RE - 880 - Sessão: 07/03/2017 às 17:00

Des. Carlos Cini Marchionatti:

Uma das mais célebres obras da história da humanidade é o "Discurso do Método" de René Descartes, editada em Leida em 1637. O seu começo é magistral: "O bom senso é a coisa mas bem repartida deste mundo, porque cada um de nós pensa ser dele tão bem provido, que mesmo aqueles que são mais difíceis de se contentar com qualquer outra coisa não costumam desejar mais do que o têm. Não é verossímul que todos se enganem; ao contrário, isto mostra que o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se chama o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, assim, a diversidade de nossas opiniões não resulta de serem umas mais razoáveis do que outras, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por diversas vias, e de não considerarmos as mesmas coisas."

Pois o meu voto fundamenta-se no bom senso tal como o concebeu o grande filósofo, na origem igual a todos os homens e sem presumir que o meu possa ser melhor ou mais perfeito, assim deve trazer consigo mérito como pode trazer imperfeições inerentes ao homem.

Assim também justifico meu voto que (a) reafirma a Resolução do TRE 282 e não acolhe o parecer do ilustrado Procurador da República, e que (b) concorda e diverge do voto do relator, concorda na proporção mais expressiva, que indefere o recurso e reafirma o indeferimento da impugnação, e diferencia-se no que provê parcialmente o recurso quanto ao indeferimento de três das transferências admitidas no juízo.

A primeira observação que faço é que o partido recorrente detém legitimidade formal, mas gostaria que detivesse também legitimidade moral e razão para a impugnação e para o recurso. Foi o partido em que se originou e cuja candidatura impugnada proporciona a eleição suplementar. Protagonista desta situação, busca invalidar a eleição suplementar caso não receba o maior número de votos. 

Como Juiz devo cumprir a lei, e a cumpro, como Juiz posso também expressar a minha opinião, de que a eleição suplementar não devia realizar-se. Os eleitores estavam conscientes do voto em candidato cuja candidatura estava impugnada. Invalidada a votação, deveria prevalecer a votação do segundo candidatado mais votado desde logo, a ser diplomado e empossado. Em apoio a minha opinião, relembro o sistema eleitoral vigente na nação mais poderosa do mundo e o método segundo o qual se definiu a eleição Bush e Al Gore. Os custos ao erário, com relação aos quais também se deveria exigir ressarcimento, assim como o número sem fim de atividades e até mesmo os riscos inerentes a um novo procedimento eleitoral, tudo está a indicar que se deve prestigiar a eleição, não o seu suplemento. 

Diferente disso, o partido se persuade e se legitima para investir de encontro à resolução, quando devia se autocriticar, e a lei branda assim o permite quando devia exigir e impor.

Diante da necessidade de nova eleição, pode-se pensar qual há de ser o sentimento do eleitorado sobre o qual recai o dever cívico de votar novamente. Depende de cada um, proporção pode gostar, proporção pode não gostar, é impossível reconstituir ou contar, mesmo que se possa presumir a existência de sentimentos afins e que poderão influenciar na eleição.

Com exatidão jurídica ou de encontro à lei, a resolução discutida permitiu a transferência. É o que prevalece. Eleitores e partidos submetem-se à resolução. Nas demais zonas eleitorais e municípios com eleições suplementares, ocorreram transferências em maior ou menor número. Em todos ocorreram transferências conforme se justificassem. Apenas em São Vendelino se impugna por meio do partido que, tendo feito mais votos, promoveu registro de candidato que não podia concorrer.

A resolução deixou de ser impugnada no prazo e diretamente para ser impugnado incidentalmente, após a publicação da lista das transferências e sob a evidente perspectiva de que os votos não serão favoráveis, do contrário não seriam impugnadas.

A lista de transferências foi disponibilizada aos partidos concorrentes. Não posso me convencer que um só dos partidos promoveu transferências. Não é o que de comum ocorre, por maioria de razão em uma eleição suplementar em que se permitiu a transferência. O que está provado é que o partido impugnante e recorrente, à vista da lista e das impugnações, tem interesse nas impugnações.

Contemporaneamente a Corregedoria Regional da Justiça Eleitoral fez inspeção na Zona Eleitoral de Feliz, inspeção de rotina, previamente designada por mim e marcada no calendário interno, e sei que o dedicado serviço cartorário promoveu diligências e averiguou a correção das transferências, assim como houve casos sem transferências que não geram estatística cartorária.

No âmbito do serviço cartorário, até o despacho judicial procedeu-se como sempre se procede, do que se presume a justificação das transferências.

O que importa é o que determina e regula a lei eleitoral, e sabe-se que o domicílio eleitoral é mais amplo do que o civil, cujo vínculo é bem mais restrito para defini-lo, ao contrário do domicílio eleitoral, cujas possibilidades se ampliam. Desde que as transferências tenham sido deferidas com base na legislação eleitoral, como se justificou no juízo, prefiro a reafirmação do procedimento à sua revogação.

As três transferências impugnadas no criterioso voto do Desembargador Relator dizem respeito à ausência de melhor vínculo do eleitor com São Vendelino. Busquei informar-me. Moram no território de Carlos Barbosa, mas a água que consomem advém de São Vendelino, por convênio entre os municípios. Deixemos o eleitor escolher. Se optar por São Vendelino, tem toda a razão em fazê-lo, são os serviços municipais afetos à água que fornecem a água ao eleitor e aos seus familiares. É impossível viver sem beber, para não dizer o trivial de que a água é essencial.

Na dúvida, que não tenho, prevaleceria a livre vontade do eleitor.

E, se o eleitor se deixou levar pela conversa ou pelo interesse de alguém, que não creio, está na hora do eleitor aprender: enquanto não tiver conduta de cidadão correto e exemplar, perde a legitimidade e o poder de promover e reivindicar o bem comum do município, do estado, da União.

Que se proceda à eleição em São Vendelino com as transferências feitas e deferidas e que Deus ilumine o eleitorado na escolha do candidato que melhor atenda ao bem comum dos munícipes.

Quem ganha ou perde eleição é o eleitor, candidato obtém mais ou menos voto.

Em conclusão, VOTO pela total improcedência do recurso, assim como considero que não se justifica ao Tribunal Eleitoral adoção de qualquer outra providência.