RE - 59170 - Sessão: 06/06/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto em face da sentença de fls. 203-207, proferida pela Juíza da 110ª Zona Eleitoral, Dra. Cristiane Elizabeth Stefanello Scherer, que julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta pela COLIGAÇÃO SOU MAIS TRAMANDAÍ (PP-PDT-PRB-SD-PT-DEM-PTB) em face de CÉSAR LUIS SILVA DOS SANTOS, eleito vereador nas eleições de 2016 pela COLIGAÇÃOUNIDOS POR TRAMANDAÍ (PMDB-PSDB-PSD).

A magistrada reconheceu a prática de captação ilícita de sufrágio em razão das condutas perpetradas pelo candidato e por Thays Rodrigues de Araújo, coordenadora da campanha, consistentes no uso da estrutura da área de saúde do município para realização de divulgação da candidatura e na coação de servidores terceirizados do município para obter voto, impondo-lhe a cassação do diploma, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

O candidato, em suas razões recursais (fls. 214-225), sustentou que, durante os muitos anos em que ocupou cargos em comissão na Secretaria da Saúde do Município de Tramandaí, construiu uma imagem perante a comunidade com base no bom trabalho desempenhado. Afirma que seu comparecimento aos órgãos de saúde se deu em razão das relações de amizade construídas e que sua presença em tais locais não pode ser tomada como campanha eleitoral, ou que estivesse lá para coagir pessoas. Acrescenta que não poderia ser proibido de frequentar o local em que trabalhou por muitos anos apenas por não ter mais vínculo de emprego, e que compareceu a evento na qualidade de cidadão, e não de autoridade. Aduz que as fotos juntadas aos autos apenas demonstram a presença do recorrente nas unidades de saúde e que as declarações constantes dos autos foram feitas por cabos eleitorais da coligação adversária, que claramente possuíam interesse na ação. Também menciona que as testemunhas estariam sendo ameaçadas pela coligação adversária. Alega que nunca coagiu os empregados dos postos de saúde ou fez pedido de voto. Assevera que não praticou qualquer ato que pudesse configurar abuso de poder. Argumenta que as testemunhas foram arroladas e as provas foram juntadas intempestivamente, o que acarretaria sua nulidade. Argui que “não há nos autos qualquer comprovação de que este tenha consentido ou mesmo que sabia que alguém estava coagindo, ameaçando ou oferecendo algo em troca de votos. Mesmo por que tais fatos nunca ocorreram”. Requer o recebimento e provimento do recurso para reformar a decisão, julgando improcedente a ação de investigação judicial eleitoral.

Em contrarrazões (fls. 234-244), a coligação afirma a existência de provas suficientes da conduta nos autos e requer a manutenção da sentença.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral se manifestou pelo desprovimento dos recursos (fls. 249-253v.).

É o relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente, eminentes colegas:

 

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

 

1.2. Do pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso

O recorrente postula a concessão de efeito suspensivo ao presente apelo.

Na seara eleitoral, com o advento da Lei n. 13.165/15, a sistemática recursal foi alterada de modo a conferir efeito suspensivo automático aos recursos eleitorais ordinários interpostos contra sentenças proferidas por juízes eleitorais que resultem em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato.

Por consequência, os efeitos da sentença somente se operam com o esgotamento das instâncias ordinárias, nos termos do art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, parágrafo este incluído pela reforma legislativa. Verbis:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

§ 1º A execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão. (Redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 3º O Tribunal dará preferência ao recurso sobre quaisquer outros processos, ressalvados os de habeas corpus e de mandado de segurança. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) (Grifei.)

E, nesse sentido, o TSE já manifestou entendimento, conforme depreende-se da fundamentação exarada no ED-REspe n. 139-25.2016.6.21.0154/RS, mais precisamente do seguinte trecho:

[...] Pela redação original do Código Eleitoral, os recursos eleitorais eram desprovidos de efeito suspensivo. A execução imediata das sentenças eleitorais sempre foi característica do Direito Eleitoral.

A partir da edição da Lei 13.165/2015, esse paradigma foi quebrado, reconhecendo-se efeito suspensivo automático aos recursos eleitorais interpostos para as instâncias ordinárias, conforme o novo § 2º acrescido ao art. 257 do Código Eleitoral.

Nas eleições municipais, esse novo dispositivo está em consonância com o art. 15 da Lei Complementar 64/90, que impõe, a partir da manifestação de órgão colegiado, a aplicabilidade imediata do reconhecimento da inelegibilidade. [...] (Grifei.)

De igual modo:

AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO. EFEITO SUSPENSIVO. MINIRREFORMA ELEITORAL. INCLUSÃO. ART. 257, § 2º, DO CE. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INADMITIDO. INTEMPESTIVIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Nos termos do art. 257, § 2º, do CE, incluído pela Lei nº 13.165/2015, somente o recurso ordinário que resulte cassação ou perda de mandato será recebido com efeito suspensivo, regra inaplicável aos recursos de natureza extraordinária, sobretudo, no caso, em que o apelo nobre foi reputado intempestivo.

2. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Extraordinário em Recurso Especial Eleitoral n. 73982, Acórdão de 02.02.2016, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 45, Data 07.3.2016, Página 50.) (Grifei.)

No caso sob exame, de fato a juíza de primeiro grau cassou o diploma do réu e determinou que a decisão fosse comunicada à Câmara Municipal de Tramandaí para “as providências legais pertinentes”. Ainda, no despacho da fl. 232, a magistrada consignou que é de competência deste Tribunal conferir o efeito suspensivo ao apelo.

Tal circunstância inclusive foi objeto do Mandado de Segurança n. 060009-26.2017.6.21.0000, a mim distribuído, tendo esta Corte decidido por conceder a segurança, a fim de que fosse atribuído efeito suspensivo ao presente recurso eleitoral interposto pelo impetrante na AIJE n. 591-70.2016.6.21.0110.

Desse modo, entendo superada esta questão, visto que este Tribunal já conferiu o efeito suspensivo ao apelo.

 

1.3. Preliminar de nulidade dos atos, documentos e depoimentos

Examino, nesse passo, a alegação de nulidade dos atos, documentos e depoimentos supostamente intempestivos.

Sobre o ponto, assim foi consignado na sentença (fls. 203v):

Rechaço, de plano, a preliminar de nulidade pela juntada de documentos, rol de testemunhas e tomada do depoimento pessoal do representado, pois, presentes os representados e seus procuradores na audiência referida (fl. 44), nenhuma impugnação teceram, pelo que, preclusa.

Acresço os argumentos já declinados à fl. 113.

 

A representação submetida a esta Corte mediante recurso foi proposta pela Coligação Sou Mais Tramandaí (PP-PDT-PRB-SD-PT-DEM-PTB) contra César Luis Silva dos Santos. Anoto que o Ministério Público Eleitoral, atuando como fiscal da lei, requereu a reabertura da instrução e a designação de audiência (fl. 41 e verso).

Em caso semelhante, este Tribunal já teve oportunidade de examinar tal situação e fixou que não ocorreria nulidade, excepcionalmente, na não observância do rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Assim constou da ementa:

Recurso. Arrecadação e gastos ilícitos de recursos para a campanha eleitoral. Art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Eleições 2012.

Procedência da representação no juízo originário. Cassação dos diplomas.

Preliminares rejeitadas: 1. Assegurado o contraditório e a ampla defesa, pois oportunizada manifestação das partes, após a reabertura da instrução probatória requerida pelo “Parquet”. Nulidade da sentença não configurada. 2. Licitude das provas juntadas ao processo pelo órgão ministerial. Exercício das atribuições constitucionais conferidas ao Ministério Público Eleitoral. 3. Possibilidade de juntada de documentos em sede de recurso, conforme ' caput ' do art. 266 do Código Eleitoral.

Comprovada a captação e os gastos ilícitos de recursos, mediante despesas excessivas com recursos não identificados, nem contabilizados, referentes ao financiamento da campanha eleitoral. Despesas com locação de veículos, combustível e refeições omitidas na prestação de contas dos candidatos. Eleição decidida, de forma ilícita pelos representados, por pequena diferença de votos. Condutas graves, influenciadoras da normalidade do pleito.

Manutenção da sentença. Cassação dos diplomas do prefeito e vice-prefeito. Realização de novas eleições.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 184, Acórdão de 20.01.2014, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Relator designado DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 11, Data 22.01.2014, Página 2) (Grifei.)

Da mesma maneira, vem o Tribunal Superior Eleitoral entendendo pela preponderância do direito à produção da prova no confronto com o rigorismo do rito processual. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. DEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS. OITIVA DE TESTEMUNHAS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS. PERÍCIA CONTÁBIL. ALEGAÇÕES DE INOBSERVÂNCIA DA PRECLUSÃO PARA MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR COM VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL NÃO DEMONSTRADAS. ANÁLISE AMPLA DA PROVA A SE REALIZAR NO MOMENTO DO JULGAMENTO. TRAMITAÇÃO REGULAR DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INSTRUÇÃO PROCESSUAL A CARGO DO RELATOR. PREVISÃO LEGAL. AGRAVO NÃO CONHECIDO.

É firme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral quanto à irrecorribilidade das decisões interlocutórias em sede de ação de investigação judicial eleitoral.

Na fase instrutória recomenda-se seja garantido o direito à produção da prova (cujo conteúdo ainda não é suficientemente conhecido para ser fundamentadamente desprezado) e não seu cerceamento.

O procedimento aplicado, conforme dispõe o art. 22, incisos VI a IX e art. 23 da LC nº 64/90, possibilita ampla garantia da produção da prova, tudo a verificar a ocorrência, não só dos fatos, mas também das circunstâncias em que se deram, e que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Agravo regimental não conhecido.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 194358, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza Rocha De Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 164, Data 25.8.2016, Página 36) (Grifei.)

Por estes argumentos, rejeito a alegação de nulidade.

 

Mérito

A inicial imputa ao candidato eleito César Luis Silva dos Santos o cometimento de abuso de autoridade e captação ilícita de sufrágio, mediante coação e ameaça a servidores e campanha em repartições públicas.

Na peça exordial os autores narram que o réu, também conhecido como César da Saúde, teria utilizado o poder dos cargos que ocupava anteriormente à ocorrência dos fatos, Assessor e Secretário da Saúde do Município de Tramandaí, para, na condição de candidato a vereador daquela localidade, intimidar os funcionários temporários da Secretaria e dos Postos de Saúde daquela cidade para que nele votassem, sob o argumento de que, caso assim não procedessem, perderiam seus empregos. Tal coação teria se dado ainda com o apoio de Thays Rodrigues de Araújo, que ocupava posição de superioridade hierárquica na FUTURA, empresa terceirizada que gerenciava os contratos de empregados temporários da área da saúde do município, e era, ao mesmo tempo, coordenadora de campanha do réu.

A sentença (fl. 206 e verso) reconheceu a existência de ambas as condutas: realização de campanha em repartições públicas e coação a servidores. Vejamos:

A captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição).

Ainda, trata-se de infração formal, bastando que ato praticado tenha a finalidade de obtenção de voto, pouco importando o resultado efetivo, ou seja, a prova de que o eleitor tenha, de fato, votado no candidato.

Ressalto que o próprio representado César não contesta o fato de frequentava os Postos de Saúde, negando, obvio, a finalidade eleitoreira. Da mesma forma que não nega tenha participado de evento oficial e, nem poderia fazê-lo diante das fotografias juntadas aos autos.

Todavia, tem-se visto que no mais das vezes os candidatos tentam, de toda maneira, mascarar suas condutas, usando para tanto de terceira pessoa, a fim de evitar uma eventual punição.

Em razão disso, a verbalização da intenção de cooptação é dispensável. O mero assédio ao eleitor durante o período eleitoral sensível, mediante oferta de vantagem ou coação de causar mal injusto, basta para evidenciar o fim especial de agir.

Entendimento diverso implicaria no esvaziamento do ilícito, pois é notório que infrações desta estirpe, via de regra, são realizadas por cabo eleitoral, coordenador de campanha, parente ou correligionário do candidato, de modo a ocultar o real corruptor.

De acordo com a doutrina e a jurisprudência (TSE - Agravo Regimental em Recurso Ordinário n. 97917, julgado em 05/10/2010), uma vez praticada a conduta de captação ilícita de sufrágio, é inafastável a aplicação da pena de cassação do registro/diploma, não sendo sua imposição objeto de juízo de discricionariedade do julgador. Em resumo, em razão da gravidade do bem jurídico violado, necessariamente deverá ser aplicada cassação do registro ou diploma.

Dessa forma, tenho que a conduta típica perpetrada pelo representado César é inquestionável. Ainda, os depoimentos das testemunhas merecem credibilidade, pois indiscutível que o representado não só tinha conhecimento da conduta ilícita perpetrada pela sua coordenadora de campanha, Thays Rodrigues Araújo, como com ela consentia (Teoria do Domínio do Fato). (Grifei.)

Em seu recurso (fls. 214-225), o candidato sustenta que seu comparecimento aos órgãos de saúde se dava em razão das relações de amizade construídas e que sua presença em tais locais não poderia ser tomada como campanha eleitoral, ou que estivesse lá para coagir pessoas. Alega que não poderia ser proibido de frequentar o local em que trabalhou por muitos anos apenas por não ter mais vínculo de emprego, e que comparecia a evento na qualidade de cidadão, e não de autoridade. Acrescenta que as fotos juntadas aos autos apenas demonstram a presença do recorrente nas unidades de saúde e que as declarações constantes dos autos foram feitas por cabos eleitorais da coligação adversária, que claramente possuíam interesse na ação. Alega que nunca coagiu os empregados dos postos de saúde ou fez pedido de voto. Afirma que não praticou qualquer ato que pudesse configurar abuso de poder.

Como se percebe, todas essas teses se relacionam à imputação de realização de campanha em repartição pública ou ações próprias do candidato.

Na impugnação ao outro fundamento da sentença – obtenção de voto mediante coação de servidores da área da saúde supostamente perpetrada pela coordenadora da campanha –, que por si só e por sua gravidade é suficiente para manter a cassação do diploma, o recurso afirma que “não há nos autos qualquer comprovação de que este tenha consentido ou mesmo que sabia que alguém estava coagindo, ameaçando ou oferecendo algo em troca de votos. Mesmo por que, tais fatos nunca ocorreram”. Também menciona que as testemunhas estariam sendo ameaçadas pela coligação adversária.

Pois bem.

Adianto que a sentença analisou com extrema acuidade o conjunto probatório reunido aos autos, entendendo pela procedência da ação, razão pela qual resta imprescindível a subsistência da decisão condenatória em sua integralidade.

O conjunto probatório trazido na inicial é formado por fotografias do réu dentro do posto de saúde (fls. 07-10) e no ginásio de esportes do município (fl. 11), declaração de Joselaine Gomes de Oliveira (fl. 16) e cópia de carta do representado (fl. 17).

Tais documentos, se encarados de forma descontextualizada, não se mostram suficientes para formar um juízo pela caracterização dos fatos trazidos pelos autores.

Contudo, conforme consignado pela magistrada da 110ª Zona Eleitoral, ao citar o parecer do Ministério Público Eleitoral de piso, a prova testemunhal colhida na fase instrutória foi concludente, corroborando a narrativa da peça exordial. Cito a seguir conforme a sentença (fl. 204v.):

A testemunha Michele (fl. 131) confirma a ligação entre o réu César da Saúde e Thays da FUTURA, ou seja, de que realmente os dois estavam juntos na coordenação da campanha eleitoral. Neste mesmo depoimento, a testemunha afirma que era coagida a fazer campanha e votar no candidato, sob pena de demissão do serviço público, bem como mencionou que os colegas de profissão também estavam sendo pressionados, inclusive, detalhando que era pedido o número de seu título e o local da votação. Afirmou, ainda, que César tinha ingerência no seu local de trabalho e que tinha conhecimento de que uma colega sua de nome Samanta tinha sido despedida por questões políticas.

Juliana Martins (fl. 136), em que pese não ter conhecimento dos fatos, afirma que Thays era quem lhe contratou, por parte da FUTURA, para exercer a sua função dentro da Secretaria, bem como confirma que uma das coordenadoras de campanha do réu era ela. Também, embora não tenha certeza, em resposta a pergunta do Ministério Público afirma que achava que o candidato estava com propaganda política identificando ele dentro da repartição pública.

Bianca Santos (fl. 140) afirmou, categoricamente, que Thays era coordenadora de campanha de César e chefe dela, sendo que ela determinava que fossem na campanha do réu, dando a entender que se não obedecessem estariam demitidos. Narra situações, de forma detalhada, em que houve clara coação por parte da coordenadora de campanha do réu, bem como confirmou o fato da exigência do título de eleitor para que pudessem monitorar a sua votação. Narra também a versão de que sua colega Samanta teria sido despedida por causa desta coação política.

No mesmo sentido, foi o depoimento de Joselaine Gomes (fl. 148). Ela declara que o réu fazia propaganda pessoal política dentro da repartição pública, distribuindo, inclusive, material de sua campanha em uma das salas do posto de saúde.

A testemunha Samanta (fls. 156 e 157) confirmou que foi despedida em virtude de não querer se filiar ao partido para que apoiassem César a ser candidato a vereador. Acrescentou que Thays a coagia no sentido de que, se não apoiasse Cesar, ela seria demitida, o que de fato veio a ocorrer.

Os testemunhos foram convergentes ao afirmar que Thays coordenava a campanha eleitoral do réu. De igual modo, dos depoimentos restou claro que Thays ocupava posição de superioridade hierárquica na FUTURA, empresa terceirizada que gerenciava os contratos de empregados temporários da área da saúde do município. Esta circunstância permitia que pressionasse e, porventura, demitisse aqueles que não participassem das ações de campanha.

Das referidas deposições também se pode colher que César, apesar de exonerado do cargo de chefia que ocupava na Secretaria da Saúde, ainda fazia-se presente no Posto de Saúde, atuando em conjunto com Thays.

Relevante também evidenciar o depoimento da testemunha Samanta (fls. 156 e 159) que afirmou ter sido despedida por não apoiar César e relatou que tal situação já era esperada, pois Thays a coagia, ameaçando de que seria demitida caso não apoiasse a candidatura do réu.

Consequentemente, restou sobejamente demonstrada, pela via testemunhal, o fato de que os funcionários do Posto de Saúde foram coagidos e sentiam-se constrangidos a participar da campanha eleitoral do réu. Situação que culminou com a demissão de uma das servidoras, como ápice da concretização das ameaças.

Assim agindo, têm-se que o réu praticou a conduta coercitiva prevista no § 2º do art. 41-A, da Lei 9.504/97. Vejamos:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º  Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º  As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º  A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º  O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) (Grifei.)

 

Desse modo, frente à prova testemunhal, adquirem maior relevância as imagens já trazidas aos autos com a inicial, nas quais se pode perfeitamente divisar a figura do réu transitando com desenvoltura pelas dependências do Posto de Saúde, concluindo-se pelo evidente intuito de, com sua presença, pressionar os que ali trabalhavam e vincular sua imagem àquele órgão frente aos pacientes que ali procuravam atendimento.

E sob essa perspectiva, adquire relevância o apontamento realizado pelo ente ministerial da origem, ao assim concluir (fls. 200v.-201):

Tal conclusão é mais óbvia ainda sabendo-se que, por muitos anos, o réu detinha o poder de mando sob àqueles funcionários, inclusive, sendo Secretário de Saúde do Município.

Nota-se que o réu fazia-se presente em vários locais dentro daquela repartição pública e, analisando-se a fotografia da fl. 10 (foto 4), denota-se que ele estava adesivado, com sua imagem de candidato a vereador, junto a sua camisa.

Da mesma forma, analisando-se a foto 5 (fl. 11), fica escancarado que a presença do réu em evento público no local das autoridades em plena campanha eleitoral era para, mais uma vez, utilizar-se de seu anterior cargo de Secretário para arrecadar votos.

O próprio réu, quando ouvido em juízo, não negou que visitava os Postos de Saúde durante a sua campanha eleitoral.

Ora, francamente, uma pessoa que, por mais de dez anos, exerceu o cargo de comando junto aos Postos de Saúde, visitava-os, em plena campanha, devidamente adesivado, deixando carta pessoal aos colegas esclarecendo os motivos de sua candidatura e, principalmente, acompanhado da pessoa responsável por demitir justamente os servidores que ali exercem a sua função pública, é óbvio que estaria ali para fins de promoção pessoal, bem como a coagir as pessoas a aderirem a sua campanha política. Tal conclusão fica mais cristalina no momento em que as testemunhas, acima indicadas, prestaram os seus depoimentos.

A visão que se tinha das fotografias passa de uma mera suspeita para comprovação de que o réu valeu-se de seu cargo, do seu comando, para vencer as eleições municipais ao cargo de vereador.

É flagrante o desequilíbrio em relação aos outros candidatos.

Desse modo, considero que o conjunto probatório coligido aos autos afasta a suposta dúvida suscitada pela defesa do recorrente sobre a materialidade dos fatos, pois os testemunhos colhidos são coerentes, convergentes e corroboram as demais provas trazidas aos autos.

Cabe registrar, ainda, que o próprio réu não negou que as imagens fossem durante o período eleitoral e não negou que costumava visitar tal repartição em períodos de campanha, restando ausente, portanto, qualquer dúvida sobre a veracidade do conteúdo probatório.

Desse modo, vejo como de extrema correção o entendimento da juíza de primeiro grau, ao concluir pela configuração da conduta típica realizada pelo candidato.

Consinto, de igual forma, com a conclusão da magistrada (fl. 206v.), ao consignar que “os depoimentos das testemunhas merecem credibilidade, pois indiscutível que o representado não só tinha conhecimento da conduta ilícita perpetrada pela sua coordenadora de campanha, Thays Rodrigues Araújo, como com ela consentia (Teoria do Domínio do Fato)”.

Por fim, cabe ressaltar que as condutas perpetradas pelo réu lhe trouxeram evidente vantagem em relação aos demais candidatos que com ele disputavam uma das vagas de vereador do Município de Tramandaí, configurando inequívoca transgressão ao princípio da paridade de armas, garantidor de uma disputa eleitoral paritária.

Portanto, concluo que a sentença analisou com extrema acuidade o conjunto probatório reunido aos autos, reconhecendo a prática de captação ilícita de sufrágio por César Luis Silva dos Santos e, consequentemente, julgando procedente a ação, cassando-lhe o diploma de vereador, motivo pelo qual compreendo restar imprescindível a subsistência da decisão em sua integralidade.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, determinando as seguintes providências:

a) por força do disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, os votos conferidos ao recorrente CÉSAR LUIS SILVA DOS SANTOS devem ser computados para a legenda pela qual concorreu (Coligação Unidos por Tramandaí PMDB-PSDB-PSD), devendo ser empossado o primeiro suplente da coligação.

b) Após transcorrido o prazo para embargos de declaração ou julgados os aclaratórios eventualmente opostos, comunique-se a Zona Eleitoral para cumprimento do acórdão. 

É como voto, Senhor Presidente.