RE - 48244 - Sessão: 03/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo DEMOCRATAS - DEM de Cruz Alta em face da sentença (fls. 116-118) que julgou improcedente a ação ordinária, autuada, na origem, como ação de impugnação de mandato eletivo, ajuizada contra MOACIR MARCHEZAN JÚNIOR, candidato eleito ao cargo de vereador nas eleições de 2016, considerando ausente qualquer irregularidade na filiação do recorrido ao Partido Progressista – PP.

Em suas razões recursais (fls. 121-130), o Democratas sustenta que integrou a coligação partidária pela qual concorreu o recorrido, o qual constava como filiado ao Partido Progressista - PP, e que, a partir de diligências realizadas após a eleição, constatou a existência de dupla filiação partidária do candidato, inscrito também no Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Afirma que o juízo a quo decidiu de forma contrária à lei ao homologar a candidatura do recorrido e reconhecer a reversão de sua filiação do PTB ao PP, no processo RCand n. 428-78. Alega que a sentença reproduziu erroneamente o texto do parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.096/95, ao considerar que a coexistência de filiações importa a exclusão da última, pois segundo o dispositivo legal, a filiação mais recente prevalece sobre a anterior. Entende que a dupla filiação partidária acarreta o cancelamento da candidatura e que o fato gerou concorrência desleal entre os demais participantes do pleito, possibilitando que o recorrido fizesse uso das estruturas de duas agremiações diferentes. Assevera que a filiação a duas legendas foi realizada intencionalmente, de forma dolosa e por má-fé. Defende que ambas as filiações realizadas pelo candidato deveriam ter sido canceladas, sem possibilidade de reversão, a fim de que permanecesse sem partido, e que o prazo mínimo de seis meses de filiação não foi observado pelo candidato. Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença recorrida.

Em contrarrazões (fls. 133-146), o recorrido sustenta, à guisa de preliminares, que todas as questões invocadas na petição inicial foram decididas na sentença que homologou seu pedido de registro de candidatura, restando a matéria acobertada pelo manto da perempção e da coisa julgada, uma vez que sua candidatura sequer foi impugnada e que da decisão homologatória não foi interposto recurso. Afirma que a filiação partidária somente poderia ter sido discutida em sede de impugnação ao pedido de registro. No mérito, sustenta que o seu pedido de desfiliação partidária do Partido Progressista - PP foi revertido pelo juízo a quo por ausência de má-fé, circunstância que tornou sua filiação regular. Postula o desprovimento do recurso.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 150-152v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, adequado e tempestivo.

No entanto, de plano, verifico que a ação é manifestamente incabível.

Constata-se que, logo após as eleições municipais de 2016, em 07.10.2016, o recorrente, Democratas, ajuizou ação ordinária sustentando a dupla filiação partidária e o descumprimento do prazo mínimo de seis meses de filiação de candidato que concorreu à vereança pela coligação a qual integrou.

O pedido foi autuado, na origem, como ação de impugnação de mandato eletivo, e o feito foi processado sob o rito  da legislação processual civil comum.

Entretanto, nos termos do § 10 do art. 14 da Constituição Federal, a ação de impugnação de mandato eletivo somente pode ser ajuizada com base em provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, e deve ser apresentada no prazo de 15 dias contados da diplomação dos candidatos eleitos:

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Na hipótese dos autos, o pedido foi ajuizado menos de uma semana após a eleição, ou seja, antes da cerimônia de diplomação, e não aponta nenhum dos fundamentos que dão azo à ação constitucional, posto que a inicial discute apenas a filiação partidária de candidato que logrou se eleger ao cargo de vereador no último pleito.

A mera extemporaneidade do expediente é causa, por si só, de não conhecimento do pedido, pois, conforme aponta Rodrigo López Zilio: “Requisito inafastável do manejo da AIME é a diplomação do candidato; ausente a diplomação, não há como manusear a AIME, já que somente se desconstitui mandato de quem tenha sido diplomado” (Zilio, Rodrigo López. Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 5.ed., 2016, p. 547).

O Tribunal Superior Eleitoral tem jurisprudência sedimentada no sentido de que a ação de impugnação de mandato eletivo não comporta discussão acerca da matéria relativa à filiação:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SEGUIMENTO NEGADO. ILEGITIMIDADE ATIVA. FUNDAMENTO NÃO INFIRMADO. DESPROVIMENTO.

1. O agravo regimental deve infirmar os fundamentos da decisão agravada sob pena de subsistirem as conclusões da própria decisão. Precedentes.

2. Inexiste legitimidade ativa para recurso especial eleitoral que discute suposta duplicidade de filiação partidária, ao argumento de subsistir interesse jurídico no deslinde da questão recorrida para o julgamento de ação de impugnação de mandato eletivo, pois, a teor do § 10 do art. 14 da Constituição Federal, tal causa não serve de suporte jurídico para fundamentar a aludida ação constitucional.

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 35378, Acórdão de 23.4.2009, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 19.5.2009, Página 17.)

Na dicção do caput do art. 3º da Lei de Inelegibilidades, LC n. 64/90, o questionamento acerca da filiação partidária de candidato a cargo eletivo deve ocorrer em sede de impugnação de registro de candidatura, no prazo de 5 (cinco) dias da publicação do pedido de registro do candidato, sob pena de preclusão.

Isso porque, ao tempo em que o art. 14, § 3º, inc. V, da Constituição Federal estabelece a filiação partidária como condição de elegibilidade, considera-se que a matéria relativa à duplicidade de filiações é infraconstitucional e deve ser arguida em impugnação ao registro de candidatura, pois está regulada pelo art. 9º da Lei n. 9.504/97:

Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição.

De acordo com o enunciado da Súmula n. 11 do Tribunal Superior Eleitoral, a discussão sobre a filiação de candidato a cargo eletivo é tema suscetível ao efeito da preclusão, caso não suscitada no prazo da ação de impugnação de registro de candidatura, não podendo ser invocada em sede de impugnação de mandato:

Súmula TSE nº 11: No processo de registro de candidatos, o partido que não o impugnou não tem legitimidade para recorrer da sentença que o deferiu, salvo se se cuidar de matéria constitucional.

Com esse entendimento, os seguintes julgados:

ELEIÇÕES 2012 - RECURSO - DEFERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - VEREADOR - ALEGADO NÃO CUMPRIMENTO DO PRAZO DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA - LEI N. 9.504/1997, ART. 9º - MATÉRIA INFRACONSITUCIONAL SUSCETÍVEL À PRECLUSÃO - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO - ILEGITIMIDADE PARA RECORRER - SÚMULA 11 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - NÃO CONHECIMENTO.

- Embora a condição de elegibilidade da filiação partidária tenha assento na Constituição da República (art. 14, § 3º, V), o prazo do vínculo exigido para autorizar o deferimento do registro da candidatura é previsto em norma legal de natureza infraconstitucional (Lei n. 9.504/1997, art. 9º), a qual é suscetível ao efeito da preclusão, caso não suscitada em impugnação ao registro, a teor da Súmula 11 do Tribunal Superior Eleitoral.

(TRE-SC, RRECA 19531, Rel. Dr. ELÁDIO TORRET ROCHA, Publicado em Sessão, Data 21.8.2012)

 

Recurso eleitoral. Ação de impugnação de mandato eletivo. Ausência de filiação partidária. Inelegibilidade. Não configuração. Sentença. Improcedência. Razões. Fraude. Ausência. Registro de candidatura amparado pelo Poder Judiciário. Deferimento. Improvimento do apelo.

(TRE-CE - 30: 15075 CE, Relator: RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS, Data de Julgamento: 22.02.2010, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 36, Data 01.3.2010, Página 7.)

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. SUPOSTA AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. ALEGAÇÃO QUE NÃO SE AJUSTA AO CONCEITO DE FRAUDE. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INADEQUAÇÃO DO INSTRUMENTO JURÍDICO EMPREGADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ARTIGO 267, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OUTROSSIM, SENDO UM DOS DEMANDADOS VICE-PREFEITO, NECESSÁRIO HOUVESSE CITAÇÃO DO PREFEITO, LITISCORSORTE NECESSÁRIO EM RAZÃO DA NATUREZA INCINDÍVEL DA CHAPA MAJORITÁRIA, CONFORME REITERADA JURISPRUDÊNCIA. NO MAIS, LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. AUSENTES ELEMENTOS ACERCA DO DOLO DOS RECORRENTES EM CAUSAR ÓBICE AO TRÂMITE PROCESSUAL, PRATICAR CONDUTAS MALICIOSAS E TEMERÁRIAS OU AGIR EM DESCONFORMIDADE AO DEVER DE LEALDADE. PARECER DA DOUTA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL ACOLHIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.

(TRE-SP - RE: 497 SP, Relator: ROBERTO CARUSO COSTABILE E SOLIMENE, Data de Julgamento: 18.6.2013, Data de Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 25.6.2013.)

No Direito Eleitoral, mostra-se imperioso sejam respeitadas as fases do processo eleitoral e os instrumentos hábeis a hostilizar as irregularidades eventualmente identificadas, prestigiando-se o estabelecimento de uma mínima coerência sistêmica.

As hipóteses que ensejam a propositura de AIME são específicas e visceralmente ligadas a ilícitos ocorridos durante o processo eleitoral, sem alcançar situações afetas ao registro de candidatura.

No caso em apreço, o mecanismo processual utilizado pelo recorrente é manifestamente inadequado, levando à extinção do processo por ausência de interesse processual, pois o interesse processual decorre da necessidade da jurisdição e da adequação do provimento judicial e do procedimento, requisitos estes que não se excluem, ao revés, se complementam.

Nesses termos, é inequívoca a ausência do interesse processual a obstar o prosseguimento do feito, face à inadequação da via processual eleita.

ANTE O EXPOSTO, acolho a matéria preliminar arguida em contrarrazões e VOTO pela extinção do feito sem resolução do mérito, na forma do art. 330, inc. III, do Código de Processo Civil.