RE - 72451 - Sessão: 25/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

NELSON MARCHEZAN JÚNIOR interpõe recurso (fls. 150-156) contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 1ª Zona de Porto Alegre (fls. 145-146) que julgou improcedente representação ajuizada em face de SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO, JULIANA BRIZOLA e da COLIGAÇÃO ABRAÇANDO PORTO ALEGRE (PMDB – PDT – PHS – PROS – PTN – PRTB – PRB – PSDC – PPS – PSB – PSD – DEM – REDE – PEN), por entender não caracterizado o uso de bem ou serviço público com finalidade eleitoral durante as eleições de 2016, nos moldes em que vedado aos agentes públicos pelo art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais, os recorrentes sustentam que a utilização de veículo identificado com símbolos oficiais da Prefeitura de Porto Alegre e da EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), estacionado em vaga de uso exclusivo do Poder Público Municipal, para a veiculação de propaganda em favor da candidatura dos recorridos Sebastião Melo e Juliana Brizola, caracterizou a prática de conduta vedada. Por esse motivo, buscam a procedência da representação a fim de que os recorridos sejam condenados ao pagamento de multa, prevista no § 4º do art. 73 da Lei das Eleições.

Com contrarrazões (fls. 161-163), os autos foram com vista, nesta instância, à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 170-174v.).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo, tendo sido interposto dentro do prazo de três dias após a publicação da sentença no DEJERS, conforme estabelece o art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97 (fls. 148-150), assim como se fazem presentes os demais pressupostos de admissibilidade.

No presente recurso, NELSON MARCHEZAN JUNIOR insurge-se contra decisão da Juíza Eleitoral da 1ª Zona de Porto Alegre que julgou improcedente representação por conduta vedada, ajuizada em face de SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO, JULIANA BRIZOLA e a COLIGAÇÃO ABRAÇANDO PORTO ALEGRE, com fundamento no art. 73, incs. I e II, da Lei das Eleições.

Na inicial da ação, o recorrente relatou que o automóvel placa KHR 4919, identificado com os símbolos oficiais da Prefeitura de Porto Alegre e da EPTC em seu vidro dianteiro, estava estacionado em local público (em frente ao Mercado Público e ao lado da Prefeitura do município), com bandeira alusiva à candidatura dos recorridos aos cargos majoritários nas eleições de 2016 (fls. 05-07).

Como, à época, o candidato Sebastião Melo desempenhava, também, o cargo de Vice-Prefeito de Porto Alegre, a propaganda em veículo oficial teria vinculado diretamente a imagem dos recorridos ao poder público municipal e, com isso, causado nítido prejuízo à igualdade de oportunidades entre os concorrentes ao pleito.

Após a manifestação e documentos juntados pela defesa (fls. 20-114) e pelo Ministério Público Eleitoral de piso, que em diligente atuação trouxe aos autos o espelho de consulta do veículo (fls. 116-117v.), comprovou-se ser o mesmo pertencente a “Paulo Roberto Bueno Rogoski”, e não ao ente público.

Diante desse elemento probatório, ao oferecer alegações finais, o recorrente reformulou a causa de pedir da ação, passando a defender que, independentemente da natureza do veículo (pública ou particular), a conduta vedada consistiria no uso, para fins eleitorais, de vaga de estacionamento destinada exclusivamente à Prefeitura de Porto Alegre (fls. 120-124).

Noto, nesse ponto, que o representante não indicou o agente público que teria sido diretamente responsável pela utilização do veículo – de início, indicado como bem público – ou pela vaga de estacionamento, para que compusesse o polo passivo da ação.

A despeito disso, dentro da estrutura hierárquica da Administração Pública, os chefes do poder executivo municipal possuem responsabilidade pelas autorizações expressas ou tácitas que concedem no exercício das suas atribuições e pelos atos praticados em decorrência de delegação dos poderes nos quais são investidos, tendo o dever de fiscalizar a atuação dos seus subordinados.  Sebastião Melo figura, assim, no polo passivo da presente demanda na condição de agente público responsável pelo ilícito eleitoral e de candidato beneficiário do ato.

Além disso, o representante nitidamente alterou a causa de pedir da ação quando do oferecimento das alegações finais, o que somente poderia ser admitido, independentemente do consentimento do réu, até a sua citação (art. 329, inc. I, do CPC).

Em sua defesa, os representados, ainda que indiretamente (fls. 20-23), já haviam rebatido o pedido também sob o fundamento introduzido nas alegações finais, em argumentação que foi retomada nas contrarrazões ao recurso interposto (fls. 161-163).

Logo, preservados os princípios do contraditório e da ampla defesa, e tendo em conta que, por ambos os fundamentos invocados pelo recorrente, a pretensão de reforma da sentença não merece ser acolhida, inexiste óbice ao conhecimento da causa de pedir em toda a sua extensão por este Tribunal.

O art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97 veda, aos agentes públicos, a cessão ou uso, em benefício de candidato, partido político ou coligação, de bens móveis ou imóveis pertencentes aos Poderes Públicos, ressalvando, apenas, a possibilidade de neles serem realizadas convenções partidárias.

A vedação dirigida aos agentes públicos constante nesse inciso abarca os bens de natureza pública, elemento nuclear da norma restritiva. Como leciona José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, 12ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 2016, pp. 745-746):

A restrição de cessão e uso veiculada no artigo 73, I, da LE atinge somente os bens empregados na realização de serviços públicos, isto é, os de uso especial, dominicais e por afetação. É que são empregados pela Administração Pública para o cumprimento de seus misteres. (…) Por óbvio, a cessão ou o uso de tais bens em campanha eleitoral política podem comprometer a realização do serviço a que se encontram ligados, além de a eles vincular a imagem do candidato ou da agremiação, o que carrearia a este evidente benefício em detrimento do equilíbrio do certame.

 

No inc. II, a proibição engloba materiais e serviços custeados pelo Governo ou Casas Legislativas, sempre que o seu uso exceda as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram, sendo pressuposto à configuração da conduta vedada prevista nesse dispositivo o custeio do material ou serviço pelo erário e o desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos.

A propaganda impugnada nos autos foi afixada em veículo particular (Renault/Scénic, placa KHR4919), de propriedade de Paulo Roberto Bueno Rogoski (fl. 117), não se tratando de bem do Poder Público ou material ou serviço por ele custeado, que tenha sido utilizado em desconformidade com a sua finalidade, tendente a atrair a incidência dos incs. I e II do art. 73 da Lei das Eleições.

Como apontado pelo Procurador Regional Eleitoral, da conjugação dos arts. 37 e 38 da Lei n. 9.504/97 não se extrai regra proibitiva da veiculação de propaganda eleitoral em veículos particulares, ainda que estejam estacionados em locais reservados a órgão público, desde que observadas as prescrições legais, as quais são alheias ao objeto da presente demanda (fls. 172-173).

Este Tribunal já enfrentou a temática em julgado cuja ementa colaciono a seguir:

Recurso. Propaganda eleitoral. Bem Público. Suposta violação ao art. 37 da Lei nº 9.504/97. Eleições 2012. Improcedência da representação no juízo originário.

Não afronta a legislação eleitoral o estacionamento de veículos particulares – com adesivos de propaganda eleitoral – nas vagas reservadas para carros oficiais da Prefeitura.

Bens de propriedade particular independem de licença municipal, necessitando somente de autorização do seu proprietário, para conter propaganda eleitoral. Provimento negado.

(TRE-RS, RE n. 197-55, Relator Dr. Artur dos Santos e Almeida, julgado na sessão de 08.11.2012.) Grifei.

 

O fato de o automóvel estar identificado com os símbolos oficiais da Prefeitura e da EPTC em nada altera a sua natureza privada. A identificação constitui mero mecanismo de controle de acesso dos veículos previamente autorizados a estacionar na área exclusiva da Prefeitura, como demonstram os documentos e as fotografias juntados nas fls. 28-32.

Ressalto que a propaganda foi afixada no automóvel de propriedade particular, e não no espaço de estacionamento destinado à Prefeitura. A prevalecer a tese do recorrente, a veiculação de propaganda eleitoral em veículos privados impediria que seus proprietários os estacionassem em vias ou locais públicos, de uso comum de todos os cidadãos, em estacionamentos privados de acesso à comunidade (considerados de uso comum para fins eleitorais) ou, ainda, nos estacionamentos dos próprios órgãos públicos.

O intento do legislador, por óbvio, não foi esse, pois interpretação restritiva nesse sentido conduziria a uma indevida limitação aos direitos de liberdade de pensamento e de expressão, tutelados pela Constituição Federal (art. 5º, incs. IV e IX) e imprescindíveis, em um regime democrático, à formação e manifestação da vontade do eleitor.

Cito, exemplificativamente, as seguintes decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais de São Paulo e de Santa Catarina, afastando a caracterização de conduta vedada em casos semelhantes ao dos autos:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONDUTA VEDADA. PROPAGANDA ELEITORAL. VEÍCULOS PLOTADOS. ESTACIONAMENTO EM ÓRGÃO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE BENS E IMÓVEIS PÚBLICOS EM BENEFÍCIO DE CAMPANHA ELEITORAL. ARTIGOS 73, I, DA LEI 9.504/1997, 10 E 50, I, DA RESOLUÇÃO 23.370/2011 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES. ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDIDA.

NÃO HÁ NORMA QUE PROÍBA A AFIXAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL EM VEÍCULOS PARTICULARES E NEM TAMPOUCO O ESTACIONAMENTO DESTES, QUANDO NECESSÁRIO, EM PRÉDIOS NOS QUAIS FUNCIONEM ÓRGÃOS PÚBLICOS.

NÃO CARACTERIZAÇÃO DAS CONDUTAS VEDADAS PELOS ARTIGOS 73, I, E 37 DA LEI 9.504/1997, ASSIM COMO 10 E 50, I, DA RESOLUÇÃO 23.370/2011 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.

ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDIDA.

(TRE-SP, MS 50287, Relator JOSÉ ANTONIO ENCINAS MANFRÉ, DJESP de 08.10.2012.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2012 - RECURSO - REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA (ART. 37 E 73 DA LEI N. 9.504/97)- ESTACIONAMENTO DE CARROS ADESIVADOS DEFRONTE PRÉDIOS PÚBLICOS - NÃO RECONHECIMENTO DO ABUSO OU DE CONDUTA VEDADA - RECONHECIMENTO DALITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, DE OFÍCIO, (ART. 18, CPC) PELO AJUIZAMENTO DE AÇÃO E RECURSO TEMERÁRIOS (ART. 17, III, CPC)- APLICAÇÃO DE MULTA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO.

A mera existência de uma ação judicial, cujo fim pode levar à cassação do registro de uma candidatura e multa, tem efeitos externos aos autos do processo, influindo, muita vezes de forma decisiva, na própria normalidade das eleições (art. 14, §9º, CF/88), o que merece reprimenda firme, com o fito de evitar a indesejada emulação dos candidatos pela via jurisdicional.

(TRE-SC, RE n. 18845, Relator MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA, DJE de 30.11.2012, p. 15.) Grifei.

 

Ademais, as vagas de estacionamento destinadas à Prefeitura estão localizadas em via pública (bem de uso comum do povo), cujo acesso foi restringido, por meio do órgão de trânsito competente, a veículos autorizados pela Administração, a fim de facilitar a realização das suas atividades, inexistindo indícios de que tenham sido beneficiados unicamente os recorridos ou pessoas envolvidas em sua campanha eleitoral, afetando a regularidade e legitimidade do pleito.

Além disso, segundo a jurisprudência do TSE, o mero uso ou cessão de bem público de uso comum não constitui hipótese de incidência do art. 73, incs. I e II, da Lei das Eleições, conforme se depreende dos seguintes arestos:

 

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE FOTOGRAFIA PRODUZIDA POR SERVIDOR PÚBLICO EM SÍTIO ELETRÔNICO DE CAMPANHA. BEM DE USO COMUM OU DO DOMÍNIO PÚBLICO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Mera utilização de fotografias que se encontram disponíveis a todos em sítio eletrônico oficial, sem exigência de contraprestação, inclusive para aqueles que tiram proveito comercial (jornais, revistas, blogs, etc), é conduta que não se ajusta às hipóteses descritas nos incisos I, II e III, do art. 73 da Lei das Eleições.

2. Representação que se julga improcedente.

(TSE, RP n. 84453/DF, Relator Min. ADMAR GONZAGA NETO, DJE de 01.10.2014, p. 29.) Grifei.

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. MATÉRIA FÁTICA. ABORDAGEM. RELATÓRIO. PREMISSA FÁTICA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SÚM. 7/STJ. FATOS. NÃO DELINEAMENTO. REDISCUSSÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚM.7/STJ. DECISÃO AGRAVADA. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. FUNDAMENTO NÃO INFIRMADO. SÚM. 182/STJ. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, DA LEI 9.504/97. BEM DE USO COMUM DO POVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.

1. A abordagem de matéria fática no relatório do v. acórdão recorrido apenas como alegação da parte não constituiu premissa fática adotada pelo e. Tribunal a quo. Precedente. Na espécie, a c. Corte Regional concluiu que a AIJE cumula conduta vedada, captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico e de autoridade, aplicando, em consequência, o prazo recursal de 3 dias. Alterar este entendimento demandaria incursão na seara fático-probatória, providência vedada na instância especial, nos termos das Súmulas nºs 7/STJ e 279/STF.

2. Fatos não delineados no v. acórdão recorrido não podem ser rediscutidos na instância especial. In casu, inviável a modificação do julgado com base em fatos relativos à entrega e publicação da sentença que não estão na base fática do v. aresto impugnado, a teor da Súmula nº 7 do STJ.

3. O agravo regimental não pode constituir mera reiteração das razões do recurso ao qual se negou seguimento. O agravante deve infirmar os fundamentos da decisão agravada, sob pena de subsistirem suas conclusões. Súm. 182 do STJ. Precedente. No caso, persiste a conclusão da c. Corte regional sobre a não ocorrência de captação ilícita de sufrágio por não ter o agravante infirmado os fundamentos da decisão agravada.

4. A vedação do uso e cessão de bem público em benefício de candidato, prevista no art. 73, inciso I, da Lei nº 9.504/97, não abrange bem público de uso comum do povo. Precedentes.

5. Agravo regimental não provido.

(TSE, AgR-AI n. 12229/SC, Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, DJE de 07.10.2010.) Grifei.

 

Diante do exposto, acolhendo o parecer ministerial, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por NELSON MARCHEZAN JÚNIOR, mantendo a sentença de improcedência da representação.