RE - 54559 - Sessão: 20/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MARIETE DA SILVEIRA, concorrente ao cargo de vereador em Torres, contra sentença do Juízo da 85ª Zona Eleitoral (fls. 48-49), que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2016 e condenou-a ao recolhimento de R$ 3.100,00 ao Tesouro Nacional, tendo em vista o recebimento de doação por meio de depósito em espécie em valor superior ao limite de R$ 1.064,10, e a consequente utilização deste recurso, contrariando o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Em suas razões, a recorrente afirma que o depósito foi realizado em espécie em face de dificuldades para a utilização da transferência eletrônica, em virtude da greve bancária à época. Assevera, ainda, que não utiliza no cotidiano os recursos eletrônicos de instituições financeiras, como o home banking, entre outros. Juntou novos documentos com o recurso, visando demonstrar a origem das receitas questionadas. Ao final, requer a reforma da decisão, julgando aprovadas as contas, com ou sem ressalvas, ou, subsidiariamente, o afastamento da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional (fls. 53-58).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 74-76v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Ainda preliminarmente, cabe registrar que a candidata apresentou documentos novos em sede recursal.

Entendo não haver óbice ao conhecimento e análise da documentação apresentada com o recurso, a teor do caput do art. 266 do Código Eleitoral, e na linha da reiterada jurisprudência desta Corte, consoante ilustra a seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento. 

(TRE-RS - RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

No mérito, adianto que o apelo merece parcial provimento.

O art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, ao disciplinar as doações de campanha realizadas por pessoas físicas, assim estabelece:

Art. 18. As pessoas físicas somente poderão fazer doações, inclusive pela Internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 26. (Grifei.)

Conforme a referida norma, as “doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação” (art. 18, § 1º).

Em sequência, o § 3º do art. 18 disciplina que as “doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, na impossibilidade, recolhidas ao Tesouro Nacional”.

No caso sob exame, extrai-se dos documentos de folhas 10, 41 e 43 que a prestadora de contas recebeu doações por meio de depósito em espécie realizado diretamente em sua conta-corrente de campanha.

Diferentemente do alegado pela candidata, eventual paralisação dos trabalhadores bancários não a eximiria do cumprimento da norma nas circunstâncias. Ora, as transferências eletrônicas podem ser realizadas por diversos meios, seja por meio do caixa eletrônico, internet banking e aplicativos dos bancos em smartphones, todos estes instrumentos independem da disponibilidade dos serviços bancários nas agências locais. Além disso, é cediço que a imensa maioria dos concorrentes ao pleito de 2016 conseguiu realizar regularmente suas movimentações de campanha.

Outrossim, as operações financeiras levadas a efeito pela recorrente, quais sejam, depósitos de doações em espécie diretamente em conta-corrente, guardam ainda maior dependência do serviço bancário do que a simples transferência eletrônica direta. Contudo, percebe-se que o procedimento realizado não sofreu qualquer embaraço pela greve nos bancos, debilitando a tese recursal nesse sentido.

Consoante reconhecido pela própria recorrente, foram efetuados dois aportes financeiros em desconformidade com o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15: o primeiro, com recursos próprios, na cifra de R$ 2.000,00, em 29.8.2016, e o outro, por contribuição de Karin Crescencio da Luz, de R$ 1.100,00, na data de 15.9.2016.

Incontroversa também é a informação de que tais valores foram utilizados na campanha da candidata.

Com efeito, buscando identificar o doador, a prestadora indica os recibos eleitorais de folhas 41 e 43, ostentando informações completas sobre os doadores e a beneficiária da transação. Além disso, acosta, com as razões recursais, os extratos bancários e contracheques de folhas 65 a 69, demonstrando a disponibilidade de saldo e os saques dos valores em tela das contas pessoais das doadoras, posteriormente depositados em espécie na conta de campanha.

Diante disso, entendo que o conjunto e a harmonia dos elementos probatórios apresentados é suficiente para a demonstração e individualização das fontes de recursos. Assim, passo à análise separada de cada parcela sob controvérsia.

No tocante à doação de R$ 1.100,00, resultante da contribuição de Karin Crescencio da Luz, tem-se que a cifra é diminuta e ultrapassa em modestos R$ 36,00 aquela de R$ 1.064,10, utilizada pela Resolução TSE n. 23.463/15 como parâmetro até o qual é afastada a compulsoriedade da utilização da transferência eletrônica para doações de campanha (art. 18, § 1º).

Entendo que a substancial proximidade com o valor referencial aduzido autoriza que se admita a insignificância da transação, em atendimento material à inteligência da mencionada faculdade normativa, eis que o extrapolamento em questão não é apto a ocasionar maior comprometimento à lisura e regularidade das contas.

Nesse trilhar, remanesceria a impropriedade referente à realização de doação por meio de transação bancária com incorreta identificação do CPF da pessoa física doadora, conforme estipula o art. 18, inc. I, da Resolução TSE n. 23.463/15. Contudo, a recorrente fez a oferta oportuna de todos os documentos e esclarecimentos solicitados ao conhecimento de suas operações financeiras, consoante alhures referido, não havendo indícios de má-fé na elaboração de suas contas.

Desse modo, muito embora o impacto percentual da presente irregularidade nas contas seja da ordem de 25% (vinte e cinco por cento) do total de receitas (R$ 4.259,38), tenho que tal falha deve ser considerada meramente formal, diante dos saneamentos efetivados e da insignificância da cifra, eis que incapaz de comprometer a confiabilidade do balanço contábil.

Igual sorte não guarnece a doação no valor de R$ 2.000,00. Sobre esse aporte, os elementos trazidos aos autos autorizam a inferência de que são provenientes da própria candidata, pessoa física, em favor da sua campanha eleitoral, porém efetuada em violação ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15.

A exigência normativa de que as doações pelo próprio candidato, acima de R$ 1.064,10, sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa, justamente, coibir a possibilidade de manipulações e transações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação.

Ademais, o defeito em tela envolve aproximadamente 46% do somatório de recursos arrecadados, não se qualificando como irrisório ou irrelevante.

Destarte, sobressai que a mácula nas contas é grave, apta a prejudicar a confiabilidade das informações e a impedir a fiscalização pela Justiça Eleitoral da adequação contábil aos ditames legais insculpidos na Resolução TSE n. 23.463/15 e na Lei n. 9.504/97, cabendo a sua desaprovação.

De outra banda, entendo que a sentença merece reforma apenas no tocante à incidência do § 3º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15 na espécie.

Com efeito, em vista dos elementos probatórios alhures mencionados, não há impossibilidade de identificação do doador, única situação que, na dicção legal, implicaria o recolhimento do numerário ao Tesouro Nacional.

No mesmo sentido, descabe falar em restituição dos valores, eis que, tratando-se de recursos próprios, as figuras do pagador e do beneficiário se confundiriam, restando inócua e sem eficácia prática a regra jurídica.

Assim, a decisão combatida deve ser reformada tão somente para arredar a cominação de recolhimento do montante controvertido ao Tesouro Nacional, prevista no art. 18, § 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15, mantido seus demais termos.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto para, mantendo o juízo de desaprovação das contas, reformar a sentença apenas quanto à incidência do § 3º do art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, afastando a obrigação de restituição da importância de R$ 3.100,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, Senhor Presidente.