RE - 45462 - Sessão: 16/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos eleitorais interpostos pela COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD) e por PAULO RICARDO CATTANEO e MARILDA BORGES CORBELINI contra sentença do Juízo da 54ª Zona Eleitoral (fls. 927-936v.) que, julgando parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), aplicou a penalidade de cassação do diploma conferido a PAULO RICARDO CATTANEO e a MARILDA BORGES CORBELINI (prefeito reeleito de Soledade/RS e vice-prefeita, respectivamente), declarando PAULO RICARDO CATTANEO inelegível nos 8 (oito) anos subsequentes às eleições de 2016 e o condenando ao pagamento de multa de 10.000 (dez mil) UFIR. A sentença foi integrada pela decisão de rejeição de embargos declaratórios (fls. 958-959), que os considerou protelatórios, condenando os embargantes à multa de 1 (um) salário-mínimo nacional.

A sentença reconheceu a prática de: 1) abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, em razão da concessão de uma entrevista à Rádio Cristal AM, no dia 12.8.2016, na qual PAULO RICARDO CATTANEO se pronunciou sobre a obra pública de asfaltamento da Av. Farrapos, em Soledade (art. 22 da Lei Complementar n. 64/90); 2) condutas vedadas, em razão dos seguintes fatos: a) divulgação de um vídeo, no Facebook, no qual PAULO RICARDO CATTANEO se pronunciou sobre a obra pública de asfaltamento da Av. Farrapos (art. 77 da Lei n. 9.504/97); b) contratação temporária de 3 (três) servidores, em período vedado, para o cargo de Agente de Combate a Endemias (art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97); c) contratação administrativa, sem licitação, de 4 (quatro) pessoas (art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97).

A sentença julgou improcedentes os pedidos no tocante aos demais fatos, relacionados à presença do representado PAULO RICARDO CATTANEO em evento público de homenagem aos delegados de polícia da cidade, assim como à concessão de incentivos e doações pela municipalidade durante a sua gestão.

A COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD) recorre postulando que as doações de bens e valores sejam enquadradas como conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 e abuso do poder econômico. Pede, ainda, a aplicação da pena de inelegibilidade de MARILDA BORGES CORBELINI, por 8 (oito) anos subsequentes às eleições de 2016 (fls. 944-947).

PAULO RICARDO CATTANEO e MARILDA BORGES CORBELINI requerem, preliminarmente, o pronunciamento dos pontos ventilados nos embargos declaratórios e o afastamento do caráter protelatório atribuído pela decisão que os rejeitou. No mérito, refutam os argumentos que levaram à condenação pela entrevista concedida em rádio local; pela divulgação de vídeo em rede social; pela contratação de servidores e pela celebração de contratos administrativos.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer pelo provimento parcial do recurso de PAULO RICARDO CATTANEO e MARILDA BORGES CORBELINI e pelo desprovimento do recurso da COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD) (fls. 1043-1064v.).

 

VOTO

Tempestividade

Os recursos são tempestivos.

Embargos declaratórios considerados protelatórios.

A defesa dos demandados trouxe arguição preliminar no intuito de justificar o cabimento dos embargos declaratórios opostos à sentença (fls. 948-955), que restaram considerados protelatórios pelo juízo a quo, com a aplicação de multa, nos termos da decisão à fl. 958-959.

Paulo Ricardo Cattaneo e Marilda Borges Corbelini pedem o afastamento da multa aplicada na origem, sob o argumento de que os embargos opostos não eram protelatórios.

Com razão.

Em se tratando dos primeiros aclaratórios e em virtude de terem sido deduzidas razões que poderiam, em tese, configurar hipóteses de cabimento de embargos, entendo que deve ser reformada a sentença no ponto.

Nesse sentido, recente julgado do TSE:

Não são protelatórios primeiros embargos declaratórios nos quais se apontam temas cuja abordagem aproveita aos embargantes, ora recorrentes, e sobre os quais o Tribunal de origem presta esclarecimentos. Precedentes.

(Recurso Especial Eleitoral n. 120, Acórdão de 21.6.2016, Relator: Min. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 14.9.2016, Página 47-48).

Dessa forma, afasto o caráter protelatório dos embargos e, por via de consequência, da multa aplicada.

Mérito

Recurso da COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD)

1. Doações de bens e valores (conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97)

O § 10 do art. 73 da Lei das Eleições assim dispõe:

No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

Assim, a Administração Pública está proibida de distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, salvo em três hipóteses: a) calamidade pública; b) estado de emergência; c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Na espécie, a recorrente assevera que houve a distribuição irregular de incentivos, em ano eleitoral, por PAULO RICARDO CATTANEO, na forma de valores ou imóveis.

Como bem analisado pelo juízo a quo (fl. 932 e verso),

4- Concessão de Incentivos e Doações - Leis Municipais nº 3760, 3759, 3779, 3799, 3760, 3800, 3803, 3804, todos em 2016, com base na Lei nº 3.673/2015, que instituiu o Programa de Desenvolvimento Econômico - PRODESE -, infringindo o disposto no art. 73 da Lei das Eleições.

[…]

A Administração Pública em 07.04.2015 promulgou a Lei nº 3.673 (fls. 24-32), na qual instituiu o Programa Municipal de Desenvolvimento Econômico e Social (PRODESE), a qual fundamentou a concessão de benefícios a empresas locais, pelas Leis Municipais nº 3760, 3759, 3779, 3799, 3760, 3800, 3803, 3804.

Assim, embora não demonstrado pelos representados que os recursos utilizados estivessem destinados na lei orçamentária anual, do exercício anterior, conforme determinado pela legislação, inequívoco que instituída contraprestação, retirando o caráter de gratuidade que levaria à infringência do dispositivo legal. Por conseguinte, prevista a contraprestação, improcedente o pedido quanto a este ponto.

Igualmente, para evitar desnecessária tautologia, transcrevo as razões alinhadas no parecer da Procuradoria Eleitoral (fl. 1047 e verso):

À primeira vista, não pareceria desarrazoado pensar que eventual concessão de valores e bens públicos a particulares pudesse ensejar a configuração da conduta vedada prevista na norma em comento, ou, até mesmo, uma possível prática de abuso político ou econômico. Entretanto, no caso concreto, os elementos encontrados levam a pensar em conclusão contrária, tal como decidido na sentença.

Em análise às leis celebradas, verifica-se que os beneficiários assumiram uma série de encargos perante a Administração Municipal, tais como comprovar, semestralmente, o número de empregos gerados e o faturamento mensal obtido com os empreendimentos, o que, por si só, retira o caráter gratuito dos benefícios concedidos. Ainda, as leis preveem hipóteses de suspensão dos incentivos e/ou devolução dos valores/bens, em caso de rompimento das atividades ou, modo geral, de inobservância das cláusulas estabelecidas. Ademais, como frisou o juízo a quo, as concessões passaram por procedimento administrativo, recebendo aval do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico – CONDES, e também por processo legislativo, sendo aprovadas pela Câmara de Vereadores de Soledade/RS.

De outra parte, no presente caso não restou comprovado que os incentivos realizados pelo Município no ano eleitoral decorreram de prática de abuso, proporcionando privilégio eleitoral, em benefício do gestor reeleito e de sua companheira de chapa, com gravidade suficiente para influenciar o resultado do pleito.

Aqui, vale ressaltar que, sendo ônus da coligação autora a prova de suas alegações e, não havendo prova inconteste de que o fato alegado comprometeu a lisura do pleito, a improcedência do pedido quanto ao fato analisado é a medida que deve ser mantida. A suspensão de direitos políticos e a cassação de registro de candidatura/diploma exigem elementos robustos e não pode se basear na prova dos incentivos e em suposições quanto ao favor eleitoral. Nessa linha, faz-se relevante destacar que, de acordo com o documento à fl. 904, o gestor PAULO RICARDO CATTANEO, desde o início do seu mandato (janeiro de 2013), ou seja, mesmo antes do período eleitoral de 2016, já vinha concedendo incentivos a empresas localizadas no Município: foram 5 incentivos em 2013; 3 em 2014; 5 em 2015; 7 em 2016. Logo, pode-se observar que a política de desenvolvimento econômico, mediante a concessão de incentivos econômicos não é recente no Município, sendo procedimento padrão da Administração adotar esses mesmos atos em anos não eleitorais.

Além disso, o TSE tem entendimento firme de que se os incentivos fazem parte de programa de desenvolvimento econômico e social, não podem ser considerados conduta vedada, pois de acordo com a ressalva prevista no art. 73, § 10 da Lei n. 9.504/97 (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 9979065-51 – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – j. 01.03.2011).

Dessa forma, como as Leis Municipais ns. 3.759, 3.760, 3.779, 3.799, 3.800, 3.803 e 3.804, instituidoras dos incentivos, estabeleceram encargos a serem suportados pelos beneficiários, como, por exemplo, comprovar número de empregos gerados, faturamento mensal, sob pena de suspensão dos benefícios, tais circunstâncias retiram a gratuidade da distribuição.

Portanto, não merece prosperar a irresignação da COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD).

Recurso de PAULO RICARDO CATTANEO e MARILDA BORGES CORBELINI

1. Entrevista do Prefeito Paulo Ricardo Cattaneo à Rádio Cristal AM

É incontroverso nos autos que, no dia 12.8.2016, ou seja, dentro do período de 3 (três) meses antecedentes ao pleito, PAULO RICARDO CATTANEO pronunciou-se na Rádio Cristal AM, de Soledade, oportunidade em que prestou esclarecimentos relacionados a uma obra pública de pavimentação local que estava sendo executada na Av. Farrapos, naquele município.

A sentença concluiu que houve uso indevido dos meios de comunicação.

Entretanto, ao compulsar o teor da entrevista, verifico que Paulo Cattaneo, em que pese tenha efetivamente mencionado as vantagens que a obra traria à comunidade de Soledade, como bem pontuado pelo douto Procurador Eleitoral, prevalece a informação de que a obra em questão estava sendo retomada, sendo que a todo momento o Prefeito pede desculpas pelos transtornos.

No ponto, peço vênia para novamente trazer a percuciente análise da Procuradoria (fl. 1050 e verso):

Assim, o que o fato demonstra, de forma predominante, é o próprio reconhecimento de uma importante falha de gestão, que tende a repelir o eleitor, e não trazer vantagens eleitorais. Deveras, não parece que a abordagem de uma obra com quadro de atraso, que leva o gestor a desculpar-se perante a população, em rádio, possa advir grave efeito de desequilibrar o pleito.

Ademais, essa conclusão se reforça na medida em que a oportunidade foi usada para informar as alternativas de trajeto a partir da retomada da obra (informação de utilidade pública) e a entrevista não conteve exposição de ideias e propostas, nem teceu críticas aos concorrentes, nem sequer mencionou o pleito eleitoral, nem mesmo houve pedido de votos.

De outra parte, cumpre acrescentar que o fato não se enquadra na conduta vedada do artigo 73, VI, “c”, da LE, porquanto, no caso em tela, não houve convocação de rede de rádio e televisão, mas, apenas, uma única entrevista em emissora de rádio local. Assim, não há falar em necessidade de anuência da Justiça Eleitoral para o seu pronunciamento na entrevista.

Por fim, cabe ressaltar que o Tribunal Superior Eleitoral entende, em regra, tal como dito no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 433079, que a concessão de uma única entrevista, em meio de comunicação social, ainda que busque beneficiar determinado candidato, não tem o condão de comprometer a igualdade de oportunidades entre os concorrentes:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. POTENCIALIDADE LESIVA. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Consoante o art. 22 da LC 64/90, a propositura de AIJE objetiva a apuração de abuso do poder econômico ou político e de uso indevido dos meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político. 2. Na espécie, o recorrente - deputado federal - concedeu entrevista à TV Descalvados em 11.9.2008, às 12h30, com duração de 26 minutos e 9 segundos, cujo conteúdo transmite, de forma subliminar, a mensagem de que o seu irmão - o candidato Ricardo Luiz Henry - seria o mais habilitado ao cargo de prefeito do Município de Cáceres/MT.

3. A conduta, apesar de irregular, não possui potencialidade lesiva para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito, visto que: a) a entrevista também exalta o próprio recorrente, que na época exercia o mandato de deputado federal e não era candidato a cargo eletivo; b) o candidato não participou do evento; c) a propaganda ocorreu de modo subliminar; d) não há dados concretos quanto ao alcance do sinal da TV Descalvados na área do Município; e) a entrevista foi transmitida em uma única oportunidade.

4. Ademais, o TSE entende que, em regra, a concessão de uma única entrevista não caracteriza uso indevido dos meios de comunicação social, por não comprometer efetivamente a igualdade de oportunidades entre os candidatos na eleição. 5. Recurso especial eleitoral provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 433079, Acórdão de 02.8.2011, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 30.8.2011, Página 88).

Desse modo, porque se tratou de única entrevista concedida por Paulo Cattaneo, cujo conteúdo se relacionava à obra específica na Av. Farrapos, que inclusive estava com seu cronograma atrasado, sem qualquer menção ao pleito vindouro, tenho que a conduta não pode ser considerada ilícito eleitoral, ao contrário, consubstanciou-se em esclarecimento à população sobre os atos de gestão do prefeito.

Assim, merece provimento o recurso para afastar o reconhecimento de abuso de poder e, de igual modo, a sanção de inelegibilidade que foi aplicada a PAULO RICARDO CATTANEO.

2. Divulgação de vídeo em rede social (art. 77 da Lei n. 9.504/97)

A sentença reconheceu a prática da conduta vedada prevista no art. 77 da Lei das Eleições, que assim dispõe:

Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.

Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma.

O juízo a quo entendeu que a divulgação de vídeo no Facebook dos recorrentes, da mencionada obra da Av. Farrapos, no dia 24.9.2016, no qual houve pronunciamento sobre o asfaltamento da via, equipara-se à inauguração de obra pública, caracterizando a conduta prevista no art. 77 da Lei n. 9.504/97.

A magistrada asseverou que o vídeo sobre a conclusão do asfaltamento, em período vedado, deve ser considerado inauguração de obra pública, citando como precedente o RO n. 1984-03.2014.6.08.000/ES, de 09.8.2016.

Entretanto, tenho que a sentença merece reparos também nesse sentido.

Consabido que o art. 77 da Lei n. 9.504/97 deve ser interpretado com muita cautela, pois apenas prevê pena de cassação do registro ou diploma quando violado.

De fato, o Prefeito e candidato à reeleição Paulo Cattaneo compareceu na Av. Farrapos e confeccionou vídeo anunciando o asfaltamento da via, no entanto, não há qualquer prova nos autos que indique a inauguração de obra ou mesmo cerimônia envolvendo o evento, sequer que tenha sido, naquele momento, colocada à disposição da comunidade.

Ademais, não se pode interpretar de forma analógica ou extensiva norma restritiva de direito, máxime a disposição legal do art. 77 da Lei das Eleições que, como dito, sanciona o transgressor com a gravosa cassação do registro ou diploma.

Para evitar desnecessária tautologia, transcrevo o que constou no parecer ministerial (fls. 1052v.-1054):

É incontroverso nos autos o fato de que o Prefeito e então candidato à reeleição, PAULO RICARDO CATTANEO, compareceu na avenida Farrapos, em Soledade, para divulgar a pavimentação do trecho da via, tendo gravado o vídeo em questão. É também incontroverso que o vídeo foi publicado na página oficial da campanha dos demandados, junto à rede social Facebook. No vídeo, com duração de menos de 1 minuto, o Prefeito diz: Estamos aqui na avenida Farrapos, e quero parabenizar o povo precioso de Soledade por essa nossa importante obra, que é o asfaltamento da rua Coronel Ferreira até a Igreja Santa Rita, ligando os bairros Botucaraí, bairro Missões até o Centro. Com esse asfalto tão importante e desejado pela nossa comunidade, que é a avenida Farrapos, parabéns ao povo de Soledade, por mais essa conquista. No dia 2 de outubro, vote Cattaneo e Marilda.

Contudo, no caso dos autos, em que pese o candidato tenha se dirigido até o local anunciando a obra de asfaltamento da via, e tenha anunciado tal realização na página de campanha, o fato não pode ser interpretado como inauguração de obra.

Gize-se que, embora o Prefeito tenha usado a expressão “parabéns ao povo de Soledade, por mais essa conquista”, o vídeo não demonstra qualquer tipo de evento, cerimônia ou solenidade; não existe movimentação de pessoas e veículos pelo local, e pode-se reparar que ainda ficaram pendentes os trabalhos de acabamento, como pintura e sinalização de trânsito para viabilizar o fluxo. Assim, embora seja verdade que houve proveito da oportunidade para exaltar o trabalho da Administração Municipal (com evidente propósito de angariar votos), tanto que o vídeo foi publicado na rede social utilizada como meio de campanha, não há qualquer elemento nos autos que indique que a obra estava sendo colocada, naquele momento, à disposição da comunidade.

Logo, a simples divulgação de um feito da então gestão é incapaz de ser considerada efetivamente uma inauguração de obra, de forma a interferir na igualdade de disputa.

Registre-se que esta Corte vem entendendo que a conduta vedada no artigo 77 da Lei nº 9.504/97 deve ser apreciada objetivamente, isto é, sob o regime da legalidade estrita, impedindo a analogia ou a equiparação de conceitos, pois versa sobre restrição de direitos. Vale ilustrar:

Recurso. Condutas vedadas. Art. 77 da Lei n. 9504/97. Eleições 2012. Alegação de comparecimento dos representados, na condição de candidatos à vereança, em solenidade que tomou dimensões de inauguração de obra pública. Representação julgada improcedente no juízo ordinário. Evento destinado ao anúncio de investimentos para a construção de rodovia, situação distinta da proibição estipulada pelo citado dispositivo. Tratando-se de norma restritiva de direito, é inviável a pretendida analogia ou equiparação de conceitos. Conduta não correspondente àquela prevista em lei, não incidindo em prática vedada. Provimento negado. (TRE/RS, RE 429-97.2012.6.21.0142, Rel. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 13/06/2013) (grifado)

Recurso. Condutas vedadas. Abuso do poder político e econômico. Eleições 2012. Prefeito e vice. Comparecimento dos representados, candidatos à reeleição, em período vedado, em evento relativo aos festejos da semana farroupilha. Alegada prática da conduta prevista no art. 77 da Lei n. 9504/97. Representação julgada improcedente no juízo ordinário. Comparecimento, na condição de prefeito, em festividade de grande expressão para o município. Conduta não enquadrada na descrição do artigo mencionado para o município. Conduta não enquadrada na descrição do artigo mencionado. As condutas vedadas devem ser apreciadas objetivamente, sob o regime da legalidade estrita. O que a legislação proíbe é o comparecimento a inaugurações de obras públicas, não sendo este o caso dos autos. Manifestação sem qualquer pedido de voto ou proposta voltada para um futuro mandato, adstrita ao evento em si e sua importância na localidade.

Configurado o ato de mera gestão, não inserido no conceito de abuso de poder preconizado. Inviabilidade de impor à autoridade o afastamento de suas atribuições de representação da comunidade que o elegeu para o exercício do cargo. Provimento negado. (TRE/RS 367- 28.2012.6.21.0093, Rel. Ingo Wolfgang Sarlet, 02/04/2013) (grifado)

Nesse diapasão, não é possível alargar a interpretação da norma restritiva, que veda o comparecimento em inaugurações, a ponto de abarcar a hipótese dos autos, na qual não se tem propriamente uma obra sendo inaugurada, mas tão somente a exaltação de um asfalto pronto, mas sem os acabamentos necessários à liberação do fluxo, para fins de uso de divulgação em campanha eleitoral.

Aliás, impõe-se registrar que a divulgação de vídeos em rede social é forma permitida de propaganda eleitoral (artigo 54-A, IV, da LE), além de ser lícita a utilização de imagens de obras das quais o candidato tenha efetivamente participado, para fins de propaganda, mesmo porque, por outro lado, os adversários também se utilizam de imagens, informações e críticas acerca de atos mal executados pelos gestores. A propósito do tema, destaca-se o seguinte julgado:

Recurso. Representação. Realização, por prefeito candidato à reeleição, em época eleitoral, de obra de asfaltamento e respectiva vistoria e utilização, por ele, em programa de propaganda eleitoral, de imagens gravadas de visita a restaurante popular municipal. Conduta vedada e abuso de poder. Improcedência. Ação ajuizada após a data do pleito. Carência de interesse processual da representante no tocante à imputação de prática de conduta vedada, ante entendimento fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral de que a data da eleição é o termo final para a propositura de demandas fundamentadas no art. 73 da Lei n. 9.504/97. Não comprovada a potencialidade de desequilíbrio do resultado do pleito por parte das condutas alegadamente caracterizadoras de abuso de poder - conforme exigido em iterativa jurisprudência das Cortes Eleitorais.

Não configurada, no caso concreto, a hipótese descrita no § 10 do referido art. 73.

Inexistência de qualquer ilegalidade nos fatos impugnados pela recorrente. Provimento negado.

(TRE-RS - RECURSO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 168, Acórdão de 18/06/2009, Relator(a) DES. FEDERAL VILSON DARÓS, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 99, Data 23/06/2009, Página 1 - 2) (original sem grifos)

ELEIÇÕES 2010 - REPRESENTAÇÃO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO - LEI N. 9.504/1997, ART. 73, INCISO I - INTEMPESTIVIDADE DA REPRESENTAÇÃO - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - INÉPCIA DA INICIAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA POR AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONHECIMENTO - PRELIMINARES REJEITADAS - CESSÃO DE DEPENDÊNCIAS DE CENTRO CIRÚRGICO DE HOSPITAL PÚBLICO, DE ACESSO RESTRITO, PARA REALIZAÇÃO DE GRAVAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL - USO INDEVIDO DE BEM PÚBLICO PARA GRAVAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL - CONDUTA INCAPAZ DE DESEQUILIBRAR O PLEITO - PROCEDÊNCIA - APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA.

É lícito o uso, na propaganda eleitoral, de imagens de prédios públicos e servidores no exercício de suas funções rotineiras, até mesmo como forma de possibilitar que o eleitor tenha condições de escolher o candidato mais apto para exercer o cargo eletivo em disputa.

O enfoque dado aos bens e serviços públicos é circunstância inerente ao discurso político dos candidatos, seja para fins de promoção da candidatura, seja como instrumento de críticas em desfavor de adversários da disputa eleitoral. (…)

(TRE-SC. Representação n. 1768936, Relator IRINEU JOÃO DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 191, Data 17/10/2011, Página 3).

Dessarte, porque não houve inauguração de obra pública e por ser meio lícito de propaganda eleitoral a veiculação de imagens de bens públicos, merece acolhida a irresignação nesse item, ao efeito de absolver os recorrentes da conduta vedada prevista no art. 77 da Lei das Eleições.

3. Contratação de servidores em período vedado (art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97)

A conduta vedada em análise está assim delineada:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

A sentença reconheceu como irregular a contratação temporária de 3 (três) agentes de combate a endemias, bem como entendeu que a seleção destes via processo seletivo simplificado não contempla a hipótese excepcionalmente permitida de nomeação de aprovados em concurso público homologado até o início do prazo vedado, configurando-se o fato conduta vedada.

Transcrevo as razões sentenciais (fls. 932v-3):

A Lei das Eleições prevê como conduta vedada a contratação de servidor público nos três meses que antecedem as eleições, por entender causa de desequilíbrio eleitoral, o que efetivamente verificou-se no presente caso.

A Prefeitura Municipal, por meio do seu representante legal, Paulo Ricardo Cattaneo realizou a contratação temporária de três funcionários para o cargo de Agente de Combate a Endemias, justificando que seriam indispensáveis ao combate do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença da Dengue. Acostaram, ainda, reportagem falando sobre o primeiro caso da doença na cidade.

Com a devida vênia aos procuradores dos representados, mas a alegação e justificativa é vexatória.

Conforme se depreende do documento apresentado pelos próprios representados o primeiro caso de dengue na cidade foi de uma pessoa que contraiu a doença no Estado do Paraná, ou seja, sem qualquer relação com a cidade.

Aliás, na própria reportagem, em entrevista concedida pelo responsável pela Secretaria de Saúde (fl. 141), o mesmo refere a inexistência de mosquitos da dengue na cidade, bem como que em relação à pessoa diagnosticada com a doença já havia passado o período de transmissão.

Além disso, as referidas contratações ocorreram no inverno, o que causa maior perplexidade, na medida em que qualquer leigo possui o conhecimento de que o comportamento do mosquito da dengue é sazonal, estando diretamente ligado às condições climáticas, sendo a doença por ele transmitida típica do verão, quando o tempo está quente e úmido, e não do inverno rigoroso do município de Soledade, quando as temperaturas negativas são o comuns. (grifei)

Portanto, se os surtos de Dengue são situações típicas do verão, pergunta-se o juízo: o que fariam e o que fizeram esses agentes de combate à Dengue durante todo o período de inverno, diante das severas temperaturas abaixo de zero, no Município de Soledade?

Não havia a urgência a justificar a contratação, restando feridos os princípios da legalidade, da razoabilidade, da utilidade e da moralidade nos atos do gestor.

Dessa forma, não se vislumbra essencialidade nas contratações de três pessoas, configurando-se ilícito o ato praticado pelo representado que, de igual forma, causa desequilíbrio ao pleito eleitoral.

Registra-se, ainda, que a exceção, contida nas alíneas do inciso V do art. 73 contempla a hipótese de nomeação de aprovados em Concurso Público, homologados até o início do prazo vedado, o que não se enquadra no presente caso, uma vez que a seleção era para contratação temporária, sendo irrelevante que sua homologação tenha ocorrido em 30 de junho de 2016.

Por fim, tendo em vista que esgrimaram os representados, no sentido de que o TRE manifestou-se sobre a possibilidade de contratação de vigilantes sanitários de controle da Dengue no município de São Borja, fls. 142- 145, assento que o Tribunal o fez em razão de término de contratos no mês de NOVEMBRO, portanto, no período em que ocorrem os focos da doença, e não em plena estação de inverno.

Destarte, reafirmo, não há o que justifique a conduta do administrador, que em abuso de poder de autoridade e contrária à Lei 9504/97.

Com relação a esse tópico, o recurso não merece provimento.

Como se verifica pelo texto do art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, a norma pretende obstar o uso de servidores da Administração Pública em proveito de interesses políticos.

Daí a restrição objetiva de contratar ou admitir servidor público, no prazo de três meses antes do pleito até a posse dos eleitos. Insta ressaltar que a vedação abrange o servidor estatutário, celetista e o servidor com contrato temporário, excluindo-se apenas os agentes políticos.

As exceções, especialmente as contidas nas al. “c” e “d”, ou seja, nomeação de aprovados em concursos públicos homologados até o início dos três meses que antecedem o pleito e contratação de pessoal necessário à instalação ou funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais desde que com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo, devem ser interpretadas de forma estrita.

De outra banda, apesar de a sentença ter reconhecido a contratação de 3 (três) servidores, na verdade foram 5 (cinco), conforme documentos juntados às fls. 148-157.

No entanto, ainda que tenham sido 3 (três), conforme admitido na sentença, o que importa reforçar é que essas contratações foram realizadas por meio de processo seletivo público simplificado, que não se confunde com a do concurso público.

Ademais, igualmente não se verifica tenham as contratações como objetivo atender a serviço essencial de saúde, como argumentado para combate do mosquito Aedes aegypti.

Conforme notícia trazida aos autos pelos próprios recorrentes (fls. 140-141), a Secretaria da Saúde de Soledade declarou que a senhora infectada contraiu a doença em viagem ao Paraná e já havia passado o período de transmissão. A declaração do Sr. Sonimari Auler, na condição de responsável pela Secretaria da Saúde, foi no seguinte sentido: É muito importante que esta pessoa não tenha contraído a doença aqui, pois aí sim, gera a preocupação que tem mosquito da dengue no município. Felizmente, não tem.

Quanto ao tópico, trago o que constou no parecer ministerial (fls. 1056v-1058v):

Assim, a questão controvertida pelos recorrentes diz respeito ao enquadramento ou não das contratações na hipótese de permissão de contratação em caso de serviços públicos essenciais (artigo 73, inciso V, “d”, da Lei 9.504/97) ou, ainda, na hipótese de nomeação de aprovados em concurso público homologado antes do início do período crítico (artigo 73, inciso V, alínea “c”).

Nada obstante, as contratações que decorrem de processo seletivo simplificado não estão, por força da alínea “c”, justificadas.

Muito embora concurso público e processo seletivo público sejam modalidades de recrutamento de pessoal para a Administração, cumpre gizar que ambos são instrumentos severamente distintos. Processo seletivo público é uma modalidade de contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, não sendo o mesmo que concurso público. Tome-se a redação do artigo 3º da Lei nº 8.745/934 como exemplo pelo qual resta nítida a compreensão de que a realização do processo seletivo simplificado tem lugar em situações em que a lei dispensa o concurso público:

Art. 3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União, prescindindo de concurso público.

Logo, ambas são figuras distintas. Tem-se a regra do concurso público para as atividades contínuas (artigo 37, inciso II, da CF), e a exceção da contratação temporária (artigo 37, inciso IX, da CF) para tutelar o excepcional interesse público, sendo que o processo seletivo simplificado, vale frisar, é meio de recrutamento do pessoal para as atividades temporárias e de excepcional interesse público.

Ora, o processo seletivo visa, exatamente, à contratação temporária de pessoal que não cria o vínculo estável do servidor público stricto sensu. Sendo assim, inexistindo o peso que conduz à estabilidade, a exceção proposta pela alínea “c” não pode ser utilizada para tutelar e permitir a contratação de servidores temporários.

Nessa espécie de contratação, é inegável que os contratos restam submetidos à alta dose de discricionariedade quando a Administração não mais vislumbra a necessidade de receber os serviços do contratado temporariamente. Aqui, o ambiente, ao menos em tese, resta mais propício para que contratações possam ser utilizadas pela Administração como moeda em troca do voto do contratado.

Logo, quando a lei excepciona a contratação de aprovados em concurso previamente homologado, ela está tutelando a contratação que cria o vínculo estável do servidor público.

Além disso, a interpretação ampliativa da exceção, pretendida pelos recorrentes para o efeito de enquadrar “a nomeação dos aprovados em processo seletivo” não merece prevalecer, porquanto se trata de norma que restringe ao agente público o direito de nomear. A exceção, então, merece ser interpretada de forma estrita.

Assim, descartado o enquadramento do fato na exceção da alínea “c”, resta, então, saber se é possível enquadrá-lo na exceção da alínea “d” (contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo), o que tornaria o fato regular para fins eleitorais.

Na linha dessa investigação, extrai-se dos documentos relacionados ao processo seletivo (fls. 114-147) que a abertura da seleção ocorreu em 1º/04/2016, quando publicado o Edital de Processo Seletivo para Contratação Temporária nº 01/2016, prevendo a contratação de 5 (cinco) Agentes de Combate a Endemias.

A classificação final foi homologada em 30/06/2016.

Na sequência, os 5 (cinco) primeiros aprovados foram admitidos, sendo que o contrato do 1º aprovado (Gabriel) passou a contar de 11/07/2016, enquanto os dos demais (Loriedson, Lauro, Luiz Gustavo e Ismael), a partir de 18/07/2016, consoante contratos às fls. 148-157. Cumpre ressaltar que são 5 (cinco) contratações temporárias, e não apenas as 3 (três) observadas na sentença.

Ocorre que, muito embora se trate de contratações para a área de serviço essencial de saúde, o caso em análise carece do elemento de imprevisibilidade, sem o qual não se pode justificar a contratação em período vedado.

A necessidade de prevenção à endemia no Município já era prevista ou previsível, desde 2015, pelo menos, sendo que poderia ter sido devidamente organizada com antecedência, para evitar as contratações no período vedado. Conforme indicado nos autos, a contratação temporária dos servidores poderia ter sido regularizada em momento oportuno, qual seja, já a partir de 22/04/2015, quando o Núcleo Regional de Vigilância em Saúde, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde, recomendou ao Município de Soledade a necessidade de manter “11 a 14 (onze a catorze) agentes de combate a endemias” (Ofício nº 15/DVAS-NUREV, à fl. 1024, ora analisado em sede recursal, em face do permissivo do artigo 290, c/c o artigo 237, ambos do Código Eleitoral).

Tem-se, portanto, que as 5 (cinco) contratações poderiam ter sido providenciadas desde abril de 2015, quando recomendada a formação de equipe pela Secretaria Estadual; mas as contratações questionadas foram “adiadas” para um ano mais tarde, de modo que estas não podem ser justificadas pela necessidade de instalação ou funcionamento “inadiável” de serviço público essencial, nos termos da alínea “d” do inciso V do artigo 73 da Lei das Eleições.

Portanto, descabe o provimento ao recurso dos demandados, haja vista que as contratações de servidores temporários, realizadas no Município de Soledade/RS, no período crítico, infringem a lei eleitoral, configurando a conduta vedada prevista no artigo 73, inciso V, da Lei nº 9.504/97.

De outro lado, conquanto irregular, conforme demonstrado alhures, para se considerar a perspectiva de abuso de poder político seria necessário que a conduta se revestisse da gravidade necessária. Não é o caso. No caso em apreço, os demandados venceram o pleito de 2016 com ampla margem de diferença em relação ao segundo colocado (3699 votos à frente deste). Nesse cenário, considerar que a contratação irregular de 5 servidores temporários é grave o suficiente para justificar a cassação dos eleitos seria desconsiderar a vontade soberana do povo manifestada no pleito.

Assim, não há razões para entender que a manifestação de vontade dos eleitores tenha sido, em razão das contratações, maculada ou viciada em favor dos eleitos, não se vislumbrando a ocorrência de abuso de poder político.

Dessa forma, como os aprovados foram admitidos a partir de 11.7.2016 e 18.7.2016, dentro do período vedado (3 meses antes das eleições), não se evidenciando hipótese de exceção legal, inequívoca a ocorrência da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei das Eleições.

4. Contratação de profissionais autônomos, em período vedado, remunerados via RPA – Recibo de Pagamento Autônomo (art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97)

A sentença reconheceu como irregular a contratação de 4 (quatro) profissionais autônomos, pagos via RPA (Recibo de Pagamento Autônomo).

No item merece prosperar a irresignação, pois os profissionais autônomos não se enquadram nas subcategorias de servidores públicos, pois são compreendidos como terceirizados, sem qualquer vínculo com a Administração.

Por oportuno, transcrevo as razões ministeriais (fls. 1061-2v):

Dessa maneira, a proibição contida no artigo 73, inciso V, da Lei nº 9.504/97 não atinge os terceirizados, havendo, inclusive, posicionamento do TSE nesse sentido. Extrai-se da lição de ZILIO (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. Editora Verbo Jurídico. 5ª Edição, 2016. pp. 605-606):

A vedação do art. 73, V, da LE, em tese, não atinge aos terceirizados, já que, in casu, inexiste qualquer vinculação com a Administração Pública. Neste norte, o TSE afastou o enquadramento de terceirizados no art. 73, V, da LE, argumentando que “ainda que se admita interpretação ampliativa” do regramento, “é necessário, ao menos, vínculo direto com a Administração” (Recurso Ordinário nº 2.233 – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 16.12.2009).

Assim, conclusão em sentido diverso, no sentido de abarcar tais profissionais, violaria regra de hermenêutica jurídica de que normas que encerrem mitigação de direitos ao gestor (hipótese na qual se enquadra a tipificação das condutas vedadas) devem ser interpretadas restritivamente, o que deve ser evitado.

Nesse sentido:

AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VI, B, DA LEI 9.504/97. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. NAO C0NFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. O provimento do recurso especial dos agravados para afastar a multa imposta pelo TRE/MG deu-se nos limites da moldura fática delineada no aresto regional, sem a necessidade de incursão no acervo fâtico-probatório dos autos, o que é admitido pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

2. A norma inserida no art. 73, VI, b, da Lei 9.504/97 não se aplica na espécie por não ser o Provopar (Programa Voluntário Paranaense) uma entidade da administração pública direta ou indireta, e sim uma associação civil sem fins lucrativos.

3. As normas que encerrem exceção ou mitigação de direitos - como no caso das condutas vedadas - devem ser interpretadas restritivamente. Precedentes.

4. Agravos regimentais desprovidos.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 148849, Acórdão de 03.8.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 23.10.2015).

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, III, DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência deste Tribunal opera no sentido de que normas restritivas de direitos devem ser interpretadas estritamente.

2. A mera circunstância de os servidores portarem adesivos contendo propaganda eleitoral dentro da repartição, durante o horário de expediente, conquanto eticamente reprovável, não se enquadra na descrição típica contida no art. 73, III, da Lei nº 9.504/97, cuja proibição consiste na "cessão de servidor" ou na "utilização de seus serviços", "para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação", circunstâncias que não se verificaram no caso.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 151188, Acórdão de 03/06/2014, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 152, Data 18.8.2014, Página 151).

 

Por oportuno, comporta mencionar que, ao prosseguir com a referida lição, ZILIO ainda suscita a possibilidade de que a atividade terceirizada possa mascarar conduta vedada ou, quiçá, o próprio abuso de direito:

[…] Não obstante a ausência de vínculo do terceirizado com a Administração Pública, a interpretação da norma proibitiva deve guardar pertinência com a proteção do interesse jurídico tutelado (igualdade de chances entre os competidores). Daí que, nessa situação, importa perquirir o modo pelo qual a contratação foi efetivada, qual a atividade terceirizada e por quanto tempo durou a contratação, pois não é admissível, sob o manto da terceirização, consentir como válida essa forma de contratação, em período glosado, quando viável o exercício da mesma atividade através de servidor terceirizado. Portanto, configura conduta vedada a contratação de servidor terceirizado, no período proscrito, quando perceptível que esse contrato importa em burla ao dispositivo da lei eleitoral, na medida em que, sistematicamente, a atividade referida é exercida por servidor público. O STJ reconheceu como ato de improbidade administrativa, a contratação de funcionários, sem a realização de concurso público, mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão de obra, via terceirização de serviços, para trabalharem em instituição bancária estadual, com inobservância do art. 37, II, da CF (Recurso Eleitoral nº 772.241 – 1ª Turma – Rel. Min. Luiz Fux – j. 15.04.2008). Se o uso indevido de terceirizado caracteriza improbidade administrativa, com todas as gravosas consequências da Lei nº 8.429/92, é lícito concluir pela possibilidade da caracterização dessa conduta vedada, quando observada, pelas circunstâncias da contratação (v.g., direcionamento para contratar pessoas com afinidade política ou pessoal; contratação que perdura um período menor do que o fixado no contrato, com o rompimento logo após o pleito), manobra engendrada para frustrar a proibição legal, imprimindo ao ato feição de aparente ilicitude. De qualquer sorte, caso não se entenda adequada a configuração da conduta vedada, por uma interpretação restritiva, é possível apurar o abuso de poder político (AIJE).

Na hipótese aventada nos autos, conquanto a sentença tenha identificado atividades típicas de servidor público, assim como, no caso dos pagamentos efetuados a Vagner dos Santos Leff, possível malversação de recursos públicos (que desempenha a função de cozinheiro para servidores que recebem vale-alimentação), é possível entender que tais características, embora possam suscitar investigação no aspecto de improbidade administrativa, não são suficientes para configurar a conduta vedada em apreço ou um abuso de poder político.

Primeiramente, quanto à conduta vedada, como já dito, deve prevalecer a interpretação do TSE, no sentido de não se conferir interpretação ampliativa ao disposto no inciso V do artigo 73 da LE.

Já com relação à configuração de abuso, é de ser sopesado o fato de que os serviços prestados, apesar de terem se protraído no período vedado, iniciaram antes deste, e os autos não reúnem elementos que comprovem a ligação entre as contratações e a campanha eleitoral, ônus que caberia aos autores.

Ademais, da mesma forma como justificado no tópico anterior, a lei não exige potencialidade de influência no pleito, mas gravidade das circunstâncias que caracterize o ato abusivo. Certamente o uso de 5 profissionais autônomos no período crítico não surtem o impacto eleitoral suficiente para a configuração do abuso.

Assim, neste particular, é de ser provido o recurso dos eleitos, afastando-se a tipificação da conduta.

Como muito bem observado pelo douto Procurador Eleitoral, em que pese certa estranheza a contratação de autônomos para desempenhar atividade típica de servidor público, esses fatos devem ser investigados sob o ponto de vista da improbidade administrativa, não sendo hábeis a configurar conduta vedada, nos termos da interpretação do TSE e da vedação à ampliação de norma restritiva de direitos.

Das Sanções

Tendo em vista o acolhimento parcial e substancial do apelo de Paulo Ricardo Cattaneo e Marilda Borges Corbelini, imperioso ajustar as sanções impostas:

a) Afastando-se a inelegibilidade de Paulo Ricardo Cattaneo pois reformada a decisão que reconhecia abuso por uso dos meios de comunicação (entrevista à Radio Cristal AM) e, em face disso, declarando prejudicado o exame do recurso da Coligação Juntos Por Soledade (PP - PSDB - PSD), que postulava a extensão da inelegibilidade à Marilda Borges Corbelini;

b) Reduzindo-se a multa aplicada a Paulo Ricardo Cattaneo ao patamar mínimo de 5.000 UFIR, equivalente a R$ 5.320,50, pois apenas remanesce reconhecida a conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, não havendo motivos que possam elevá-la desse quantum.

Por fim, consigno que não houve na sentença sancionamento pecuniário à Marilda Borges Corbelini na condição de beneficiária das condutas vedadas e, como não houve irresignação quanto ao ponto em sede de recurso da Coligação Juntos Por Soledade (PP - PSDB - PSD), não vejo como aplicar multa nesta instância, sob pena de configurar odiosa reformatio in pejus.

Ante o exposto, VOTO no sentido de:

a) Preliminarmente, descaracterizar o caráter protelatório dos embargos de declaração opostos à sentença por PAULO RICARDO CATTANEO e MARILDA BORGES CORBELINI, afastando a multa aplicada;

b) Declarar prejudicado o exame do recurso da COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD) no ponto em que postula sanção de inelegibilidade à MARILDA BORGES CORBELINI;

c) No mérito, desprover o recurso da COLIGAÇÃO JUNTOS POR SOLEDADE (PP - PSDB - PSD) e prover parcialmente o recurso de PAULO RICARDO CATTANEO e MARILDA BORGES CORBELINI, afastando o reconhecimento da prática dos fatos imputados e as sanções de cassação e inelegibilidade, à exceção da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, em razão da contratação irregular de servidores temporários no período vedado e reduzindo a multa pecuniária aplicada em desfavor de Paulo Ricardo Cattaneo para o valor de R$ 5.320,50 (5.000 UFIR).