RCED - 25791 - Sessão: 25/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO UM NOVO PINHAL GRANDE PARA TODOS interpôs RCED com fundamento no art. 262 do Código Eleitoral, em 19.12.2016, em face de LUCAS MICHELON, fls. 02-06, ao argumento central de que o irmão de LUCAS, Sr. Fábio Michelon, então ocupante do cargo de vice-prefeito do Município de Pinhal Grande, assumiu o cargo de prefeito daquele município no período compreendido entre 01.9.2016 e 30.9.2016. Requereu a cassação do diploma do recorrido. Com as contrarrazões atacando matéria preliminar e, também, de mérito, (fls. 125-138), os autos foram remetidos a esta Corte e encaminhados com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual opinou pela procedência do RCED, fls. 157-162v., e pela cassação do diploma concedido a LUCAS MICHELON, preservando-se, contudo, o cômputo dos votos obtidos à legenda pela qual concorreu.

Vieram conclusos.

É o relatório.

À douta revisão.

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo, motivo pelo qual dele conheço.

A norma de regência concede o prazo de 3 (três) dias, a contar da diplomação do pretenso recorrido, para a apresentação do RCED. A diplomação de Fábio ocorreu em 16.12.2016 (fls. 8-10), e a demanda foi apresentada em 19.12.2016, conforme consta à fl. 02 dos autos.

 

Preliminares

Há que se analisar duas preliminares arguidas em contrarrazões por LUCAS MICHELON, quais sejam: (a) falta de interesse de agir; e (b) ausência de legitimidade, ambas da COLIGAÇÃO UM NOVO PINHAL PARA TODOS.

Saliento, contudo, que os argumentos das preliminares se sobrepõem ao longo das contrarrazões, de modo que serão analisadas de forma conjunta.

Em resumo, LUCAS sustenta inexistir interesse de agir de parte da COLIGAÇÃO, pois Fábio Michelon teria assumido o cargo de prefeito no uso de suas atribuições legais e constitucionais, de forma que a parte autora teria esperado, estrategicamente, sair vencida nas eleições municipais […] para ingressar com ação, primeiro, de representação, e, agora, de Recurso Contra a Expedição de Diploma.

Sem razão.

Não houve a alegada “espera estratégica” para a apresentação do RCED devido a um dado objetivo, constante na legislação: conforme o regramento do art. 258 do Código Eleitoral, o prazo (decadencial) se inicia a partir da diplomação – 16.12.2016 (nesse sentido, o Agravo de Instrumento n. 6.507, julgado pelo TSE em 25.4.2006, Rel. Ministro Gilmar Mendes).

E a COLIGAÇÃO UM NOVO PINHAL GRANDE, repito, ajuizou o RCED em 19.12.2016, dentro do prazo legal.

Ademais, a legitimidade ativa da COLIGAÇÃO UM NOVO PINHAL GRANDE PARA TODOS é clara, decorrente da posição de parte adversária na seara eleitoral, e surge também da própria dicção legal. Note-se que o TSE tem reconhecido, mesmo após as eleições, a legitimidade da coligação, bem como o respectivo interesse de agir em juízo, assegurando-lhe a capacidade para interpor recurso contra a expedição de diploma:

 

Investigação judicial. Legitimidade ativa. Coligação.

1. A coligação é parte legítima para propor as ações previstas na legislação eleitoral, mesmo após a realização da eleição, porquanto os atos praticados durante o processo eleitoral podem ter repercussão até após a diplomação.

2. Com o advento das eleições, há legitimidade concorrente entre a coligação e os partidos que a compõem, para fins de ajuizamento dos meios de impugnação na Justiça Eleitoral, em face da eventual possibilidade de desfazimento dos interesses das agremiações que acordaram concorrer conjuntamente.

3. Essa interpretação é a que melhor preserva o interesse público de apuração dos ilícitos eleitorais, já que permite a ambos os legitimados - partidos isolados ou coligações - proporem, caso assim entendam, as demandas cabíveis após a votação.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-REspe n. 36398/MA, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe 24.6.2010. Grifei.)

 

Recurso Contra Expedição de Diploma. Preliminares afastadas. Mérito. Totalização de votos. Indeferimento de registro antes das eleições. Votos nulos. Não provimento.

1. São legitimados para interpor recurso contra expedição de diploma partidos políticos, coligações, candidatos registrados especificamente para a eleição e o Ministério Público Eleitoral. Precedentes: RCEd nº 643, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 6.8.2004; AgRg no REspe nº 25.269, Rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 20.11.2006. (…).

(RCED n. 674/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 24.4.2007. Grifei.)

 

Na mesma toada, precedente desta Corte:

Recurso contra expedição de diploma. Inelegibilidade superveniente. Artigo 262, I, do Código Eleitoral e artigo 1º, I, "g", da Lei Complementar n. 64/90. Prefeito e vice. Eleições 2012. Matéria prefacial rejeitada: 1. a coligação possui legitimidade para ingressar com a ação, ainda que encerrada a eleição; 2. de igual forma, o partido político detém legitimidade ativa para ajuizar a ação isoladamente, uma vez desfeitos os interesses das agremiações que integravam a coligação; 3. a inclusão do vice-prefeito no polo passivo da ação é impositiva, pois se trata de litisconsórcio necessário; 4. revogada a liminar que suspendia os efeitos dos decretos legislativos de rejeição das contas, insubsistente a alegada carência de ação. Desaprovação das contas do prefeito reeleito, relativas ao ano de 2008, pelo Tribunal de Contas do Estado e pela Câmara dos Vereadores. Emissão do decreto legislativo em data posterior ao ato de diplomação, ocasião em que estava em pleno gozo dos direitos políticos. Circunstância que afasta a pretendida inelegibilidade superveniente posta em análise. Caso concreto sem o condão de influenciar a eleição de 2012, podendo gerar reflexos em pleitos futuros. Improcedência.

(Recurso Contra a Expedição de Diploma n. 57608, Acórdão de 21.11.2013, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 217, Data 25.11.2013, Página 6.) (Grifado.)

 

Afasto as preliminares de falta de interesse de agir e de ilegitimidade ativa arguidas por LUCAS MICHELON, nos termos da fundamentação.

 

Mérito

A COLIGAÇÃO UM NOVO PINHAL NOVO PARA TODOS (PSD-PDT-PMDB), com fundamento no art. 262 do Código Eleitoral, interpôs Recurso Contra Expedição de Diploma em face de LUCAS MICHELON, eleito para o cargo de vereador no Município de Pinhal Grande, alegando faticamente, em resumo, a ocorrência de inelegibilidade superveniente de cunho constitucional.

Isso porque o Sr. Fábio Michelon, vice-prefeito entre 2012 e 2016, e irmão de Lucas, teria ocupado o cargo de Prefeito de Pinhal Grande durante o período de 1º.9.2016 a 30.9.2016 no lugar do titular do Poder Executivo local, Sr. Selmar Durigon.

O ponto sob discussão, dessarte, é a suposta ocorrência de inelegibilidade superveniente estampada no art. 14, § 7º, da CF:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. Grifei.

 

E, do manuseio dos autos, conclui-se, primeiramente, que os fatos alegados realmente ocorreram, conferindo tons de dramaticidade à situação, pois LUCAS MICHELON foi, além de tudo, o vereador mais votado do Município de Pinhal Grande. Ademais, o quadro probatório permite deduzir que Selmar Durigon tenha fruído férias para melhor se dedicar à campanha eleitoral, pois o período de exercício de Fábio compreendeu todo o mês de setembro de 2016 – dias 1º a 30, ou seja, as quatro semanas antecedentes ao dia de votação.

Daí, Fábio, irmão de LUCAS, substituiu o prefeito em período inferior a seis meses antes do pleito. A LUCAS restaria uma salvaguarda, a possibilidade primeira de exceção, a qual afastaria a inelegibilidade conforme os próprios termos da redação constitucional, constante do final do § 7º do art. 14 da CF: já ocupar cargo eletivo e ser também ele, LUCAS, candidato à reeleição.

Contudo, LUCAS está em seu primeiro mandado como vereador de Pinhal Grande, quadriênio 2017-2020.

Saliento, ainda, uma segunda possibilidade de manutenção de LUCAS no cargo de vereador - construída em precedente do Tribunal Superior Eleitoral, o Recurso Ordinário n. 264-65.2014.6.20.0000, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 1º.10.2014 e publicado em sessão.

Transcrevo a ementa da decisão, por si só bastante apta a demonstrar as peculiaridades daquele caso:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. CARGO. SENADOR DA REPÚBLICA. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPEDIMENTO DECORRENTE DE EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS OU FUNÇÕES PÚBLICOS (I.E. INCOMPATIBILIDADE). CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ART. 1º, § 2º, DA LC Nº 64/90. NÃO CONFIGURAÇÃO. SUPOSTA SUBSTITUIÇÃO DO TITULAR DA CHEFIA DO PODER EXECUTIVO PELO VICE-PREFEITO (NOS DIAS COMPREENDIDOS DE 16 A 28 DE ABRIL DE 2014) NOS 6 (SEIS) MESES ANTERIORES AO PLEITO. ARGUMENTO DE ASSUNÇÃO AUTOMÁTICA DO VICE-PREFEITO. IRRELEVÂNCIA DA REFERIDA TESE PARA O EQUACIONAMENTO DA CONTROVÉRSIA. MINIMALISMO JUDICIAL. NECESSIDADE DE DECIDIR CASUISTICAMENTE A QUESTÃO, SEM GENERALIZAÇÕES (NARROW), E SEM ACORDOS PROFUNDOS NAS FUNDAMENTAÇÕES (SHALLOW). POSTURA JUDICIAL DE PRESERVAÇÃO DA FLEXIBILIDADE DECISÓRIA DA CORTE E DE ATENUAÇÃO DOS RISCOS DE FALIBILIDADE JUDICIAL. PRÁTICA DE ATOS DE GESTÃO OU DE GOVERNO POR PARTE DA VICE-PREFEITA, ORA RECORRIDA. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, POR PARTE DA COLIGAÇÃO IMPUGNANTE, DA ASSUNÇÃO DE FATO DA CHEFIA DO PODER EXECUTIVO LOCAL. IMPOSIÇÃO DE PRÁTICA DE ATOS FORMAIS PARA A ASSUNÇÃO DA TITULARIDADE DA CHEFIA DO PODER EXECUTIVO PELOS SUBSTITUTOS. RECURSO ORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1. A ratio essendi dos institutos da incompatibilidade e da desincompatibilização reside na tentativa de coibir - ou, ao menos, amainar - que os pretensos candidatos valham-se da máquina administrativa em benefício próprio, circunstância que, simultaneamente, macularia os princípios da Administração Pública e vulneraria a igualdade de chances entre os players da competição eleitoral, bem como a higidez das eleições.

2. A postura minimalista, que deve nortear a Corte Superior Eleitoral, evidencia a prescindibilidade de perquirir, in casu, se ocorre (ou não) a substituição automática nas hipóteses de ausência do chefe do Poder Executivo.

3. Deveras, importando para a seara eleitoral as ponderações do Professor de Harvard Cass Sunstein (SUNSTEIN, Cass R. One Case at a Time. Judicial Minimalism on the Supreme Court), impõe-se que as decisões proferidas pela Corte Eleitoral sejam estreitas (narrow, i.e., decidindo casuisticamente as questões e sem generalizações) e superficiais (shallow, i.e., sem acordos profundos nas fundamentações), postura judicial que se revelam aptas a salvaguardar a flexibilidade decisória do Tribunal, porquanto permitem diferenciar os pressupostos fáticos presentes nos casos presente e futuros, e atenuam os riscos de erro na tomada de decisões.

4. A postura minimalista consubstancia a técnica decisória que melhor se coaduna com as singularidades existentes nos casos concretos em matéria eleitoral, evitando, bem por isso, generalizações prematuras (POSNER, Richard. Law, Pragmatism, Law and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003, p. 80.).

5. O ônus de demonstrar a substituição do titular do Executivo local pelo seu imediato substituto (Vice-Prefeito) incumbe à parte impugnante. Precedente: AgR-REspe nº 338-26/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 18.6.2009.

6. No caso sub examine,

a) O ponto nevrálgico da questão consiste em identificar se existem nos autos provas cabais e incontestes de que a Vice-Prefeita, por força da assunção dita automática da chefia do Poder Executivo, praticou atos de governo ou de gestão no período de afastamento do titular, o que ultrajaria os valores que o instituto da desincompatibilização visa a tutelar

b) In casu, Carlos Eduardo Alves, então prefeito do Município de Natal/RN, se ausentou da municipalidade no período de 16 a 28 de abril de 2014, em viagem para a Espanha, comunicando o seu afastamento à Câmara Municipal no dia 15 de abril (doc. de fls. 37).

c) Não consta nos autos qualquer prática de atos de gestão ou de governo (e.g., sanção ou veto de leis, edição de Portarias, nomeação ou exoneração de servidores etc.) por parte da Recorrida que logrem comprovar que tenha desempenhado a Prefeitura de Natal.

d) A Coligação Recorrente não logrou demonstrar, por meio de provas convincentes, o efetivo desempenho da titularidade do Executivo local pela Recorrida, o que condiz com a conclusão de sua não assunção do Município de Natal/RN.

e) O Prefeito de Natal, quando da sua viagem à Espanha, cientificou o Presidente da Câmara Municipal, mas não o fez em relação à Vice-Prefeita, circunstância que não se coaduna com a relevância que a assunção, ainda que temporária, do cargo impõe. Daí ser indispensável que haja algum tipo de comunicação oficial entre os chefes do Executivo local (no caso, Prefeito e Vice-Prefeito), que permitam a assunção do substituto imediato nas hipóteses de afastamento provisório do titular (e.g., licença, viagem).

f) Essa premissa presidiu a decisão do Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN, quando, instado a manifestar-se no Mandado de Segurança nº 0115660-22.2014.8.20.0001, consignou que o Prefeito, em viagem, deveria ter comunicado sua ausência não apenas ao Presidente da Câmara Municipal, mas também à Vice-Prefeita.

7. O aresto proferido pelo Tribunal a quo consignou expressamente a inexistência de elementos probatórios nos autos que evidenciem que a Recorrida tenha efetivamente assumido a chefia do Poder Executivo municipal:

"ELEIÇÕES 2014 - REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - SENADOR - PRIMEIRO SUPLENTE - SEGUNDO SUPLENTE - IMPUGNAÇÃO - FALTA DE QUITAÇÃO ELEITORAL - PAGAMENTO DE MULTA CERTIFICADO PELA JUSTIÇA ELEITORAL - REGULARIDADE - SUBSTITUIÇÃO DO PREFEITO PELA VICE-PREFEITA NOS 6 (SEIS) MESES ANTERIORES AO PLEITO - CAUSA DE INELEGIBILIDADE INOCORRÊNCIA - INEXISTÊNCIA DE SUBSTITUIÇÃO AUTOMÁTICA - FALTA DE PREVISÃO EXPRESSA NA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO - INEXISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO À VICE-PREFEITA DA AUSÊNCIA DO PREFEITO - INEXISTÊNCIA DE PRÁTICA DE ATO - IMPUGNANTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR QUE HOUVE PRÁTICA DE ATO - ASSUNÇÃO DO CARGO DE PREFEITO POR VEREADOR EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL - IMPROCEDÊNCIA DAS IMPUGNAÇÕES - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA RESOLUÇÃO/TSE Nº 23.405 - DEFERIMENTO.

Não há que se falar em substituição automática do prefeito pela vice-prefeita, porquanto não há previsão expressa na Lei Orgânica do Município de Natal.

Para que a substituição pudesse ocorrer no plano fático, seria necessária a comunicação à vice-prefeita da ausência do prefeito, até mesmo para se estabelecer um marco temporal, o que não ocorreu no caso concreto.

Verifica-se, na espécie, que a coligação impugnante não se desincumbiu do ônus de comprovar que houve a prática de qualquer ato pela vice-prefeita em substituição do titular; ao contrário, a impugnada instruiu os autos com documento cujo teor indica que não praticou qualquer ato como prefeita desde 05.4.2014.

Considerando que a impugnada não foi comunicada formalmente da ausência do prefeito, que foi determinado no bojo de ação mandamental que o vereador Júlio Protássio assumisse a chefia do Executivo local, que a impugnada não praticou nenhum ato no comando da Prefeitura de Natal, que a impugnada não assinou termo de posse, que a impugnante não se desincumbiu do ônus de demonstrar que o afastamento não ocorreu no plano fático, a improcedência da impugnação é medida absolutamente impositiva.

Preenchidos os requisitos previstos na Resolução/TSE n.º 23.405, defere-se o pedido de registro de candidatura. Vistos etc."

8. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento.

 

De qualquer maneira, teço um resumo das circunstâncias: a candidata ao Senado Federal havia sido colocada na posição de prefeita em exercício durante 12 dias (16 a 28 de abril do ano da eleição), sem que tivesse sido cientificada de tal ato. Mais: durante o lapso temporal citado, não exerceu sequer um ato de gestão ou de governo da prefeitura que teria, a ela, sido incumbida – Município de Natal, Rio Grande do Norte.

A partir daí, o Ministro Luiz Fux, partindo de uma premissa teórica de cisão conceitual entre os institutos da incompatibilidade e da desincompatibilização, defendeu a necessidade de uma postura minimalista dos magistrados relativamente às demandas eleitorais, com a realização de recortes não generalistas (narrow) e sem acordos profundos nas fundamentações (shallow), para que sejam atenuados os riscos de falibilidade na entrega da prestação jurisdicional e, também, de contrassenso jurisprudencial.

Em termos gerais, o eminente Relator flexibilizou a cogência da norma para entender que, naquele caso em específico, não teria havido exercício de fato do cargo máximo da capital potiguar, e sim um ato que ultrajou o “telos do instituto” - uma nomeação meramente formal e de certa forma fraudulenta, com o fito único de atrair a inelegibilidade constitucional para a esfera jurídica da então candidata a Senadora.

Tal tese, aliás, foi corroborada pelo fato de que o prefeito titular havia comunicado a substituição apenas à Câmara de Vereadores, e não à pretensa substituta, não havendo se falar em “substituição automática” do prefeito pela vice-prefeita, porquanto inexistente tal previsão, forma expressa, na Lei Orgânica do Município de Natal. As circunstâncias, portanto, indicavam um clima de competição política entre o prefeito e a vice-prefeita, e uma manobra teria sido realizada para tachar a segunda mandatária como inelegível.

Pois bem.

Entendo necessária a realização do devido distinguishing de tal precedente ao caso posto. O aresto da Corte Superior não pode servir de paradigma à demanda destes autos. Explico.

Em primeiro lugar, os elementos dos autos não indicam que Fábio Michelon, irmão de Lucas, teria sido alçado apenas formalmente ao posto de Prefeito em exercício de Pinhal Grande.

Ao contrário. Fábio exerceu o cargo de vice-prefeito na gestão 2012-2016, cuja titularidade foi de Selmar Darigon, e os dois, aliás, reprisaram a parceria política na tentativa de reeleição, sem sucesso, para o quadriênio 2017-2020.

O segundo elemento é o prazo de duração da substituição, de 30 (trinta) dias, bem como a proximidade ao pleito – de 1º.9.16 a 30.9.16. Ora, inexiste prova, nos autos, a indicar que Fábio não tenha assentido em assumir como prefeito em exercício, e o razoável lapso temporal das atividades, bem como o fato de ocorrer às vésperas da eleição, são indicadores de que o ato foi pensado, consentido e, mais, articulado com vistas a alavancar a candidatura da chapa majoritária que ele próprio, Fábio, compunha.

De qualquer forma, o terceiro elemento de convicção vem com força inegável: houve, de parte de Fábio, a prática de ato de gestão no período de exercício da prefeitura. Lembro que, conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, o “ônus de demonstrar a substituição do titular do Executivo local pelo seu imediato substituto (Vice-Prefeito) incumbe à parte impugnante”, conforme o Agravo Regimental em Recurso Especial n. 338-26/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 18.6.2009.

E a prática de ato de gestão foi devidamente comprovada pela Coligação impugnante: constante à fl. 29 dos autos, há o termo de rescisão contratual referente ao contrato n. 018/2016, do Município de Pinhal Grande, cujo objeto versava sobre transporte de estudantes. O contrato foi rescindido após a informação, via ofício da Secretaria de Educação (fl. 28 dos autos), de disponibilidade de um veículo, de propriedade da prefeitura, para o aludido transporte.

Ao longo do documento, expondo motivo de excepcional interesse público, e considerando a supremacia da Administração Pública visando à necessidade de adequação de custos e racionamento de gastos […] para fazer frente as despesas ordinárias e assim honrar com os compromissos do exercício, o prefeito em exercício, Fábio, decidiu pela rescisão.

Portanto, entendo inviável seja trilhado um caminho decisório, de fundamentação, que não conclua pelo reconhecimento da causa de inelegibilidade constitucional de LUCAS MICHELON, com suporte no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, e pela cassação do respectivo diploma. Aqui, a análise minimalista está a confirmar a dicção constitucional, e não a ela se opor.

Dessa forma, concluo que a ocorrência de inelegibilidade superveniente é clara e, na linha do já indicado no parecer do d. Procurador Regional Eleitoral, deve ser aplicada objetivamente, conforme apontado em precedentes do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AGR MANEJADO EM 16.10.2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. (PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO - PMDB). INDEFERIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. VEREADOR. IRMÃO. PREFEITO CANDIDATO À REELEIÇÃO. INELEGIBILIDADE REFLEXA. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO PROVIMENTO. 1. Firme a jurisprudência deste Tribunal Superior de que a parte final do art. 14, § 7º, da CF/1988 constitui exceção à norma geral da cláusula de inelegibilidade, devendo ser aplicada de forma objetiva, independentemente das eventuais circunstâncias que envolvam o parentesco. 2. A união estável atrai a incidência da inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da CF/1988. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 20143, Acórdão de 10.11.2016, Relator(a) Min. ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 10.11.2016.) (grifado.)

 

 

Por suposto, uma série de razões de jaez metajurídico ainda poderiam ser elencadas: uma alegada inexistência de continuidade familiar no exercício dos cargos eletivos, pois o sentido da norma, no seu nascedouro, seria exatamente evitar a perpetuação de clãs, de oligarquias na ocupação dos cargos eletivos no país, o decantado “coronelismo” (vide, por todos, a obra “Coronelismo, Enxada e Voto – O município e o regime representativo no Brasil”, de Victor Nunes Leal).

Ocorre, todavia, que todo e qualquer argumento contextual, fático, para além do texto constitucional (reprisado, aliás, na Lei Complementar n. 64/90), não seria capaz de superar a clara, a cartesiana normatização posta. E excetuadas situações muito peculiares, como a ocorrente nos autos do citado RO n. 264-65.2014.6.20.0000, perante o TSE, é de se constatar que LUCAS MICHELON tem sobre si causa de inelegibilidade superveniente, bem como de se posicionar pela cassação de seu diploma de vereador do Município de Pinhal Grande.

Ainda, indico que a recente jurisprudência da Corte Superior Eleitoral é firme no sentido de que, cassado o mandato de vereador, os votos a ele conferidos devem permanecer integrando o total auferido pelo partido ou coligação por que tenha concorrido, para fins de cálculo do quociente eleitoral e assunção, à vaga, do suplente respectivo, como indica a ementa que segue:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATA CASSADA. CÔMPUTO DE VOTOS PARA A LEGENDA. ART. 175, § 4º, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.

1. Os votos obtidos por candidato, cujo registro encontrava-se deferido na data do pleito eleitoral, não são anulados, mas contados a favor da legenda pela qual o parlamentar posteriormente cassado se candidatou, por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral. (Precedentes: MS n° 1394-53/MS e MS n° 4787-96/CE).

2. A norma constante do art. 16-A, parágrafo único, da Lei n° 9.504/97, introduzido pela Lei n° 12.034/09, não afastou a aplicação do art. 175, § 4°, do Código Eleitoral, e sim inseriu na legislação eleitoral um entendimento que já havia sido adotado pela jurisprudência da Corte em julgados anteriores à vigência do referido dispositivo.

3. Agravo regimental desprovido.

O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

(Respe n. 749-18.2012.6.21.0094, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 74.918/RS. Acórdão de 29.4.2014. Relator Min. José Antônio Dias Toffoli. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 97, Data 27.5.2014, Página 70/71.)

 

E, a título de desfecho, saliento o teor do art. 216 do Código Eleitoral, o qual dispõe que enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO no sentido de reconhecer a ocorrência de inelegibilidade superveniente, prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, e CASSAR O DIPLOMA de LUCAS MICHELON, com suporte no mesmo dispositivo.