os cargos envolvidos, de prefeito e de vice.

A título de desfecho, saliento que esta Corte tem prestigiado o voto do cidadão, a democracia. Tem adotado a postura minimalista nos julgamentos, conforme posição do próprio TSE – vide, por exemplo, o RO n. 264-65/RN, julgado em 01.10.2014, de relatoria do Ministro Luiz Fux, e o RESPE n. 1627021/MG, julgado em 20.03.17, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, este último no sentido de que a

[...] atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

Nessa toada, sempre que possível, o TRE-RS prestigia o vencedor nas urnas. Todavia, no presente caso, tal solução não se amolda a mais adequada, e é lamentável que as eleições municipais de Vitória das Missões, do ano de 2016, recebam esse desfecho, já em consideração metajurídica. Aqui, no caso, valorizar o voto do cidadão é constatar que ele foi ilegalmente assediado.

Portanto, o desfecho é absolutamente proporcional aos fatos verificados, após a subsunção das normas de regência, pois, como também indicado no aresto já citado, o RESPE n. 1627021/MG,

[...] a posição restritiva não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar condutas à margem da legislação eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete a esta Justiça especializada, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, verificar a existência de grave abuso, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma e/ou declaração de inelegibilidade.

De ressaltar, finalmente, que o d. Procurador Regional Eleitoral requereu o compartilhamento da prova destes autos para a investigação de práticas eventualmente tipificáveis na seara penal, pedido que restou deferido à fl. 256.

Enfim, situação extrema, de consequências jurídicas igualmente graves, lamentavelmente.

No que concerne ao pedido de concessão de efeito suspensivo, indico que o art. 257, § 2º, do Código Eleitoral disciplina a situação, pela concessão automática do efeito pretendido, até o julgamento da demanda por este Tribunal: 

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

[...]

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso de ALDI MINETTO e LUCIANO VANDERLEI LUTZER, determinando as seguintes providências:

a) Manter hígida a decisão de procedência parcial da representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97), a qual determinou a cassação dos diplomas de ALDI MINETTO e LUCIANO VANDERLEI LUTZER, bem como pela manutenção da multa individualizada no valor de R$ 21.282,00 cominada a cada um dos recorrentes;

b) Comunicar ao juízo eleitoral de origem, após transcorrido o prazo para eventuais embargos de declaração e o seu julgamento:

b.1) para que adote as providências pertinentes para a cassação dos diplomas de ALDI MINETTO e de LUCIANO VANDERLEI LUTZER, com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de VITÓRIA DAS MISSÕES;

b.2) para que sejam adotadas as providências visando a realização de novas eleições municipais majoritárias no Município de VITÓRIA DA MISSÕES, conforme o art. 224 do Código Eleitoral e resolução a ser editada por este Tribunal.

c) Sejam extraídos, dos autos, os documentos apresentados pelos representantes (fls. 20-43), abrindo-se prazo de 5 (cinco) dias em cartório, a contar da publicação deste acórdão, para que o representante do polo ativo recolha a documentação, sob pena de descarte.

É como voto.