RE - 30112 - Sessão: 28/03/2017 às 17:00

(voto-vista)

Senhora Presidente, eminentes Colegas:

Na sessão do último dia 09 de março pedi vista dos autos para melhor analisar a prova coligida, sobretudo tendo em vista o exaustivo voto do eminente Relator, Dr. Jamil Hanna Bannura, e em virtude da divergência inaugurada pelo Desembargador Marchionatti.

Nesse sentido, estou acompanhando o eminente relator relativamente ao afastamento das preliminares aviadas pelos recorrentes Luís Henrique da Silva Pereira e Ivan Antônio Guevara Lopez, em especial reconhecendo a legitimidade passiva ad causam de ambos para figurarem como requeridos na AIJE ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral com atuação junto à 92ª Zona Eleitoral (Arroio Grande/RS), visto que seriam eles, em tese, os beneficiários do abuso do poder político ou econômico ao tentarem cooptar o então candidato a vereador pelo Democratas de Arroio Grande Deivi Moraes de Oliveira, estimulando-o, poucos dias antes da realização das eleições de 02 de outubro de 2016,  a desistir de sua candidatura e passar a apoiar a coligação (adversária) encabeçada por eles, recorrentes. 

De igual modo, entendo que as gravações ambientais realizadas por Deivi Moraes de Oliveira, com vistas a fazer prova de que foi assediado pelos recorrentes a desistir de concorrer ao cargo de vereador por coligação rival, sob a promessa de receber um tatame para continuar a dar aulas de artes marciais e ante o possível pagamento de dois meses de pensão alimentícia a seus filhos, não se erige à condição de prova ilícita. Essa preliminar de suposta ilicitude da prova foi aduzida tanto pelos recorrentes Luís Henrique e Ivan como pelo recorrente Sidney Jesus Mattos Bretanha, candidato eleito a vereador de Arroio Grande, que teria entretido diálogos por mais tempo com Deivi, no intuito de fazê-lo desistir de disputar a vereança por agremiação concorrente.

Sob esse aspecto, em votos proferidos nesta Corte, em que pese a posição prevalecente no TSE, já defendi a licitude de gravações ambientais feitas por um dos interlocutores, na esteira de pronunciamentos do egrégio Supremo Tribunal Federal. E essa questão não é nova no STF. Vem, pelo menos, desde 2009, quando a Suprema Corte vaticinou ser lícita a gravação de conversa feita por um dos interlocutores, ainda que sem a ciência do outro.

De acordo com o STF, é considerada lícita a prova colhida através da denominada "gravação clandestina", em que há gravação do diálogo por um interlocutor sem o conhecimento do outro, desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação, como no caso concreto. Há vários precedentes nessa linha, como os encontráveis nos arestos a seguir citados: HC 91613, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 14.9.2012; AI 560223 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 28.4.2011; RE 402717, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 12.02.2009.

A matéria foi, também, discutida em Questão de Ordem no Recurso Extraordinário n. 583.937, de relatoria do Ministro Cezar Peluso (DJe 18.12.2009), sendo reconhecida como de repercussão geral, em acórdão assim ementado:

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-13, § 31, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (Grifei.)

Esse posicionamento vem sendo mantido pelo STF em julgados recentes,  reafirmando que as garantias previstas no art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal têm por objetivo preservar a dignidade da pessoa humana e o direito à intimidade da vida privada.

Tal restrição, contudo, não deve prevalecer sobre o interesse público, tendo em vista que as garantias constitucionais não podem servir para proteger atividades ilícitas ou criminosas, sob pena de inversão de valores jurídicos (nesse sentido, exemplificativamente, o Recurso Ordinário em Habeas Corpus 127.251 MS; Relator: Min. Luiz Fux, Recte.: Celso Dal Lago Rodrigues, Advs.: Ricardo Trad e Outro(a/s) Recdo: Ministério Público Federal Proc.: Procurador-Geral da República, assim ementado: "PENAL E PROCESSO PENAL. RHC. CORRUPÇÃO ATIVA – ART. 33 DO CÓDIGO PENAL. PROVA ILÍCITA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPROCEDÊNCIA. ESCUTA AMBIENTAL. VALIDADE. PRECEDENTES. - Recurso Ordinário em Habeas Corpus a que se nega provimento, com fundamento no artigo 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal").

Tampouco há, no caso concreto, qualquer cerceamento de defesa, como aventado no recurso manejado por Sidney Bretanha (fl. 226), pois inexistem mínimos elementos de prova a demonstrar que os áudios que instruíram o pedido inicial tenham sido editados ou, de alguma forma, violados. Vale dizer, trata-se de simples alegação destituída de qualquer base fática, incapaz de fazer com que se reabra a instrução processual ou se anule o processo.

Nesse norte, pois, rejeito as preliminares suscitadas pelos recorrentes, tal como consta no voto do eminente relator.

No mérito, contudo, não restei suficientemente convencido de que, no caso concreto, houve o proclamado abuso do poder político ou mesmo o pretendido abuso do poder econômico, apto a determinar a cassação do registro das candidaturas da chapa composta pelos recorrentes Luís Henrique e Ivan, e, bem assim, do registro da candidatura de Sidney Jesus Mattos Bretanha.

A inicial aforada pelo Ministério Público Eleitoral na origem imputou aos recorrentes a conduta de oferecimento de vantagens ao candidato a vereador pelo Democratas (DEM) Deivi Moraes de Oliveira, que disputava a eleição por coligação concorrente, a fim de que este desistisse da candidatura e passasse a apoiá-los.

Ao ser ouvido perante a Promotoria Eleitoral de Arroio Grande (fls. 25-26), Deivi referiu que foi contatado por Márcio Costa, esposo da dona da academia na qual trabalhava como instrutor de artes marciais, pois os candidatos a prefeito e vereador pela coligação adversária, Luís e Sidney, respectivamente, pretendiam lhe falar. Haviam mandado um recado a Márcio no sentido de que Deivi era pessoa diferenciada dos demais candidatos da Coligação DEM/PR. Assim, com o possível contato, Deivi teve a ideia, de plano, de gravar o diálogo que travou logo depois, no mesmo dia, na academia onde trabalhava. Lá compareceu o candidato a vereador e ora recorrente Sidney, sendo que o inteiro teor do diálogo se encontra degravado às fls. 34-38.

Nesse primeiro diálogo entabulado entre o recorrente Sidney e Deivi (fl. 35 e verso), este indaga àquele, em certo momento da conversa, (sic) "[...] O que, vocês é queriam comigo no caso". Sidney responde: "Não sei eu tinha interesse em te tirar da campanha e o que, que a gente podia fazer pra te encaixar conosco ali. Um compromisso do prefeito, um compromisso meu, uma ajuda, uma não sei que, que pode viabilizar isso".

Logo depois, Deivi refere: "Sim não, porque assim, é porque", ao que Sidney diz que: "Não quero, sei lá, soar mal", com o que Deivi responde que "Sim!".

Após, Sidney refere que ele e seus companheiros se interessam pelo perfil de Deivi, dizem conhecer as dificuldades dele e não sabem ao certo como auxiliá-lo.

Logo mais, Sidney diz: "Tchê eu posso conversa com o prefeito na possibilidade de consegui alguma coisa de vaga, alguma coisa no projeto, alguma ajuda financeira que possa ta precisando pra que não posso te deixar totalmente sem chão também". Deivi responde: "Sim minha preocupação é essa né". O diálogo prossegue, com Deivi indagando a Sidney como seria amparado,  especialmente pelo candidato a prefeito Luís Henrique, ao que Sidney diz que manteria diálogo com o prefeito e que veriam a melhor forma de ajudá-lo.

À fl. 36, parte final e verso, Sidney prossegue no diálogo com Deivi, reafirmando que a decisão de deixar de concorrer seria dele (Deivi), que ele deveria estar em paz consigo mesmo para tomar essa atitude e que se precisasse de alguma ajuda, Sidney ajudaria Deivi, que diz: "To precisando hahahaha".

À fl. 37, a reprodução do diálogo continua, quando Sidney ressalta que Deivi deveria dizer que tipo de ajuda necessitaria, e estudariam como isso seria feito, mas que o candidato Deivi, caso desistisse da candidatura, não precisaria brigar com seus companheiros de chapa, tampouco sair acenando com bandeiras da coligação concorrente.

Em um segundo momento, já orientado por policiais federais a "fingir" que tinha interesse nas propostas que supostamente lhe foram feitas, conforme a testemunha Ronaldo Cardozo (fl. 28 e verso), Deivi telefona para o recorrente Sidney (fls. 39-43), e ambos entretêm diálogo em via pública. Sidney pergunta a Deivi se este já havia pensado sobre o  assunto (desistir da candidatura), ao que Deivi menciona que queria maiores detalhes de qual e como seria a oferta que estavam a lhe fazer, pois haviam vendido o tatame da academia na qual ele lecionava. Sidney revela desconhecer o tema, tanto que questiona a Deivi de quem era o tatame, e assim são repassados, por parte de Deivi, detalhes da venda do objeto a terceiro (fl. 40, início).  

Posteriormente, o candidato à reeleição Luís Henrique entra no veículo no qual estavam Sidney e Deivi, quando este refere ao candidato a prefeito que sua situação pessoal (pela venda do tatame da academia) estava complicada; que sem condições de continuar a dar aulas a pensão dos filhos restaria comprometida, e Deivi, após reconhecer o apoio que recebeu da municipalidade para ir a um mundial de artes marciais (taekwondo), insiste em como poderia ser apoiado (caso desistisse da candidatura), ao que o candidato a prefeito responde que "o teu retorno seria na tua necessidade, na tua necessidade, na hora que tu precisar, não vô te falar... esse celular, eu não gosto de celular", acrescentando, logo depois de Deivi dizer que o aparelho estava desligado, que ele, Luís Henrique, não botaria "[...] uma eleição fora, tu me entende, por uma coisa que não... mas tu pode ter certeza que a gente vai fazer o que tu quer. Eu te dou a minha palavra"( fl. 42, in fine).

Às fls. 44-45, novo diálogo, após ligação de Deivi para Sidney, sendo que este, ao final da conversa, depois de Deivi dizer que continuaria com sua campanha, expressamente refere que "Ta? Não me leva a mal, se daqui a pouco tu me interpretou mal em algum momento entendesse?", ao que Deivi responde negativamente, reafirmando Sidney que "Nunca ninguém teve a intenção de, de ti compra, nem de nada entendesse? Não é por aí, a gente tem a intenção de firma parceria".

A olho desarmado, os diálogos acima reproduzidos conduziriam à convicção de que houve, por parte dos recorrentes, a tentativa de cooptar o candidato a vereador Deivi a desistir de sua candidatura em troca de vantagens econômicas.

No entanto, leitura atenta dos autos e dos depoimentos gerou em mim uma séria e intransponível dúvida sobre se tudo não passou de uma situação muito bem forjada, quase como se fosse, na órbita criminal, guardadas as devidas proporções, uma espécie de flagrante preparado, que contou, inclusive, com a participação decisiva de Deivi.

Explico.

Primeiro, soa estranho, ou, quando menos, foge do comum da vida, que, quando uma pessoa seja contatada para dialogar, ela já se predisponha, de plano, a efetuar a gravação da conversa. Isso foi confessado pela testemunha Deivi quando depôs perante a Promotoria Eleitoral de Arroio Grande, como vem dito à fl. 25. Não que isso seja um impeditivo, por si só, ao reconhecimento dos fatos narrados na inicial, mas deixa entrever o comportamento que a própria testemunha, desde o início, teve no desenrolar dos fatos, a retirar totalmente, em meu entender, a espontaneidade da situação.

Segundo, a questão envolvendo a venda de um tatame instalado na academia particular na qual Deivi ensinava artes marcais, até antes do pleito, foi dada a conhecer aos recorrentes pelo próprio Deivi, como consta claramente às fls. 39-40. Vale dizer, quando entretinha diálogo com o candidato a vereador Sidney, é Deivi que sugere e diz que "estava apavorado" em função do que estava a ocorrer e que a venda do tatame particular, feita pela dona (ou dono) da academia na qual trabalhava, iria lhe impossibilitar seu sustento. O próprio recorrente Sidney desconhecia a situação,  tanto que pediu detalhes do que havia ocorrido, como se lê à fl. 40, início. Sidney refere até que pode tentar resolver o problema do tatame, mas nada promete ou diz, não mencionando, concretamente, o que fará.

O tatame da academia particular na qual Deivi trabalhava foi, efetivamente, vendido pelo dono desta (Márcio Costa) ou sua esposa, em um primeiro momento, próximo ao pleito realizado em 02 de outubro de 2016, para Rafael Galho, que após as eleições, precisamente em 11 de outubro de 2016, conforme documento de fl. 29, o vendeu a Max Carriconde Botelho.

Estaria aí, portanto, a prova inequívoca de que essa venda do tatame teria servido como forma de pressionar Deivi a desistir de sua candidatura? A meu ver, isso não serve de elemento de convicção seguro para provar alguma coisa, em especial os supostos abusos de poder político ou econômico dos recorrentes. A venda ocorreu entre particulares e não envolveu qualquer tipo de recurso público. E mais: o adquirente final do tal tatame de taekwondo (Max Carriconde Botelho - fl. 29) era simpatizante da mesma coligação pela qual Deivi disputava a eleição, tanto assim que, após a divulgação, pelo juízo eleitoral, da sentença de cassação de registro das candidaturas, ambos compareceram junto a uma carreata em Arroio Grande, comemorando o fato, como deixa clara a notícia estampada em jornal local, anexada aos autos à fl. 235. Consta da peça recursal de Sidney que Max Botelho seria dono de uma outra academia na cidade, na qual Deivi passou a trabalhar.

Esse conjunto de fatos, embora posteriores à sentença de 1º grau, não podem ser ignorados por esta Corte e deixam entrever que algo de errado existe em tudo isso. Se é possível ver na conduta dos recorrentes uma espécie de assédio moral sobre Deivi, não menos verdade é que este, a todo o tempo - e as gravações anexadas aos autos deixam transparecer este aspecto -, flerta com os recorrentes, procurando, de algum modo, obter vantagens pessoais. E isso, para mim, retira da prova coligida a necessária seriedade de que os fatos levados ao conhecimento do Judiciário Eleitoral devem se revestir, a ponto de se cassarem os registros de candidaturas.

Terceiro: não desconheço, como argumentou a douta Procuradoria Regional Eleitoral, que a novel redação do inc. XVI do art. 22 da  Lei n. 64/90 afastou a ideia de que o abuso de poder (seja ele político e/ou econômico) pressupõe nexo de causalidade direto entre a conduta praticada e o resultado da eleição, a chamada potencialidade lesiva. A lei, hoje, passou a exigir a demonstração da gravidade das circunstâncias caracterizadoras do ato abusivo. Essa gravidade de que cogita o órgão ministerial, no entanto, no caso concreto, parece-me tremendamente baralhada e obscura, sobretudo a partir do comportamento errático e pouco confiável do então candidato a vereador Deivi. É como se houvesse, nas circunstâncias do caso concreto, uma torpeza bilateral, isto é, tanto dos recorrentes como da própria testemunha acima identificada, o que, data venia, não pode servir para deslegitimar judicialmente o resultado das urnas.

Quarto: as possíveis promessas - e a eventual aceitação desse auxílio, nas entrelinhas, por parte de Deivi - quanto ao pagamento de pensão alimentícia a seus filhos, como forma de lhe dar suporte e, desse modo, desistir de sua candidatura, não passaram de cogitação, como se percebe pelos diálogos reproduzidos às fls. 40-41. Aqui, como anteriormente referido, Deivi flerta com o recorrente Sidney na busca de um eventual auxílio, que não se concretizou e que não teve quaisquer implicações práticas ou alteração no mundo fenomênico.

Por fim, na esteira do que asseverou o eminente Desembargador Marchionatti ao inaugurar a divergência, entendo que há de se ter muito mais para que se cassem registros de candidatura e se determine a realização de uma nova de eleição. O Judiciário deve ter todo o cuidado com casos como o dos autos para não se tornar a porta de entrada de ações com caráter revisionista da vontade popular, de molde a ferir de morte o princípio majoritário, ainda mais quando se nota que os candidatos a  prefeito e vice pela Coligação Aliança Popular foram eleitos com uma diferença de 168 votos sobre seus adversários. O vereador Sidney foi eleito com 442 votos, enquanto Deivi, o pivô de tudo, logrou obter tão somente 14 votos.

Por isso, estou acompanhando a divergência ao efeito de dar provimento aos recursos interpostos por LUÍS HENRIQUE DA SILVA PEREIRA, IVAN ANTÔNIO GUEVARA LOPES e SIDNEY JESUS MATTOS BRETANHA e julgar improcedente a ação proposta.

É como voto, Senhora Presidente.

 

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Senhora Presidente, eu estou acompanhando a divergência inaugurada pelo Desembargador Marchionatti, e o voto do eminente relator do voto-vista, Dr. Losekann.

 

Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy:

Senhora Presidente, com a vênia do eminente relator, eu também acompanho a divergência.