RE - 45158 - Sessão: 02/08/2017 às 17:00

RELATÓRIO

 

Cuida-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença que julgou improcedente a representação por captação ou gasto ilícito de recursos – art. 30-A da Lei n. 9.504/97, ajuizada contra RAFAEL REIS BARROS e ROSANE LUIZA VAZ ROCHA, eleitos prefeito e vice do Município de Rio Pardo nas eleições municipais de 2016.

Em suas razões, o Parquet insurge-se contra a conclusão sentencial, no sentido de que a ausência de comprovação da origem de valores aplicados na campanha dos candidatos, no montante de R$ 23.500,00, não conduz à procedência da ação diante da ausência de provas de que os recursos sejam oriundos de fonte vedada pela legislação ou fruto de caixa dois. Afirma que tais recursos de origem não identificada não são provenientes do patrimônio dos candidatos, levando à incerteza quanto à real fonte de financiamento da campanha dos recorridos. Sustenta que o precedente invocado pelo magistrado a quo para fundamentar a improcedência do pedido, RESPE 181 do TSE, não se amolda ao caso concreto, uma vez que o julgado tratou de valores cuja origem estava devidamente comprovada em nota fiscal. Defende que a infração apurada reduz o poder de fiscalização da Justiça Eleitoral e interfere na transparência das contas e na lisura da eleição, comprometendo sua confiabilidade. Assevera que o candidato agiu de má-fé ao dar diferentes explicações para a origem dos valores utilizados na campanha. Relativamente à candidata à vice-prefeita, afirma que sua cassação é impositiva em virtude da unicidade da chapa e porque não produziu prova da origem dos valores depositados em dinheiro na conta de campanha, também utilizada para recebimento de recursos públicos. Colaciona doutrina e jurisprudência a favor de sua tese. Postula a reforma da decisão para o fim de serem cassados os diplomas dos recorrentes (fls. 545-566).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 572-577), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou, preliminarmente, pelo julgamento conjunto do feito com o RE 453-28 e, no mérito, pelo provimento do recurso (fls. 586-606).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, observo que o mesmo fato tratado na presente representação constou dentre as causas de pedir invocadas na ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) ajuizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro contra os candidatos recorridos, autuada neste Tribunal sob número RE 453-28, de minha relatoria.

No processo RE 453-28 o magistrado a quo extinguiu sem resolução do mérito o pedido de procedência da AIME com base na captação ou gasto ilícito de recursos – art. 30-A da Lei n. 9.504/97, tendo em vista o pronunciamento sobre o mesmo fato realizado no presente feito.

Nada obstante, os recursos estão sendo submetidos a julgamento na mesma sessão, conforme solicitado pelo Parquet.

No mérito, trata-se de analisar o cometimento da infração prevista no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, que dispõe sobre captação e gastos ilícitos em campanha eleitoral:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

[...]

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Na hipótese dos autos, de acordo com a prestação de contas das eleições 2016 (fl. 22), os candidatos recorridos arrecadaram o total de R$ 71.680,00 como receitas de campanha, incluídos, neste montante, recursos próprios do candidato a prefeito, Rafael Reis Barros, no valor de R$ 39.500,00, e da candidata a vice, Rosane Luiza Vaz Rocha, no valor de R$ 2.380,00.

No entanto, as contas foram desaprovadas pela decisão das fls. 139-148, tendo em vista a ausência de comprovação da origem da quantia de R$ 24.000,00, correspondente a 32,78% do total das receitas arrecadadas, referentes aos valores de R$ 16.750,00 e de R$ 7.250,00, cuja origem o candidato Rafael Reis Barros não logrou justificar.

Ressalte-se que, embora a sentença e o recurso do Ministério Público Eleitoral apontem que a soma dos valores de R$ 16.750,00 e de R$ 7.250,00 equivale a R$ 23.500,00, o resultado correto dessa operação é R$ 24.000,00, conforme constou do parecer conclusivo de exame das contas de campanha (fls. 131-134).

Havendo certeza quanto ao valor individual dos recursos considerados de origem não comprovada, R$ 16.750,00 e de R$ 7.250,00, o equívoco de cálculo da soma constituí mero erro material que não gera prejuízo à apreciação do apelo.

Conforme consta dos autos, a prestação de contas da campanha dos recorridos foi desaprovada por falta de demonstração da real proveniência de recursos em espécie depositados em conta bancária pelo candidato Rafael Reis Barros.

De acordo com os recorridos, a quantia de R$ 16.750,00 é fruto da venda de bens móveis, e a importância de R$ 7.250,00 foi entregue pelo pai do candidato, Raul Pereira de Barros, que guardava o dinheiro em casa.

A sentença considerou injustificada a informação prestada pelo candidato sobre a procedência desses recursos, concluindo ser inverossímil tanto a alegada operação de venda material de construção, da qual resultou o aporte de R$ 16.750,00 ao patrimônio do candidato Rafael, quanto a tese de que seu pai, a despeito de ter saldo bancário negativo e necessitar contratar empréstimo financeiro, alcançou-lhe R$ 7.250,00, referentes a dinheiro que guardava em casa.

Confira-se os fundamentos:

Para que se entenda justificada a origem dos recursos que teriam sido transferidos por RAUL PEREIRA BARROS a RAFAEL REIS BARROS, devem ser adotadas as seguintes premissas:

1º - foi celebrado um negócio verbal, por meio do qual RAUL PEREIRA BARROS alienou a JOÃO ROSALVINO REIS MELO vários bens móveis, recebendo, em dinheiro, a quantia de R$ 16.750,00;

2º - este dinheiro, porém, não tem origem lícita comprovada por JOÃO ROSALVINO REIS MELO, o qual declarou que possuía a quantia em sua casa, após reunir por anos este valor;

3º - todavia, no mesmo mês em que houve tal transação, JOÃO ROSALVINO REIS MELO teve de pagar, ainda, uma parcela de R$ 12.500,00 em dinheiro, relativa a compra de um trator, o que foi confirmado pela testemunha JORGE WALTER PELLEGRINI FILHO e pelo resgate da nota promissória de fl. 453 - o que, no mínimo, retira a credibilidade da afirmação de que possuía todo o dinheiro em casa;

4º - após o recebimento de R$ 16.750,00, todo o valor foi entregue a RAFAEL REIS BARROS como doação informal, pois igualmente não houve demonstração de transferência eletrônica de RAUL PEREIRA BARROS ao donatário.

Há, assim, inconsistências quanto à prova da origem do valor de R$ 16.750,00, pois não demonstrada, à saciedade, a existência de negócio jurídico entre RAUL PEREIRA BARROS e JOÃO ROSALVINO REIS MELO.

Desta forma, incomprovada de forma satisfatória a existência desta transação - que, diga-se de passagem, apenas foi referida na prestação de contas depois de ser rejeitada a primeira justificativa empregada (segundo a qual todo o montante de R$ 32.000,00 seria oriundo de doação, após a venda de um imóvel de RAUL PEREIRA BARROS - fls. 73/74) -, pode-se dizer que não há provas suficientes da origem do recurso de R$ 16.750,00.

E igual conclusão deve ser feita em relação ao valor de R$ 7.250,00. De fato, a DEFESA comprovou a existência de saques por RAUL PEREIRA BARROS em valores superiores ao ora apontado - R$ 8.050,00 entre 01.07.2016 e 05.09.2016 (fls. 225/226).

Aliás, ao contrário do sustentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO - segundo o qual tais extratos não provariam a origem dos recursos, pois RAUL PEREIRA BARROS os teria transferido para uma conta poupança do Banco do Brasil (menção no último parágrafo da fl. 07, seguido no verso, e nota de rodapé nº 19, fl. 07) -, não há como chegar a esta conclusão. Explico. Existem depósitos em dinheiro na conta de RAUL PEREIRA DE BARROS no dia 29.07.2016, nos montantes de R$ 1.500,00 (três vezes), R$ 2.000,00 e R$ 1.000,00, o que totaliza R$ 7.500,00.

Trata-se, porém, de depósitos em dinheiro não contemporâneos à data dos saques, de modo que apenas com presunção se poderia rejeitar, com segurança, a afirmação de que os valores foram sacados e entregues em dinheiro a RAFAEL REIS BARROS, para posterior uso na campanha eleitoral. De todo o modo, percebe-se que a justificativa empregada é, no mínimo, frágil.

No ano de 2016, como visto, RAUL PEREIRA DE BARROS efetuou uma operação de resgate de poupança, em 15.04.2016, no valor de R$ 47.000,00 (fl. 295), valor que teve origem justificada (i.) por prêmio de loteria oficial (R$ 22.383,35 - fl. 485 - em 15.04.2015) e (ii.) por pagamento de condenação judicial do INSS em 02.12.2015 (R$ 30.245,55 - fl. 486).

Ainda que tenha declarado, em seu depoimento, que foi humilhado no serviço público por pessoas que alegavam que RAFAEL REIS BARROS não teria dinheiro para ser eleito, após ser derrotado nas eleições de 2012, e que iria ajudar o filho a ser vitorioso nas eleições de 2016, RAUL PEREIRA DE BARROS deixou de transferir este valor significativo com origem lícita, utilizando-o para compra de uma caminhonete Hylux.

Após, cerca de um mês depois, quando vendeu, em 02.06.2016, o imóvel de matrícula nº 16.980 do Registro de Imóveis de Rio Pardo a ROMULADO JUNG, recebendo a quantia de R$ 47.500,00 por transferência bancária (fls. 81/85), aplicou R$ 35.000,00 em um fundo de renda fixa, e R$ 5.993,55 na poupança, em 06.06.2016, apenas efetuando saques de R$ 5.000,00 e R$ 3.000,00 (06.06.2016 e 07.06.2016 - fl. 295), que já foram considerados como valores doados a RAFAEL REIS BARROS.

Assim, a alegação de que houve reunião de esforços familiares, inclusive com cogitação de venda do imóvel residencial para poder financiar a campanha de RAFAEL REIS BARROS esbarra na prova documental, pois as transações efetuadas por RAUL PEREIRA DE BARROS evidenciam o contrário: todos os recursos extraordinários por ele havidos - (i.) prêmio de loteria, (ii.) depósito de condenação judicial e (iii.) produto de venda de imóvel - foram empregados em seu próprio benefício, na sua ampla maioria, ora com a aquisição de caminhonete Hylux, ora com aplicações financeiras em seu próprio nome, e todas elas por meio formal (transações bancárias).

Outrossim, a mera existência de saques bancários das contas de RAUL PEREIRA DE BARROS não é prova suficiente de que tais créditos foram revertidos para uma espécie de -poupança residencial-, como quer fazer crer a DEFESA.

A um, porque tais saques representavam, na prática, praticamente toda a renda líquida percebida por RAUL PEREIRA DE BARROS, como se evidencia da tabela supra, sendo forçoso admitir que este necessariamente teria despesas com sustento próprio. A dois, porque não é razoável que alguém possua, paralelamente, (i.) saldo negativo em contas bancárias tanto no BANCO DO BRASIL quanto no BANRISUL - o que está provado pelos extratos bancários de fl. 295 -, (ii.) empréstimo bancário junto ao BANCO DO BRASIL no valor de R$ 870,67 (fl. 295), e, ao mesmo tempo, (iii.) valores razoáveis em aplicações financeiras - lembrando que, além da aplicação em fundo de renda fixa de R$ 35.000,00, no dia 29.07.2016, efetuou depósitos em dinheiro da quantia de R$ 6.407,29 em sua conta poupança (fl. 295).

Aliás, vale citar o depoimento de RODRIGO REIS BARROS, quando afirmou que destinava valores ao sustento do pai, o que seria comprovado por extratos bancários juntados à fl. 296. Tais extratos evidenciam saques feitos de quantia de R$ 2.000,00 a partir de 06.09.2016 (fl. 296). Todavia, não há prova de que tais valores foram sacados e entregues a RAUL PEREIRA DE BARROS, seja com a finalidade de financiar a campanha eleitoral de RAFAEL REIS BARROS, e nem se mostra justificável que teriam sido destinados ao sustento de RAUL PEREIRA DE BARROS, quando este possuía, ao mesmo tempo, valores expressivos em aplicações financeiras.

Portanto, não há prova suficiente de que o recurso de R$ 7.250,00 seja oriundo de doação informal de RAUL PEREIRA DE BARROS a RAFAEL REIS BARROS por meio de entrega de dinheiro, após poupança feita na sua residência.

Nada obstante, a ação foi julgada improcedente ao argumento de que, a teor da jurisprudência do TSE, materializada pelo RESPE n. 181, da relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJ de 29.4.2015), tal situação não se amolda, materialmente, ao disposto no art. 30-A, § 2º, da Lei n. 9.504/97, que só se configura quando os candidatos utilizam recursos vindos de fonte ilícita ou obtidos de modo ilícito, ainda que de fonte lícita. Confira-se o precedente:

ELEIÇÕES 2012. REPRESENTAÇÃO COM BASE NO ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. PREFEITO E VICE-PREFEITO CASSADOS. CONDENAÇÃO POR PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

2. A posição restritiva não exclui a possibilidade de a Justiça Eleitoral analisar condutas à margem da legislação eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete a esta Justiça especializada, com base na compreensão da reserva legal proporcional e em provas lícitas e robustas, verificar a existência de grave violação ao art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, suficiente para ensejar a severa sanção da cassação de diploma. Essa compreensão jurídica, com a edição da LC nº 135/2010, merece maior atenção e reflexão por todos os órgãos da Justiça Eleitoral, pois o reconhecimento desse ilícito, além de ensejar a sanção de cassação de diploma, afasta o político das disputas eleitorais pelo longo prazo de oito anos (art. 1º, inciso I, alínea j, da LC nº 64/1990), o que pode representar sua exclusão de disputas eleitorais.

3. O art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, introduzido pela Lei nº 11.300/2006, estabelece: "qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos". O § 2º do referido artigo assim dispõe: "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado". A norma tutela os princípios da moralidade das disputas e da lisura das eleições, buscando coibir precipuamente condutas à margem da fiscalização da Justiça Eleitoral, recebimento de recursos de fontes vedadas ou gasto ilícito de campanha.

4. Revela a moldura fática do acórdão regional: i) o valor de R$100.920,00 (cem mil, novecentos e vinte reais) passou pelos órgãos de controle da Justiça Eleitoral, o que já exclui a qualificação da conduta como "caixa 2"; ii) o Tribunal Regional não desconsiderou os gastos realizados com esse montante, mas assentou que os candidatos não conseguiram comprovar que os recursos eram oriundos da venda de sacas de café realizada pelo vice-prefeito; iii) não há a mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 do mesmo diploma legal, ou, ainda, que se tratava de recursos que nem sequer passaram pelo crivo da Justiça Eleitoral, impedindo a análise não apenas de sua origem, mas, sobretudo, de como foram gastos; iv) não há questionamento formal ou material em relação à nota fiscal apresentada pelo vice-prefeito sobre a venda de sacas de café, mas apenas que ela era anterior ao pedido de registro de candidatura e não constou na declaração de bens fornecida à Justiça Eleitoral.

5. Conquanto competisse ao candidato comprovar valores arrecadados e gastos na respectiva prestação de contas de campanha eleitoral, o fato de o Tribunal Regional não aceitar a origem de determinados recursos (provenientes de vendas de sacas de café), no bojo do processo de contas, não conduz, necessariamente, à conclusão de que se trata de recursos provenientes de fontes consideradas vedadas pela legislação eleitoral, fontes ilícitas. Podem ser lícitas ou ilícitas, competindo ao representante comprovar a origem ilícita dos recursos, não se admitindo a intolerável condenação por presunção, em flagrante desrespeito ao devido processo legal e à soberania popular.

6. A desaprovação de contas de campanha decorrente da não comprovação pelo candidato da origem de determinado recurso inclusive ratificada pelo TSE, não autoriza, por si só, a cassação de diploma com fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, pois a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma da doação, devidamente identificada no âmbito da prestação de contas, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional.

7. Segundo entendimento do TSE, a declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral não precisa corresponder fielmente à declaração apresentada à Receita Federal, razão pela qual competia ao representante requerer a produção de outras provas admitidas em direito, inclusive para comprovar eventual falsidade da nota fiscal apresentada, mormente quando o Regional, acolhendo manifestação ministerial, concluiu que a atividade do vice-prefeito ficou comprovada e que existia patrimônio compatível.

8. O Tribunal Regional Eleitoral incorreu em verdadeira inversão do ônus da prova, exigindo do candidato, no âmbito da representação fundada no art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, a comprovação da origem lícita dos recursos doados pelo vice-prefeito, quando competia ao autor da representação provar que decorreram de fontes vedadas pela legislação eleitoral, provenientes de "caixa 2", ou a má-fé do candidato, marcada pela tentativa de embaraçar, induzir a erro ou evitar a fiscalização pelos órgãos de controle da Justiça Eleitoral, conforme tem exigido a reiterada jurisprudência do TSE.

9. Recursos providos para julgar improcedente o pedido formulado na representação. Cautelar prejudicada.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 181, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 29.4.2015, Página 168/169)

Concluiu, assim, que o Ministério Público Eleitoral não se desincumbiu de provar que os recursos impugnados são oriundos de fonte vedada, fruto de caixa dois ou de má-fé dos candidatos, não sendo possível se exigir a prova de fato negativo a fim de ser prestigiada a soberania popular.

Sobre a matéria, importa tecer algumas considerações.

Conforme leciona José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2016), a configuração da infração descrita no art. 30-A da Lei n. 9.504/97 verifica-se depois de evidenciados dois requisitos: (1) comprovação da arrecadação ou gasto ilícito e (2) relevância da conduta praticada.

Em relação às condições necessárias à configuração do ilícito e para a aplicação da sanção de cassação do registro ou diploma, Rodrigo López Zilio conclui (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015):

Em síntese, a conduta de captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, importa em quebra do princípio da isonomia entre os candidatos, amoldando-se ao estatuído no art. 30-A da LE. No entanto, porque a sanção prevista é exclusivamente de cassação ou denegação do diploma, sem a possibilidade de adoção do princípio da proporcionalidade na fixação das sanções, para a procedência dessa representação haverá a necessidade de prova de que o ilícito perpetrado apresentou impacto mínimo relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais. Nesse diapasão, a conduta de captação ou gastos ilícitos de recursos deve ostentar gravosidade que comprometa seriamente a higidez das normas de arrecadação e dispêndio de recursos, apresentando dimensão que, no contexto da campanha eleitoral, importe um descompasso irreversível na correlação de forças entre os concorrentes ao processo eletivo. Neste sentido, o TSE assentou que “para a incidência do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido” (Recurso Ordinário nº 1.540 – Rel. Min. Félix Fischer – j. 28.04.2009).

No pertinente à caracterização da conduta ilegal, o TSE tem entendimento firmado de que para a incidência do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, é necessária prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado pelo candidato e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral.

Assim, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido.

Na hipótese dos autos, é preciso sopesar o desvalor da falta de esclarecimento quanto à origem dos recursos de R$ 24.000,00, utilizados na campanha, diante da gravidade da conduta sob o prisma da lisura da competição eleitoral.

E, no caso concreto, tal circunstância não se afigura grave o suficiente para macular a vitória obtida pelos recorrentes, pois a indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, decorrente da falta de verossimilhança das fontes de arrecadação informadas, é mínima.

Ademais, o valor efetivamente transitou pela conta bancária dos candidatos e foi declarado nas contas de campanha, representando apenas 32,78% do total de recursos arrecadados, na ordem de R$ 71.680,00.

O cenário posto nos autos, à míngua de maiores elementos de convicção, não torna possível concluir que esse valor se tratava de caixa dois de campanha, pois esse recurso foi, inclusive, devidamente declarado na prestação de contas, circunstância que afasta a tese de que a infração foi orquestrada, ou que partiu de evidente má-fé.

Com esse entendimento, os seguintes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.

1. A atuação da Justiça Eleitoral deve ocorrer de forma minimalista, tendo em vista a possibilidade de se verificar uma judicialização extremada do processo político eleitoral, levando-se, mediante vias tecnocráticas ou advocatícias, à subversão do processo democrático de escolha de detentores de mandatos eletivos, desrespeitando-se, portanto, a soberania popular, traduzida nos votos obtidos por aquele que foi escolhido pelo povo.

2. O art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, introduzido pela Lei nº 11.300/2006, estabelece: "qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos". O § 2º do referido artigo assim dispõe: "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado". A referida norma, introduzida como uma forma de responder ao alegado "caixa dois" ocorrido no denominado processo do "Petrolão", tutela os princípios da moralidade das disputas na perspectiva da lisura das eleições, buscando coibir precipuamente condutas à margem da fiscalização da Justiça Eleitoral, pautadas pela má-fé dos candidatos.

3. A moldura fática do acórdão regional revela:

i) ausência de abertura de conta bancária específica para o candidato, ressaltando que a movimentação financeira ocorreu na conta do comitê; ii) realização de contrato de comodato de sala comercial utilizada para a instalação do comitê de campanha antes do prazo permitido por lei; iii) omissão na prestação de contas de doações estimáveis em dinheiro - a utilização de veículos dos candidatos; iv) omissão na prestação de contas de doações estimáveis em dinheiro - produção de um jingle doado por artista da região; v) R$1.200,00 (mil e duzentos reais) de gastos com material de propaganda ficaram sem registro de pagamento por meio de chegue nominal ou transferência bancária; vi) R$6.216,01 (seis mil, duzentos e dezesseis reais e um centavo) arrecadados a maior e não declarados na prestação final; vii) gastos de R$5.898,09 (cinco mil, oitocentos e noventa e oito reais e nove centavos) não contabilizados na prestação de contas final; viii) as despesas de e de lubrificantes não foram emitidas para o CNPJ de candidatura, mas para o CPF do candidato.

4. Conquanto as irregularidades tenham repercussão no âmbito da prestação de contas, não ensejam procedência do pedido da representação do art.30-A da Lei nº 9.504/1997. Não há no caso concreto a mínima indicação da suposta fonte ilícita dos recursos, como, à guisa de exemplificação, uma das hipóteses elencadas no art. 24 da Lei nº 9.504/1997. Tampouco é possível concluir que se tratava de caixa dois de campanha, pois os valores arrecadados a maior na campanha (R$6.216,01) estão devidamente comprovados por recibos eleitorais, enquanto as despesas que não constaram na prestação final (R$5.898,09) também foram demonstradas, o que, longe de revelar algo orquestrado, com evidente má-fé, demonstra uma clara desorganização contábil da campanha, compreensível em municípios de pequeno porte do nosso país.

5. A tipificação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, à semelhança do abuso de poder, leva "em conta elementos e requisitos diferentes daqueles observados no julgamento das contas" (RO nº 780/SP, rel. Min. Fernando Neves, julgado em 8.6.2004), razão pela qual a representação fundada nesse dispositivo legal exige não apenas ilegalidade na forma de arrecadação e gasto de campanha, mas a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato, suficiente para macular a necessária lisura do pleito, o que não ficou demonstrado pelo representante nem pelo Tribunal Regional. Precedentes do TSE.

6. Agravo regimental desprovido. Ação Cautelar nº 1363-28/RS prejudicada.

(Recurso Especial Eleitoral n. 172, Acórdão, Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data 03.02.2017, Página 119-120.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ART. 30-A DA LEI 9.504/97. "CAIXA 2". NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Comprovado por provas documentais e testemunhais que todas as despesas de campanha com a locação de veículos automotores foram efetivamente declaradas na prestação de contas, não há falar na prática de "caixa 2" no caso dos autos.

2. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 55557, Acórdão de 29.4.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 100, Data 30.5.2014, Página 55.)

Dessa forma, mostra-se insuficiente o conjunto probatório para comprovação das práticas ilícitas descritas na inicial, pois a omissão apurada nestes autos não configura ilícito com força relevante na arrecadação ou nos gastos eleitorais, nem se mostra determinante para impactar e macular o pleito majoritário de Rio Pardo.

 

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso interposto.