RE - 78916 - Sessão: 09/05/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por SILVIO LUIZ SOARES contra a sentença que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições de 2016, em face da existência de gastos com combustível sem a correspondente anotação relativa à cessão ou à locação de veículos, com base no art. 68, inc. III, da Resolução TSE n. 23.463/15 (fl. 17 e verso).

Em razões recursais (fls. 22-25), preliminarmente, alega que o Cartório Eleitoral modificou a forma pela qual as comunicações processuais eram realizadas, o que prejudicou a sua cientificação do prazo para prestar esclarecimentos. Entende que os prazos no processo de contas eleitorais não são preclusivos, mas meramente administrativos. Diante disso, aponta a ocorrência de cerceamento de defesa e requer o conhecimento dos documentos acostados em grau recursal. No mérito, sustenta que os apontamentos do parecer técnico estão saneados pelos documentos que acompanham o apelo, demonstrando a lisura da prestação. Pugna, ao final, pela aprovação das contas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou, em preliminar, pela nulidade da sentença por carência de fundamentação e pela impossibilidade de juntada de documentos na fase recursal. No mérito, lançou parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 44-53).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no dia 30.11.2016 (fl. 18) e o recurso foi interposto no dia 29 do mesmo mês (fl. 19).

Passo à análise da matéria preliminar.

Preliminar: do cerceamento de defesa

Em prefacial, o recorrente assevera que não juntou tempestivamente a documentação saneadora das irregularidades apontadas, devido a uma conduta contraditória do Cartório Eleitoral na realização das comunicações processuais.

Sustenta que a escrivania eleitoral efetivou todas as intimações pertinentes aos feitos eleitorais por meio do Mural Eletrônico. Contudo, no processo em questão, modificou de súbito o procedimento, frustrando o modo de acompanhamento até então adotado pelo advogado e as suas legítimas expectativas, ao fazer publicar a nota de expediente no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral.

Sem razão o candidato, no ponto.

Primeiramente, nos autos em exame, não se verifica nenhuma publicação efetuada por intermédio do Mural Eletrônico, seja anterior ou posterior àquela objeto da controvérsia. Essa circunstância é suficiente para desabonar a tese de surgimento de uma legítima expectativa à parte, gerada pelo comportamento cartorário, de que a comunicação se daria de uma determinada forma, com exclusão de todas as demais.

Em segundo lugar, o Mural Eletrônico, regulamentado pela Portaria n. 259, de 05.8.2016, da Presidência desta Casa, foi instituído com o fim de compatibilizar a exiguidade dos prazos judiciais durante o período eleitoral com as previsões normativas de utilização de mural físico ou de aparelho de fac-símile para a divulgação dos atos processuais, condição que se relaciona apenas às prestações de contas eleitorais de candidatos eleitos.

Relativamente à prestação de contas de candidato não eleito, tal como o presente prestador, há previsão específica, disposta no art. 84, § 2º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que afasta a aplicação daquela plataforma de divulgação, com o seguinte teor: “Na prestação de contas de candidato não eleito, a intimação deve ser realizada pelo órgão oficial de imprensa”.

Assim, agiu com acerto a serventia, pois realizou a intimação na pessoa do mandatário constituído pelo prestador de contas e por meio de nota de expediente divulgada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral (fl. 13v.), instrumento oficial de publicação dos atos judiciais deste Tribunal.

Destarte, rejeito a preliminar, eis que observado o devido procedimento da espécie processual, não cabendo a alegação de cerceamento de defesa.

Preliminar: da nulidade por carência de fundamentação

O parecer técnico conclusivo apontou a possibilidade de existência de recursos de origem não identificada, diante da percepção de doação do Diretório Municipal do PMDB, que, apesar de registrada nas contas do candidato, não foi contabilizada no correspondente processo da agremiação.

Diante disso, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou prefacial de nulidade da sentença por omissão quanto ao enfrentamento dos arts. 23, § 3º, e 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15, que tratam da vedação e das consequências jurídicas afetas às receitas de origem não identificada.

Contudo, não há qualquer lacuna na decisão combatida, a qual analisou o tema, ainda que de forma sucinta, deixando de aplicar os referidos dispositivos normativos, justamente por firmar a compreensão de inexistência de dada qualidade de recursos na movimentação em análise.

Com efeito, verifica-se que o juízo de origem entendeu que o apontamento do parecer conclusivo quanto ao recebimento de recurso estimável em dinheiro, no valor de R$ 197,60, originário ao PMDB de Portão, sem o correspondente registro na movimentação financeira da agremiação, não constitui receita não identificada, mas irregularidade a ser debatida nas contas do doador.

Transcrevo a conclusão da magistrada de primeiro grau:

Quanto às doações recebidas ou efetuadas a outros prestadores, mas não registradas nas suas prestações de contas, considero ser uma falha daqueles que não fizeram os registros nas suas respectivas prestações de contas, e não do candidato.

A conclusão da sentença sobre o ponto não foi objeto de recurso aviado pelo Ministério Público ou qualquer outro interessado, estando essa discusão acobertada pela preclusão.

Ainda que não fosse suficiente a estabilização temporal da demanda, a juntada do recibo eleitoral de folha 38, acompanhando as razões recursais, confere novo arrimo à solução sentencial, reafirmando a exatidão de seus termos.

Portanto, a decisão guerreada enfrentou suficientemente o tema, razão pela qual afasto a preliminar.

Preliminar: do conhecimento de novos documentos em grau recursal

Descabe o argumento defensivo de que os processos de prestação de contas ostentam natureza meramente administrativa, não sendo alcançados pela aplicação de prazos processuais peremptórios e fatais. Diversamente, desde a vigência da Lei n. 12.034/09, que alterou os §§ 5º e 6º do art. 30 da Lei n. 9.504/97, sepultou-se a antiga controvérsia sobre a natureza jurídica do processo de contas, restando consolidado o entendimento acerca do seu caráter jurisdicional, com todos os consectários daí decorrentes.

A despeito de tais considerações, entendo que os documentos que acompanham as razões recursais, ainda que oferecidos em tempo impróprio, podem ser recebidos sem causar grave retardo ou prejuízo à tramitação do feito. Além disso, os esclarecimentos servem para proporcionar um exame mais apurado e confiável sobre a arrecadação e os gastos de campanha, finalidade principal do processo de prestação de contas.

Não olvido de julgados do egrégio TSE no sentido de que “julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos” (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber, DJE 31.10.2016). Contudo, entendo que o rigorismo da preclusão deve ser mitigado em favor do esclarecimento dos fatos.

Decerto, a aferição e fiscalização contábil das contas dos candidatos em campanhas eleitorais, com o máximo de subsídios possíveis, caminha ao encontro do interesse público e da missão institucional da Justiça Eleitoral na garantia da legitimidade do processo eleitoral.

Nesse trilhar principiológico, o STJ tem admitido a juntada de documentos probatórios em sede de apelação, desde que não sejam indispensáveis à propositura da ação, seja garantido o contraditório e ausente qualquer indício de má-fé (REsp 1.176.440-RO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 17.9.2013; REsp 888.467/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01.9.2011).

Na seara eleitoral própria, o posicionamento encontra supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado por reiterada jurisprudência deste Regional, convindo transcrever ementa da seguinte decisão:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento. 

(TRE-RS - RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

Portanto, acolho a preliminar em tela para conhecer dos documentos juntados pelo interessado com o apelo.

Mérito

Passando ao mérito, a contabilidade foi desaprovada pelo juízo a quo sob os seguintes fundamentos:

Analisada a prestação de contas, verificou-se a existência de inconsistência que, ao meu ver, é grave e compromete a regularidade das contas, qual seja:

a) Existência de gasto com combustíveis sem o correspondente registro de locação ou cessão de veículos, caracterizando omissão de despesas ou receitas.

Em relação à ausência de registro de veículo, embora haja gastos com combustível, os documentos das folhas 26 à 30 e 37 – quais sejam, termo de cessão de veículo, procuração de autorização de transferência de veículo, certificado de registro e licenciamento de veículo e extrato de retificação das contas – demonstram a cessão do veículo do próprio candidato para a sua campanha, no valor estimado de doação de R$ 800,00.

Verifica-se que o veículo não constou na declaração de bens do candidato apresentada quando do registro de sua candidatura. Contudo, é possível inferir que tal circunstância deveu-se ao fato de a aquisição ter ocorrido em abril de 2016, por mera tradição do bem, mas não transferido junto às anotações do DETRAN, havendo apenas uma procuração outorgada pelo proprietário registral, a qual confere os poderes de propriedade. Esse expediente negocial é prática comum nas transações envolvendo automóveis usados e capaz de gerar equívocos na declaração de bens, não ilidindo a presunção de boa-fé sobre as informações trazidas pelo prestador.

Apesar de remanescer a ausência de recibo eleitoral, essa irregularidade representa aspecto meramente formal, o qual, em cotejo com a moderação das cifras envolvidas e com a ausência de outras impropriedades, não autoriza, por si só, o grave juízo de desaprovação das contas.

Nessa senda, cito o seguinte precedente:

Recurso especial. Agravo regimental. Prestação de contas de campanha. Eleições 2010. Aprovação com ressalvas.

1. A contabilização, em um único recibo, da doação em valor estimado referente à cessão de veículo e dos serviços prestados como motorista, em princípio, é irregular.

2. Tal irregularidade, contudo, quando verificada uma única vez, além de ser meramente formal, não tem o condão de levar à rejeição das contas.

3. A valoração do serviço de motorista com base no salário mínimo mensal não se mostra desarrazoada.

4. Aprovação das contas com ressalvas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 139305, Acórdão de 07.11.2013, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 228, Data 29.11.2013, Página 16.) (Grifei.)

Portanto, o conjunto da documentação apresentada é suficiente para que se evidencie a regularidade e  a confiabilidade das informações contábeis, bem como a boa-fé do prestador e seu comprometimento no esclarecimento dos apontamentos realizados pela Justiça Eleitoral.

Nesse sentido tem decidido este Regional para casos semelhantes:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Art. 6º da Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento da documentação apresentada em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 52591, Acórdão de 15.3.2017, Relator DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 17.3.2017, Página 7.)

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Contas desaprovadas em razão de ausência de registro de despesa com serviços contábeis, e despesas lançadas com combustível sem o registro de aluguel ou cessão de veículo. Irregularidades sanadas com a juntada de novos documentos quando da interposição do recurso, que comprovam receita estimável em dinheiro referente ao serviço de contabilidade e cessão do veículo próprio do candidato para a sua campanha, o qual constou na declaração de bens quando do registro de candidatura.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 27418, Acórdão de 07.02.2017, Relator DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 22, Data 09.02.2017, Página 4).

Assim sendo, supridas as irregularidades com elementos probatórios juntados pelo candidato, porém persistindo falhas formais, que, no entanto, não comprometem a fidedignidade das contas, devem essas ser aprovadas com ressalvas, com esteio no art. 68, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau para aprovar com ressalvas as contas de SILVIO LUIZ SOARES relativas às eleições municipais de 2016.